sexta-feira, 25 de março de 2022

PRIMEIRAS IMPRESSÕES

O Grande Prêmio do Bahrein deu início à temporada 2022 da Fórmula 1 com uma bela apresentação de disputas por todo o grid.

            A Ferrari sai na frente na disputa pelo título da temporada 2022 da Fórmula 1. Charles LeClerc obteve uma vitória maiúscula no Grande Prêmio do Bahrein, e Carlos Sainz chegou logo atrás, garantindo uma dobradinha para o time de Maranello vista pela última vez na etapa de Singapura em 2019, no que havia sido também o último triunfo do time rosso na categoria.

            Se a dobradinha vermelha só foi possível após o abandono de Max Verstappen, o triunfo de LeClerc foi totalmente merecido, com o monegasco a conquistar a pole-position, e resistir sem titubear às investidas do atual campeão mundial, que até conseguiu discutir e tomar a liderança da prova, para ser logo em seguida superado novamente pelo piloto ferrarista, que em nenhum momento da prova perdeu o controle da situação. E méritos também à Ferrari no box, reagindo sempre às paradas do time dos energéticos, e impossibilitando qualquer chance de serem pegos no contrapé de estratégias de corrida na pista. E olhe que na primeira parada, Verstappen bem que tentou dar o pulo do gato, assumindo a posição de líder, mas somente para perde-la logo a seguir, uma vez que LeClerc não permitiu que o holandês conseguisse se firmar e partiu para o ataque para recuperar a dianteira, num duelo que deixou todo mundo em pé, fosse nas arquibancadas ou nos sofás de casa assistindo pela TV. Para o monegasco, foi uma vitória para lavar a alma do fiasco de 2019, quando ele liderava a corrida, ali mesmo em Sakhir, e tinha tudo para vencer, até o carro dar problemas, e ele ficar a ver navios, vendo a Mercedes assumir a dianteira e faturar a dobradinha, resultado que domingo acabou indo para o time de Maranello, para alegria dos tiffosi.

Charles LeClerc dominou a corrida, vencendo de ponta a ponta, mas não sem ter uma disputa roda a roda com Max Verstappen pela liderança da corrida.

            É cedo para cravar que a Ferrari já é a favorita ao título. A diferença para a Red Bull, na comparação com a luta promovida por Verstappen, contudo, indica que os carros vermelhos podem ser, sim, os bólidos a serem batidos. O excelente trabalho demonstrado na pré-temporada se confirmou, mas a própria Ferrari prefere não cantar vitória antes do tempo, preferindo a postura de cautela, e de que cada etapa pode ser diferente das outras. E, por isso mesmo, não se pode baixar a guarda: A Red Bull mostrou força, e se Max esteve sempre ali nos calcanhares de LeClerc, Sergio Pérez vinha logo atrás de Carlos Sainz Jr., e apesar de nunca ter ameaçado abertamente a posição do espanhol, estava ali por perto. Mas Sainz foi claro ao dizer que ainda precisa se achar melhor no novo SF-75, indicando que pode, e deve, andar melhor, para estar ao lado do companheiro de equipe na luta por vitórias. E isso será vital para impedir que a Red Bull inverta o favoritismo.

            Para Verstappen, pode ser o pior dos mundos: se ele achou o confronto com Lewis Hamilton duro, a luta contra Charles LeClerc não vai ser mole, muito pelo contrário: ambos já tem uma rivalidade muito anterior à do holandês com o heptacampeão, e LeClerc vai aliviar muito menos do que Hamilton aliviaria numa dividida de curva com o piloto da Red Bull. E Carlos Sainz, por sua vez, tem a chance de revanche contra Verstappen, com quem já dividiu a equipe Toro Rosso anos atrás, e por vezes, saiu faíscas entre ambos na luta por posições na pista. Sainz precisou buscar outros caminhos, porque se dependesse da Red Bull, provavelmente teria sido mais um dos nomes queimados pelo time sob o escrutínio de Helmut Marko, que viu em Verstappen seu novo queridinho, e não se cansa de espinafrar os demais pilotos do programa de formação, dentro e fora da F-1. E Sergio Pérez, que diz que está pronto para ajudar Verstappen, vai precisar mostrar serviço dobrado, pois não terá apenas um piloto, mas dois, para travar combate na pista, se quiser ser útil ao holandês.

