sexta-feira, 30 de março de 2012

SABER PERDER

            “Saber perder é uma virtude”, diz o ditado popular, mas vá achar algum campeão que saiba ser um bom perdedor... Eles existem, sim, mas aparentemente, Sebastian Vettel acaba de mostrar que não é desta estirpe, depois da sua reação ao fim do GP da Malásia de Fórmula 1 disputado domingo passado. Ao tentar colocar volta em cima do retardatário Narain Karthikeyan, da equipe Hispania, o bicampeão teve um de seus pneus traseiros tocado pelo bico do carro do indiano, o que fez com que o pneu furasse, levando Vettel para o box para uma troca e colocando fim às suas pretensões de pontuar na corrida malaia. Finda a corrida, o jovem alemão disparou alguns impropérios contra o piloto da Hispania, e mostrando-se profundamente irritado com o acontecido.
            Cabeça quente? Claro, e ele tem o direito de ficar chateado, mas o que está pegando mesmo é o fato de que este ano a Red Bull, ao contrário do que se esperava, não tem a força que demonstrou nos últimos dois anos. A proibição do difusor aquecido fez mais falta do que se imaginava, mas todos tinham esperança de que Adrian Newey conseguiria contornar o problema. Aparentemente, ele não conseguiu isso tão bem quanto se esperava. E o que vemos é uma Red Bull tendo que lutar para conseguir andar de novo na frente, o que não vai ser fácil, pelo visto nas duas corridas disputadas até aqui. E isso parece ter deixado Vettel meio desestabilizado.
            A McLaren mostrou ter o melhor carro, e tem a dupla mais forte do grid potencialmente falando, com dois campeões que já mostraram do que são capazes. Nas classificações, o MP4/27 mostrou ser o carro mais rápido, a ponto de a McLaren ter dominado a primeira fila tanto no Albert Park quanto em Sepang. Vettel aproveitou-se da entrada do Safety Car na Austrália para terminar a corrida em 2° lugar, superando Lewis Hamilton, que inevitavelmente chegaria atrás de Jenson Button, que soube controlar perfeitamente a prova australiana. Na loteria que foi a prova de Sepang, com a chuva embaralhando estratégias e trocas de pneus, Vettel não conseguiu capitalizar a presença da chuva a seu favor, como havia feito em 2008 no GP da Itália, quando venceu pela média Toro Rosso. E, diante da possibilidade de ser muito difícil vencer corridas este ano, tudo indica que o bom humor e simpatia do novo bicampeão tendem a sumir muito rápido. E isso vai ser ruim, não apenas para sua imagem, mas para sua formação de piloto.
            Já vimos recentemente este mesmo filme, com Lewis Hamilton. Queridinho da McLaren, sendo cuidadosamente preparado pela escuderia britânica para ser um de seus pilotos, Lewis estreou em 2007 tendo o sonho de todo piloto que ambiciona chegar à F-1: um carro vencedor e um time de ponta. Surpreendeu a todos e quase foi campeão, perdendo o título por pouco. Noviciado, diziam. E com razão: nas provas finais, quando já era até tido como campeão antecipado, a pressão “pesou”, e o jovem inglesinho cometeu seus erros, perdendo o título para Kimmi Raikkonem e a Ferrari. No ano seguinte, enfrentando dificuldades maiores, venceu por pouco o campeonato, e dava mostras de que um novo gênio e supercampeão estava nascendo. Só que, de lá para cá, Hamilton não conquistou um novo título. Não que tenha faltado carro exatamente, mas a competição ficou mais dura, e no ano passado, a “abstinência” de títulos fez com que Lewis andasse meio errático, cometendo erros e não conseguindo aproveitar a contento seu grande talento. Ao se ver superado na McLaren por Jenson Button, um sujeito polido, amigável, e sem fama de criador de casos, o ego de Lewis foi a nocaute.
            Em 2007 e 2008, Lewis estava vivendo um sonho na F-1. Na época eu já dizia que era prematuro apontar o inglês como supercampeão, pois até então, apesar de uma ou outra dificuldade, ele estava vivendo o melhor da categoria. E quando a situação ficasse mesmo complicada? Saberia encarar as adversidades e superá-las, como convém a um verdadeiro campeão? A princípio, até que parecia saber: em 2009, a McLaren não teve um bom carro, mas soube crescer no campeonato, e Hamilton até que encarou bem o desafio, não sem ter alguns traumas ocasionais. Em 2010, em um campeonato até equilibrado, Lewis se portou bem, mas perdeu pontos cruciais em algumas corridas por não saber dosar ser ímpeto de agressividade, dando a entender que, encarando uma competição mais forte, poderia facilmente se desestabilizar. E no ano passado, se envolveu em confusões em várias corridas, tocando rodas