sexta-feira, 29 de março de 2013

CERTO OU ERRADO?



Será que Vettel está encenando com o dedo errado quando faz uma cara que sugere pensar "fodam-se, eu venci e é o que importa..."?

            A corrida da Malásia, disputada domingo passado, já deu início ao grande questionamento da temporada, e ao que parece, a Fórmula 1 não consegue ficar muito tempo sem dar margem a assuntos escandalosos ou questionáveis. Afinal, Sebastian Vettel errou ao desobedecer a equipe, vencendo a corrida, ou agiu certo? Do ponto de vista esportivo, teria agido certo, mas não totalmente. Do ponto de vista operacional do time, cometeu falta grave de insubordinação. Agora, isso vai mudar alguma coisa? Não, infelizmente, não vai.
            Antes de mais nada, meu ponto de vista é que Vettel ganhou uma disputa de forma desleal. A famigerada ordem do time, para que ambos os pilotos cuidassem de seus carros, ordenando a redução do ritmo do motor para poupar as unidades, e ao mesmo tempo os carros e pneus, foi cumprida por Mark Webber, mas Vettel a ignorou solenemente, e partiu para cima do australiano com tudo, em um momento em que Webber, correndo, numa comparação analógica, com “apenas” 6 ou 7 cilindros do motor, estaria em desvantagem técnica desleal contra o adversário, correndo com um motor “cheio” de 8 cilindros. É diferente de quando você é superado por errar uma marcha, uma freada, ou ter algum problema mecânico, pois isso são riscos inerentes de uma corrida, são aceitos e fazem parte do jogo de disputa. Com um carro mais potente, Vettel assumiu a liderança, após uma disputa que teria sido limpa e justa, não fosse Webber estar com o motor “enfraquecido” por cumprir a determinação do time. Ele pode até ter voltado o propulsor para a potência total, mas o estrago já estava feito: perdera a posição. E não haveria como recuperá-la por ter os pneus mais gastos e/ou de menor performance naquele momento, mas este detalhe já é outra história, e sem questionamento, da estratégia diferente de pneus. Mas corridas são decididas em detalhes, e naquele momento, surpreendido por uma manobra totalmente inesperada, mas calcada em uma situação influenciada pela ordem de Box, o australiano sentiu a punhalada, e mesmo que tenha reagido rapidamente, Vettel já tinha assegurado vantagem suficiente para dificultar ao máximo uma reação.
            Mark Webber não é santo, e ao longo de sua carreira na F-1, o australiano sempre soube jogar com as situações de modo a sair bem na fita. Como no último fim de semana, onde, histórico à parte, realmente saiu como vítima na história, e Vettel, como o “bandido” da situação. E, num raro momento de sinceridade nas declarações que se vê na categoria hoje em dia, falou que o alemão não vai sofrer nenhuma punição, por ser o “protegido” do time. Quem saiu perdendo foi a Red Bull, que vinha pelo menos se esforçando para mostrar ser um time menos “contaminado” pelo ambiente pueril que as relações humanas vêm aturando na categoria nos últimos tempos. Pode-se dizer que o time austríaco sucumbiu finalmente aos maus hábitos ditados pelas escuderias em suas políticas de pilotos, e isso é uma pena. Houve mal-estar mesmo no time, a ponto de até Adrian Newey dar uma bronca em Vettel, e raro momento, Helmut Marko, o “paizão” de Vettel no time, ter criticado a atitude de seu protegido, que parece ser a primeira vez que isso acontece.
            Nessa hora, quem critica o jogo de equipe tem sempre bons argumentos. Mas os times sempre também têm argumentos para justificar suas posições e políticas, e tanto de um lado como de outro, há argumentos razoáveis e compreensíveis. O duro é sempre combinar as coisas de modo a satisfazer tanto o lado esportivo como o gerencial, e é neste ponto que a categoria infelizmente parece perder completamente o rumo, dado preferência para o fator gerencial e mandado o fator esportivo, e com ele a simpatia dos torcedores pela disputa, às favas. Se tivesse liberado a disputa entre seus pilotos, cobrando deles apenas cuidado e responsabilidade, a Red Bull teria capitalizado com o episódio como nunca. Mas desconfio que, mesmo do alto de seus 3 títulos mundiais, Vettel não apresente ainda equilíbrio suficiente para decidir um disputa contra Webber sem partir para um contato físico. Sua reação durante a corrida, pedindo para que o time “tirasse” Webber de sua frente, alegando que ele estava mais rápido, beira o ridículo, e expõe uma contradição: se ele estava mais rápido, então por que não o ultrapassou? Foi preciso Webber ficar inferiorizado momentaneamente por uma ordem de Box para ele conseguiu ultrapassar, mas então que campeão é esse que precisa deste artifício? Convenhamos, pega mal para a imagem de um piloto, se bem que, hoje em dia, muita coisa parece não ser mais levada a sério.
            Lembrando do incidente entre ambos na Turquia em 2010, naquela época Vettel fez uma interpretação equivocada de situação parecida, e se meteu a disputar uma curva onde Webber já estava enfiando o carro, achando que o parceiro havia aberto caminho: ambos bateram, com o abandono do alemão, e o australiano ainda conseguindo voltar à corrida, mas em 3° lugar. Logo a seguir, os pilotos da McLaren deram o exemplo, duelando ferozmente pela vitória por algumas voltas, trocando posições, mas com lealdade, e sem esbarrarem um no outro.
