quinta-feira, 11 de abril de 2019

O MILÉSIMO GP: QUEM VENCERÁ?

Silverstone: 13 de maio de 1950: Largada para a primeira corrida da Fórmula 1.

            A Fórmula 1 está atingindo um número solene neste final de semana. A categoria máxima do automobilismo disputará neste domingo seu milésimo Grande Prêmio, com a realização da prova da China, no belo circuito de Shanghai. Sim, praticamente 68 anos, 10 meses e 25 dias depois da realização da primeira prova, em 13 de maio de 1950, a F-1 alcançará a marca de mil provas. Algo a ser comemorado, realmente. Quando o campeonato foi criado à época, reunindo em uma só disputa os vários “Grand Prix” que eram realizados no Velho Continente, duvido muito que qualquer um dos participantes de 1950 imaginasse que a então nascente Formula 1 iria durar tanto. Mas, os anos e temporadas foram passando, as provas acontecendo, e enfim chegamos à marca histórica, cujos primeiros treinos livres ocorrem nesta sexta-feira, dando início às atividades oficiais do milésimo GP da história.
            O único ponto negativo em que muitos concordam, é que o palco da milésima corrida da F-1 ocorra em um lugar onde a categoria simplesmente não empolga o público, nem tampouco tem a tradição histórica entre os fãs do automobilismo. Apesar de ser disputado desde 2004, a F-1 até hoje não decolou exatamente na China. Apesar do belo traçado do circuito de Shanghai, e de sua impressionante estrutura, os chineses não criaram identidade com a categoria até hoje. O público presente nas corridas não tem sido ruim, mas também não é de encher as arquibancadas do autódromo, que possui alguns lances de arquibancadas que foram transformadas em outdoors gigantes há anos, por sempre estarem vazias.
            Muitos gostariam que o milésimo GP fosse no continente onde a categoria nasceu, a Europa, e é difícil não concordar. Afinal, qualquer corrida no Velho Continente arrasta sempre fãs ardorosos e apaixonados pela F-1, em maior ou menor grau, e seria mais do que justo que tal data pudesse ser comemorada por lá. Mas Bernie Ecclestone, em sua busca incessante por novos e muito mais lucrativos acordos para realização de GPs, tornou a Europa palco minoritário do calendário, com pouco mais da metade das corridas ocorrendo mundo afora. Então, as chances só não ficaram mais equilibradas pela disposição do calendário, fora a pouca vontade de se mudar a data de alguma corrida para realização deste momento comemorativo.
            Contando com poucas corridas em sua primeira década de existência, a F-1 só foi atingir a marca de 100 Gps em 1961, tendo como palco o Nordscheleife, o célebre traçado de mais de 20 Km de extensão de Nurburgring, na Alemanha, mais conhecido como “Inferno Verde”, pela sua extensão e suas intermináveis curvas, algo impensável para os dias de hoje, e que marcou a última vitória de Stirling Moss na F-1. Moss, o campeão que nunca foi, tendo sido 4 vezes vice-campeão. Teria sido uma compensação do destino por nunca chegar ao título da categoria?
            Uma década mais tarde, e a F-1 chegaria à sua 200ª corrida, e no palco mais charmoso de todos, Monte Carlo. E coube a um dos maiores talentos da época, Jackie Stewart, a honra de vencer a corrida bicentenária da categoria. A partir dos anos 1970, o campeonato da F-1 passou a ter mais corridas disputadas, e por isso, antes mesmo do fim da década, chegaria ao seu 300º GP, que acabou por ser o Grande Prêmio da África do Sul, em Kyalami. Com uma prova disputada, que teve cinco líderes, o triunfo acabou nas mãos de Ronnie Petterson, o “sueco voador”, que infelizmente perderia a vida alguns meses depois, em consequência de um acidente sofrido na largada do GP da Itália, em um ano que glória e tragédia para a Lotus.
