sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

FERVURA NA RENAULT


Os motores Renault iniciaram 2014 com mais fumaça do que performance.

            Enquanto a grande maioria dos brasileiros está padecendo das altas temperaturas do verão nacional, que está chegando a mais de 40° em alguns lugares, com sensação térmica acima dos 55° em alguns lugares, o clima na Renault, um dos fornecedores de motores para o campeonato mundial de Fórmula 1 anda quase tão quente quanto nossas temperaturas.
            O resultado da primeira sessão coletiva de testes da pré-temporada, realizada semana passada em Jerez de La Fronteira, na Espanha, acendeu o alerta vermelho não apenas na fabricante de motores, mas também nas escuderias abastecidas pela fábrica francesa, e há razões de sobra para ficarem preocupados: as unidades francesas foram as que menos acumularam quilometragem. Quem conseguiu andar mais com novos V-6 turbo da terra de Napoleão foi justamente a Caterham, teoricamente o time mais inexpressivo da marca na F-1. E como que numa escala inversamente proporcional à reputação do time, coube à Red Bull o principal vexame de ver sua primeira sessão de testes virar fumaça, literalmente, conseguindo um número pífio de voltas.
            O baque foi tão forte que o primeiro escalão da escuderia, leia-se Christian Horner e Adrian Newey, retornaram à fábrica na Inglaterra antes do fim dos testes, com parte do equipamento. O resto da escuderia ficou para o último dia de treinos em Jerez, com mais um dia sem resultados aproveitáveis. E Daniel Ricciardo passou por sua primeira saia justa como piloto da Red Bull, tendo de encarar os jornalistas e dar declarações sobre o fiasco dos testes para o time que se tornou a excelência na F-1 nas últimas 4 temporadas.
            O consenso geral é de que o novo projeto de Adrian Newey, o modelo RB10, terá de ser repensado. Quanto não dá para saber, mas informações mais disponíveis dão conta de que o sistema de refrigeração do novo carro simplesmente não dá conta das necessidades da nova unidade de potência. E, sem refrigeração adequada, não há motor que aguente. Como que para confirmar o fato, a Toro Rosso, time satélite da Red Bull, também teve problemas de refrigeração das suas unidades. Menores do que os do time matriz, mas ainda assim, também preocupantes. O modelo STR09 usa o RB10 como base, mas tem seu design próprio, o que ajuda a mitigar, mas não eliminar os problemas de superaquecimento enfrentados pelo novo motor turbo. Mesmo a Caterham não ficou livre de alguns percalços, o que mostra que, mesmo que se aponte erros no projeto dos carros, também sobra culpa para o propulsor.
            Preocupação mais do que confirmada pelo fato de a fábrica francesa pedir a presença de todos os seus times hoje em Jerez para a apresentação do novo modelo E22 da Lotus, time que não foi ao autódromo da Andaluzia semana passada, alegando precisar de mais tempo para finalizar seu carro, e que também usa os propulsores franceses. A desculpa da presença da Lotus é realizar filmagens promocionais do novo carro e o shakedown do mesmo, mas ninguém duvida que mesmo essa rodagem limitada do carro é crucial para a fábrica verificar se as modificações realizadas no propulsor na última semana resolveram os problemas de aquecimento. Oficialmente, Red Bull, Toro Rosso e Caterham estarão com representantes no teste a convite da própria Renault, que está bancando o dia de "filmagens" da Lotus.
            Pelo que se pode notar na semana passada, a Mercedes saiu bem na frente na nova era turbo de motores da F-1. Embora não tenham sido exigidos ao máximo, todos os times abastecidos pela marca alemã acumularam quilometragem expressiva, o que é significativo em um ano onde o novo regulamento técnico permite a cada piloto dispor de apenas 5 motores para toda a temporada, que tem quase 20 corridas, o que dá uma média de que cada motor precise durar 4 provas ou mais, dependendo das circunstâncias. Se a Renault não conseguir mostrar fiabilidade, corre o risco de ver seus pilotos ficando pelo caminho durante as corridas com uma frequência assustadora durante o campeonato. Até a Ferrari, no momento, parece estar distante de ser alcançada pelos franceses, apesar de se encontrar, teoricamente, abaixo da Mercedes no rendimento potencial de seus propulsores.
            A situação na Renault ficou alarmante pelo fato de não ter havido problemas em apenas um setor, mas em todo o sistema do motor e do novo Ers, o novo equipamento de recuperação de energia. Em cada problema surgido, a falha foi em um local diferente. A empresa jurou que tudo estará resolvido para a próxima sessão de testes, a ser feita no Bahrein, a partir do dia 19 deste mês. E tem motivos cruciais para tentar resolver isso até lá: as temperaturas. Em Jerez, o clima esteve frio, mas fresco. No Bahrein, todos os motores e carros terão de encarar as altas temperaturas do deserto, um cenário de calor que é o que se espera em todas as corridas. Se os motores da Renault sofreram no clima ameno da Andaluzia, poderiam simplesmente estourar de vez no forte calor das areias barenitas.
