sexta-feira, 31 de janeiro de 2020

A DESPEDIDA DE DOIS ÍCONES?

Tony Kanaan (acima) confirmou que em 2020 faz sua despedida da Indycar, correndo apenas 5 provas. Na MotoGP, a Yamaha não terá lugar para Valentino Rossi (abaixo), mas o italiano ainda pode seguir na competição, pelo time satélite da marca, se assim o desejar.

            Durante sua história, e em seus vários campeonatos e modalidades, o mundo esporte a motor criou muitos ídolos, pilotos que se destacaram entre seus pares, com maior ou menor intensidade, arrebatando as torcidas, e ganhando fãs mundo afora. Fãs que acompanham ou acompanharam as trajetórias de seus ídolos, os quais ficaram marcados, geralmente, pelas principais categorias em que passaram boa parte de suas carreiras. E, quando a carreira de um destes ídolos chega ao fim, ou está perto disso, sempre bate aquele sentimento de tristeza por parte dos fãs, sejam deles, ou das categorias onde competiram, por mostrar que um ciclo está se encerrando. A bem da verdade, todo fã gostaria que seu grande ídolo competisse para sempre, por mais que saibamos que uma hora é preciso parar, e seguir com a vida, em uma nova fase.
            Nem sempre isto é fácil. Inúmeros pilotos, nos velhos tempos, tinham sua carreira abreviada devido a motivos bem trágicos, quando a segurança ainda incipiente de seus carros de competição não conseguiam protege-los a contento de algum acidente que sofriam ao volante de seus bólidos. De simples desconhecidos a grandes nomes do esporte, a lista daqueles que podiam ter ido mais longe em suas carreiras é vasta. Nos dias de hoje, felizmente, estes casos passaram a ser a exceção, com a imensa maioria dos profissionais da competição em alta velocidade pendurando seus capacetes por que realmente chegou a hora, ou na pior das hipóteses, acabaram descartados pelas equipes de competição, ficando sem ter um time para defenderem. Mas fica o sentimento de perda por parte de seus fãs, que ficam tristes por não poderem ver mais aquele por que torcem em novas disputas. Alguns aceitam melhor que outros. Por mais tristes, e às vezes, até revoltados que fiquemos, temos que respeitar suas decisões, quando resolvem parar. Já quando ficam sem lugar para correr, mesmo ainda tendo muita disposição e velocidade para mostrar, bem... Aí o sentimento de frustração e talvez até raiva, diante do que pode ser por vezes uma tremenda falta de consideração por parte dos times em relação ao profissional, é mais do que justificável, mesmo que, no final das contas, nada possamos fazer para mudar a situação.
            E esta semana tivemos dois anúncios que deixaram muitos fãs das competições do mundo do esporte a motor griladas. Duas situações que, para muitos, já estavam na hora de chegar mesmo, diante dos acontecimentos recentes e circunstâncias, que indicavam ser esse o caminho inevitável, mas que, como esperançosos que somos, sempre queremos ver esse momento ser adiado um pouco mais, um pouco mais, e assim vai. Bem, nada é para sempre, e em algum momento, isso realmente aconteceria. Resta-nos, então, aproveitarmos as últimas oportunidades que teremos para ver dois grandes nomes da velocidade nas até então últimas provas que eles competirão, e curti-las o máximo que pudermos, e torcer para que estes dois grandes pilotos consigam mostrar o talento que os notabilizaram, a fim de terem despedidas dignas, tanto quanto possível.
            Uma delas é de um brasileiro. Tony Kanaan, aos 45 anos, anunciou que está se despedindo da Indycar, onde competiu por muitos e muitos anos. O piloto baiano anunciou oficialmente que disputará apenas as corridas em circuitos ovais do campeonato deste ano da categoria de monopostos Indy, com destaque para as 500 Milhas de Indianápolis, no fim de maio. O anúncio já era meio que esperado, diante da situação catastrófica da equipe de A. J. Foyt, que só andou para trás nos últimos dois anos, o que ajudou a complicar a situação de seus pilotos. E Kanaan, o piloto mais veterano presente na pista, acabou arrastado para o fim do grid, tendo no ano passado um desempenho pífio, diante da falta de competitividade do time do ex-campeão Anthony Joseph Foyt, sete vezes campeão da antiga F-Indy. E nada indica que a escuderia tenha melhorado sua condição técnica para esta temporada, o que indica que a despedida de Tony não deverá ser como seus fãs gostariam que fosse.