            A Europa viu sua última corrida centenária da F-1 no já distante ano de 1984, quando a categoria disputou seu 400º GP, tendo como palco a prova da Áustria, em Zeltweg. E no ano em que se consagrou tricampeão, coube a Niki Lauda fazer as honras da casa, e rechear o seu já vitorioso currículo com o triunfo em casa na veloz pista, em um ano onde a McLaren não deu chances à concorrência, restringindo a luta pelo título à sua dupla de pilotos. E nesta corrida, Lauda fez valer não apenas o seu equipamento, mas também o seu talento, pois mesmo tendo problemas enfrentados no câmbio de seu carro, conseguiu manter a corrida sob controle, para chegar mais de 20s à frente de Nélson Piquet.
Em 1990, Nélson Piquet venceu a 500ª prova da F-1 com um duelo eletrizante com Nigel Mansell nas voltas finais da corrida.
            O piloto brasileiro, aliás, teve sua oportunidade de entrar para a lista de vencedores centenários alguns anos mais tarde, quando a F-1 chegou a seu 500º, justamente na etapa que encerrava a temporada de 1990, no GP da Austrália, na cidade de Adelaide. O GP histórico motivou a FIA a fazer festividades para comemorar a data, inclusive com a presença de vários ex-campeões, como Jack Brabham, James Hunt, e Juan Manuel Fangio. Ayrton Senna tinha tudo para vencer a corrida, largando na pole, e comandando a corrida com folga, até ter problemas de freio e bater, deixando a corrida. Piquet, que vinha em 2º lugar, assumiu a liderança, e ainda teve um duelo épico nas voltas finais com seu velho rival Nigel Mansell para receber a bandeirada da 500ª prova com um show de pilotagem merecido de seu talento como tricampeão.
            A 600º e a 700º corridas da F-1 acabaram ocorrendo em terras sul-americanas. Em 1997, a Argentina recebeu a 600º prova, que acabou vencida pelo canadense Jacques Villeneuve, no ano em que conquistou o seu único título na F-1, e o último da história da Williams. Já a prova centenária seguinte teve como palco o GP Brasil de 2003, numa corrida das mais tumultuadas, graças à chuva, e a um violento acidente nas voltas finais, de Mark Webber, da Jaguar, cujo carro ainda acabou sendo atingido pelo de Fernando Alonso, então na Renault. A corrida, já em sua parte final, acabou recebendo bandeira vermelha, e por uma confusão na interpretação das regras, a vitória acabou sendo dada a Kimi Raikkonen, da McLaren, antes que tudo fosse analisado adequadamente, e se confirmasse que o triunfo na verdade foi de Giancarlo Fisichella, da Jordan. O italiano recebeu o troféu algumas semanas mais tarde, na etapa seguinte, em San Marino.
            Mas este não seria o único GP centenário com confusão. A prova seguinte, o 800º GP, acabou sendo a etapa de Cingapura, em 2008, prova vencida por Fernando Alonso, então na Renault, que se aproveitou de um pit stop feito pouco antes de Nelsinho Piquet, seu companheiro de equipe, bater e provocar um Safety Car. O problema é que, como acabou sendo revelado no ano seguinte, a batida foi premeditada, a mando de Flavio Briatore e Pat Symonds, da Renault, para justamente permitir a vitória do espanhol. O que deveria ter sido uma etapa festiva para uma corrida centenária, acabou virando palco de um escândalo.
Anos depois, pelo menos o 900º transcorreu sem problemas, no GP do Bahrein de 2014, e ainda vimos um duelo titânico entre a dupla da Mercedes, Nico Rosberg e Lewis Hamilton, pela vitória na corrida, que acabou vencida pelo inglês, que chegaria ao bicampeonato ao final do ano, iniciando o período de dominação da Mercedes na F-1 que até hoje não se encerrou.
Vencedor do GP Nº 900, Lewis Hamilton pode ser o primeiro piloto a vencer duas provas centenárias da Fórmula 1.
Curiosamente, Hamilton tem a oportunidade, neste final de semana, de se tornar o único piloto a vencer mais de um GP centenário. A Mercedes ainda é uma força na competição, e apesar da forte oposição da Ferrari, que tem um carro aparentemente mais forte, mas menos confiável, como se viu nas duas etapas anteriores, as chances de Lewis triunfar ainda são bastante altas. Até hoje nenhum piloto conseguiu obter mais de dois triunfos em corridas centenárias.
