sexta-feira, 27 de dezembro de 2019

ARQUIVO PISTA & BOX – DEZEMBRO DE 1998 – 18.12.1998


            Hora de encerrar o ano, e na última postagem de 2019, trago também a última coluna publicada em 1998, no dia 18 de dezembro daquele ano. Sem um assunto principal, preferi relacionar vários acontecimentos ocorridos nos últimos dias, e fazer comentários breves, bem ao estilo das sessões “Flying Laps” que publico atualmente aqui no blog. Entre os assuntos citados, estavam o cancelamento da corrida na China, uma vez que o circuito de Zuhai, que deveria sediar o GP de F-1, não estava pronto, e por motivos diversos, nunca sediou até hoje uma prova da categoria máxima do automobilismo, uma vez que os chineses construíram outra pista, em Shanghai, que aí sim recebeu a F-1, e está no calendário até hoje. E a F-1 também começava a aplicar regras para limitar os testes das equipes de F-1, numa tentativa de conter os custos de competição que continuavam a crescer, limitando-os a 42 dias por ano. Se lembrarmos que alguns times testavam até mais de 80 dias por ano naqueles tempos, 42 dias ainda seriam um assombro nos dias atuais, onde os testes ficam praticamente limitados à pré-temporada, em ridículos 8 dias. Bem, os testes foram diminuindo, mas os custos não, pois as equipes passaram a investir em simuladores, de modo que o dinheiro economizado nas sessões de pista foram gastos nos mais modernos programas e sistemas de simulação, com os times tendo praticamente “pilotos de simuladores” que “correm” o ano inteiro nas salas das sedes das fábricas. Pois é, custos de competição exagerados na F-1 não são novidade há muito, muito tempo... Aproveitem o texto, e boas festas na passagem de ano novo. Que venha 2020...

CONSIDERAÇÕES DIVERSAS

            Nas últimas semanas, aconteceram diversos fatores relacionados ao automobilismo em geral que, por falta de tempo, acabei deixando de emitir uma opinião e análise. Aproveito a coluna de hoje para descontar um pouco o tempo perdido neste quesito. E até o ano de 1999...


Cacá Bueno perdeu o título da categoria Superturismo Sudam na última etapa do certame, disputada domingo passado. Oscar Larrauri, da Argentina, faturou o título. Larrauri, entretanto, não teve a esportividade esperada de um campeão e disparou várias farpas na direção de Cacá, acusando-o de manobras desleais e antidesportividade. Quem viu a corrida, contudo, sabe que as acusações do argentino não têm nenhum fundamento. Cacá pilotou com a agressividade de sempre, mas sem cometer nenhuma deslealdade na pista. Só houve o azar de ter um pneu furado que tirou suas esperanças de conquistar o título, além do azar de ter excedido o limite de velocidade nos boxes. Melhor sorte no ano que vem, Cacá. Talento você já mostrou que tem, e também esportividade, por não revidar as acusações esdrúxulas de Larrauri.


A nova regra da Federação Internacional de Automobilismo que limita o número de dias de testes a 42 por ano para as escuderias de Fórmula 1 é uma tentativa extremamente válida de equilibrar as forças na categoria, além de tentar conter os custos dos times. A Ferrari, por exemplo, testou mais de 100 dias este ano. A McLaren, por sua vez, chegou a cerca de 82 dias. Se a medida pode prejudicar os times de ponta, as equipes médias e pequenas praticamente nem se darão conta da medida, especialmente porque não tem verba para testarem tanto assim. É claro que isso não vai equilibrar as escuderias, mas pode ajudar os times menores a diminuírem um pouco sua diferença de performance. Tal medida também deve ajudar a mudar a mentalidade das escuderias grandes e, por conseqüência, das demais também quanto a implantarem ousadias técnicas nos carros, as quais deverão ficar mais restritas. O motivo é lógico: se uma novidade “radical” demais se mostrar uma tremenda furada, serão obrigadas a “queimar” dias de testes valiosos para tentarem resolver o problema, e faltar dias para usar em aperfeiçoamentos no desempenho da competição em relação aos outros times.