Tony Kanaan, estreando em 1998, na antiga F-Indy, pela equipe Tasman (acima). O piloto disputou as duas últimas temporadas na Indycar pela Foyt (abaixo), com resultados muito abaixo do esperado.
            Aliás, será uma despedida complicada também por fatores alheios ao controle de Tony, que soube que seu carro foi “loteado” para o campeonato com mais dois pilotos, a fim de ser levantada a verba necessária para competir todo o ano, situação ridícula, mas que dá uma amostra de quanto decaiu a Foyt nos últimos dois anos. Sem ter paciência para tirar leite de pedra de um time que não lhe deu o merecido valor, Kanaan optou por disputar somente as corridas em ovais (Indy500, Texas, Richmond, Iowa e Gateway), onde pode ter condições melhores de disputa. O brasileiro fez o anúncio em suas redes sociais, e agradeceu o apoio dos fãs em todos os anos de sua longa carreira, e fez questão de anunciar que ainda não está se aposentando das pistas. Ele apenas confirmou que esta será sua última temporada na Indycar, categoria da qual foi campeão em 2004, quando ainda se chamava Indy Racing League, só não mencionando onde poderá passar a competir. Mas possivelmente ainda o veremos em Indianápolis, onde poderá participar esporadicamente da prova, a exemplo do que vem fazendo seu compatriota Hélio Castro Neves, que nos últimos dois anos tem disputado somente as corridas em Indianápolis no calendário da Indycar, defendendo atualmente o time de Roger Penske no campeonato do IMSA Wheather Tech Sportscar, categoria de endurance dos Estados Unidos. É um possível caminho, onde também já está Matheus Leist, que nos últimos dois anos foi companheiro de equipe de Kanaan na Foyt, e também comeu o pão que o diabo amassou na escuderia.
            Tony foi um dos muitos brasileiros que, na década de 1990, resolveu direcionar sua carreira para o automobilismo norte-americano, onde havia maiores chances de encontrar carros competitivos do que na Europa. Assim, ele estreou em 1996 na Indy Lights, categoria de acesso à antiga F-Indy, sendo campeão em 1997, e em 1998, estreando na antiga Indy, pela equipe Tasman. E mostrando suas credenciais logo de cara, sendo o novato do ano em 1998, e vencendo sua primeira corrida em 1999. Tony permaneceu na F-Indy até o final de 2002, passando também pelo time de Morris Nunn, quando acabou contratado por Michael Andretti para defender sua escuderia na Indy Racing League. E lá foi ele para o outro campeonato, onde já obteve em 2003 sua primeira vitória, sendo campeão em 2004, e conquistando muitos admiradores fora, e até dentro da pista, pela sua capacidade técnica e talento. Infelizmente, não deu para conquistar mais títulos, mas foi vice-campeão em 2005, e 3º colocado em 2007 e 2008. Dispensado pela Andretti ao fim de 2010, Tony teve de rebolar para achar um novo time, acabando por fim na KV, onde fez uma excelente temporada em 2011, terminando o ano em 5º lugar. E em 2013 teve seu grande momento ao vencer as 500 Milhas de Indianápolis, sendo mais um brasileiro a conseguir triunfar na Brickyard Line.
Dois momentos antológicos na carreira de Kanaan: Campeão da IRL em 2004 (acima), e vencedor das 500 Milhas de Indianápolis (abaixo) em 2013.
            Contratado pela Ganassi para 2014, a passagem de Tony pela escuderia foi atribulada e cheia de percalços, que resultou na sua dispensa ao fim de 2017, com resultados aquém do que ele esperava obter. De ponto positivo, sua última vitória na competição, em Fontana, no encerramento da temporada. Indo para a Foyt, as expectativas eram mais modestas em termos de resultados, mas o time, que iniciou uma reestruturação em sua nova parceria com a Chevrolet, se perdeu no desenvolvimento de seus carros, arrastando seus pilotos para o fundo do grid, de onde raramente conseguiram sair. Foram duas temporadas onde Kanaan teve poucas satisfações e muitas decepções. Seu último pódio, em Gateway, no ano passado, depois de uma corrida louca na parte final da prova, apenas demonstrou que ele conserva seu grande talento e capacidade ainda intactos, faltando apenas um carro decente para mostrar o que sabe.