De início, o motivo era até bem óbvio: com quase uma década separando uma prova da outra, dificilmente quem vencia uma corrida ainda estaria na competição na época da prova seguinte. As carreiras duravam menos tempo naquela época, até pelas condições de segurança muito mais precárias que nos dias de hoje. Com o aumento de Gps por temporada, este intervalo diminuiu, de modo que alguns pilotos tiveram oportunidade de disputar mais de uma destas corridas. Mas vencer já era outro problema. Atualmente, com cada temporada tendo até mais de 20 provas, tornou-se ainda mais fácil os pilotos terem chance de competirem em mais de um GP centenário, já que a diferença passou a ser de apenas 5 anos entre uma corrida e outra, algo que não era tão fácil antigamente. E, ironicamente, alguns dos maiores nomes da história da categoria máxima do automobilismo passaram por suas carreiras sem conseguirem, ou terem a chance de vencer uma destas provas.
Michael Schumacher acabou abandonando as duas provas centenárias que disputou, na Argentina/1997, e no Brasil/2003. Em 2008, ele estava aposentado, e quando retornou para as temporadas 2010 a 2012, não teve chance de alinhar em nenhuma corrida centenária. Ayrton Senna caminhava para vencer a corrida 500, mas também abandonou, vítima de problemas de freios, perdendo sua única chance real, já que em 1984 o paulista estreou na F-1, competindo pela modesta Toleman, sem chances reais de vencer corridas em condições normais. Alain Prost correu nas provas 400 e 500, mas o francês abandonou na prova 400, no ano de domínio da McLaren, e na corrida 500, teve uma performance abaixo da habitual, apesar de ter subido ao pódio em 3º lugar. Jim Clark, o grande nome da década de 1960, foi 4º colocado na corrida 100, não tendo vivido para ver a corrida 200. Outro grande nome dos anos 1960, Jack Brabham, correu apenas nesta 100ª prova, onde acabou abandonando. E Juan Manuel Fangio, um dos maiores nomes da F-1 em toda a sua história, correu apenas na primeira década de existência da F-1, antes que a categoria chegasse à sua 100ª corrida.
Ayrton Senna, Alain Prost e Michael Schumacher: os três grandes campeões nunca conseguiram vencer uma prova centenária da F-1.
            Em compensação, três provas foram vencidas por tricampeões mundiais: Jackie Stewart (200ª prova); Niki Lauda (400ª prova), e Nélson Piquet (500ª corrida). Giancarlo Fisichella foi o único piloto não-campeão da F-1, ao lado de Stirling Moss, a vencer uma prova centenária, e o piloto de menor currículo neste sentido, ao passo que o inglês averbou 4 vice-títulos; além de Ronnie Peterson, que ainda foi vice-campeão no ano em que venceu a 300ª prova, mesmo tendo falecido antes do final da temporada. Dos campeões, Jacques Villeneuve foi o único a ser campeão apenas uma vez, Fernando Alonso foi bicampeão mundial, e Lewis Hamilton é atualmente pentacampeão, ainda em atividade, e com chances de se tornar o maior vencedor da história da categoria.
            Por provas, a Lotus foi quem mais venceu, com 2 triunfos, obtidos por Moss em 1961, e Peterson, em 1978. Todas as outras corridas foram vencidas por equipes que não conseguiram repetir o feito: A Tyrrel venceu em 1971; a McLaren triunfou em 1984; a Benetton venceu em 1990; a Williams faturou em 1997; a Jordan deu sorte em 2003; e a Renault conseguiu seu triunfo em 2008. A Mercedes, vencedora da prova 900, tem chance de igualar a marca da Lotus neste domingo, caso um de seus pilotos vença a corrida. Único time remanescente dos primórdios da F-1, a Ferrari jamais venceu uma corrida centenária em todos estes anos. No seu maior período de domínio, entre 2000 e 2004, Michael Schumacher abandonou a corrida 700, como já mencionei, e Rubens Barrichello, que tinha boas chances de vencer a corrida, e tornar-se o segundo piloto tupiniquim a vencer uma destas provas, abandonou com uma bizarra pane seca sobre a qual até hoje pairam dúvidas sobre o erro cometido pelo time no box, dada a competência da escuderia italiana naqueles tempos. Há quem afirme que, se vencesse a corrida, Barrichello ficaria à frente de Schumacher no campeonato, e isso poderia mexer com os brios do alemão, que não gostava de ser desafiado por seus companheiros de equipe, e por isso, o “erro” que teria acometido o piloto brasileiro, uma vez que Michael havia rodado e batido com o carro na pista molhada naquele dia. Segredos de bastidores que provavelmente nunca saberemos a verdade...
