sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

A VOLTA DA ALFA ROMEO


           
Com a Sauber, a marca Alfa Romeo retorna à F-1 após várias décadas de ausência.
            O campeonato de Fórmula 1de 2018 ainda está longe de começar, mas já desperta curiosidades e expectativas do que a competição poderá mostrar no próximo ano. Um dos motivos é quanto poderá render a nova associação McLaren/Renault, mas tratarei disso na coluna da semana que vem. No texto de hoje, o assunto é sobre o retorno à categoria máxima do automobilismo de um dos nomes mais míticos do esporte a motor: a Alfa Romeo, que semana passada foi anunciada como nova “patrocinadora” da Sauber, que se torna, de fato um time “B” da Ferrari a partir do próximo ano.
            Oficialmente, claro, trata-se de uma “parceria” entre a Sauber e a Alfa Romeo, embora, na prática, seja apenas efetivado o uso dos propulsores Ferrari com o nome da marca Alfa no cabeçote do motor, e reforço técnico e financeiro à escuderia, que terá como pilotos Charles Le Clerc, e por força do Grupo Longbow, ainda terão por lá o mala sem alça do Marcus Ericsson, que conseguiu fazer valer o dinheiro de seus patrocinadores, e se garantiu a ferro e fogo na escuderia, que deve ter um desempenho muito melhor do que o desta temporada. Nesta operação, dançaram Pascal Werhlein, apesar de ter marcado os únicos pontos do time (mais um piloto que a F-1 faz dançar, no mau sentido, entre tantos outros), e Antonio Giovinazzi, que esperava ser efetivado com a ajuda de Maranello. Na prática, só o nome Alfa Romeo será usado, já que a motorização continuará a ser da Ferrari. Mesmo assim, é um nome histórico que retorna à F-1, após mais de três décadas de sua última presença na categoria.
            Uma presença que começou logo no seu início, em 1950. A Alfa Romeo era um dos times participantes do primeiro campeonato mundial de F-1, assim como a Maserati, Talbot, e ERA. E um de seus pilotos era Giuseppe “Nino”Farina, que por acaso foi o primeiro pole-position da história da F-1, largando na posição de honra do Grande Prêmio da Inglaterra, em 13 de maio de 1950, dando início oficial ao primeiro campeonato da categoria. Foi dele também a primeira vitória, ao fim das 70 voltas da corrida, que acabou dominada pela marca italiana, que monopolizou o pódio, contando com Luigi Fagioli terminando em 2º lugar, e Reg Parnell, em 3º, os únicos a terminarem na mesma volta do vencedor. E Farina seria o primeiro campeão mundial de F-1, com 3 triunfos no ano, e a Alfa vencendo praticamente todas as corridas da temporada, já que Juan Manuel Fangio venceu as outras 3 restantes. As 500 Milhas de Indianápolis constavam como pertencentes ao campeonato, mas era uma inclusão para inglês ver, já que ninguém competia por lá, de modo que a F-1 propriamente dita só teve mesmo 6 provas, todas dominadas e vencidas pela Alfa Romeo, que repetiria o domínio no ano seguinte, mas com menos intensidade, já que passou a ter a forte concorrência da Ferrari, que venceria suas primeiras corridas. E coube a Juan Manuel Fangio a honra de defender o time, conquistando o seu primeiro título de F-1, e o segundo da Alfa, que seria também o seu último.

Em 1950, no primeiro campeonato da Fórmula 1, a Alfa Romeo foi a campeã com Giuseppe Farina. No ano seguinte, a marca venceria novamente, agora com Juan Manuel Fangio.
            Para 1952, a F-1 mudou o regulamento de seus carros, e sem os recursos necessários para empreender na construção de novos carros com as especificações técnicas, a Alfa deixou a competição. Na década seguinte, a marca participaria do desenvolvimento de alguns projetos de motores, que foram mais utilizados em outras categorias. Mas um retorno mesmo, demoraria muito mais a acontecer de fato na F-1, que cada vez mais crescia e se expandia, com a chegada de novas escuderias, GPs, e fornecedores de motores. Por isso mesmo, era normal o “affair” que a categoria máxima do automobilismo exercia sobre a Alfa. Mas, conversa vai, conversa vem, nada de concreto se apresentava, apesar de um monte de insinuações aqui e ali que nunca davam em lugar algum.
            A fábrica de Milão só voltaria à F-1 efetivamente em 1976, agora como fornecedora de motores, para a equipe Brabham, fornecendo motores boxer de 12 cilindros para o time inglês gerido por Bernie Ecclestone. A intenção era derrotar a Ferrari, o nome mais forte do momento, que desfrutava de um poderoso motor boxer também. E nada melhor do que um propulsor produzido por um rival italiano, para deixar a turma de Maranello bem enfezada. Mas os motores não foram tão competitivos como se esperava: a união durou de 1976 a 1979, e rendeu apenas 2 vitórias e duas poles, em 1978, quando a pedido de Niki Lauda, a marca produziu um motor V-12 para 1979. Mas, como sempre acontece com um equipamento novo, o propulsor em V apesar de rápido e potente, não rendeu a performance esperada, quebrando tanto a ponto de esgotar a paciência não  apenas da Brabham quanto de Lauda, resultando na dispensa dos motores italianos, voltando a usar o fiável e competitivo V-8 da Cosworth antes mesmo do fim da temporada, além do austríaco ter decidido largar a F-1. A essa altura, a Alfa já tinha retornado à competição com um time de fábrica, marcando o seu retorno como escuderia de fábrica à F-1, disputando 5 GPs em 1979, para a partir de 1980 correr toda a temporada.
  