            E esperemos que Tony tenha ao menos um carro decente para suas últimas participações na Indycar. A ausência do brasileiro pode complicar os planos da RedeTV, que estaria tentando negociar a transmissão da categoria, depois do fim do contrato com a Bandeirantes, que não foi renovado. Sem um piloto nacional, pode ser mais complicado emplacar na audiência como a emissora esperava. De qualquer modo, por enquanto, resta aos fãs nacionais a opção de acompanhar as corridas da Indycar pela plataforma de streaming DAZN, que já garantiu a manutenção da categoria em seu leque de opções para 2020.
            O outro comunicado ainda não é bem uma despedida, mas chega perto. A equipe oficial da Yamaha na MotoGP anunciou esta semana que sua dupla titular para a temporada de 2021 será composta por Maverick Viñales, e Fabio Quartararo, piloto que foi uma das sensações da classe rainha do motociclismo na temporada passada, competindo pela equipe satélite SRT, usando a moto da marca dos três diapasões. E isso significa que Valentino Rossi, o “Doutor”, está fora do time, e da MotoGP? Sim, e também não.
Valentino Rossi conquistou sete títulos na MotoGP, desde que estreou na classe rainha em 2000, três deles pela Honda (acima). O "Doutor" ainda travou duelos com vários pilotos, entre eles o novo fenômeno Marc Márquez (abaixo) nos últimos anos.
            A equipe Yamaha tratou de se garantir, uma vez que sua nova estrela, Quartararo, estava sendo assediado por competidores rivais, e quis garantir os préstimos do garoto para si. E como Lin Jarvis já havia dito em momento recente que Rossi não fazia parte do futuro da escuderia, bem... Eis que o piloto mais carismático da categoria, e um dos maiores nomes do motociclismo de todos os tempos, ficou sem lugar no time principal da marca dos três diapasões. Não há como negar que, acima dos 40 anos, muitos competidores já teriam pendurado o capacete, mas não é o caso de Rossi. Ele ainda ama competir, mas os últimos dois anos foram complicados em termos de resultados. Com uma moto que não se mostrou competitiva frente às rivais Honda e Ducati, e em alguns momentos, até mesmo frente às Suzuki, Rossi pelejou para se manter no pelotão da frente. E em alguns momentos, ele até conseguiu ser o melhor piloto da Yamaha na pista, mas conforme a temporada avançava, ele acabou superado por alguns outros pilotos, fazendo todos pensarem seriamente se já não é o momento do “Doutor” pendurar o jaleco (capacete) e deixar as competições.
            Por outro lado, Rossi ainda quer mostrar o que pode fazer, e demonstra uma paixão incomum pela competição, enfrentando oponentes com praticamente metade de sua idade, e ainda se mostrando forte na pista, se tiver um equipamento pelo menos competitivo. Por isso, sua indefinição sobre a temporada do ano que vem, o que o levou a pedir um tempo para a Yamaha, para poder decidir seu destino. Mas a marca japonesa preferiu jogar no seguro, e garantir sua dupla o quanto antes. Mas, do mesmo modo, e para não ser injusta com o histórico de Rossi no time, acenou com a proposta de Valentino competir pela SRT, seu time satélite, onde Quartararo competiu no ano passado, e em onde em vários momentos andou até melhor do que os pilotos do time oficial de fábrica. Poderia ser um rebaixamento, para um time menos competitivo, mas a Yamaha já disse que, em caso positivo, o italiano terá à sua disposição uma moto atual de fábrica, e igual apoio técnico do time oficial, além de um salário de campeão. Ou, simplificando, Rossi terá na SRT o mesmo tratamento e recursos que tem hoje na Yamaha oficial.