Por conta desta nova limitação de testes, as escuderias já estão investindo em simuladores para tentar contornar a situação. Simuladores altamente avançados serão capazes de reproduzir, com grande grau de perfeição, as condições das pistas, apontando possíveis caminhos a serem tomados. Isso, entretanto, não irá diminuir a importância dos testes “reais”, pois as condições dinâmicas de cada pista, tempo e estilo de um piloto ao volante ainda serão fundamentais para o acerto e desenvolvimento de um carro.


A Tasman, equipe do brasileiro Tony Kanaan na F-CART, foi comprada por Gerald Forsythe, dono da equipe Forsythe, onde correm os canadenses Greg Moore e Patrick Carpentier. Com isso, a Tasman passa a ser uma “filial” da equipe Forsythe. O ponto positivo é que a nova Tasman/Forsythe terá um orçamento de aproximadamente US$ 10 milhões para a temporada de 1999, praticamente o dobro do que teve à disposição na temporada deste ano. Já está sendo montada uma estrutura de testes para Tony Kanaan, que deverá permitir o pleno desenvolvimento do chassi Reynard e do motor Honda, além dos pneus Firestone. Para Tony, não há nenhum problema em admitir que sua meta é lutar pelo título da F-CART no próximo ano, pois agora terá o suporte necessário para isso. O patrocinador também já está definido e garantido: a rede de lanchonetes Mcdonald’s.


Bernie Ecclestone e Tony George estão firmando um acordo para levar a F-1 de volta aos Estados Unidos em 2000. A idéia de Tony George é ousada: criar um circuito misto dentro do Indianápolis Motor Speedway para recepcionar a categoria máxima do automobilismo na virada do século. Tenho de admitir que a idéia é interessante. Só espero que a construção do circuito misto não descaracterize a pista de Indianápolis, que possui uma grande estrutura em sua área interna, que pode ter de ser sacrificada para a criação do circuito misto.


Agora que Tony Stewart resolveu tentar a sorte na Nascar, John Menard parece já ter um substituto para o campeão da F-Indy (IRL) de 1997: Greg Ray. A categoria dá a largada para o seu campeonato de 99 no fim do mês que vem, em Orlando, na Flórida...


Nos primeiros testes que as equipes da F-1 fizeram este mês com os novos pneus sulcados que serão utilizados na categoria em 1999, o clima foi de reprovação geral em relação aos novos compostos. Em todas as pistas onde os pilotos testaram, houve inúmeras rodadas e saídas de pista. Os pilotos não gostaram da sensação que os pneus transmitem. Além de serem muito duros, a aderência é das piores. Mas se acharam isso ruim, o pior ainda está por vir: Max Mosley, presidente da FIA, já está decretando que, a partir de 2001, acabam os pneus de chuva, e só poderá haver um tipo de composto de pneu, que terá de ser utilizado tanto em pista seca quanto em pista molhada. Pela teoria, deverá ser um pneu do tipo intermediário. Não gostei da idéia, pois vai eliminar uma incógnita que sempre existe nas corridas com tempo instável: a estratégia de pneus. Outro que detestou a medida e não escondeu o que pensa foi Jacques Villeneuve, ao afirmar que “estão acabando com o esporte”, e eu concordo plenamente que este tipo de atitude está sendo encarado como uma palhaçada, onde quase todo mundo não está achando graça nenhuma...


Ainda sobre os testes, Ralf Schumacher e Max Wilson, respectivamente o segundo piloto da Williams e piloto de testes da equipe, andaram mais rápido que o atual bicampeão da F-CART, Alessandro Zanardi. A Williams precisa recuperar o atraso de Zanardi, que precisa se readaptar o quanto antes ao estilo de condução de um monoposto de F-1, especialmente com a restrição dos dias de testes que passará a vigorar em janeiro de 99. Em 1995/1996, Jacques Villeneuve precisou de muitas horas de vôo a bordo do Williams FW17 para se adaptar ao carro de F-1 e só conseguiu se sentir inteiramente à vontade dentro do cockpit mesmo lá pelo meio da temporada. O italiano não vai poder esperar tanto para se readequar à sua velha categoria. Só de estar sendo superado pelo irmão caçula de Michael Schumacher já está rendendo alguns comentários de desconfiança no meio...


