sexta-feira, 18 de janeiro de 2019

NOVO COMANDO NA FERRARI

Maurizio Arrivabene (acima) dançou e não é mais o diretor da equipe Ferrari na F-1, posição que agora pertence a Mattia Binotto (abaixo).

            Maurizio Arrivabene não é mais o chefe da equipe Ferrari. Dispensado, seu posto será ocupado por Mattia Binotto, que era o diretor-técnico da escuderia rossa, sendo um dos responsáveis por coordenar o novo time de engenheiros que produziu os monopostos das últimas duas temporadas. A gestão de Arrivabene não foi exatamente ruim, mas a perda de títulos que o time tinha certa chance de conquistar nas temporadas de 2017, e principalmente no ano passado, acabaram custando sua permanência no cargo.
            Não dá para negar que, no ano passado, a Ferrari esteve na melhor posição para ser campeã em muitos anos. A meio da temporada, o time de Maranello estava praticamente em pé de igualdade com a Mercedes, e até um pouco melhor. Mas erros cruciais de Sebastian Vettel na pista, e outros cometidos pela equipe, que não conseguiu reagir às circunstâncias do momento com a rapidez e as decisões corretas, acabaram por deixar tudo até fácil para o time alemão, que contrariando as expectativas dos italianos, conseguiu não apenas aguentar a pressão do concorrente – algo inédito na nova era turbo híbrida da F-1, que vem sendo dominada pela equipe prateada, como se manteve funcional e focada, junto a um Lewis Hamilton praticamente impecável na pista, não perdendo as oportunidades que surgiam.
            Com isso tudo, a disputa que se desenhava acirrada entre as duas escuderias acabou por se tornar um balde de água fria para os torcedores, que ansiavam por ver uma decisão de título “in extremis”, e viram Hamilton averbar mais um título, e se tornar praticamente o segundo piloto mais vitorioso da história da F-1. Consequências haveriam de surgir daí, e uma delas foi a contratação de Charles LeClerc para ser o novo companheiro de equipe de Vettel para este ano. Revelação da temporada passada, LeClerc chega a Maranello com moral para abalar o favoritismo de Sebastian Vettel como primeiro piloto da equipe rossa, cuja imagem ficou abalada pelos erros cometidos no ano passado, que foram fatais para a perda do título. Pressionado, o tetracampeão alemão terá de manter a cabeça fria, e mostrar que seus quatro títulos conquistados pela Red Bull não foram obra do acaso, como vários de seus detratores afirmam.
            E é bom que se diga que, infelizmente, Vettel se perdeu por si próprio nos erros cometidos em 2018. Apoiado ou não pelo time, o alemão tinha que ter brio e partir para o ataque na pista, com ou sem ajuda da equipe, mas ao mesmo tempo, focar-se no seu objetivo. É fácil acusar Arrivabene de não ter tido pulso firme nestes momentos, mas um campeão de fibra tem que se colocar na pista de modo a não contar com “favores” dos boxes. Ao sentir a pressão, e não saber ficar tranquilo para poder reagir da melhor maneira, Vettel acaba dando razão àqueles que o criticam como se seu tetracampeonato fosse uma farsa. Mas ele não é o primeiro grande campeão a cometer tais erros. Outros pilotos de grande quilate também demonstraram descontrole devido a seus egos, de modo que ao serem desafiados dentro do próprio time, cometiam estripulias. Que o digam Fernando Alonso e Michael Schumacher...
Sebastian Vettel também cometeu erros crassos na temporada 2018, não sendo apenas culpa do time a perda de mais um título em potencial.