            Valentino, contudo, ainda quer pensar a respeito. Ele quer sentir se a Yamaha vai recuperar sua competitividade, e para conferir isso, só quando o campeonato começar, e disputar as primeiras corridas. Se ele sentir o potencial para voltar a disputar vitórias, certamente poderá seguir na pista por mais um ou dois anos, conforme se sentir seguro para isso. Haverá também menos pressão e cobrança, de modo que Valentino poderá ter um pouco mais de tranquilidade para buscar os melhores resultados possíveis. E isso torna a temporada 2020 da MotoGP imperdível para a imensa legião de fãs do “46”, que terão talvez as últimas oportunidades de vê-lo em ação nas pistas, caso o “Doutor” acabe optando por pendurar o capacete realmente. E claro, que possa fazer uma temporada que, se for sua última na pista, seja decente, de acordo com sua longa e vitoriosa história no motociclismo.
            Uma história que começou bem lá atrás, em 1996, quando Valentino estreou na categoria 125cc (hoje Moto3), competindo pela Aprilia, time pelo qual conquistaria o título no ano seguinte, antes de seguir para a 250cc (hoje Moto2), pela mesma marca, onde já foi vice-campeão logo de cara, em 1998, e campeão em 1999. A estréia na classe rainha, ainda chamada de 500cc, foi em 2000, pela Honda, e foi vice-campeão logo em sua primeira temporada. Mas o “Doutor”, apelido pelo qual passou a ser conhecido segundo alguns pela precisão “cirúrgica” de seu estilo de pilotagem, entre outras histórias, como pelo fato de seu sobrenome ser comum entre médicos italianos, ou por ser formado. E o “Doutor” arrasou então na classe principal, sendo pentacampeão por cinco anos consecutivos, entre 2001 e 2005 (os três primeiros pela Honda, e os dois últimos pela Yamaha). Ele foi derrotado em 2006 por Nick Hayden, da Honda, por pouco, e teve um ano um pouco mais difícil em 2007, mas voltaria a ser campeão em 2008 e 2009, atingindo o heptacampeonato na agora MotoGP, além dos dois títulos conquistados nas categorias de acesso.
            Acabou aceitando um desafio na Ducati em 2011 e 2012 que não deu bons resultados, antes de retornar à Yamaha em 2013. Mas tratou de reinventar-se para mostrar que ainda era muito competitivo, e só não foi campeão novamente porque surgiu o fenômeno Marc Márquez, tendo sido vice-campeão por três anos consecutivos, entre 2014 (Márquez campeão), 2015 (Jorge Lorenzo foi o campeão), e 2016 (Márquez novamente campeão). Valentino mostrou que ainda tinha muita lenha para queimar, e em 2018, com uma Yamaha que padeceu no campeonato, ainda foi o 3º colocado. No ano passado, com vários problemas e um comportamento difícil da M1, terminou o ano em 7º lugar, situação que não vivia desde que defendeu a Ducati.
            Não se pode culpar a Yamaha por querer garantir o melhor para seu time oficial diante das necessidades e oportunidades da competição, que sempre é acirrada. Mas a marca japonesa também soube respeitar o legado e o histórico de Rossi no time, e está lhe dando uma saída não apenas honrosa do time oficial, mas lhe dando todas as condições possíveis para que continue dando o melhor de si em seu time satélite, onde certamente terá todas as atenções voltadas para si, o que não teria no time principal, que em nome da competição, precisa olhar para seus dois pilotos. Na SRT Valentino também poderia impor melhor suas opiniões, que nos últimos tempos andaram sendo um pouco ignoradas na Yamaha oficial, o que poderia ter contribuído para a fase difícil do time, ao não ouvir as opiniões de seu grande nome no grid. E, apesar da temporada magra de resultados em 2019, não dá para descartar que, com um equipamento que responda às suas solicitações, Valentino ainda pode ter o que demonstrar. Talvez seja demais pensar em ser campeão, haja visto como Marc Márquez caminha a passos firmes para superar até mesmo seus números, mas talvez voltar a frequentar o pódio, e até brigar por vitórias, poderia ao menos oferecer a Rossi uma despedida mais digna das competições, antes de se retirar do grid. Seu nome ainda arrasta multidões às pistas da MotoGP em todo o mundo, e isso mostra o quanto ele é querido e admirado pelos fãs do esporte.
            Que estes fãs possam aproveitar da melhor maneira as corridas de seu grande ídolo nesta temporada, no caso de ser a última de Rossi, e que ele possa ao menor despedir-se como o grande campeão que é e foi na história do motociclismo...