            A Red Bull mostrou ter um carro rápido, mas parece que a confiabilidade pregou uma peça nos rubrotaurinos, que até o presente momento ainda estão um pouco encafifados com os problemas surgidos em Sakhir. E é preocupante também ver que o novo RBP (Red Bull Powertrain), como alguns chamam a nova unidade de potência utilizada tanto pelo time da Red Bull quanto pela Alpha Tauri (novo apelido dos antigos Honda, que continuam a ser feitos no Japão, mas em um esquema semi-oficial), já apresentou um problema gritante no carro de Pierre Gasly, com direito a incêndio no carro, fazendo com que o francês perdesse potencialmente logo na primeira prova uma das poucas unidades disponíveis para toda a temporada. Diferenças de projeto à parte, o que impede que tal quebra venha a ocorrer também nos carros de Pérez, e principalmente, de Verstappen? Uma preocupação que pode ser séria justo na corrida deste domingo, em Jeddah, uma vez que o circuito da Arábia Saudita tem um grande trecho de alta velocidade, onde os propulsores são exigidos a fundo. A se confirmar toda a potência da nova unidade de força da Ferrari, os rivais podem começar a se preocupar...

Os novos carros mostraram poder andar mais juntos uns dos outros (acima), e vimos muitas disputas de posição entre todo o grid. Já Lewis Hamilton (abaixo) confirmou que a Mercedes tem problemas para serem resolvidos, e salvou um pódio na sorte, com o abandono das Red Bulls.


            Mais do que a perspectiva de termos um duelo Ferrari X Red Bull na temporada, as impressões que pudemos ter da etapa do Bahrein são as mais positivas possíveis. As novas regras técnicas, que mudaram a aerodinâmica dos carros da F-1, com o retorno do efeito-solo, se mostraram bem-sucedidas. Foi nítido ver como os carros puderam andar mais próximos uns dos outros, sem sofrer a turbulência que tanto prejudicou as disputas nos últimos anos. Isso, contudo, não significou ultrapassagens mais tão fáceis como se poderia imaginar. É verdade que houve bem mais disputas e ultrapassagens, mas resgatando um velho ditado, “chegar é uma coisa, passar é outra...” E, de fato, superar o piloto da frente continuou sendo desafiador, exigindo não apenas do carro, mas especialmente do braço do piloto. O DRS continuou a ser uma ferramenta essencial, uma vez que as velocidades de ponta dos carros, apesar de variar entre os bólidos, não facilitou muito as disputas. Mas, com os carros mais no chão, os pilotos puderam se manter próximos uns dos outros, sem perder o controle dos mesmos, e manter a pressão e induzir o adversário ao erro nas disputas, andando colados por muito mais tempo, exigindo concentração total dos pilotos para se evitar ou concretizar uma ultrapassagem.

            Os novos pneus com aro de 18 polegadas, contudo, demonstraram uma durabilidade inferior ao que se imaginava, obrigando os pilotos a irem ao box mais do que se esperava inicialmente. E, claro, o comportamento dos carros, com o efeito do porpoising a assolar com intensidade alguns deles, ajudava a deteriorar os compostos com mais velocidade, com as fritadas de pneus efetuadas por alguns pilotos em determinadas curvas. Conservar os pneus ainda é uma tarefa e trunfo essenciais para o sucesso em uma corrida.

            No que tange à relação de forças, de fato as novas regras mexeram com todos os times. Red Bull e Ferrari se mostraram mais competentes na concepção de seus novos carros, enquanto a Mercedes, campeã de quase uma década inteira, apresentou um projeto que, se não é ruim, vai exigir muito desenvolvimento para se alcançar os principais rivais. Só que será difícil tirar essa diferença, ao contrário de antes. Primeiro, e mais contundente, é o teto orçamentário, que vai limitar os recursos disponíveis para evolução do monoposto. Isso deve atrasar a recuperação da Mercedes, e com isso, comprometer suas expectativas de duelar pelo título este ano. Ninguém duvida que a Mercedes vai chegar lá, mas quando isso vai acontecer, é que é o problema. E, enquanto isso não ocorre, o time de Brackley terá de ir administrando os prejuízos, como fez em Sakhir, e deu sorte com o abandono duplo da Red Bull. Mas isso é algo que não vai acontecer toda hora, e pior, o problema pode não ser apenas no projeto do carro.

