sexta-feira, 19 de abril de 2019

COMEMORAÇÃO BROXANTE

Lewis Hamilton comemorou a vitória na prova Nº 1000 da F-1, na China, e assumiu a liderança do campeonato.

            A Fórmula 1 tinha muito o que comemorar por parte de sua milésima corrida disputada, domingo passado, no Grande Prêmio da China, no autódromo de Shanghai. Infelizmente, foi um evento que ficou muito a dever ao de outras oportunidades centenárias, em especial à de número 500, realizada lá no distante ano de 1990 em Adelaide, na Austrália. E não falo apenas pela muito melhor receptividade dos australianos no seu GP em relação aos chineses.
            Não houve maiores eventos ligados à prova que relevassem a marca histórica atingida pela categoria máxima do automobilismo. Nem mesmo a presença de campeões do passado para enaltecer a marca atingida, ou coisa que o valha de forma relevante. Uma abertura especial para a etapa não chega a ser algo tão proeminente, embora a iniciativa fosse válida, assim como foi a bandeirada dada por Alain Prost, o “Professor”, ao vencedor da milésima corrida. Boas iniciativas, é verdade, mas pouco, pelo que o momento justificava. Para muitos, falha capital do Liberty Media, grupo proprietário da F-1 desde 2017, a não dar a devida importância a esta marca histórica atingida. E, como já havia mencionado na coluna passada, mais um revés por ter sido esta milésima prova disputada em palco sem tradição e sintonia com o público. Fosse na Europa, a festa do público, além de outras atividades comemorativas em relação à data certamente teriam sido efetivadas, algo que nem sempre é do estilo dos chineses.
            Nem mesmo Bernie Ecclestone esteve presente neste momento. A desculpa de um momento médico delicado é real, mas para muitos, o ex-dirigente da categoria teria dado muito mais tempero a este momento, se ainda estivesse no comando da categoria. Crítica que se inclui ao Liberty nada ter feito no sentido de alterar o calendário para que tão importante data pudesse cair em uma prova mais sintonizada com o público que realmente ama e curte a F-1.
            Restava a esperança, então, de que pelo menos a corrida fosse disputada. Afinal, a etapa do Bahrein havia sido bem interessante, e se não foi de arrepiar os torcedores, pelo menos mostrou muita disputa, incerteza, duelos e até drama. Se a corrida chinesa conseguisse pelo menos repetir a dose da prova barenita, estaria de bom tamanho. Infelizmente, não tivemos sorte neste aspecto, e a prova chinesa foi a mais enfadonha de todos os GPs centenários de que há memória. A F-1 merecia muito mais do que o que se viu na pista, com quase nenhuma disputa que cativasse o público.
            Se compararmos ao que havia sido apresentado no 500º GP, na Austrália em 1990, a comparação chega a ser covardia, com a prova chinesa perdendo em praticamente todos os aspectos, começando pelo número de competidores, bem maior, em uma época onda a F-1 ainda permitia a existência de times menores, apesar das dificuldades cada vez mais evidentes de se competir na categoria. E a imagem dos duelos travados por Nélson Piquet, que largara em 7º, e foi galgando posições até chegar à liderança, reforçada pela luta contra Nigel Mansell nas voltas finais, culminando em uma fechada antológica de Piquet sobre o inglês que deixou todo mundo tremendo naquele momento, contrasta bruscamente com a quase completa ausência de disputa pela vitória vista na corrida em Shanghai.
Hamilton largou melhor e comando a corrida como quis, secundado por Valtteri Bottas, que não conseguiu ameaçar a liderança do companheiro de equipe.
            Lewis Hamilton não largou na pole, mas arrancou muito melhor, e chegou à primeira curva na liderança, de onde praticamente não sairia mais. Valtteri Bottas, numa performance melhor do que no Bahrein, comboiou o companheiro de equipe quase toda a corrida, mas Hamilton nunca deu chances ao finlandês de ser atacado, mantendo uma vantagem pequena, mas firme na liderança. Bottas em nenhum momento conseguiu partir para cima e desafiar o comando do companheiro de equipe, que venceu a prova, e assumiu a liderança do campeonato. Hamilton, aliás, faz história ao se tornar o primeiro piloto a vencer duas corridas centenárias na história, algo que não se pode desprezar, por mais que se diga que atualmente isso é algo bem mais fácil que antigamente, dado o número de GPs disputados por ano. E a Mercedes iguala a Lotus como time com mais vitórias em provas centenárias, com dois triunfos. E só, praticamente.