Com a Brabham, a Alfa retornou à F-1 como fornecedora de motores, mas as unidades gastavam muito combustível a mais do que os outros propulsores.
          Mesmo como um time de fábrica, os resultados não apareciam. Quem esperava por uma nova era áurea da marca italiana ficou a ver navios, vendo que os problemas da Alfa não se resumiam apenas a motores pouco competitivos. Seus novos bólidos também estavam longe de encantar, não apenas os torcedores, mas os próprios pilotos. Os carros eram pouco competitivos, tanto no projeto, quanto no motor, que se revelava tremendamente beberrão, consumindo muito mais do que os demais propulsores da categoria, um defeito que já vinha dos tempos em que apenas forneciam propulsores para a Brabham, e que nunca foi devidamente solucionado. Não adiantava serem muito potentes, se gastavam tanto combustível, deixando os carros muito mais pesados do que poderiam ser. Como os times chegaram a usar o recurso do reabastecimento, parte desse revés era compensado, mas em 1984 o reabastecimento não apenas foi proibido como os tanques de combustível tiveram que ser limitados, o que complicou ainda mais a situação de performance dos motores, que mesmo tendo sido mudados para os novos turbos que a F-1 passara a utilizar, não conseguiam melhorar em performance, e continuavam consumindo em demasia. Em 1985, o time ficou praticamente zerado no campeonato, e a Alfa então resolveu deixar novamente a categoria, pelo menos como time completo, passando a fornecer apenas motores a terceiros. Até então, de 1979 a 1985, a marca disputou 97 GPs, marcando apenas 50 pontos, com 2 pole-positions e nenhuma vitória. Os melhores resultados foram 2 segundos lugares e 3 terceiros. Para o investimento e o prestígio da Alfa Romeo, era muito pouco. Continuar apenas fornecendo motores seria bem mais viável.