            Tirando os carros alemães, que voltaram ao tradicional prateado, todos os demais times equipados pela unidade de potência germânica terminaram em último lugar entre os que cruzaram a linha de chegada. Aston Martin, Williams, e McLaren tiveram desempenhos tenebrosos na etapa barenita, com preocupação especial para o time de Woking, que vinha numa crescente de resultados nos últimos três anos, e neste início de temporada, exibiu uma performance desastrosa em Sakhir. E não se pode nem dizer que Daniel Ricciardo, ainda sentindo os efeitos da Covid-19, fez mais uma apresentação fraca, já que até Lando Norris, apesar de ter conseguido largar muito à frente do australiano, pouco conseguiu fazer na corrida, chegando a terminar até mesmo atrás de Ricciardo na bandeirada de chegada. Williams, e principalmente Aston Martin, tinham expectativas mais positivas para a temporada deste ano, mas saíram do Bahrein completamente desnorteadas. Se os projetos dos times têm suas particularidades, um dado comum a todas elas foi a velocidade em reta, muito menor que a dos demais times na competição, denotando uma possível falta de potência preocupante, que estaria muito inferior à cavalaria dos equipamentos concorrentes. Se é entusiasmante ver a potência das novas UPs da Ferrari, e ver que as unidades da Honda conseguiram se manter competitivas, ninguém esperava que as unidades da Mercedes, as melhores da F-1 desde 2014, dessem uma caída tão grande de performance. Onde foi parar o desempenho do propulsor alemão, especialmente depois do que vimos nas unidades “apimentadas”, como a que foi utilizada por Lewis Hamilton nas últimas corridas do ano passado?

            A Mercedes se defendeu dizendo que o modelo W13 correu com elevado arrasto aerodinâmico, para não mencionar que, sabendo estar atrás de Red Bull e Ferrari, mas à frente do resto, o time alemão resolveu transformar a corrida barenita em uma sessão de testes, cujo único propósito era conseguir entender melhor o novo carro, e minimizar, tanto quanto possível, os prejuízos. O segundo objetivo foi alcançado com sucesso, com Hamilton terminando no pódio, em 3º lugar, e George Russel, em sua estréia como piloto titular do time alemão, terminando em 4º lugar, logo atrás. Se conseguiram encontrar respostas para melhorar o comportamento e a performance do carro, ainda não sabemos. Mas isso explica Hamilton ter feito três pit stops, e utilizado praticamente todas as três gamas de pneus à disposição na corrida, obviamente recolhendo dados do desempenho do chassi W13 frente aos diferentes compostos de pneus. Mas, com a segunda corrida ocorrendo apenas uma semana após a etapa de Sakhir, tudo indica que a etapa em Jeddah, neste final de semana, deve ser mais uma corrida como a de domingo passado: testando soluções e procurando melhor o comportamento do bólido.

            E, por isso mesmo, poderia não se esperar muita coisa diferente na etapa da Arábia Saudita do que a vista no Bahrein semana passada, mas a pista de Jeddah é bem diferente, e isso deve mudar tudo. O circuito de Sakhir, apesar de alguns bons trechos de reta, tem várias curvas fechadas e de baixa velocidade, enquanto a pista saudita, apesar de algunsa trechos apertados, possui um retão onde a potência fará muita diferença. Com os times em sua maioria ainda tateando para buscar os melhores ajustes de seus bólidos, a relação de forças vista na corrida de domingo passado pode se alterar neste domingo, começando pelos treinos oficiais de hoje. Mesmo Red Bull e Ferrari, os melhores times até aqui, podem ter diferenças de performance pelo estilo diferente do circuito de Jeddah.

Com características bem distintas da pista de Sakhir, o circuito de Jeddah pode apresentar um panorama de forças diferente entre os times da F-1 neste final de semana na Arábia Saudita.