            Em termos de campeonato, 2019 não está saindo como muitos imaginavam ao fim da pré-temporada. Claro que, mesmo relativizando os resultados, todo mundo esperava que a Ferrari viesse mais forte, capaz de desafiar o poderio da Mercedes, e sua posição de supremacia. Até mesmo os prateados estavam com algum receio do que o time vermelho seria capaz de render. Mesmo com a hipótese dos alemães terem alguma reserva técnica ocultada nos testes, era consenso de que a disputa poderia ser bem mais parelha e difícil do que a vista nos últimos dois anos. Mas, finda três provas, vemos a Mercedes tendo obtido três vitórias, e todas com dobradinha, enquanto a Ferrari parece dar cabeçadas sem rumo, e se complicar sozinha.
            Pior, o time italiano já começou a perder credibilidade pelo hábito de suas ordens de equipe, que estão minando principalmente a imagem de seu principal piloto, Sebastian Vettel, cada vez menos confiável para muitos torcedores. E a nova administração de Mattia Binotto tem se revelado ridícula até o presente momento. A Mercedes agradece, e vai-se embora no campeonato, tanto na classificação de construtores quanto de pilotos. Para muitos, Hamilton já pode ir reservando espaço na sua estante para o troféu de seu hexacampeonato, a julgar pelo desempenho dos ferraristas até o momento.
Ferrari deu ordens de equipe pela terceira corrida consecutiva, sem apresentar resultados que justificassem efetivamente o recurso.
            Voltamos ao tão controverso tema das ordens de equipe, que tantas discussões já promoveu na história da F-1. Por mais que muitos afirmem ser natural um time zelar pelos seus interesses, ainda mais porque a categoria máxima do automobilismo é um negócio, e assim deve ser entendida, mesmo que a esportividade seja crucificada em todos os aspectos, a Ferrari está praticamente dando um tiro no pé em cada corrida desde o início do ano. E quem sai mais “queimado” nesta história toda é Sebastian Vettel, que até agora “perdeu” em todas as ocasiões, mesmo que tenha subido ao pódio na China, em 3º lugar. O tetracampeão, que deslumbrou o mundo entre as temporadas de 2010 e 2013, parece cada vez mais distante, sem conseguir exibir as performances que o levaram a conquistar um tetracampeonato consecutivo.
            Pior, o piloto alemão tem sido superado pelo novato Charles LeClerc, que já chegou ao time italiano mostrando as credenciais que justificaram sua contratação, mas que ao mesmo tempo, colocaram o time numa enrascada: afinal, por mais que Binotto afirme que Vettel é a prioridade do time, o que adianta se isso significa sacrificar LeClerc? O papo, antes da temporada, de que ambos poderiam duelar com liberdade, cada vez mais se confirma como “papo”. Na China, foi ridículo: Charles deu passagem a Vettel, mas o alemão não estava mais veloz como declarou, e a escuderia, talvez na ênfase de não permitir que o monegasco os obrigasse a dar uma nova ordem, acabou ferrando com sua estratégia de corrida, o que o fez perder posição para Max Verstappen, algo que poderia ter sido evitado.
            Àqueles que criticam a demonização da Ferrari, alegando que o time alemão também pratica o mesmo expediente, é preciso esclarecer que a Mercedes não chegou a ferrar a tal ponto o companheiro de Lewis Hamilton assim. Bottas teve de ceder a liderança no GP da Rússia do ano passado, sim, numa atitude que considero desnecessária, uma vez que o inglês já vinha aumentando cada vez mais sua vantagem no campeonato naquela ocasião. A atenuante, se é que se pode dizer isto, é que a prova russa já se encontrava perto da fase final do campeonato. A Ferrari está fazendo isso desde a primeira corrida, e até agora, isso não rendeu absolutamente nada ao time, além de denegrir sua imagem no campo esportivo.
