quarta-feira, 11 de maio de 2022

A TRAJETÓRIA DOS CIRCUITOS DA FÓRMULA 1 – WATKINS GLEN

            Voltando a trazer textos sobre circuitos que fizeram parte da história da Fórmula 1, depois de um longo e tenebroso período, hoje falo um pouco da pista que mais vezes sediou o Grande Prêmio dos Estados Unidos, a clássica pista de Watkins Glen, que recebeu a F-1 em nada menos do que 20 edições, com algumas curiosidades de algumas das corridas realizadas por lá. Uma boa leitura a todos...

 

WATKINS GLEN

 

            Neste último domingo, a Fórmula 1 fez a estréia de sua mais nova corrida nos Estados Unidos, mostrando que conquistou definitivamente os fãs norte-americanos da velocidade, ou pelo menos chegou quase nisso, enfim, depois de muitas tentativas realizadas durante muitas e muitas décadas, com algumas experiências interessantes, e outras nem tantas, sendo que algumas das pistas já utilizadas pela categoria máxima do automobilismo em terras do Tio Sam já foram mostradas nesta série de matérias dedicadas aos circuitos que um dia já fizeram (ou fazem) parte da história da F-1. Mas, sobre as pistas dos Estados Unidos, faltava dar uma olhada melhor no circuito que mais vezes sediou provas naquele país. Sim, estamos falando de “Glen”, ou, mais explicitamente, de Watkins Glen, o circuito onde a F-1 finalmente “deu certo” nos Estados Unidos.

            A categoria máxima do automobilismo já havia tentado por duas vezes correr em um verdadeiro Grande Prêmio nos Estados Unidos, pois até então, o que se tinha era uma prova “fake”, com a inclusão das 500 Milhas de Indianápolis no calendário da F-1 apenas para constar, sem nunca ser uma corrida de fato da categoria. As primeiras pistas até que eram interessantes, Sebring, e Riverside, mas não conseguiram cativar o público na medida necessária para viabilizar a corrida, além de terem problemas particulares a serem resolvidos. Portanto, em 1961, a F-1 buscava um novo local para tentar, mais uma vez, conquistar o fã norte-americano da velocidade. E o novo palco escolhido foi um circuito criado alguns anos antes, próximo de uma pequena vila, e que levava o nome desse local: Watkins Glen! Dese o fim dos anos 1940 que se disputavam corridas em um traçado montado em vias públicas, e que atravessava o centro da vila. Mas acidentes, e falta de segurança para o público, motivaram a criação de uma pista exclusiva para abrigar as competições, e assim, a pista de Watkins Glen foi inaugurada em 1956, sendo que no ano seguinte já recebia competições de uma das principais categorias do país, a Nascar. E agora, iniciando os anos 1960, acabava por receber a F-1.

            Assim, no dia 8 de outubro de 1961, a pista de Glen recebia a oitava e última etapa do Campeonato Mundial de F-1 daquele ano. O traçado contava com oito curvas em uma extensão de 3,782 Km, e a primeira corrida foi disputada com 100 voltas, totalizando 378,2 Km de percurso. A primeira pole-position foi de Jack Brabham, com Cooper/Climax, com o tempo de 1min17s0, com Graham Hill, da BRM/Climax dividindo a primeira fila. A vitória acabou com o britânico Innes Ireland, com Lotus/Climax, tendo o norte-americano Dan Gurney, com um Porsche terminando em 2º lugar, tendo recebido a bandeirada de chegada 4s3 atrás do piloto da Lotus. Fechando o pódio, já com uma boa distância, esteve Tony Brooks, com BRM/Climax. Dos 20 pilotos que largaram, apenas 11 receberam a bandeirada. Curiosamente, o triunfo de Ireland na prova inaugural de Watkins Glen foi sua primeira e única vitória na F-1. Jack Brabham fez a melhor volta da corrida, com o tempo de 1min18s2, mas ficou pelo meio do caminho, com superaquecimento no seu carro, ficando a ver navios. Mas o melhor foi que o evento foi um sucesso, ou pelo menos bem melhor sucedido que as edições realizadas em Sebring e Riverside. A F-1 enfim havia encontrado o seu novo lar nos Estados Unidos.



 

            Curiosidade: entre os participantes desta primeira prova em Watkins Glen estavam Jim Hall, e ninguém menos do que Roger Penske. Hall, que se notabilizaria anos depois no automobilismo norte-americano criando os primeiros carros de competição com o chamado efeito-solo nos modelos Chaparral, alinhou em 18º no grid com um Lotus/Climax, e foi um dos pilotos que abandonaram a corrida. Já Penske, que anos depois criaria um império empresarial, e a mais bem-sucedida equipe de competições de automobilismo dos Estados Unidos, largou em 16º com um Cooper/Clímax, e conseguiu terminar a corrida em 8º lugar, quase marcando um ponto, sendo que só pontuavam os 6 primeiros colocados.