            Algumas boas surpresas puderam ser vistas domingo passado. A primeira delas, foi obviamente, a boa forma da Haas, que depois de dois anos tenebrosos, parece oferecer novamente esperança de bons resultados, capaz até de brigar pela liderança do pelotão intermediário. Mas isso, claro, com um piloto efetivo ao volante do carro, e neste quesito, Kevin Magnussen mostrou a que veio, terminando em um belo 5º. lugar. Mesmo sem pilotar um F-1 desde o fim da temporada de 2020, o dinamarquês sentou no carro, e conseguiu não apenas uma boa posição de largada, como um excelente resultado final, ficando atrás apenas das duplas de Ferrari e Mercedes. Óbvio que a quebra das Red Bull ajudou, mas para quem ficou nos últimos anos duelando na rabeira do grid, é uma evolução considerável, que só não é mais comemorada justamente pelo fato de que as características dos circuitos podem influir na relação de forças, ainda incerta, de modo que a Haas pode não ter o mesmo desempenho em outras pistas. Mas também acende um sinal amarelo: Mick Schumacher, com o mesmo carro, ficou em 12º, e se lembrarmos que o alemão dava uma sova em Nikita Mazepin no ano passado, e agora tomou um couro logo na primeira prova de Magnussen, a realidade é que a Haas nunca teria entrado na zona de pontuação se não fosse o desempenho de Kevin, cuja recontratação pelo time norte-americano mostrou-se mais do que acertada.

            Outra boa surpresa foi a performance de Guanyu Zhou, primeiro chinês a competir na F-1, e que chegou como piloto pagante à Alfa Romeo. Zhou teve uma performance sólida durante toda a corrida, e em alguns momentos, chegou a dar um calor em seu próprio companheiro de equipe, Valtteri Bottas, pontuando logo em sua estréia na categoria máxima do automobilismo, com o 10º. Lugar, resultado que, segundo o piloto, serve para calar os críticos de sua chegada à F-1. Mas, claro, precisamos ver se ele manterá o nível, lembrando que Yuki Tsunoda também chegou causando excelente impressão no ano passado, mas que se apagou nas corridas seguintes, com a performance do japonês despencando, e começando a ser crucificado por Helmut Marko. Uma armadilha que Zhou precisa saber evitar, até porque na F-1 você sempre é cobrado pelo resultado mais recente, e se ele não for bom, pior ainda, pois leva mais tempo para apagar más impressões. Que o diga o próprio Bottas, visto como campeão em potencial quando defendia a Williams, mas que se “apagou” quando passou a ser companheiro de Lewis Hamilton, ficando na sombra do inglês a maior parte do tempo, e em determinados momentos, tendo até sua competência como piloto de F-1 questionada. Liderar a Alfa Romeo já ajudou a resgatar um pouco a imagem do finlandês, que teve uma boa posição na largada, e apesar de ter perdido várias posições no arranque, conseguiu fazer uma boa prova de recuperação, finalizando em 6º., marcando pontos com uma também renovada Alfa Romeo, que pode tentar vôos mais ousados sob a batuta do finlandês, e com expectativas bem positivas a respeito de Guanyu Zhou.

            A F-1 começou bem a temporada. Nem tudo são flores, mas a esperança de que a competição fique melhor conforme os times entendam melhor seus carros, e melhores seus ajustes, deve promover maiores duelos na pista. E se a Mercedes conseguir resolver seus problemas, certamente poderemos ver um duelo a três times pelas vitórias nas corridas, e brigas a rodo no pelotão intermediário. As expectativas são boas para vermos o que acontece na pista de Jeddah, pelas suas características diferentes em relação ao circuito de Sakhir, o que pode nos dar melhores indícios do que esperar nos demais circuitos do calendário, ou nos deixar ainda mais confusos, sem certeza do que esperar nas próximas corridas, o que poderia ser ainda mais empolgante, diante das incertezas. Vamos aproveitar o momento, e curtir essa indefinição, antes que a poeira assente, e a competição fique menos imprevisível, o que todos acham inevitável acontecer, uma hora ou outra, mas que só se mostre cada vez mais longe possível...

 

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