sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

VIDA ALÉM DA F-1


Di Grassi agora  vai guiar em tempo integral no WEC.

            O Brasil terá este ano mais um brasileiro em um time de ponta em uma categoria TOP do automobilismo mundial. Contando com o campeonato da Indy Racing League, onde teremos pelo menos dois brasileiros com condições de lutar pelo título - Tony Kanaan, defendendo a Chip Ganassi; e Hélio Castro Neves firme na Penske, a estrela potencial do nosso país agora é Lucas Di Grassi, que foi confirmado na semana passada como piloto oficial da Audi para o Campeonato Mundial de Endurance de 2014. Certo, Lucas já era piloto do time alemão no último ano, mas estava inscrito apenas em poucas provas, onde a Audi competiu com 3 carros; no restante do campeonato, onde alinhava com dois, os lugares já pertenciam a outros pilotos. Mas agora o brasileiro, que desde que estreou pela primeira vez defendendo o time das quatro argolas, ainda em 2012, e sempre deixou ótima impressão na cúpula da equipe, vai ser piloto da Audi por todo o campeonato do WEC.
            Lucas ocupará a vaga deixada por Allan McNish, que se aposentou no fim de 2013. Com isso, Di Grassi simplesmente terá em mãos o melhor carro da categoria, a grande estrela do WEC, o modelo E-tron R18 quattro, e que foi campeão nos dois primeiros campeonatos do certame. Como afirmou Fábio Seixas em sua coluna na semana passada, o anúncio é do mesmo porte de quando Ayrton Senna foi contratado pela McLaren na década de 1980 na F-1. Para Lucas, uma vitória pessoal do seu grande esforço, desprezado na F-1 em detrimento do fator financeiro. Pela perspectiva de sucesso como piloto da Audi no WEC, a categoria máxima do automobilismo virará apenas uma nota de rodapé na carreira de Lucas, que se esforçou para permanecer na F-1, mas quando viu que dificilmente teria o retorno que merecia, resolveu procurar outros caminhos.
            Alguns podem dizer: mas o que Di Grassi fez para merecer isso, se na F-1 não fez nada? Em primeiro lugar, ele não fez nada porque o time por onde pilotou, a Virgin, era praticamente uma carroça, nos times que estrearam em 2010 com o aval de Max Mosley, que sentia que a categoria precisava de novos times. Das escuderias que adentraram a F-1 naquele ano, apenas a Lotus - atual Caterham, tinha condições mais decentes (e que mesmo assim não conseguiu fazer quase nada), enquanto a Virgin e a Hispania eram quase arremedos de carros de F-1, com o time espanhol conseguindo ser o pior time e carro do ano. E com um time assim tão pouco competitivo, nem mesmo a comparação com o companheiro de escuderia era algo muito confiável, pois ambos os carros nunca conseguiam ter uma preparação decente e igual. Foi um ano de frustrações e nenhuma satisfação, e quando começaram as negociações para tentar se manter na categoria em 2011, o que mais se exigia era uma conta bancária recheada; talento estava em segundo plano. Assim, não foi surpresa Lucas acabar preterido pelos times com os quais negociou em favor de pilotos com patrocínios mais generosos. Seu talento e inegável qualidade técnica não bastavam. Nem mesmo quando passou a ser piloto de testes da Pirelli, ajudando a desenvolver os compostos utilizados pela F-1 ajudou muito: por mais experiência e feedback que pudesse trazer a qualquer time sobre os pneus - informação valiosa para qualquer escuderia da categoria, conseguia superar a oferta de pilotos com mais verba financeira.
            Procurando novos espaços, conseguiu em 2012 acertar para correr pela Audi na etapa brasileira do WEC. Fez bonito logo de cara, ficando em 3° lugar, o que lhe valeu um contrato para ser piloto da escuderia alemã na categoria, embora não fosse pilotar em tempo integral no WEC, realizando vários testes para o time. O bom trabalho nesta atividade, além das boas performances apresentadas nas corridas que disputou efetivamente deixaram excelente impressão, e agora Lucas certamente irá colher os frutos de seu esforço. É um dos candidatos ao título de 2014 do WEC, mas vamos devagar com a coisa, porque a Audi tem mais pilotos, e não se pode dizer que o brasileiro vai ser campeão só porque será piloto do melhor time do certame. Ele vai ter de ralar na pista, o que não quer dizer que a Audi vai dar preferência a alguém dentro da escuderia. Ao contrário da F-1, no WEC a disputa na pista vai ser livre e limpa, e também intensa e difícil.
