sexta-feira, 4 de outubro de 2019

TIRO PELA CULATRA

Lewis Hamilton (acima) comemora a vitória no GP da Rússia, onde a Ferrari mais uma vez tentou controlar seus pilotos na pista, e acabou derrotada pela rival no azar dos italianos.

            Desde que estreou no calendário da Fórmula 1, o GP da Rússia deu mais pano para manga em discussões do que gerar boas corridas. E este ano, mais uma vez não fugiu à regra. A Ferrari, que tinha tudo para sair de Sochi com mais uma vitória, e até nova dobradinha, acabou caindo do cavalo, literalmente, e pior, vendo a Mercedes conquistar uma dobradinha, e reafirmar que será a grande vencedora da temporada, restando aos rivais apenas brigar pelo posto de vice-campeão, posição onde a Ferrari tem tudo para levar, e com sobras, já que a Red Bull parece ter atingido o seu limite este ano.
            Já não é de hoje que tenho ojeriza por ordens de equipe, e não por coincidência, isso tem muito a ver com a Ferrari, e não é apenas por ter feito Rubens Barrichello e Felipe Massa parecerem peões descartáveis, mas por atentar contra o pouco que ainda resta do esporte na categoria máxima do automobilismo. E, no meu entender, a mania do time vermelho em querer ditar as regras de seus pilotos, com a desculpa de que o time é tudo, ver a derrota do time de Maranello vem com o sabor de castigo merecido em uma etapa onde chega ao cúmulo do ridículo o que eles tentaram fazer.
Primeiro, que pavor descomunal foi aquele da largada? Os carros vermelhos largavam com os pneus macios, os mais velozes do fim de semana, enquanto os carros da Mercedes partiam com os médios, menos velozes, com a intenção de parar mais tarde, e claro, tentar a sorte com alguma intervenção de Safety Car, estratégia que deu errado em Singapura. A tendência mais do que óbvia era Charles LeClerc, o pole, e Sebastian Vettel, o 3º colocado, saírem muito melhor do que Lewis Hamilton, o 2º colocado, e Valtteri Bottas, o 4º colocado. Era ridículo tentarem fazer o acordo para Vettel assumir a posição para em seguida ter de devolver o posto para LeClerc. Não fosse isso, todo mundo poderia ter dito que Vettel fez uma largada fabulosa para assumir a posição na freada da primeira curva. Saber que aquilo foi uma estratégia tira todo o brilho da manobra, que poderia muito bem ter sido conquistada no braço e na raça, como os torcedores desejam.
E Vettel, depois dando uma de joão-sem-braço, tinha seus motivos para desgarrar na frente, ao invés de devolver a posição ao companheiro de equipe. Com Hamilton nos calcanhares de Charles, era melhor a dupla da Ferrari se mandar para a frente, antes de fazer esse tipo de coisa. Podiam dar azar, e Lewis deixar algum deles para trás. E LeClerc que comboiasse Vettel com mais eficiência. Se o monegasco não fez a choradeira de Singapura, é mais do que óbvio que ele não gostou do que viu, mas não tem o direito de reclamar. Primeiro, porque ele próprio também não cumpriu um acordo previamente estipulado pelo time na classificação em Monza, tirando de seu companheiro de equipe a chance de tentar a pole; e segundo, porque a escuderia fez a troca de posições na parada de box, e com isso, LeClerc finalmente assumiu a liderança. Mas os deuses do automobilismo, que tantas mancadas já cometeram, parecem ter ficado indignados com a situação, e um dos componentes da unidade de potência do carro de Vettel deu problemas logo a seguir, e o time mandou o alemão encostar o carro. E aí, deram a chance que a Mercedes esperava para assumirem a dianteira, e inverter o favoritismo na corrida. Se Charles achou seu resultado ruim, o que dizer de Sebastian, que amargou o abandono, e ficou ainda mais para trás em relação ao parceiro de equipe?
Largando com pneus mais macios, só um desastre faria as Ferrari perderem a liderança logo na primeira curva (acima). Tática do vácuo era completamente desnecessária, assim como o jogo de equipe entre seus dois pilotos (abaixo), que mais uma vez só produziu faíscas e tensão desnecessária entre os pilotos e a escuderia.
