sexta-feira, 16 de março de 2018

AMEAÇAS DA FERRARI

Com o risco de perder seu status privilegiado na Fórmula 1, a Ferrari ameaça retaliar saindo da categoria. Sergio Marchionne (acima) já afirmou que pode retirar a escuderia se as diretrizes do esporte "não forem adequadas" às necessidades de Maranello...

            O campeonato de 2018 nem começou, mas o clima já anda esquentando nos bastidores da categoria. O lance agora é a ameaça (mais uma) da Ferrari de pular fora da F-1, caso as novas diretrizes que o Liberty Media queira impôr à categoria máxima do automobilismo a desagradem. Ou, trocando em miúdos, mexa em alguns “privilégios” que a escuderia de Maranello possui, foram implantar algumas regras às quais ela é terminantemente contra. Não é a primeira vez que o time italiano faz esse tipo de ameaça, que está mais para birra do que para qualquer outra coisa. E que já encheu o saco, convenhamos.
            Entre os “privilégios” dados à Ferrari estão um bônus especial que a escuderia recebe, independentemente de sua colocação no campeonato, por ser a equipe mais antiga da categoria. Todos os times recebem uma premiação em dinheiro, proporcional à sua posição alcançada no campeonato de construtores de uma temporada. Com base nessa classificação, parte dos lucros arrecadados pela FOM sobrea comercialização dos direitos de transmissão e exploração publicitária das corridas é distribuído aos times, em quantias devidamente proporcionais às posições na classificação. Mas a Ferrari, por ser o único time que participou até hoje de todas as temporadas da história, ganha uma graninha a mais, e não é pouca coisa. Só em 2016, esse prêmio “adicional” foi de cerca de US$ 70 milhões. Acontece que o Liberty Media quer rever esse direito no novo “Pacto de Concórdia”, o acordo que rege direitos e deveres de todos os participantes do campeonato, e que vence em 2020. Para 2021, o acordo deverá ser renovado, mas os novos donos da F-1 querem rediscutir vários pontos, e essa premiação extra da Ferrari deve ser abolida.
            Daí a choradeira dos ferraristas, que se consideram no direito mais do que sagrado de receberem esse bônus, por serem o único time remanescente dos primórdios da F-1. Tudo bem, este ano temos a volta da Alfa Romeo, mas a marca não tem a representatividade da Ferrari, e ainda por cima, pertence a ela. A Ferrari se apega ainda à sua mítica: o time do cavalinho rampante é a única escuderia da categoria que tem uma torcida própria, e fama pelos quatro cantos do mundo. Possui os fãs mais ardorosos e é praticamente uma instituição nacional na Itália. Só que o Liberty Media quer fazer uma distribuição de prêmios mais igualitária entre os times, e nessa nova visão, o bônus ferrarista não combina. E a Ferrari, claro, não vai querer largar o osso nem que a vaca tussa, o que é compreensível, pois se trata de muito dinheiro.
            Outro “privilégio” é o direito de veto da escuderia a itens do regulamento, outro “direito sagrado” que a Ferrari também não admite perder. Aqui a discussão será com a FIA, uma vez que Jean Todt é quem defende o fim desse privilégio dado aos italianos, e que segundo ele, acaba por tornar a categoria refém de um único time.
Time italiano é o maior vencedor da história da categoria e a única escuderia a participar de todos os mundiais desde 1950. Abaixo, os modelos da escuderia até 2010 na F-1.
            Sergio Marchionne, presidente do Grupo Ferrari, ameaça deixar a F-1 caso as novas regras de participação na F-1 sejam contrárias ao “interesse da Ferrari”. Em outras palavras, se a turma que comanda a F-1, seja o Liberty Media, ou a FIA, impuserem regras que eles desaprovem, eles podem simplesmente deixar a categoria, ou fundar até outro campeonato para competir. Coincidência ou não, a Ferrari confirmou, de forma indireta, sua participação nas 500 Milhas de Indianápolis deste ano, através da Scuderia Corsa, que disputa o endurance, e é ligada ao Grupo Ferrari. É bom lembrar que nos anos 1980, a Ferrari, desgostosa com os rumos da F-1, também ameaçou deixar a categoria, e chegou até mesmo a construir um monoposto com base nas regras da antiga F-Indy, para onde iria de mala e cuia. Bem, a Ferrari nunca concretizou a ameaça, e o carro construído hoje está em um museu, como parte das peripécias já aventadas pela escuderia italiana. Mas será que hoje eles sairiam de fato, concretizando sua ameaça? E o que fariam depois disso? Como seria o impacto para a F-1?
            Bem, competir na Indycar seria uma possibilidade, mas a Ferrari teria de engolir alguns reveses. Um deles seria o fato de não poder construir seu próprio carro. Nos anos 1980, na antiga F-Indy, a participação de chassis era livre, respeitando as regras técnicas da categoria, o mesmo valendo para os motores. Bem, hoje todos os chassis são iguais para todos, e um time “Ferrari” na Indy teria que usar um destes chassi também. No que tange ao motor, a Ferrari poderia até conceber um propulsor para a categoria, só que não poderia ser de uso exclusivo, pois teria de ser também fornecedora, para brigar com as marcas já estabelecidas, Honda e Chevrolet. Outro detalhe que seria incômodo seria o fato de ser “mais um time” na pista, e não o “astro” por ser a Ferrari, um nome icônico do mundo do automobilismo. Para o público, até seria, pelo peso do nome Ferrari, mas internamente, a eventual escuderia estaria longe de ter um cartaz como a Penske ou a Ganassi. E até conseguir ter esta importância e cartaz, levaria tempo... E será que Marchionne teria esta paciência e, principalmente, tolerância? Acho difícil...
A Ferrari é a escuderia mais idolatrada na F-1, e possui uma base de fãs pelo mundo inteiro. Marchionne usa isso como forma de pressão para exigir a manutenção dos privilégios do time.
            A F-1 perderia com a saída da Ferrari? Claro que perderia. Mas, e o que a Ferrari perderia ficando de fora da F-1? Essa é um pouco complicado de dizer. A maior parte da fama que o nome Ferrari tem hoje no automobilismo veio de sua participação na F-1, e as competições em outros certames apenas complementam a mítica que o time de Maranello desfruta hoje. Se a Ferrari pensa em chantagear a F-1 pela sua fama e influência, além da base imensurável de fãs, que certamente fariam um boicote à F-1 se Maranello assim decidisse, que poderia causar bons prejuízos à imagem da categoria, além de perdas financeiras, não se trata de uma ameaça vazia. Mas fica a dúvida do quanto a marca perderia também por sair fora da competição.