quarta-feira, 29 de janeiro de 2020

A TRAJETÓRIA DOS CIRCUITOS DA F-1 – SEBRING


            Na série sobre circuitos que sediaram etapas do Mundial de F-1, hoje falarei um pouco da pista de Sebring, localizada na cidade de mesmo nome no Estado da Flórida, nos Estados Unidos. Apesar de ser um nome até razoavelmente conhecido para quem acompanha o universo de competições do mundo do esporte a motor, poucos sabem que o circuito já esteve presente na F-1. Acompanhem então o texto, e conheçam um pouco da história desta pista. Uma boa leitura a todos...



SEBRING

            Quem acompanha a Fórmula 1 e conhece um pouco de sua história já deve ter ouvido falar que as famosas 500 Milhas de Indianápolis já fizeram parte do calendário da categoria máxima do automobilismo, não? Bem, isso era apenas força de expressão, a fim de fazer o campeonato mundial do certame, nascido em 1950, ter ares mesmo de competição mundial. Mas a verdade é que a famosa corrida do circuito oval da capital do Estado de Indiana estava ali apenas por estar, constando nas estatísticas, mas era como um objeto estranho numa sala, estando lá, mas ao mesmo tempo não fazendo parte da sala. Pois era isso que a “participação” da Indy500 era no campeonato de F-1, entre 1950 e 1960. Nenhum piloto que competia na F-1 participava das 500 Milhas de Indianápolis, e vice-versa.
            Foi só em 1959 que os Estados Unidos ganharam de fato aquele que é o seu primeiro Grande Prêmio de Fórmula 1. E o palco do primeiro GP foi uma pista que hoje já se tornou icônica para os fãs do esporte a motor dos Estados Unidos, o Sebring International Raceway, localizado na cidade de Sebring, no Estado da Flórida.
            Curiosamente, a história da pista de Sebring guarda algumas semelhanças com a de Silverstone, a mais tradicional das pistas da Grã-Bretanha. O circuito estadunidense também nasceu de uma base aérea, e ambas com atividades decorrentes da Segunda Guerra Mundial. No caso da pista de Sebring, ela havia sido criada no início dos anos 1940 para servir como campo de treinamento aéreo, em terreno que havia sido doado pela Prefeitura de Sebring para essa finalidade. E a base de treinamento ganhou uma estrutura excelente para a época, quase uma minicidade independente, tendo sido escolhida para sediar cursos de treinamento para pilotos de bombardeiros pesados, os B-17, a primeira dos Estados Unidos com essa finalidade. Isso exigiu que as pistas tivessem placas de concreto reforçado, a fim de aguentar os imensos pesos das aeronaves que ali pousavam e decolavam. E durante os anos da Segunda Guerra Mundial, os trabalhos em Sebring, ou melhor, no Hendricks Army Airfield, como a base era conhecida à época, era frenético.
            Mas, com o fim da guerra, a imensa estrutura montada na base começou a ficar ociosa, diante da diminuição dos trabalhos e movimentação de aviões. Era preciso encontrar uma nova utilidade para o local, a fim de evitar que ele ficasse abandonado, diante das instalações ali construídas. A antiga base acabou se tornando então o Aeroporto Regional de Sebring, e ele segue ativo até os dias de hoje, sendo utilizado para muitos pousos e decolagens de algumas linhas aéreas civis. Mas, e como ele virou também um circuito de corridas?
            Aí entrou em cena Alec Ulmann, um engenheiro aeronáutico que, ao procurar locais para conversão de aeronaves militares para uso civil, notou que as pistas do campo de Sebring poderiam dar um bom local para corridas. E ele apostou nessa idéia, tanto que em 1950, o circuito, montado nas pistas e estradas existentes dentro da antiga base aérea militar, sediou sua primeira corrida, já com o estilo de uma prova de resistência. Apesar do amadorismo como a corrida foi organizada e disputada, ela rendeu um sucesso suficiente para que a empreitada de utilizar o local como autódromo em alguns momentos fosse repetida mais vezes. Tanto que em 1952, começaria a ser disputada ali aquela que se tornaria sua prova mais famosa e tradicional, as 12 Horas de Sebring, uma corrida de longa duração nos mesmos moldes das famosas 24 Horas de Le Mans.