            Para as escuderias, o sinal também foi dado: mesmo que a Renault melhore seu equipamento, pelo sim pelo não é preciso melhorar a refrigeração dos bólidos. Dependendo do projeto, a operação pode ser mais ou menos custosa, tecnicamente falando, com perdas e/ou ganhos no quesito performance. Não é impossível que a situação seja corrigida: todos os times possuem técnicos de alta capacidade, e a categoria sempre conseguiu dar a volta por cima em todas as restrições que enfrentou até hoje. O problema é que antigamente os times tinham a chance de testar livremente, o que não ocorre nos dias de hoje. Os dias de pista são escassos, então o trabalho nas fábricas está sendo intenso, a fim de preparar e simular todas as modificações necessárias para corrigir os problemas verificados. Mas apesar dos simuladores estarem cada vez mais perfeitos, o trabalho de pista ainda é imprescindível, e não há outro meio melhor de se apurar a confiabilidade dos dados. Se os simuladores fossem tão bons, como explicar que a Renault levou um susto tão grande com o teste de pista de suas unidades? E isso para não falar dos times, igualmente pegos de surpresa com os problemas gerados por seus próprios carros.
            A nova sessão de testes em Sakhir promete pegar fogo se as unidades francesas continuarem apresentando problemas. E a relação dos times com a fábrica francesa pode esquentar também, se os defeitos acabarem vindo mais dos motores do que dos carros. E ninguém pode afirmar que foram pegos exatamente de surpresa: todos sabiam que os novos propulsores turbo teriam necessidades diferenciadas de refrigeração em relação aos velhos V-8 aspirados usados até 2013. Da mesma maneira, o novo Ers, uma evolução do Kers usado até o ano passado, que disponibiliza muito mais potência e durante muito mais tempo, pelo fato de canalizar muito mais energia e utilizar um conjunto maior de baterias para acumular toda essa força proveniente dos sistemas de recuperação de energia, iria precisar de muita refrigeração, razão pela qual as laterais de todos os carros tiveram as entradas de ar para os radiadores bem aumentadas em relação ao que víamos até 2013. Até o ano passado, o sistema de recuperação oferecia apenas 80 cavalos extras que poderiam ser utilizados por alguns segundos por volta, aproveitando a energia das frenagens dos bólidos. Este ano, o sistema é bem mais complexo, e além de reaproveitar a energia gerada pelos freios, ele se aproveita também do calor gerado pelo próprio motor turbo, e oferece 160 cavalos por até 33s por volta. O sistema de recuperação de energia ficou bem mais complexo, e está muito mais intimamente ligado ao próprio motor, de modo que o Ers e o motor praticamente funcionam em ressonância, como se fossem uma peça só. Não é por acaso que todos estão se referindo aos motores como "power units", ou "unidades de força", e não somente como propulsores simplesmente. Se o motor não funciona a contento, o Ers também fica comprometido, e vice-versa. É preciso garantir que ambos estejam mais afinados do que nunca, e até agora, o equipamento produzido pelos franceses está mostrando precisar de mais cuidados do que se imaginava a princípio, a ponto de se previsar repensar estas necessidades. Vai ter muita pressão tanto nos times como na própria Renault, e dependendo de como a situação evoluir, algumas relações poderão ficar bem tensas.
            De seu lado, a Renault precisa mais do que nunca mostrar que pode e deve resolver o problema: é o motor campeão do mundo, vencedor dos 4 últimos campeonatos de F-1. Um mérito que não cabe apenas a Sebastian Vettel ou aos excelentes carros concebidos por Adrian Newey, mas também ao motor francês, que tinha excelentes qualidades técnicas, que foram muito bem usadas tanto pelo monoposto como pelo piloto. E, pelo seu lado de campeã, a Red Bull também enfrenta pressão similar.
            Fica uma dúvida: as unidades da Mercedes e da Ferrari não tiveram problemas em Jerez, mas e se tiverem no forte calor do Bahrein? Eis uma questão que será preciso desvendar por parte dos times e das fábricas. Só faltava o forte calor bagunçar com eles também a esta altura, e com a Renault já enrolada no problema, o campeonato pode até começar com todo mundo sem saber a quantas pode acelerar seus novos motores, podendo haver uma quebradeira generalizada. Esportivamente, seria interessante, por ver a monotonia quebrada, e vendo quem se daria melhor. Aguardemos para descobrir o que vai acontecer...

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