            Chamado à época de Watkins Glen Grand Prix Race Course, o circuito seguiu firme sediando as provas da F-1. Em 1971, a pista passaria por uma boa reforma, ganhando os contornos que mantém quase inalterados até hoje, com a mudança do ponto de largada, e a construção de um trecho novo de reta onde a corrida passava a ser iniciada e concluída, além da adição de um novo trecho que ampliou a extensão do traçado para 5,435 Km. A parte remanescente do traçado original foi mantida, tendo agora uma extensão de 3,907 Km, que passou a ser usada como traçado curto para categorias menores. Antes dessa mudança, a F-1 disputara já dez provas no traçado original de Glen, sendo que o recorde da pole-position foi de 1min03s07, obtido por Jack Ickyx em 1970, com Ferrari. O belga também fez a volta mais rápida da corrida, que ficou sendo o recorde da F-1 para o traçado original da pista, com o tempo de 1min02s740. Mas o destaque da corrida ficou por conta do vencedor, um jovem brasileiro chamado Émerson Fittipaldi, que apenas em sua 4ª corrida na categoria, defendendo a Lotus/Ford, conquistava ali sua primeira vitória na F-1, e com o triunfo, dava ao seu companheiro Jochen Rindt, que havia falecido na etapa de Monza, o título póstumo da F-1 de 1970. Na sua última corrida no traçado original, a F-1 disputou a corrida em 108 voltas, totalizando 408,24 Km de percurso. O no trecho da pista ganhou o apelido de “The Boot”, pelo seu desenho parecer o de uma bota.

            Na nova configuração, a primeira pole-position foi de Jackie Stewart, com Tyrrel/Ford, com o tempo de 1min42s642. Mas a vitória na corrida caberia a François Cevert, companheiro do escocês no time de Ken Tyrrel. Jack Ickyx mais uma vez fez a volta mais rápida da prova, obtendo o tempo de 1min43s474 no traçado ampliado de Glen. Essa nova versão da pista durou até 1974, com o recorde oficial da pole-position sendo de Carlos Reutemann, com Brabham/Ford, com 1min38s978. O piloto argentino também seria o vencedor da prova naquele ano, encerrando a temporada, e coroando a conquista do bicampeonato de Émerson Fittipaldi, no primeiro título obtido pela McLaren/Ford em sua história na F-1. O recorde da melhor volta ficou com outro brasileiro, José Carlos Pace, que terminou a corrida em 2º lugar, fazendo a dobradinha da equipe Brabham, e marcou o tempo de 1min40s608. Nesta prova, três pilotos entraram na pista para a decisão do título: o brasileiro Émerson Fittipaldi; o suíço Clay Regazzoni (Ferrari), e o sul-africano Jody Schekter (Tyrrel/Ford). Schekter abandonou a corrida, e Regazzoni terminou apenas em 11º, de modo que bastou o 4º lugar para Fittipaldi faturar o título. Com um traçado maior, a prova da F-1 também reduziu o número de voltas, com o GP passando a ser realizado em 59 voltas, com um percurso total de 320,665 Km.


 

            Em 1975, houve uma mudança sutil no circuito, com a chicane “The Esses” ficando mais fechada, o que obrigou os pilotos a ter de frear mais para contorna-la. A extensão do traçado continuou com seus 5,435 Km, mas a chicane mais fechada fez aumentar os tempos de volta na pista. Tal mudança foi provocada pelo acidente fatal de François Cevert, ocorrido na etapa de 1973, com o estreitamento da chicane obrigando os carros a passarem por aquele trecho em menor velocidade, e mais segurança, um problema que começa a ficar mais crônico nos anos 1970, devido ao aumento da performance dos carros, sem que as pistas evoluíssem no mesmo aspecto, ficando menos seguras e mais propensas a acidentes. Niki Lauda, com Ferrari, marcou a pole daquele ano com o tempo de 1min42s003, cerca de pouco mais de 3s mais lento que a pole do ano anterior de Reutemann. O austríaco venceria a prova, que encerrou a temporada de 1975, e diferente do ano anterior, já tinha ocorrido a decisão do título na corrida anterior, na Itália, onde Lauda havia conquistado seu primeiro título na F-1. A melhor volta coube a Émerson Fittipaldi, que terminou a corrida em 2º lugar, com McLaren/Ford, com o tempo de 1min43s374, na prova que marcaria sua despedida do time fundado por Bruce McLaren, e da condição de protagonista da categoria máxima do automobilismo, já que a partir do ano seguinte, o brasileiro passaria a defender o time fundado por seu irmão Wilsinho Fittipaldi, onde ficou até o fim de seus dias na F-1.

            A corrida de 1975 também seria a última corrida da F-1 em Watikins Glen com o título de Grande Prêmio dos Estados Unidos. A partir de 1976, este GP passou a se chamar Grande Prêmio dos Estados Unidos-Leste, já que a F-1 conseguiu realizar outra corrida nos Estados Unidos, em um circuito urbano montado nas ruas da cidade de Long Beach, na Califórnia, que passou a se chamar de Grande Prêmio dos Estados Unidos-Oeste. A escalada de velocidade dos F-1, com a adoção do recurso do efeito-solo, começou a complicar a situação de Watkins Glen como sede da corrida, já que as condições de segurança da pista não sofriam melhorias para evitar a ocorrência de acidentes mais fortes. O crescente sucesso da prova em Long Beach também fez a F-1 depreciar o velho circuito, que em 1980 sediaria pela última vez uma corrida da categoria máxima do automobilismo. Neste ano de sua despedida, a corrida foi vencida por Alan Jones, com Williams/Ford, com Bruno Giacomelli, da Alfa Romeo, a marcar a pole-position, com o tempo de 1min33s291. Jones, que foi o campeão da temporada, marcou também a melhor volta, com o tempo de 1min34s068. Essas se tornaram as marcas recordes da pista para a F-1, que nunca mais voltaria ao circuito.