A equipe Hogan e a Penske estudam fazer uma nova parceria, depois de separarem-se após a temporada de 96. O acordo seria benéfico para ambas as partes. A Penske, que faz o seu próprio chassi, poderia cedê-los à equipe de Carl Hogan, tendo assim mais referências para desenvolvimento e trabalho de seu projeto. Em troca, a equipe Hogan teria suporte financeiro de Roger Penske e a Hogan poderia alinhar dois carros. Atualmente, o único piloto do time é o finlandês Jirky Jarvi Letho. Em 1996, a Hogan, em sua estréia na F-CART, era uma “filial” da equipe Penske, e tinha como piloto o brasileiro Émerson Fittipaldi.


Os problemas no sudoeste asiático contribuíram para que o Grande Prêmio da China, que seria disputado no circuito de Zuhai, fosse rifado do calendário da F-1 para 99. Em seu lugar, deve voltar o GP da Argentina. Os problemas de finalização do autódromo chinês também contribuíram para o cancelamento da corrida. Em compensação, para terem sua corrida de volta, os argentinos terão de fazer várias reformas no circuito Oscar Galvez, em Buenos Aires, com o objetivo de melhorar o traçado e a segurança, de forma a garantir sua permanência no calendário. A temporada de 1999 da F-1 deverá ter 17 etapas. A conferir...

quarta-feira, 25 de dezembro de 2019

ARQUIVO PISTA & BOX – DEZEMBRO DE 1998 – 11.12.1998


            Neste período de descanso e relaxamento de fim de ano, nada como trazer alguns textos antigos para o pessoal manter sua leitura, e trago hoje a coluna do dia 11 de dezembro de 1998, cujo assunto era o novo formato de transmissão da então F-CART (a F-Indy original) na programação da TVS/SBT para 1999, depois de uma queda de braço motivada por Gugu Liberato, que na época apresentava seu programa dominical e não gostava nem um pouco de vê-lo interrompido para passar corridas. Em um momento onde até segunda ordem, não teremos mais transmissão das corridas da atual Indycar na TV brasileira para 2020, como noticiado semana passada, dá para ver que não é de hoje que as categorias Indy e seus fãs levam rasteiras de quem diz priorizar o telespectador e ter respeito por ele. Curtam o texto, e logo, logo, trago outras colunas aqui...