Engraçado é ver a postura de muitos torcedores, para quem as reclamações de LeClerc são sinal de “sede de campeão”, “personalidade forte”, arrojo, entre outros adjetivos de conotação positiva. Quando Rubens Barrichello fazia algo parecido, muitos o tachavam de chorão, fracassado, derrotado, e vendido, entre outros adjetivos menos elogiosos. LeClerc tem o direito de se posicionar, mas em alguns aspectos, parece estar criando celeuma com seu time antes da hora. Ficar quieto não é exatamente sinal de conformismo, mas ele poderia ir tirar satisfações de forma mais discreta junto ao time, e não ter deixado sua irritação extravasar para o público. Por outro lado, a Ferrari, ainda acreditando que só o monegasco parece agora ser esperança de resultados positivos, ainda fica na sua mania de dar preferência a apenas um de seus pilotos, e tendo com isso tomado decisões equivocadas em uma temporada onde tudo começou dando errado nas corridas da primeira metade do campeonato. Com a posição de vice-campeã praticamente garantida, eles deviam mais é liberar seus pilotos para competir livremente na pista, sem estratégias combinadas que promovessem um e demovessem o outro. Desde que ambos não colidissem numa disputa de posição, deveriam deixar sua dupla partir para o tudo ou nada contra os concorrentes. Seria uma disputa muito mais limpa e honesta. E poderíamos ver se LeClerc está sendo mesmo muito mais veloz do que Vettel em corrida do que está sendo em treinos. Talvez assim eles conseguissem muito mais facilmente superar até Bottas na classificação, já que Hamilton é praticamente o virtual campeão de 2019. E com a Red Bull incapaz de responder ao renovado ritmo demonstrado pela Ferrari, isso também lhes favoreceria Vettel superar Max Verstappen mais rapidamente no campeonato.
A nova vitória aproxima Lewis Hamilton ainda mais de seu sexto título. Com 5 provas para terminar o ano, temos 130 pontos em jogo, e Lewis tem 107 pontos para LeClerc. Para Bottas, a vantagem é de 73 pontos, o que em termos práticos equivaleria ao finlandês precisar vencer as próximas três corridas sem que Hamilton pontuasse, para ainda assim assumir a liderança por meros 2 pontos, sem contar os pontos extras pela melhor volta de um GP. Presumindo que Lewis encerre a fatura nos GPs dos Estados Unidos ou do México, é de se imaginar que o time tente focar um pouco mais em Bottas nas próximas corridas, para que o finlandês garanta o vice-campeonato, já que sua posição é vulnerável perante a escalada de LeClerc.
            A Ferrari parece ter finalmente reencontrado a forma e a performance com que seus carros deixaram a concorrência assustados nos testes da pré-temporada, mas infelizmente, essa reação chega muito tarde para lhes dar chances práticas de disputarem o título, seja de pilotos, seja de construtores. Por mais que se diga que com sua vantagem sendo confortável, a Mercedes já estaria focada no desenvolvimento do carro de 2020, não se pode ignorar que os carros prateados ainda são muito competitivos. Na Rússia, Hamilton andou relativamente próximo da dupla da Ferrari, e é preciso lembrar que tanto LeClerc quanto Vettel iniciaram a corrida com compostos macios, mais velozes, mas menos duráveis; já as Mercedes partiram com os compostos intermediários, e seu déficit de performance para os carros de Maranello, apesar de nítido, não era tão desastroso como se poderia afirmar, pois os pneus médios eram naturalmente mais lentos. Mas quão lentas as Mercedes seriam de fato se estivessem ambos os times com os mesmos tipos de pneus? Os números demonstraram que a Ferrari ainda teria alguma vantagem, o que explica a tática diferente da Mercedes na escolha dos pneus de início da corrida. Mas, assim como em Singapura, os alemães jogavam na possibilidade de entrada de um safety car. E desta vez, deram sorte, pois foi a própria Ferrari a lhes proporcionar a chance, e ainda tiveram a batida de George Russel logo a seguir. Se deram azar em Marina Bay, em Sochi a sorte sorriu para os prateados.