            A F-1 sobreviveria? Sim, não sem cicatrizes, mas estas poderiam ser compensadas pela participação de novos times que resolvam adentrar o certame. A F-1 já perdeu várias escuderias, muitas icônicas, e a vida seguiu em frente. É verdade que nomes como Brabham, Lotus, Tyrrel, entre outros, não tinham o peso do nome Ferrari, e é baseado nesta premissa que Sergio Marchionne se vale para mostrar sua força. Tanto que Toto Wolf, manda-chuva da Mercedes, até alertou para que o homem não fosse provocado, dando a entender que ele pode muito bem, num rompante, tirar a Ferrari da competição, sem importar-se com as consequências. E isso poderia ser muito desastroso para a F-1. Mas, não seria também para a Ferrari? Em que outra categoria ela poderia competir com o mesmo prestígio da F-1? Talvez o Mundial de Endurance. Na F-E, ela teria de competir com os carros padrão da categoria, e isso definitivamente não é do seu agrado. A Ferrari sempre foi “puro sangue”, carro e motor próprios. E, até o início dos anos 1990, seus equipamentos eram exclusivos. Só naquela década ela passou a se permitir vender seus motores para times terceiros, começando pela Minardi, pequeno time italiano que hoje é a Toro Rosso. De lá para cá, forneceu propulsores especialmente para a Sauber, exceto no tempo em que a escuderia foi controlada pela BMW. Hoje, além da Sauber, que usa as unidades de potência italianas, sob o logo da Alfa Romeo, a Hass também conta com os propulsores de Maranello. E isso também pode ser um fator para impor força em suas ameaças. Debandar da F-1 deixaria a Hass sem motor e tendo de desenvolver parte do seu carro, que possui sistemas desenvolvidos em Maranello. No caso da Alfa Romeo/Sauber, elevada quase a time B de Maranello no ano passado, a perda da parceria poderia resultar até no fechamento do time suíço. Com isso, o grid da F-1 perderia potencialmente 4 carros, 2 a menos com certeza, e na pior das hipóteses, com uma saída da Hass, seriam 6 carros a menos na competição, o que seria um baque para a categoria máxima do automobilismo.
Maior nome da história da F-1, Michael Schumacher conquistou 5 de seus 7 títulos ao volante da Ferrari, entre 2000 e 2004, no maior período de hegemonia do time italiano em sua história. Mas a Ferrari não é campeã novamente desde 2007, com Kimi Raikkonen.
            É outro motivo para Marchionne fazer valer sua posição. Ele sabe que isso seria desastroso para a F-1. E, causando prejuízos para a Ferrari também, poderia não se importar com isso, se puder causar um estrago ainda maior naF-1, só para valer sua posição. Ele sabe o problema que isso causaria, e que ninguém deseja que isso aconteça.
            A questão é que o Liberty Media quer democratizar as chances de competição na F-1. Simplificar parte das regras, do regulamento técnico, e implantar um teto de gastos, de forma a conter os altos custos de competição na categoria. Nas discussões em fóruns e redes sociais, os fãs se dividem sobre a questão: uns acusam o Liberty Media de querer “indyanizar” a F-1, e acabar com o que faz a F-1 ser o que é; outros simplesmente defendem a Ferrari pelo seu histórico e valor para o esporte; outros já falam para Marchionne juntar seus trapos e ir cantar em outra freguesia, que as implicâncias da Ferrari já encheram o saco, e que a F-1 poderia se virar melhor sem os italianos.
            Bom, em primeiro lugar, tentar conter os custos é uma medida válida. A F-1 virou um monstrengo insustentável, com os custos nas alturas, e mesmo escuderias como Mercedes e Ferrari poderiam se beneficiar de gastar menos para competir. Na verdade, custos menores poderiam atrair outros fabricantes, que cansaram de gastar rios de dinheiro sem obter resultados de seus investimentos, como BMW, Toyota, ou novos que poderiam se aventurar na competição, como Audi ou Volkswagen. E até fornecedores independentes também poderia tentar a sorte, ou retornar, como a Cosworth, que só não está presente pelos altos custos de competição atuais que envolvem o desenvolvimento das unidades híbridas. E uma distribuição mais igualitária dos prêmios da F-1 não significa que todo mundo ganhará igual. Embora os critérios para o novo acordo ainda não tenham sido definidos, ninguém falou que os times deixarão de ganhar conforme sua posição na competição. O que se defende é apenas diminuir as discrepâncias dos valores. Quanto à imposição de um teto de gastos, é um assunto complicado, e que demandará muitas propostas e acordos.
            Fala-se em padronizar muitos sistemas e equipamentos, e isso vem desagradando não apenas à Ferrari, mas também a outras escuderias, que também são contrárias a tal medida. Mas a meu ver, isso não seria o único meio de baixar custos. Por mim, se estabeleceria um valor de teto, com algumas exceções, e que dentro desse teto os times tivessem liberdade para desenvolver o que quisessem, respeitados as normas do regulamento técnico. Mas o valor desse teto teria que ser inicialmente alto, e ir sendo reduzido aos poucos, para que todos os times pudessem se adequar a ele sem problemas. O teto proposto por Max Mosley na década passada fracassou justamente por ser muito radical, por impor um valor que representava apenas 10 a 15% dos orçamentos dos times de ponta, de modo que todos os times não teriam como reduzir deforma tão brutal seus custos de competição dessa maneira. O Liberty Media precisará estudar devidamente a situação, para achar uma combinação que dê aos times liberdade para construir seus carros e adquirir/fabricar seus propulsores, e baixar os custos.
            Estabelecer um teto máximo razoável, e deixando as escuderias com maior liberdade técnica para desenvolver seus projetos seria uma boa maneira de garantir que a F-1 mantenha suas características tradicionais, sem padronizar o equipamento, que é o que times e fãs mais rejeitam para ser implantado, uma vez que isso vai contra o espírito de criação e competitividade que rege a categoria.
            Mas fica a dúvida se a Ferrari manterá sua postura egoísta, pensando apenas em si mesma, ao chantagear a F-1 com sua saída, sabendo que ninguém deseja isso, ou terá um pouco mais de bom senso e menos birra para pensar no que pode fazer para ajudar a F-1 a ser maior e melhor do que é atualmente, colaborando para uma categoria mais disputada e emocionante onde muitos poderiam ganhar, e ela principalmente, continuando a mostrar sua classe e competência. Só que acho que aí eu estaria sendo por demais otimista, porque infelizmente o egoísmo, a prepotência e a arrogância hoje são características marcantes das atitudes das escuderias, em maior ou menor grau. E, lamentavelmente, a Ferrari ganha com louvor o troféu de time mais cretino do paddock da F-1. Uma má fama que já não é de hoje, infelizmente, e que eles não se envergonham nem um pouco de cultivar...
            Aguardemos os futuros capítulos desse embate, que promete muito, e não exatamente no melhor sentido da palavra...