            Binotto, ao contrário de Arrivabene, é um funcionário com longa carreira dentro de Maranello, tendo entrado para a Ferrari em 1995, após se formar no ano anterior em engenharia mecânica. Em 2007, ele passaria a ocupar a função de chefe dos engenheiros de corrida, e dois anos depois, se tornaria chefe da operação de motores. Em 2014, ele foi promovido a chefe do departamento de motores da escuderia, depois de um ano problemático na primeira temporada da nova era turbo híbrida. Sob seu comando, a divisão de motores reprojetou a unidade V-6 turbo, e os sistemas de recuperação de energia, tornando a unidade de potência italiana a segunda melhor da F-1, perdendo apenas para a da Mercedes. Mas, no ano passado, essa posição de favoritismo das unidades alemãs foi contestada pela unidade desenvolvida em Maranello, que não apenas igualou, como até superou a alemã em vários momentos.
            A essa altura, Binotto já havia sido promovido a diretor-técnico, após a dispensa de James Allison em 2016. E Mattia conseguiu o que muitos consideravam impossível: finalizar o projeto iniciado por Allison, e conseguir desenvolvê-lo plenamente, capitaneando um grupo totalmente novo de engenheiros que deram seus primeiros passos num time de F-1. Quando todos esperavam um carro talvez mediano, o modelo SF70H surpreendeu a todos, por se mostrar não apenas competitivo, mas capaz de abalar a até então hegemonia absoluta da Mercedes. O time alemão precisou reagir firme para não perder a tocada, e recuperar o domínio. A reação da Mercedes, e alguns problemas pontuais na Ferrari, acabaram com o título mais difícil já conquistado pela Mercedes desde 2014. A bem-sucedida temporada, contudo, colocava mais pressão para 2018, pois agora a equipe de Binotto precisaria desenvolver por si mesma um projeto que havia sido iniciado por outro time de engenheiros. Se eles já haviam conseguido evoluir o projeto inacabado de Allison, cujas bases do projeto haviam sido entendidas, preservadas, e desenvolvidas, construir um novo carro competitivo seria o desafio seguinte.
            E eles conseguiram: o SF71H do ano passado foi um modelo ainda melhor que o SF70H, e não fosse a escuderia se perder na segunda metade do campeonato, junto com os erros cometidos por Vettel, poderiam muito bem terem sido campeões. Por mais que a Mercedes tenha conseguido se manter focada e reagido no aspecto técnico, se o time de Maranello tivesse mantido a concentração e união vistas em provas como Canadá, Inglaterra e Bélgica, seria complicado afirmar que a Mercedes conseguiria renovar seus títulos de pilotos e talvez de construtores. E, por essa vantagem técnica que a Ferrari conseguiu construir, é que a derrota para Lewis Hamilton e a Mercedes passou a ser muito mais cobrada do que a de 2017.
            E, 2017, Vettel foi vice-campeão com 317 pontos, 46 a menos do que Hamilton, com 363 pontos, o campeão. Vettel venceu 5 corridas, enquanto Lewis faturou 9. Vice-campeã, a Ferrari marcou 146 pontos a menos que a campeã Mercedes, que venceu 12 corridas, contra apenas 5 vitórias de Maranello. No ano passado, Vettel, novamente vice-campeão, ficou a 88 pontos de Hamilton, quase o dobro de pontos de atraso do ano anterior. Vettel até marcou alguns pontos a mais que em 2017, 320 pontos, mas a escalada de Hamilton, que marcou 408, foi contundente, especialmente em vitórias, com o inglês vencendo 11 provas, no que foram todos os triunfos da Mercedes na temporada. A Ferrari venceu 6 corridas, mas Vettel venceu o mesmo número de provas de 2017: 5. A melhor forma da Ferrari se traduz na diferença do campeonato de construtores, onde ficaram 84 pontos atrás da Mercedes. E se levarmos em conta que Vettel possa ter desperdiçado cerca de 50 pontos, pode-se ter uma idéia de como o time italiano teve sua melhor chance de vencer o campeonato desde 2012.