            Mas o time rosso, a manter a boa forma exibida em Sakhir há duas semanas, tem boas chances de finalmente sair da fila, e inscrever o nome da mais tradicional escuderia da F-1 no rol das vencedoras de corridas centenárias da categoria. Seria merecido, pela história da equipe italiana na competição. Afinal, se o destino premiou até mesmo a modesta Jordan com um triunfo, ainda que oriundo de um resultado obtido em uma corrida maluca, por que não o time de Maranello? E, sem desmerecer o time de Eddie Jordan, todos as escuderias que venceram GPs centenários fizeram por merecê-lo, além de serem grandes forças da F-1 em suas melhores épocas. A Lotus, até quebrar em 1994, era a grande adversária da Ferrari nas estatísticas de sucesso da F-1, posto que seria ocupado por Williams, e depois pela McLaren. A Renault tinha enorme tradição, e já tinha tido seu período de domínio como fornecedora de motores, e a Mercedes, antes de vencer a última prova centenária, já havia sido campeã nos anos 1950, e nos anos 1990 e 2000 como fornecedora de motores para a McLaren e a Brawn GP. E muitos podem nem lembrar mais da Tyrrel, mas a escuderia, em seus primeiros anos, foi uma força respeitada na F-1...
A pista de Shanghai, na China, será o palco do milésimo GP.
            Independente de quem vença a corrida, a torcida de todos é por uma grande prova, com muitos duelos, brigas por posições, e um grande show, como já foram outras provas centenárias. A pista é boa, e no Bahrein as novas regras técnicas ajudaram os pilotos a batalharem com mais facilidade pelas posições na pista, sem sofrerem tanta turbulência aerodinâmica quanto nos últimos anos. Com um pelotão intermediário onde as brigas prometem correr soltas, uma Ferrari que pinta como possível grande favorita, mas com a Mercedes pronta para aproveitar as oportunidades que surgirem, além de uma Red Bull procurando chegar mais perto, temos boas chances de vermos uma corrida de entusiasmar. Que as expectativas possam se confirmar, e a F-1 comemore dignamente a sua milésima corrida.
            E, a partir daí, começa a contagem regressiva rumo ao 2.000º GP...


A F-E chega à Europa para dar seguimento ao seu campeonato, e a primeira parada é Roma, a capital da Itália. O canal pago FoxSports 2 começa a transmissão da etapa a partir das 9:45 Hrs. da manhã deste sábado, com um apanhado geral dos treinos livres e da classificação, para depois entrar com a corrida ao vivo. A competição segue sem um favorito destacado, e o português Antonio Félix da Costa, da BMW Andretti, defende a liderança da competição com 62 pontos, apenas 1 a mais que o belga Jerôme D’Ambrosio, da Mahindra. Um pouco mais atrás, mas com os líderes em sua alça de mira, estão o francês Jean-Éric Vergne, da Techeetah, o atual campeão da categoria; o inglês Sam Bird, da Virgin; e o brasileiro Lucas Di Grassi, da Audi ABT. Até agora, nenhum piloto conseguiu vencer mais de uma corrida na temporada. Será que a escrita será quebrada em Roma? Ou será que poderemos ter mais um vencedor na temporada? Pelo que se viu até agora, tudo pode acontecer na pista, e quanto mais gente disputando as primeiras colocações, melhor.

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