            Para boa parte do público, infelizmente, o que interessa em termos de esporte a motor é apenas F-1. Talvez o fato de Felipe Massa não poder ser considerado favorito a vitórias, por não estar mais na Ferrari, ajude os brasileiros a verem que há corridas fora da F-1. Mas ultimamente o automobilismo anda meio em baixa, devido aos poucos resultados obtidos por nossos representantes nos últimos anos. A massa do público ainda enxerga apenas a F-1, e isso atrapalha, pois muitos nem se dão conta do que acontece em outros campeonatos. Apenas uma parcela mais restrita dos fãs, que inclusive possuem TV por assinatura, e seguem com frequência o mundo do automobilismo, estão mais inteirados do valor e importância que Di Grassi tem ao se tornar piloto Audi integral no WEC. Mas a situação não é de hoje...
            Em 1987, no antigo campeonato de Esporte-Protótipos, antecessora do atual Mundial de Endurance, Raul Boesel conquistou o único título de um piloto brasileiro naquele certame. Mas sua conquista acabou ofuscada por Nélson Piquet, que no mesmo ano tornou-se tricampeão mundial de F-1 na equipe Williams, em duelo ferrenho com Nigel Mansell. Com o grande público voltado para a conquista de Piquet, aliado ao fato de que em 1988 Ayrton Senna correria na McLaren, quem estava se importando para o título conquistado por Boesel? Pouca gente, infelizmente.
            Émerson Fittipaldi abriu os olhos dos brasileiros para a Fórmula Indy em 1989, ao vencer o campeonato, sendo o primeiro não-americano a conquistar tal feito. Naquele mesmo ano, foi também o primeiro brasileiro a vencer a tradicional 500 Milhas de Indianápolis, uma das mais famosas e prestigiadas corridas do mundo inteiro. Mas boa parte do público foi levada pelo "renascimento" de Émerson, que havia sido bicampeão da F-1, e que havia saído desta com o prestígio em baixa, no começo daquela década. A grosso modo, boa parte do público via a Indy como uma F-1 "B", pois tinha muita coisa similar. O foco da atenção, em si, ainda era pela F-1 propriamente. A Indy era uma "imitação" da F-1, e partindo desse conceito, até conseguiu ganhar espaço em nosso país, mas sem chacoalhar a supremacia do interesse brasileiro pela F-1.
            Mesmo nossas conquistas nas categorias menores do automobilismo europeu, como a F-3 e a F-3000, eram mais destaque com o sentido de que "em breve, teremos mais um talento na F-1" do que qualquer outra coisa. Em 2000, quando Gil de Ferran conquistou seu primeiro título na F-CART, o grande público estava mais interessado em ver como Rubens Barrichello se sairia como piloto de um time de ponta, a Ferrari. Só mesmo os aficcionados para valorizar e comemorar a conquista de Gil de Ferran, que tinha como meta chegar à F-1, como a grande maioria, mas que ao ver fechadas as portas desta, deu outro rumo à carreira, e não se arrependeu nem um pouco.
            Muito pelo contrário: Gil foi bicampeão da F-CART, e ainda venceu as 500 Milhas de Indianápolis. A estrada aberta por Émerson na categoria, ainda nos anos 1980, mostrou a nossos pilotos que havia um campeonato muito interessante onde se poderia fazer carreira. Nos anos 1990, a leva de representantes verde-amarelos no certame teve seu ápice, com muitos escolhendo os Estados Unidos para dar andamento às suas carreiras. Além de Gil de Ferran, quem também migrou para os EUA foram Christian Fittipaldi, Roberto Moreno, André Ribeiro, Hélio Castro Neves, Tony Kanaan, Guálter Salles, Maurício Gugelmim, entre muitos outros. Alguns conseguiram melhores resultados que outros. Mas souberam rumar para outros campeonatos.
            Outro exemplo de grande talento brasileiro que desistiu da F-1 foi Augusto Farfus Jr., que já está na Europa há bastante tempo, e ao invés da categoria máxima do automobilismo, foi para o turismo, e hoje compete no DTM, um dos mais conceituados campeonatos da modalidade no planeta.
            Embora seja importante um piloto contar com a admiração dos fãs e do público, acima de tudo ele é um profissional, e sua meta é conseguir pilotar bons carros e disputar sempre a melhor prova possível. Poucos de fato poderão ser vencedores e campeões, mas um verdadeiro vencedor e campeão não se resume apenas a títulos, mas pela atitude que cada um tem na condução de sua vida e carreira. Lucas Di Grassi pode não ter conseguido muito sucesso em sua carreira internacional de piloto, mas suas atitudes, determinação, talento e técnica o credenciam a ser um verdadeiro vencedor e um campeão por si mesmo. Na Audi, terá todas as condições de fazer seu talento brilhar, e ele certamente vai dar o melhor de si para justificar à marca alemã a confiança depositada nele.
            Sempre existiu vida no automobilismo fora da F-1. E este ano, espero que a grande torcida do Brasil abra os olhos para os feitos de Lucas no WEC. Meus parabéns ao piloto, e aguardo para assistir às suas performances na nova categoria. Pelo pouco que já vi, ele terá muito a mostrar...

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