com Felipe Massa em várias ocasiões, e dando até declarações esdrúxulas sobre as punições que recebia. Superado por Button na McLaren, e vendo Vettel despontar como novo “gênio” da F-1 pareceram deixar Hamilton com ciúme do sucesso do rival. Hamilton parecia ter a noção de que ele era o “astro” único da F-1, e ver outros tendo mais sucesso pareceu não deixá-lo à vontade. Afinal, para quem, alguns anos antes, era tido como possível novo “rei” da F-1, ver que isso pode não ser verdade tem lá seu lado bom e ruim. Infelizmente, Hamilton está indo, até o momento, pelo lado ruim: neste início de campeonato, já parece desanimado, e procurando novamente o rumo da vida, sendo superado na pista por Button.
            Vettel teve o ano de seus sonhos em 2011, onde foi campeão praticamente sem ter de enfrentar ninguém. Tinha o melhor carro, o RB07, e não teve, como em 2010, concorrência interna dentro da equipe, uma vez que Mark Webber foi incapaz de acompanhá-lo. E Vettel despontava como um campeão carismático, simpático, e mais sociável do que Fernando Alonso e Lewis Hamilton, e até Michael Schumacher. Mas este ano, vendo que seu carro não é mais superior aos demais, pelo contrário, e perdendo um resultado apenas satisfatório em Sepang – seria o 4° colocado, mas sem chances de subir ao pódio, Vettel parece estar caindo no mesmo buraco negro que ameaça tragar Hamilton. Quando todos já afirmavam até que Vettel poderia superar os números de Schumacher na F-1 – um exagero a esta altura, diga-se, eis que o mais jovem bicampeão da categoria se vê de volta a pilotar um carro veloz, mas não o mais veloz de todos. Seria a chance perfeita para Sebastian mostrar que é de fato o grande campeão que todos afirmam, ajudando a liderar seu time neste momento de dificuldade. Dificuldade que nem é tão grave assim: o RB08 não é um carro ruim, e pode até vencer corridas, pois a diferença de performance não é insuperável para os carros da McLaren. Mas Vettel vai ter de suar o macacão para vencer novamente, e a possibilidade de ter de duelar de maneira mais ferrenha na pista, contra vários adversários potencialmente velozes, e sofrer uma nova derrota pode bagunçar a cabeça do jovem alemão.
            Nestas horas, é preciso saber perder. Nunca será possível vencer sempre, e saber perder não significa admitir que é perdedor, apenas que é preciso fazer o que for possível, e tentar dar o melhor de si, por pior que a situação esteja. Vencer quando se tem o melhor carro pode ser fácil, mas vencer enfrentando as adversidades, e sem ter o melhor equipamento é conseguir vencer de uma forma ainda mais valorizada. Vettel já esteve neste tipo de situação, quando defendeu a Toro Rosso, apenas precisa se lembrar de como eram aqueles tempos e voltar a dar o melhor de si. A Red Bull continua tendo uma estrutura muito boa, e com trabalho e esforço, pode voltar a vencer, e mesmo neste momento, não pode ser descartada da luta pelo título. Mas Vettel tem de esquecer qualquer estrelismo que possa estar tendo e colocar os pés no chão para raciocinar direito e ver que pode encarar este desafio e superá-lo. Talento e capacidade ele tem. Só precisa é ter cabeça forte para encarar o problema. Não é xingando os companheiros de pista quando algo dá errado que irá conseguir isso. A dupla da Force Índia, Paul Di Resta e Nico Hulkenberg, saíram em defesa de Karthikeyan, assim como o ex-piloto David Couthard, hoje comentarista de F-1. O indiano, por sua vez, tachou a atitude do piloto da Red Bull de antiprofissional e vergonhosa, além de afirmar que um campeão não pode se dar ao luxo de ser chorão assim.
            Se mostrar que tem mente forte, Vettel terá dado o passo definitivo para ser de fato um gênio das pistas, se conseguir conduzir a Red Bull ao título em um ano onde não tenha o melhor equipamento. É o que Fernando Alonso vem tentando na Ferrari, desde que estreou no time italiano, e que com sua corrida extraordinária na Malásia, onde conquistou uma vitória que ninguém esperava, mostra porque o espanhol é considerado hoje o piloto mais completo da F-1 atual, a despeito do bicampeonato consecutivo de Vettel nos últimos dois anos. Se Sebastian conseguir repetir o que Alonso consegue fazer na Ferrari, mesmo com um carro inferior, será um piloto muito mais forte do que já é. Mas para isso, precisa aceitar com naturalidade as derrotas. E extrair delas muito mais motivação ainda para voltar a vencer.
            Vettel só depende de si mesmo para conseguir isso.

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