Red Bull: Mais uma corrida sem conseguir se intrometer no duelo Mercedes X Ferrari. Time parece perder fôlego na reta final do campeonato, ao contrário dos anos anteriores.
            LeClerc ficou “trancado” atrás de Bottas na parte final da corrida, e tendo os mesmos pneus do finlandês, não conseguiu a ultrapassagem que tanto almejava, mesmo contando com a maior velocidade em reta da Ferrari, ou o uso do DRS. Por mais que possa se acusar a turbulência aerodinâmica de inviabilizar a manobra, a verdade é que a Ferrari não conseguiu suplantar a Mercedes quando foi necessário. E LeClerc, que ganhou muitos elogios nas primeiras corridas do ano, pelo forte ritmo e performance demonstrada com os carros vermelhos, a ponto de colocar Vettel em xeque no time, foi alçado a um estrelato ainda mais alto depois das vitórias obtidas na Bélgica e na Itália, que devem sim ser exaltadas como resultado de seu talento, mas vamos devagar com alguns exageros. Porque se fosse o gênio que muitos já lhe atribuem como piloto, Charles certamente teria tentado ganhar a posição de Bottas na parte final da corrida. Não que fosse fácil, ou não tenha tentado, claro. Mas pelo nível de genialidade que lhe imputaram, poderia se cobrar que ele partiria para cima, o que não aconteceu.
            Não se trata de desmerecer ou colocar o talento de LeClerc em questão. É apenas não exagerar na dose de elogios, e manter um pouco os pés no chão. Em seu segundo ano na F-1, Charles já virou um dos protagonistas, e isso, se é positivo por um lado, ao oferecer a imagem de um novo desafiante pelas vitórias, por outro lado, é preciso tomar cuidado para o garoto não se embriagar com seu próprio sucesso. Do contrário, momentos como o que vimos em Singapura, onde ficou muito irritado por perder a corrida, podem lhe atribuir uma péssima fama de mau perdedor, e é preciso saber perder de forma positiva, e usar isso como uma experiência para tentar evitar que se repita no futuro. Assim como da mesma forma não aprovo quando Vettel ficar choramingando pelos cotovelos em diversas corridas quando as coisas deram errado. Nos antigos tempos, os pilotos simplesmente cerravam os punhos e os dentes, e se concentravam em ir à forra na próxima oportunidade, tentando não dar chance para o azar, e apesar de fazerem algumas reclamações, não passavam a imagem de bebês chorões que os pilotos atuais parecem dar a impressão. Ou alguém imagina se Ayrton Senna ou Nélson Piquet ficassem se lastimando aos quatro ventos se as coisas na pista não correram da maneira como eles imaginavam ou o time não lhes permitiu correr com a estratégia certa? Os pilotos precisam ter mais brios, especialmente aqueles que querem ser campeões. É partirem para a luta na pista, e venha o que vier.
            Não deu certo hoje? Amanhã pode dar, portanto, bola pra frente, e vamos trabalhar, cuidando de aprender sempre com o ocorrido. Não importa se é o piloto mais competente ou talentoso do mundo, nunca se sabe tudo, e sempre há algo que se pode aprender. Aliás, sempre se aprende mesmo é nas derrotas, e não nas vitórias. LeClerc que aprenda isso, como a Ferrari também precisa aprender a conduzir melhor a relação de seus pilotos, e deixa-los mais livres para competir na pista. Apesar de também ter seus pecados a pagar, neste ponto pelo menos a Mercedes tem sido mais justa com seus pilotos, ao deixar que, pelo menos inicialmente, seus pilotos duelassem abertamente, como vimos no início da temporada. Infelizmente, Bottas perdeu o embalo, e acabou sendo (novamente) engolido por Lewis Hamilton, conforme o campeonato avançava, de modo que o time precisou pedir que o finlandês não ultrapassasse o inglês na corrida de Singapura, visando obviamente o campeonato. Como da mesma forma ocorreu em Sochi no ano passado. Foram ordens de equipe mais compreensíveis, mas que poderiam não ter sido utilizadas. Neste ano, pela insistência em querer ditar os rumos dos pilotos desde a primeira corrida, a Ferrari cometeu várias trapalhadas, que poderiam ter sido evitadas, e talvez até estivesse em posição um pouco melhor no campeonato, apesar dos problemas enfrentados.