            Por isso mesmo, a imagem de Vettel como líder do time sofreu tanto desgaste junto aos torcedores, a ponto de o alemão ter sido até vaiado. E depois de tanto aceitar a vontade de Sebastian, e negar a contratação de Daniel Ricciardo mais uma vez, que eles juram ter o australiano ter pedido muito dinheiro, quando todos sabem que o motivo era a negativa de Vettel em dividir um time novamente com Daniel, era preciso tomar atitudes. A contratação de LeClerc foi uma. Mantém o status de Sebastian como primeiro piloto, mas o tira parcialmente da zona de conforto, pois Charles, sendo um piloto da academia Ferrari, vai ter apoio do time para desafiar Vettel, se for preciso, dependendo da situação. Mas, por isso mesmo, também será mais obediente à escuderia que o promoveu ao time rosso, por gratidão ao confiar em seu talento.
            Binotto, contudo, terá um desafio pela frente: ele sempre teve um bom currículo em Maranello nas áreas técnicas. Terá a mesma competência como chefe geral da escuderia, quando terá de lidar com questões fora da área técnica? E a chefia técnica ficará a cargo de quem agora? Pelo nível de comprometimento, em um time de porte da Ferrari, não há como Mattia apitar nos dois lugares ao mesmo tempo. Se Arrivabene era visto meio que como um “paizão” no meio, o que em geral não batia muito com o estilo autoritário que os chefes acham necessário para comandar uma escuderia, fora o fato de não ter grande vivência no mundo do automobilismo (afinal, ele veio da área de Marketing junto à Malboro), Binotto sabe impor suas diretrizes, e é visto com alguém firme e focado, justamente as qualidades que a escuderia precisa neste momento.
            Mas, também justamente por ser alguém do meio, e um funcionário com tantos anos de escuderia, o que em tese lhe dá conhecimento sobre como o time funciona e o que ele vivencia, a cobrança tenderá a ser ainda maior. Uma cobrança que baterá também em Sebastian Vettel. LeClerc está chegando, e para ele, tudo é lucro: será apenas o seu segundo ano completo na F-1, e o primeiro ao volante de um carro de ponta. Muitos se perguntam se Charles fará o mesmo que Hamilton protagonizou em 2007 em sua estréia na McLaren, andando não apenas junto de Fernando Alonso, mas até na frente do espanhol, por pouco não sendo campeão já em sua primeira temporada. Para os italianos, se o monegasco conseguir tal feito, mesmo que não seja campeão, eles terão um novo ídolo para admirar e torcer. Imagine o estrago que isso poderá provocar em Sebastian Vettel, cujo contrato vai até 2020, mas...
            Se Binotto conseguiu gerenciar com maestria as áreas técnicas onde ocupou a chefia, isso é algo que precisará mostrar mais do que nunca agora como chefe da escuderia. Além de não ser uma área técnica, há um risco potencial que ainda precisará ser desvendado: o regulamento técnico sofreu mudanças para esta temporada, visando tentar facilitar as ultrapassagens, de modo que a base técnica dos carros, vigente nos dois últimos anos, não é mais a mesma. Isso deve impactar em todos os times, que precisaram construir seus novos modelos seguindo estas novas normas. E quem terá sido o mais eficiente na tarefa de projetar os novos carros? A Mercedes manterá a sua competitividade, ou perderá performance com seu novo carro? Da mesma maneira, será que a Ferrari terá este ano um carro tão eficiente como o de 2018? E a Red Bull, que promete um carro com o empenho total de Adrian Newey, o mago das pranchetas, e postula que terá sua melhor temporada dos últimos anos com a nova parceria da Honda?
            As opiniões se dividiram sobre a promoção de Binotto ao comando da Ferrari. Para muitos, era algo necessário, depois dos problemas vistos em 2017 e 2018, onde erros cruciais foram determinantes para a derrota Ferrarista, que um melhor gerenciamento poderia ter evitado, apontando a culpa para Arrivabene. Já outros enfocam justamente a competência técnica de Binotto, que pode não ser repetir no aspecto gerencial do time, onde ele terá que lidar com questões humanas e políticas. Ambas as posições têm justificativas plausíveis e bem fundamentadas. Resta saber qual delas prevalecerá. Ao menos, os principais nomes do departamento técnico sob o comando de Mattia permanecem em seus lugares, uma estabilidade que pode ser crucial nesta mudança de liderança dentro do time italiano. São pessoas de confiança de Binotto, que sabe o que pode pedir, e o que esperar delas.