            Qual a justificativa de contratar LeClerc então? Para vermos o que estamos vendo, era mais fácil o time ter mantido Kimi Raikkonen, que fazia o mesmo serviço, com a vantagem de praticamente ficar quieto e não dar a mínima para isso, desde que recebesse o seu salário. Em fim de carreira, para que ficar arrumando treta com este tipo de politicagem cretina? E olhe que, apesar de seus altos e baixos em termos de performances, o finlandês tinha vários motivos para descer a lenha no time, que de certa forma o prejudicou em várias corridas, pela adoção de estratégias visando “proteger” Sebastian Vettel na pista e evitar dissabores inoportunos. LeClerc, cuja carreira na F-1 está apenas no seu começo, já começa a mostrar o seu descontentamento, mesmo mantendo-se fiel ao time, e procurando não causar celeuma dentro da escuderia. Suas poucas frases a respeito da situação, especialmente durante a corrida, já demonstra que, espírito de lealdade e companheirismo postas em prática, ele quer maiores satisfações da direção da escuderia, que já chegou a falar, quase explicitamente, para ele ficar no seu devido lugar. E, a persistir isso, a Ferrari não apenas atenta contra a esportividade, ou o que resta dela, como queima um talento potencial que poderia ter uma carreira brilhante na categoria.
Comemorações do milésimo GP foram bem fracas. E a corrida em si não ajudou a levantar muito o astral.
            Existe o risco de LeClerc se “acomodar” nesta situação, a fim de evitar se estressar, ou sofrer represálias do time se mantiver a tendência de “desobedecer” as instruções. Na primeira e única oportunidade em que fez isso, em Sakhir, só não deu para comemorar porque um problema no motor roubou o que seria uma vitória impecável do monegasco, que superou Vettel contrariando as instruções recebidas, e disparou na frente, comandando a corrida. O monegasco tem mostrado grande maturidade, o que é muito positivo para ele, dando a entender que está ciente da situação em que está se metendo, e de como poderá fazer para superar estas adversidades criadas pelo próprio time. E como reagirá Sebastian se for superado novamente pelo novo companheiro de equipe, e com frequência? O alemão já acusa o golpe, ao afirmar que a imprensa, ao questionar as ordens de equipe da Ferrari, está praticando “jornalismo ruim”, chegando até mesmo a acusar Hamilton de ser favorecido pelo mesmo esquema na Mercedes. Ruim é a atitude do piloto ao dar tal declaração, quando deveria manter a serenidade, e tentar dar o melhor de si para calar os críticos da melhor maneira possível: com uma performance de campeão na pista, nas próximas corridas. Pelo que já fez em sua carreira na F-1, Vettel merecia melhor sorte neste momento de sua carreira, mas cobranças são cobranças, e quando se é piloto da Ferrari, é tudo ainda pior, com a tendência a se esquecer os bons momentos, e se lembrar apenas dos ruins. E não vai demorar para a torcida ferrarista começar a fazer a caveira do alemão, no ritmo que ele demonstra nestas últimas provas.
            Some-se a isso uma declaração de algumas há semanas atrás, onde Vettel chega a afirmar que a F-1 atual não é mais a categoria que ele gostava, sendo mais show do que esporte, e dando a entender que pode abandonar a competição, se as novas regras em estudo do Liberty Media não o agradarem, a imagem do tetracampeão fica ainda mais comprometida, recordando a temporada de 2014, quando foi constantemente superado por Daniel Ricciardo na Red Bull, e preferiu sair do time, indo para a Ferrari. Estaria o alemão fugindo da briga novamente ao se ver em posição desconfortável? Mesmo que isso não seja verdade, há o risco da imagem “pegar”, e comprometer ainda mais o currículo e o talento de Sebastian.