            Vettel, que até então vinha cultivando a imagem de um piloto carismático, afável e desinibido no ambiente sisudo da F-1, começa a mostrar também que já vem criando um ego desmedido, igual a outros pilotos campeões, como Michael Schumacher e Fernando Alonso, e isso é lamentável, pois o jovem alemão vai perdendo a fama de “bom moço”, o que era um de seus principais atrativos.
            Na Mercedes, vimos situação similar, mas com outro tipo de resultado. Mais veloz na parte final da corrida, Nico Rosberg foi impedido por Ross Brawn de superar seu companheiro Lewis Hamilton, que tinha de economizar o ritmo por talvez estar perto de sofrer uma pane seca. Por mais que a preocupação fosse legítima, alijar Rosberg da possibilidade de lutar pelo pódio e até incomodar a Red Bull naquele momento foi totalmente errado. Nico e Lewis já tinham duelado entre si por posição na corrida, e ambos, amigos de longa data, deram exemplo de se respeitarem na disputa de posição e não arriscarem os carros na disputa entre ambos. Ross Brawn, cujo histórico de “ordens de equipe” já é notório, adicionou mais uma caveira no seu currículo, e a julgar pela reação de Niki Lauda e Toto Wolf, que dividem com ele a chefia do time de Stuttgart, pode ter dado um tiro no pé. E a Mercedes, que é uma das empresas que mais investem na F-1, também fica com um arranhão em sua reputação.
            Lewis Hamilton, por sua vez, certamente não gostou muito do ocorrido, mas preferiu ser educado, ao dizer que Rosberg merecia mais o pódio do que ele, numa crítica indireta à atitude de Brawn, que pode ter escapado de levar um puxão de orelhas explícito do novo contratado do time, que poderia ter dito algo mais contundente na crítica. E Lewis, infelizmente, terá seu primeiro pódio na Mercedes marcado como algo conquistado por ordem da equipe, o que sempre ficará com a pecha incômoda de que ele não o conquistou exatamente por mérito próprio, mas por política. Conhecido como o piloto mais arrojado e veloz da F-1 atual, Lewis poderia passar sem essa... E Nico Rosberg, que deu à Mercedes os melhores resultados dos últimos 3 anos, inclusive com pole e vitória no ano passado no GP da China, merecia mais consideração por parte de Brawn. Depois de atitudes como essa, se Ross acabar injustiçado futuramente, que não ache ruim não ter merecido mais “consideração” pelo que já fez...
            Houve quem dissesse que Rosberg, se assumisse a 3ª posição, tinha ritmo até para encostar nos pilotos da Red Bull. Pode até ser, e mesmo que não encostasse a ponto de ameaçar a dupla rubro-taurina, certamente teria influenciado o comportamento do time dos energéticos, que poderia ter tomado posição diferente. O time prateado pode ter perdido uma chance potencial de um resultado melhor. Um erro, claro. Por outro lado, depois dos resultados negativos no final do ano passado, e com apenas um carro cruzando a bandeirada em Melbourne, querer garantir pontos e evitar riscos “desnecessários” pode até ser compreensível e normal. Novamente, os fatores gerencial e esportivo acabam por não se equilibrarem
            Rosberg ficou na dele, assumiu a ordem, e disse que não iria esquecer aquilo. Certamente espera ter sorte inversa no futuro. Se levarmos o histórico de Brawn, ele pode perder as esperanças, pois Ross cansou até de dar de ombros para o que o público e seus pilotos sentem. Na Ferrari, claro, contava com toda a aprovação de Jean Todt; fica a dúvida se agora terá esse comportamento na Mercedes. Por incrível que se pareça, não aconteceu quando Nico e Michael Schumacher dividiram o time nos últimos 3 anos, quando todos, pelo histórico tanto de Ross quanto de Schumacher, se achava que veríamos Nico ser cilindrado no time. Talvez porque o inglês viu logo de cara que o heptacampeão, apesar de ainda ser rápido, não era mais o piloto fenomenal que já tinha sido. Mas agora, tendo no time um piloto jovem e tremendamente arrojado, e que deseja ser novamente campeão e tem tremenda fome de vitórias, contratado a peso de ouro pela escuderia como último recurso, assim como Schumacher o foi pela Ferrari em 1996, Brawn tenha voltado aos “velhos hábitos”.
            É difícil querer que a F-1 se livre de seus vícios e defeitos. Há coisas erradas e coisas certas na categoria. O problema é as coisas erradas ficarem em nível muito mais alto do que as coisas certas. As diferenças de interesses precisam ser melhor trabalhadas. É possível conciliar isso de forma a não causar tantas discussões, mas a categoria, mais uma vez, mostra que não consegue se entender com si mesma, e esse é o maior erro que sempre comete. E não há santos ou anjos nesta história. A diferença é que antigamente havia muito mais respeito entre todos na categoria, mesmo sendo um lugar para todo o tipo de rivalidades exageradas. Hoje, esse respeito já virou lembranças...
            E o ano da F-1 havia começado tão bem...

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