            As condições de segurança da pista, apesar de alguns esforços dos organizadores, continuavam temerárias, e as condições do asfalto não eram nada boas. Nada menos que seis pilotos acabaram sofrendo acidentes nesta última edição do GP de F-1 em Glen, mas felizmente, sem consequências sérias, apesar de Alain Prost, então em sua temporada de estréia na categoria, ter ficado inconsciente após bater nos treinos, e ter sido vetado de correr pelos médicos na prova. Outro problema que ajudou o circuito a ficar sem a F-1 foi a dívida da pista com os times da categoria, já que prêmios de participação da corrida não foram pagos. Assim, o circuito, depois de sediar 20 corridas da F-1, despediu-se da categoria, mas sendo até hoje a pista que mais vezes recebeu a competição na história. Esta corrida de adeus de 1980 também marcou a despedida de dois campeões da categoria: Émerson Fittipaldi, bicampeão em 1972 e 1974, pendurava o capacete na F-1, depois de cinco temporadas infrutíferas defendendo seu próprio time, a Fittipaldi; e Jody Schekter, o campeão de 1979, que também deixava as pistas, depois de um ano muito conturbado com a Ferrari, onde ficou apenas em 19º no campeonato. Aliás, para quem criticava a equipe Fittipaldi, nesta temporada de 1980 a escuderia brasileira terminou o ano em 8º lugar, com 11 pontos, e dois pódios de 3º lugar, enquanto a própria Ferrari ficava apenas em 10º lugar, com apenas 8 pontos. Outro time famoso da competição, a McLaren, terminou o ano com os mesmos 11 pontos da Fittipaldi, mas com dois 4º lugares como melhor resultado.

Dois momentos distintos vividos em Watkins Glen: em 1970 (acima), Émerson Fittipaldi, então um ainda novato na F-1, conquistava na pista dos Estados Unidos sua primeira vitória na categoria; já em 1980 (abaixo), ele disputaria na mesma pista sua última corrida na F-1.


 

Quanto a Watkins Glen, a pista havia se notabilizado por ter sediado uma grande variedade de outros eventos automobilísticos ao longo dos anos, desde provas das categorias Can-Am, Trans-Am, IROC e Endurance Sports, e até a Fórmula 5000 e a antiga F-Indy, fortalecendo a reputação do circuito como o principal autódromo misto de competições nos Estados Unidos. De 1968 a 1981, Glen também sediou a corrida de resistência "Six Hours at The Glen", que contou com a participação de grandes pilotos como Mario Andretti, Jacky Ickx, Pedro Rodríguez, e Derek Bell. Muitas vezes, corridas diferentes aconteciam juntas no mesmo fim de semana, atraindo multidões consideráveis de fãs. No entanto, sem ter mais a corrida de Fórmula 1, o circuito perdeu a atratividade, passando a lutar para sobreviver, até que finalmente declarou falência e fechou em 1981. O autódromo ficaria dois anos praticamente no abandono, até ser comprado por novos donos, que restauraram suas instalações e o traçado, devolvendo a chicane “The Esses” ao seu layout original até 1974. A pista reabriu então em 1984, voltando a sediar corridas das mais variadas categorias do automobilismo norte-americano, como a IMSA, e a Nascar.

Em 1992, a pista sofreu sua última alteração, com a introdução de uma nova chicane, chamada de “Inner Loop” no final da reta Back Straigh, a fim de reduzir a velocidade dos carros na tomada da curva Outer Loop, que vinha registrando alguns acidentes devido à aproximação dos carros em alta velocidade. Em 2005, a Indy Racing League promoveu a volta das competições de monopostos a Watkins Glen, que não via uma competição do gênero desde a prova de despedida da F-1, 25 anos antes. Anteriormente, o circuito já havia sediado três corridas da antiga F-Indy. A IRL, posteriormente Indycar, disputou provas na pista em 2005, 2006, 2007, 2008, 2009, 2010, 2016, e 2017, quando lá esteve pela última vez. O circuito continuou a receber outras categorias como a Nascar, e o IMSA Wheather Tech, entre outras competições. Em 2020, devido à pandemia da Covid-19, o circuito esteve fechado, sem receber nenhuma competição, cenário que vem sendo mudado com o retorno gradual das competições a partir de 2021. A F-1, contudo, hoje é um passado distante para o circuito.



Vistas aéreas da pista de Watkins Glen: atualmente (mais no alto), e nos anos 1970 (acima). Abaixo, a Indycar disputou em 2017 sua última corrida no circuito.



 

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