            As 12 Horas de Sebring se tornaram uma das mais famosas corridas dos Estados Unidos, e são disputadas até hoje. Apenas em 1974, devido à crise do Petróleo, a corrida acabou não sendo realizada. Atualmente, a prova faz parte do campeonato de endurance dos Estados Unidos, o IMSA Wheater Tech Sportscar Championship, e a prova já teve três brasileiros vencedores por lá. O primeiro foi Christian Fittipaldi, que venceu as 12 Horas em 2015, competindo pela equipe Action Express na categoria protótipos, em companhia do português João Barbosa e do francês Sébastien Bourdais. No ano seguinte, Pipo Derani, em parceria com os estadunidenses Scott Sharp, Ed Brown, e Johannes van Overbeek, defendendo a equipe Tequila Patrón ESM, subiria ao degrau mais alto do pódio, situação que repetiu em 2018, pela mesma equipe Tequila Patrón ESM, mas agora com os pilotos Johannes van Overbeek e Nicolas Palierre (França). Pipo repetiria novamente a vitória em Sebring no ano passado, agora competindo pela equipe Whelen Engineering Racing, com companhia do compatriota Felipe Nasr, e do estadunidense Eric Curran.
            Uma das grandes dificuldades da pista de Sebring é o piso do seu traçado. Ele utiliza parte das antigas pistas de pouso usadas na época de base militar, e é de se lembrar que, para suportarem o grande peso das aeronaves B-17, as pistas eram de concreto, e beeem grossas. Já as demais pistas internas da base, utilizadas apenas por carros e veículos convencionais, que não tinham a necessidade de suportarem tais pesos, eram de asfalto convencional. Daí que, ao unir estes trechos para se criar o traçado do circuito, de modo também a aproveitar as instalações existentes para uso nos momentos das provas de competição, criou-se uma discrepância de pisos, já que os trechos de concreto e de asfalto oferecem aderência e superfícies distintas, e os pilotos acabam sentindo isso, de modo que é preciso regular bem os carros para evitar que eles fiquem sensíveis demais às mudanças que terão durante a prova, nas trocas de piso. Obviamente, já foram feitas obras tentando equacionar estes pisos, e minimizar as diferenças existentes, mas mesmo assim, é impossível oferecer as mesmas reações tanto da parte de asfalto quanto da parte de concreto no traçado.
            Mas, e a Fórmula 1? Bem, em uma grande jogada, Alec Ulmann conseguiu atrair para sua pista a Fórmula 1, com a realização de uma etapa que encerraria o campeonato de 1959. O traçado era o original montado em 1952, com um total de 8,368 Km de extensão, com cerca de 17 curvas. A corrida foi disputada no dia 12 de dezembro, e contou com 42 voltas, em um percurso total de 351,12 Km. A pole foi do inglês Stirling Moss, com um Cooper-Climax, com o tempo de 3min0s00. A volta mais rápida da prova ficou com o francês Maurice Trintignant, também com um Cooper-Climax, com o tempo de 3min05s00. A prova foi vencida pelo neozelandês Bruce McLaren, também com um Cooper-Climax, com o tempo de 2h12min35s7. Maurice Trintignant terminou a corrida em 2º lugar, com uma diferença de apenas 0,6s para McLaren. Dos 19 carros que largaram, apenas 7 foram classificados, sendo que apenas 6 receberam a bandeirada. Stirling Moss, o pole-position, foi um dos que capitularam no meio da corrida, com problemas de transmissão. O péssimo piso de concreto se mostrou um adversário muito mais tenebroso do que os pilotos poderiam imaginar para seus modernos carros de competição, que vitimaram freios, sistemas de transmissão, e embreagens dos bólidos.
            Por curiosidade, tivemos um brasileiro presente no grid naquela prova. Frederico José Carlos Themudo d’Orey, ou mais simplesmente conhecido como Fritz d'Orey, alinhou na 17ª posição com um carro Maserati Tec-Mec, mas ele foi mais um a ficar pelo meio da corrida, após percorrer apenas 6 voltas, devido a um vazamento de óleo. Infelizmente, a corrida não foi bem-sucedida em termos financeiros, de modo que aliada à péssima condição da pista, contribuiu para Sebring nunca mais sediar uma corrida de F-1. Mas o circuito continua sendo muito usado, ao lado das pistas que hoje recebem os aviões civis em Sebring, para as corridas de longa duração, e vez por outra, recebendo testes da Indycar em seu traçado, cujas dificuldades seguem marcantes para os pilotos, apesar do traçado atual ser um pouco diferente, tendo sido reduzido para 5,954 Km de extensão, tendo pertido em 1987 parte de suas imensas retas, substituídas por trechos menores e com curvas.

 


O traçado utilizado pela Fórmula 1 em 1959 era bem maior do que o existente hoje em dia, com mais de 8 Km de extensão, e a diferença de pisos entre concreto e asfalto castiga os carros durante as corridas disputadas nesta pista. Abaixo, a versão atual do circuito, além de uma vista aérea do local, onde ainda funciona junto à pista o Aeroporto Regional de Sebring.


Traçado atual da pista de Sebring (acima), utilizada nas corridas de endurance disputadas no traçado. Menor e diferente do traçado que em 1959 recebeu a F-1 pela primeira (e única) vez, conforme vemos abaixo, na largada da corrida.