É a McLaren? Não, é a Alfa Romeo, que voltou à F-1 como equipe oficial ainda em 1979, e em 1981, exibia o patrocínio da Malboro, aqui com Mario Andretti. Os propulsores continuavam sendo muito beberrões e pouco competitivos, e o carro também não ajudava.
            Um acordo com a Ligier para 1986 chegou a ser iniciado, mas após os testes iniciais, René Arnoux disse que o motor era tão ruim que os italianos romperam o contrato ali mesmo, para desistirem de vez da F-1. Restou apenas a pequena equipe Osella, que já vinha usando os propulsores italianos, e ainda utilizou os velhos turbos da marca até o fim da temporada de 1987, sem conseguir sequer algum bom resultado. Por essa altura, a Fiat acabou adquirindo a Alfa Romeo, e como também já era dona da Ferrari, preferiu deixar seus esforços na F-1 centrados na marca de Maranello, encerrando a participação da Alfa na categoria máxima do automobilismo.
            Há anos atrás, com Luca de Montezemolo na direção do Grupo Ferrari, as chances da Alfa Romeo retornar à F-1 eram praticamente nulas. Os esforços de competição eram direcionados apenas para a Ferrari, de modo que não haveria “competição” entre marcas do mesmo grupo. Mas Montezemolo se foi, e Sergio Marchionne, seu substituto, tem outras idéias, e com isso, as perspectivas de retorno da Alfa começaram a surgir recentemente, concretizando-se agora neste acordo com a Sauber.
No seu último ano como equipe própria, a Alfa não marcou nenhum ponto com Eddie Cheever e Ricardo Patrese, que classificaram o carro com um dos piores que já pilotaram.
            Saudosismos à parte, é preciso encarar a realidade que envolve o retorno deste nome de grande fama à F-1. Só o nome está retornando, e o equipamento será da Ferrari. Claro que os técnicos da Alfa poderão desenvolver equipamentos “puro sangue” para a Sauber, e quem sabe, uma unidade de potência, sem precisar utilizar os propulsores de Maranello com outro nome no cabeçote. Se a Sauber viverá dias melhores, isso vai variar. Quando a Red Bull comprou a Minardi na década passada, e a transformou na Toro Rosso, muitos imaginavam que o time sediado em Faenza viveria dias melhores, e quem sabe, até disputasse as primeiras posições. Bem, a Red Bull se tornou um time campeão e vencedor, mas a Toro Rosso até hoje vive no meio do pelotão, ora tendo seus momentos bons, mas sem se tornar um time grande e competitivo. Em tese, a nova Alfa Romeo Sauber deve seguir o mesmo destino: poderá ter algum brilho aqui e ali, mas nunca será tão competitiva e forte quanto a Ferrari. Algo muito diferente do que se viu no Mundial de Endurance nos últimos anos, onde Audi e Porsche, dois times de fábrica, duelaram ferozmente nas pistas da categoria pelo título, mesmo pertencendo a um único dono atualmente, que é o Grupo Volkswagen.
            E que ninguém duvide que, ao “possuir” sob sua rédea outra escuderia, a Ferrari visa aumentar a sua força política na F-1. O time italiano, aliás, já começa a chiar de alguns projetos do grupo Liberty Media, que assumiu a categoria máxima do automobilismo, que pretende simplificar o projeto dos motores híbridos a partir de 2021, e quer renegociar os valores pagos às escuderias nos lucros da F-1, e também “extinguir” o bônus que a Ferrari recebe a título de “equipe histórica” da categoria, por estar presente desde os seus primórdios. Tanto que Maranello já anda dizendo que pode até tirar a Ferrari da F-1. E, se eles tiverem outra escuderia, o prejuízo seria ainda maior, com a retirada tanto da Ferrari em si, como da Alfa Romeo Sauber. E a F-1 ficaria, de um momento para o outro, de 20 para 16 carros, fora o impacto de perder o seu time mais icônico e importante. Há quem pense diferente, no sentido de que, tendo agora dois times para cuidar, a turma de Maranello dificilmente cumpriria tal ameaça, que muitos já consideram um blefe, com o time rosso superestimando sua força e importância para a categoria. Afinal, para quê fazer um investimento tão alto, para depois jogar tudo para o ar? Muito pouco provável, em termos administrativos. Mas a hipótese ventilada acima, de usar essa situação como uma condição para reafirmar sua posição e força, para exigir mudanças no regulamento a seu prazer, e se não for atendida em seus anseios, ameaçar fazer a F-1 perder, de uma só vez, 4 carros no grid, o que poderia comprometer sua imagem como competição mundial de alto nível, também não pode ser descartada.
            Até a Mercedes anda falando em situação parecida, por discordar das novas regras de motores para a próxima década. E aí, na pior das hipóteses, ficaríamos sem Mercedes, Ferrari, e Alfa Romeo Sauber. Mas, poderia até ser benéfico em certos aspectos, pois a F-1 precisaria atrair novos times, e quem sabe, com eles, haveria maior equilíbrio e competição... Mas obviamente, eles não vão querer perder um time como a Ferrari. Mas é bom que ninguém radicalize suas posições, ou alguém resolverá pagar para ver... E nisso, poderia haver muito mais perdas do que ganhos...
            Mas isso é algo para se pensar bem mais adiante. Por enquanto, ficam as expectativas de que com o apoio técnico e financeiro da Alfa Romeu/Ferrari, a Sauber possa deixar o fundo do grid, e ajudar a proporcionar melhores corridas, com mais disputas, e ajudar a fincar novamente o nome Alfa Romeo na F-1 como uma marca de respeito, que mesmo que não vá repetir as glórias do passado distante, que pelo menos não seja motivo de vergonha como foi a sua passagem pela categoria nos saudosos anos 1980. Seja bem-vinda de volta à F-1, Alfa!

 
 

A Alfa Romeo foi fundada em 1910, em Milão, Itália, fundada por Cavaliere Ugo Stella, um aristocrata. O nome Alfa era a sigla de “Anonima Lombarda Fabbrica Automobili”. A direção da empresa foi assumida por um de seus engenheiros, Nicola Romeo, em 1916, assumindo o controle total em 1919, e mudando seu nome para Alfa Romeo em 1920. Com sua falência, anos depois, a Alfa foi encampada pelo governo italiano de Benito Mussolini, que queria fazer dela um orgulho nacional, e motivo de propaganda para seus ideiais fascistas. Foi na Alfa Romeo que um certo Enzo Ferrari começou sua carreira voltada para o automobilismo, primeiro como piloto, e depois como gestor da fábrica. Nesse meio tempo, ele criou uma divisão de competição dentro da própria Alfa chamada de Scuderia Ferrari, que na década seguinte, passaria a gerir, saindo da Alfa para alçar vôos próprios. Quis o destino que Enzo Ferrari e a Alfa Romeo se tornassem competidores no mundo do esporte a motor, ainda que essa rivalidade tenha sido efêmera na F-1. Curiosamente, apesar de seu sucesso inicial, o abandono repentino da Alfa da F-1 para 1952 abortou o sucesso da marca na categoria, enquanto a Ferrari ficou, e tornou-se o mito que é atualmente. Quando a Alfa retornou à categoria máxima do automobilismo, nunca mais foi a mesma que havia brilhado nos dois primeiros campeonatos na F-1. Tanto a Ferrari quanto a Alfa acabariam se tornando parte do mesmo conglomerado, no caso, da Fiat, que assumiu a direção de ambas as marcas no decorrer do tempo. A marca da Cavallino Rampante, símbolo da Ferrari, é conhecida em todo o mundo. A da Alfa Romeo, também icônica, estampa a bandeira da a cruz vermelha, é praticamente o brasão da cidade de Milão, na Itália. A serpente com o homem sendo engolido por ela completa o desenho e representa a família real milanesa. E está na hora deste símbolo voltar a ser mais do que conhecido na F-1...

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