            Mas, é difícil perder certos hábitos, e na maioria das ocasiões em que eles tentaram controlar seus pilotos, o tiro saiu pela culatra, como na etapa russa. Se Maranello vai aprender e deixar que seus pilotos disputem com mais liberdade e menos frescuras, só o tempo dirá. Mas, pelo retrospecto, não se consegue ensinar truques novos a um cavalo velho, e a Ferrari, do alto de seus 90 anos comemorados recentemente, parece tão ou até mais reticente a rever algumas de suas posturas. O azar será todo deles, e os rivais certamente comemorarão...


A McLaren foi um dos destaques do noticiário esportivo na última semana. O time confirmou que em 2021 voltará a usar os propulsores da Mercedes, após o término de seu atual contrato com a Renault. Apesar do bom clima entre a escuderia britânica e os franceses, houve uma certa crítica velada ao afirmarem que suas ambições (da McLaren) eram diferentes das da Renault, que desse modo, ficaria apenas equipando seu próprio time oficial na F-1. A Mercedes já renovou contrato de fornecimento com a Williams para mais alguns anos, e com a readição da McLaren, terá no momento já três times para equipar, incluindo a si próprio. Fica a dúvida então se a Racing Point, que atualmente utiliza as unidades de potência alemãs, continuaria a usá-las em 2021, o que faria com que a Mercedes equipasse 4 times no grid. Com a Ferrari mantendo três escuderias, além dela própria, teríamos a Honda com os dois times da Red Bull, e a Renault então com um único time. A McLaren iniciou a era turbo híbrida em 2014 ainda como equipe da Mercedes, mas sentindo-se cada vez mais posta de lado pela fabricante alemã, desde que esta retornou com time oficial em 2010, a escuderia preferiu fazer um acordo com a Honda, para ter tratamento exclusivo de um fabricante de motores, e não dividir atenções. A parceria com os japoneses, contudo, foi um desastre, tendo sido substituído pela Renault no ano passado. Mas, pelo visto, os ingleses já não tem a mesma confiança na Renault, em que pese a McLaren estar fazendo a sua melhor temporada, justamente desde 2014. Para a fábrica francesa, fica um duro golpe, tendo perdido a Red Bull no ano passado para a Honda; e já sabendo de antemão que ficará sem a McLaren ao fim do ano que vem. Ao menos, não terão um divórcio turbulento como foi com o time dos energéticos, que cansou de criticar os franceses até conseguirem substituí-los pela Honda.
O bom filho à casa torna: McLaren voltará a usar motores Mercedes a partir de 2021.


A McLaren, aliás, teve outra corrida com bom desempenho na Rússia. Mas desta vez sem ter problemas mecânicos ou azares durante a corrida, com Carlos Sainz Jr. sendo o 6º colocado, com Lando Norris em 8º. O resultado levou a McLaren a 101 pontos, reafirmando a posição do time de Woking como 4ª força no campeonato, atrás apenas das poderosas Mercedes, Ferrari, e Red Bull, e à frente da própria Renault, que se vê sendo superada pelo seu time cliente. A última temporada onde a McLaren tinha marcado mais de 100 pontos havia sido justamente em 2014, no seu último ano com a Mercedes, quando terminou a temporada em 5º lugar, com 181 pontos. Em 2015, o time despencou com a nova associação com a Honda, marcando apenas 27 pontos, terminando na 9ª posição entre os construtores. Em 2016, melhorou um pouco, quando marcaram 76 pontos, terminando em 6º lugar, mas tudo desandou novamente em 2017, com apenas 30 pontos, e outro 9º lugar. No ano passado, em sua estréia com a Renault, o time voltou a crescer, marcando 62 pontos, e terminado em 6º lugar. A McLaren vem consolidando sua recuperação, uma ótima notícia para uma equipe tão tradicional que tantos baixos sofreu nos últimos anos, ao contrário da Williams, outro nome tão tradicional quanto, que parece se afundar mais a cada temporada...

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