Hora de fazer as malas e pegar a estrada. Neste fim de semana, todos os times e o pessoal da F-1 embarcam rumo ao outro lado do mundo, onde no próximo final de semana será disputado o Grande Prêmio da Austrália, prova inaugural do campeonato de Fórmula1 de 2018. Depois de uma pré-temporada das mais mixurucas em termos de atividades na pista, já que na prática só tivemos mesmo 4 dias de testes pra valer, chegou a hora de vermos de fato quem é quem na disputa pelo título da temporada. E, pela primeira vez desde 1970, o ano começa sem a presença de nenhum brasileiro na pista. Mas, felizmente para Felipe Massa, que acabou dispensado pela Williams, o time inglês tem tudo para fazer uma temporada das mais sofríveis pelo que se viu nos testes, e Felipe não merecia pagar este mico, em respeito ao seu currículo e amor próprio. Veremos como a escuderia irá se sair na competição esse ano, onde a disputa, em especial no pelotão intermediário promete ser das boas. E é hora também do pessoal da imprensa especializada retomar a cansativa rotina de viagens mundo afora, que só terminará no fim de novembro, com a etapa final, em Abu Dhabi. Vai ser um ano bem longo, já que teremos 21 provas na competição...


A F-E acelera mais uma vez neste final de semana, no balneário de Punta Del Este, no Uruguai, prova que entrou no lugar da corrida que seria disputada em São Paulo, até as atitudes recentes da prefeitura paulistana tornarem a corrida sem garantias, enterrando as esperanças dos fãs brasileiros de termos uma prova por aqui. O canal pago Fox Sports 2 transmitirá a corrida ao vivo, a partir das 16 horas, neste sábado, pelo horário de Brasília, com narração de Téo Jose, com participação de Flávio Gomes e Thiago Alves.

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