            Se o time italiano terminar em algo que não seja o 1º ou o 2º lugar, tanto no campeonato de pilotos como de construtores, poderemos ver uma nova crise ser deflagrada em Maranello, e que poderá significar o sucesso, ou a ruína de Binotto à frente da escuderia. Como chefe do time, ele será a pessoa a ser cobrada por tudo o que ocorrer no time, dos erros dos pilotos ao faxineiro do box do time nos autódromos. Ele pode vir a ser muito bem-sucedido, e alcançar aquilo que não foi possível por seus antecessores, como pode também vir a ser condenado por todos, se as coisas não saírem como o planejado. Pelo bem da F-1, todos esperamos que ele seja bem-sucedido. Se será vitorioso, só podemos esperar. Mas seria muito ruim para a F-1 continuarmos a ter um único time dando as cartas na luta pelo título, ou mandando em boa parte da disputa, deixando aos demais as sobras. A Ferrari mostrou ter competência para desafiar a Mercedes de igual para igual em 2018, ou até ser melhor. Que possamos ver tais disputas novamente este ano sob a nova direção que se apresenta com Mattia.


Depois de cumprir uma temporada “de experiência” com a Honda em 2018, o que motivou a Red Bull a assumir os motores japoneses este ano, a Toro Rosso declarou que, se necessário, fará todos os sacrifícios necessários para ajudar o time principal a evoluir as unidades de potência nipônicas. Não se pode dizer que o ano de 2018 foi ruim para a equipe B dos energéticos, que até teve um ano razoavelmente decente, levando-se o seu histórico. Mas se alguém acha que estão fazendo isso por caridade, seja menos ingênuo: a Toro Rosso é de propriedade do mesmo dono da Red Bull. Logo, se o time satélite diz que “fará sacrifícios”, isso é nada mais do que algo ordenado pela “matriz”. E, se já estão afirmando isso, parece indicar que as unidades japonesas ainda estão devendo em performance mais do que eles poderiam esperar. Do contrário, porque fazer tal alarde? Correm algumas conversas de que, apesar da evolução ter corrido bem no ano passado, ainda assim a Honda teve um índice de quebras acima do esperado, e mesmo que algumas delas tenham sido decorrentes de desenvolvimentos proporcionados pelos japoneses, visando incrementar a performance para o novo motor deste ano, a unidade, com o aumento de potência, teria visto também um aumento preocupante das vibrações da unidade V-6, um problema que já era uma das causas da baixa performance na McLaren, e que parece não ter sido totalmente resolvido. Mas o time continua dando declarações otimistas sobre a nova parceria, e até afirmando que a Honda já superou a Renault em performance, e que mesmo que eles ainda não estejam tão eficientes como Mercedes e Ferrari, já irão proporcionar à Red Bull melhores condições de competição do que tinham com a Renault, que se negava a atendê-los em vários aspectos. Um destes aspectos seria a disponibilização de um “modo de qualificação”, onde os rivais alemães e italianos permitem a seus pilotos um desempenho mais eficiente no treino de classificação, com a liberação de HPs extras de potência mediante regulagem eletrônica da unidade de potência. Será preciso combinar com os rivais primeiro, para vermos se a Honda finalmente irá desencantar nesta sua nova participação na era turbo híbrida da F-1, que está muito longe do sucesso obtido nos anos 1980 e 1990. Tanta afirmação de otimismo, aliado a algumas alfinetadas sutis na Renault, parecem dar a impressão de que nem tudo pode correr de forma tão positiva assim como se esperava... Vamos aguardar para ver se isso será apenas um blefe, ou disfarçar um provável desempenho abaixo do esperado...

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