sexta-feira, 16 de março de 2012

CAINDO NA REAL?

            Hoje começam os treinos oficiais para o 63° Campeonato Mundial de Fórmula 1. Todos os carros estarão na pista do Albert Park para darem início a mais uma luta que irá durar praticamente o ano todo. Serão 20 corridas durante vários meses, com o “circo” visitando praticamente 5 continentes e 19 países, numa maratona cansativa, e acima de tudo, cara. Cara a ponto de Bernie Ecclestone, nesta semana, chegar a defender, em entrevista ao site oficial da categoria, que a idéia de um “teto” orçamentário para as escuderias não seria uma má idéia. Segundo o chefão da FOM, os times andam gastando muito, e o momento atual não favorece a gastança desenfreada que se vê na categoria máxima do automobilismo mundial.
            Quem diria? Bernie, admitindo que a F-1 anda cara demais, e que precisa diminuir os custos? Será que ouvimos direito? Não foi uma alucinação? Um sonho? Será que ainda há esperança para o mundo da velocidade? Devagar aí...
            Não é por ter falado algo que todo mundo quer ouvir que Ecclestone, de uma hora para outra, tenha se tornado outra pessoa, e que esteja menos ganancioso ou avarento. Por mais que alguns digam que Bernie já está ultrapassado, e que suas idéias já não refletem as necessidades da F-1 moderna, o baixinho está mais lúcido do que nunca, conhece a realidade muito bem, e sabe de todas as dificuldades que o mundo do esporte a motor enfrenta em todo o mundo, e em especial na Europa, cuja economia está combalida pela crise que afeta diversos países do continente. Mas, conhecer e admitir o problema é uma coisa; tomar alguma providência, isso já são outros quinhentos...
            Que a F-1 anda gastando muito, é a mais pura e banal verdade. Todo mundo que acompanha a categoria está cansado de saber disso. Duro é saber que já foi ainda mais gastona: em 2008 e 2009, com a crise econômica mundial, várias montadoras pularam fora da categoria: Honda, BMW, Toyota, e Renault – esta em um processo mais gradual, terminado no ano passado, ficando apenas como fornecedora de motores. Sem os rios de dinheiro que as fábricas de automóveis acostumaram a fornecer por praticamente uma década, os times enfim baixaram um pacotaço de medidas destinadas a reduzir os custos de competição da categoria: os testes praticamente foram extintos durante o campeonato; motores foram congelados; etc. Max Mosley, presidente da FIA na época, ao ver a debandada das fábricas da categoria, voltou a defender os times “independentes”, os mesmos que uma década antes, dizia serem prejudiciais à F-1. Para atrair novos times para a categoria, quis impor um limite de gastos, estimados em US$ 40 milhões, como forma de viabilizar a competição em maior escala de competidores. A idéia não emplacou, mais pelos métodos ditatoriais com que Mosley queria enfiar o projeto goela abaixo nas escuderias do que pela inviabilidade da iniciativa.
            Na época, o pacote de redução de custos foi muito bom, fazendo com que os times gastassem bem menos na competição, com uma diminuição estimada em média de 30% dos gastos até então contabilizados. Nada mal para a saída. O efeito colateral foi a demissão em massa nas escuderias, que se desfizeram de suas divisões de testes, agora que estes praticamente não mais seriam permitidos durante o ano. Aproximadamente 4 mil empregos foram extintos na categoria, mas o mundo seguiu em frente. O problema é que, de lá para cá, a economia européia continuou em crise, desse modo, vários patrocinadores potenciais também sumiram do mapa, enquanto outros que estavam na categoria preferiram pular fora e buscar opções mais realistas de divulgação de seus nomes e produtos. Isso fez com que a redução dos custos praticamente se tornasse inócua: os gastos baixaram, mas o dinheiro disponível também ficou escasso, logo, ficou num empate, se não até pior do que antes. Imaginem então se a categoria continuasse gastando como fazia até 2008...
            E agora, vivemos um impasse: os gastos estão altos, e a economia de muitos países patina, quando não regride. Mais cedo ou mais tarde, o dinheiro secará, e a F-1 poderá sentir e viver a crise que teima em ignorar até o presente momento. Uma conseqüência disso é o número de pilotos pagantes que há no atual campeonato, um dos mais altos de todos os tempos na categoria. Pulverizou-se as fontes de receitas, incluindo patrocínios de países como Venezuela, Rússia e Índia. Ao mesmo tempo, Ecclestone tem buscado novos mercados para tentar manter a F-1 abastecida de dólares em economias menos estagnadas. Mas é uma receita perigosa: alguns países até ficam seduzidos pela categoria, mas sem um piloto que os represente, e bem, os investimentos podem sumir tão rápido quanto surgiram, ou se tornarem instáveis demais a ponto de não serem suficiente seguros. E, paralelamente a isso, Ecclestone continua cobrando fortunas dos países que sediam um GP, o que coloca na corda bamba várias provas. Onde está a necessidade de baixar os custos que Bernie apregoa quando ele mesmo se recusa a baixar as taxas que cobra?