            Este foi mais um aspecto negativo que a F-1 poderia deixar de passar em seu milésimo GP. Até porque a estratégia nem rendeu o que se esperava. Vettel pode ter sido o 3º colocado, mas em momento algum conseguiu ser uma ameaça à dupla prateada, e ainda viu perder o ponto da melhor volta para Pierre Gasley, da Red Bull, nas voltas finais da corrida, quando Sebastian ainda era o detentor da melhor marca no GP. O contraste é tremendamente desabonador para a Ferrari, quando lembramos que, no 900º GP, a corrida foi marcada por um duelo titânico entre Lewis Hamilton e Nico Rosberg, que travaram uma luta roda a roda pela vitória, com trocas de posição entre eles durante a corrida, de tirar o fôlego. Um show de esportividade e competição, que merecia ter sido revisitado nesta milésima corrida.
            Infelizmente, nem a Mercedes conseguiu repetir a mesma proeza. Hamilton é atualmente um piloto muito mais focado e completo que em 2014. E até mais combativo e determinado do que antes. Bottas, desta vez, não conseguiu desafiá-lo como seria necessário, apesar de andar perto. Na Ferrari, o time avacalhou a disputa de LeClerc, enquanto na Red Bull, por enquanto Verstappen corre praticamente sozinho na frente. E até mesmo no pelotão intermediário, que tantas expectativas nos ofereceu de bons duelos, teve um desempenho fraco em Shanghai, com poucas brigas efetivas durante a prova, contribuindo para a monotonia da corrida.
            Destaque para a performance de Alexander Albon, que largou dos boxes e conseguiu chegar em 10º com a Toro Rosso. Daniel Ricciardo conseguiu marcar seus primeiros pontos ela Renault, em uma corrida onde, apesar da falta de um ritmo melhor, ao menos não teve maiores problemas. E Kimi Raikkonen vai deixando Antonio Giovinazzi na saudade na Alfa Romeu, e mesmo com resultados mais limitados, devido ao equipamento, mostra-se bem mais relaxado, e até competitivo, e certamente não sentindo saudade alguma do ambiente conturbado dos boxes da Ferrari, onde estava até o ano passado, assistindo de camarote o time rosso bater cabeça nas estratégias de prova. A Hass não conseguiu mostrar serviço na China, enquanto na Racing Point, Sergio Pérez salvou alguns pontos para o time. Já a McLaren viu seus dois pilotos se envolverem numa confusão com Danill Kvyat no início da corrida, e não teve como lutar por melhores resultados.
Danill Kvyat levou um toque de Carlos Sainz Jr. e acabou tocando em Lando Norris. O russo ainda acabou levando a culpa pela batida.
            Na Williams, o drama de sempre: carro lento, e que parece não levar a lugar nenhum. Robert Kubica, cada vez mais criticado por voltar à F-1, tem perdido os duelos com o companheiro George Russell, mas a comparação é descabida, haja visto que o inglês é um dos grandes talentos da nova geração de pilotos, tendo sido campeão da F-2 no ano passado, enquanto Kubica esteve ausente da competição desde 2011, e só voltando agora a competir em tempo integral na F-1. O polonês tem suas limitações na condução de um monoposto, mas dado o imenso talento de Russell, criticar Kubica por perder o duelo com o colega de time, ainda mais conduzindo um carro pouco competitivo, é ridículo. E a Williams tem mais o que fazer para tentar sair do fundo do grid, se é que conseguirá fazê-lo este ano.
            E assim tivemos a milésima prova da F-1. Com muita coisa para se comemorar, mas pouco ou quase nada a se comemorar efetivamente do que tivemos no final de semana. A categoria máxima do automobilismo merecia mais. Infelizmente, é um reflexo de seu atual momento, onde a F-1 tenta achar uma saída para recuperar um pouco da alma e espírito de competição que se perderam em algum momento nos últimos anos. Que este esforço seja bem sucedido, para que possamos comemorar o 1.100º GP daqui a alguns anos com motivos muito mais válidos e efetivos, tanto fora quanto dentro da pista.

Um comentário:

Diamantino disse...

Bela análise amigo. Muito realista. Parabéns pelo trabalho!