            Dos novos GPs, os turcos já se cansaram da brincadeira; Valência também está desiludida; os chineses não morrem de amores pela categoria, mas ainda deram mais algumas chances; a Índia e a Coréia do Sul ainda não mostraram exatamente a que vieram; e os russos ainda são uma incógnita mais do que uma certeza. Não há exatamente um porto seguro onde se escorar. A solução é tornar a categoria mais barata para se competir para todos, e isso inclui baixar custos para pilotos, patrocinadores, GPs, etc. Com certeza, essa seja a verdadeira intenção de Ecclestone: iniciar uma redução gradual, com um possível teto de gastos para os times, de maneira a minimizar o possível choque que uma falta de patrocinadores possa gerar no caso de um corte abrupto de verbas inesperado, o que poderia levar a F-1 a um colapso financeiro. Um pouso gradual e constante poderia diminuir as pressões das contas, e evitar um pouso forçado onde as conseqüências poderiam ser imprevisíveis para todos, até mesmo para Ecclestone, que sempre se gaba de enxergar negócios e oportunidades mesmo nos piores momentos. O chefe da FOM poderia estar temeroso com um baque generalizado que poderia ocorrer se as condições econômicas européias não melhorarem.
            Apesar de andar desdenhando das provas no Velho Continente, é na Europa que a F-1 tem sua grande massa principal de fãs, é onde estão sediadas todas as escuderias. Se a crise econômica européia se agravar, ou não melhorar, de uma hora para outra, as necessidades podem mudar de prioridade, e com os custos em alta, verbas poderiam passar a ser destinadas para categorias mais em conta. O efeito dominó de algo assim poderia até implodir a categoria, se algo não for feito. E esperar o desastre acontecer pode não ser a melhor opção. Portanto, esforços para evitar o pior devem ser implementados desde já.
            O problema, como já mencionei, é partir das palavras para as atitudes. Por mais que saiba dos problemas que podem afligir a categoria, equipes e FOM estão “satisfeitas” com a situação atual, e não querem que as coisas mudem. Bernie também parece não ter interesse em mudar o panorama atual, que lhe garante lucros exorbitantes, assim como as escuderias ganham muito com o repasse das verbas de direitos da categoria. Numa hipótese mais realista, eles só tomarão mesmo atitudes se o desastre se tornar potencialmente perigoso e até inevitável, se algo não for feito. Prefiro acreditar que o alerta de Bernie seja por ter ciência, enfim, de que algo precisa ser feito para evitar o pior à frente, e não de que isso seja um alerta de que o pior está praticamente na iminência de acontecer.
            Bernie fala a verdade quando diz que os times grandes rejeitam a idéia de um teto orçamentário. Estes times querem gastar o que querem, enquanto as escuderias menores gastam o que podem, o que muitas vezes cria um desnível impossível de ser compensado na pista. Impor tal teto vai ser complicado, mas não impossível. Um dos principais motivos pela idéia ter fracassado anos atrás foi que Mosley errou na maneira de obrigá-lo a ser adotado, pra não falar no valor excessivamente baixo em relação ao que se gastava na época. Tivesse sido mais bem negociado, o teto até poderia ser adotado, com valores mais razoáveis ao que se gastava, e com baixa gradativa e lenta a cada ano. No fim deste ano, é chegada a hora da FOM renovar o “Pacto de Concórdia” com todas as escuderias que participam da F-1. Com a praticamente extinção da FOTA, a associação das equipes da categoria, os times perderam força de negociação, e Bernie teria a oportunidade de quem sabe fazer uma idéia assim passar e ser adotada pela categoria. Os times, como sempre, vão querer renegociar o percentual dos lucros que recebem da FOM, mas Ecclestone deverá estar com as melhores cartas de negociação na mesa. Pode ser a chance de fazer os times aceitarem, gostem ou não, tal medida. Mas que ninguém se engane: será algo muito difícil de se adotar, pois as escuderias, via de regra, não se entendem, e isso, infelizmente, já não é de hoje. Basta lembrar que a FOTA surgiu pela necessidade de se diminuir os gastos e enfrentar a “ditadura” de Max Mosley em 2009. Bem, Mosley caiu, os times conseguiram enfiar Jean Todt como presidente da FIA, e até agora, estão “contentes” com os gastos atuais. E não demorou para as escuderias começarem a se desentenderem por quaisquer picuinhas, o que já tirou praticamente toda a força da FOTA, que perdeu vários times a ela filiados. E adivinhem quem andou patrocinando algumas destas picuinhas... ele mesmo – Bernie Ecclestone. O homem é uma raposa velha, não tenham dúvidas. Mas mesmo ele tem limites, e a adoção de um teto orçamentário para os times da F-1 poderia ser um desafio e tanto para ele, mesmo com a ocasião de renovação do Pacto de Concórdia vir a calhar no momento.
            Se ele conseguir impor algo assim, terá de fato dado uma grande contribuição para deixar a F-1 mais equilibrada financeiramente, dando oportunidade de os times gastarem menos e poderem competir de forma mais justa. Por outro lado, Ecclestone, vez por outra, diz o que muitos querem ouvir para logo em seguida esquecer o assunto e continuar tudo do mesmo jeito. E, acreditem, Ecclestone pode fazer isso mesmo, e nem mesmo falar mais do assunto. Espero, claro, estar enganado, pois desejo uma F-1 melhor e mais emocionante para ser admirada por muito tempo...

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