VT

            A TVS/SBT confirmou que vai manter as transmissões da F-CART na temporada de 1999. Só que isso, ao contrário do que muitos imaginam, não vai ser motivo de comemoração nenhuma, mas de lamentação. Devido às pressões de Gugu para que seu programa não seja interrompido (e que, na minha opinião, é totalmente dispensável), todas as corridas da categoria não serão mais exibidas ao vivo, mas em VT (video-tape). Até aí, vá lá, mas não será um VT integral, mas um compacto, que a emissora vai apresentar durante a madrugada de domingo para segunda-feira. Sinceramente, um golpe contra os telespectadores e fãs da categoria.
            É simplesmente o cúmulo para uma emissora que diz primar pela satisfação do seu telespectador. A TVS simplesmente desmontou a sua equipe de transmissão da F-CART. Só ficaram o locutor Téo José e o comentarista Celso Miranda, cujos contratos vão até dezembro do ano que vem com a emissora. O repórter Luiz Carlos Azenha, que fazia as matérias de Box nos últimos anos, foi rifado pela emissora. Mas Azenha já arrumou uma nova casa, a TV Globo, onde deverá ser um de seus correspondentes internacionais.
            A transmissão será feita dos estúdios da emissora na Via Anhanguera, em São Paulo. Não haverá mais cobertura “in loco” nas provas. Segundo a emissora, as únicas provas que serão transmitidas ao vivo serão os GPs de Motegi (Japão) e Surfer’s Paradise (Austrália), por serem de madrugada no horário brasileiro. O Grande Prêmio do Brasil (Rio 400) deve ser ao vivo, mas se depender das pressões de Gugu, também será em VT na madrugada. As provas de Saint Louis, e possivelmente a etapa brasileira, se esta cair no sábado, aí sim poderão ser transmitidas ao vivo, mas até o momento, nada foi confirmado oficialmente. O golpe da emissora atinge a todos, expectadores e anunciantes. Primeiramente, os expectadores que se dispuserem a assistir ao VT terão um trabalho inglório pela frente. Já para os anunciantes, a situação vai ser péssima, pois o horário escolhido para os VTs, na madrugada de domingo para segunda-feira, é praticamente o pior horário em termos televisivos, pois será que eles se esquecem que muita gente precisa acordar cedo na segunda para trabalhar e garantir o pão de cada dia
            Sob certos aspectos, foi mais uma gafe de Émerson Fittipaldi, que deveria ter tido maiores cuidados com o contrato de transmissão da categoria, uma vez que ele detém os direitos de exibição para o Brasil. Infelizmente, não houve jeito de se tentar um acordo com a Bandeirantes para se fazer uma co-transmissão conjunta das corridas junto com a TVS. Uma pena, mas parece que quando Émerson tirou a categoria da emissora ao fim de 1992 (última vez que a Bandeirantes transmitiu a categoria), houve alguns desentendimentos. A então F-Indy foi para a Manchete, onde teve uma boa cobertura na programação, que na minha opinião, a TVS/SBT nunca deu. Além de transmitir as provas ao vivo, havia programas mensais com o balanço geral do campeonato àquela altura, além de diversas reportagens sobre os bastidores, com entrevistas, detalhes técnicos, curiosidades, etc. Nos fins de semana de corridas, havia boletins especiais de meia hora, na sexta e no sábado, em horário nobre, com o balanço dos treinos, além de mostrar um pouco da região onde a corrida acontecia. Nem a Indy Lights ficava de fora: no domingo, antes da prova da categoria principal, era exibido um programa específico sobre a categoria de acesso da F-Indy, com um compacto dos melhores momentos da corrida anterior e matérias sobre a Indy Lights. É bem verdade que a geração de todo o material ficava praticamente por conta da Sports World Communications, empresa de Émerson Fittipaldi e Ricardo Scalamandré, que contratou profissionais como Téo José, Luiz Carlos Azenha, e o então comentarista Dedê Gomes, enquanto a Manchete cedia o horário e ambos dividiam os lucros do acordo. Mas era uma cobertura decente, sem dúvida. A Manchete transmitiu a F-Indy por 2 anos, e em 1995, a categoria aportou na TVS/SBT, de novo com a polêmica troca de acusações, agora entre a Manchete e Émerson, pois a emissora carioca tinha prioridade na renovação do acordo e outros detalhes. O objetivo na troca de emissora era alcançar maior audiência. Isso foi conseguido apenas parcialmente, pois os índices, apesar de terem subido, nunca alcançaram os níveis esperados para uma rede como a TVS. Para os anunciantes, a vantagem de mudarem para uma rede maior que a Manchete também não se concretizou por inteiro, pois os valores das cotas de publicidade subiram muito mais do que a audiência efetivamente comprovada.
            Curiosamente, a TVS/SBT não tinha do que reclamar: a audiência era razoável, mas o lucro era garantido, pois todos os anunciantes eram de peso e nunca foi problema preencher as cotas de patrocínio, ainda mais em um período de crise como o atual, o que mostra que a F-CART era e continua sendo um produto rentável. É assim com a Fórmula 1, que segue intacta na Globo há anos e anos. É verdade que os índices de audiência da categoria máxima do automobilismo hoje são apenas metade dos verificados na época de Ayrton Senna e Nélson Piquet, mas a Globo ainda sabe privilegiar a categoria. Mas também é verdade que, se eles não quiserem mais a F-1, outros podem querer, e criar uma concorrência indesejada em potencial, então a Globo continua com a F-1 em sua programação.
            O duro disso tudo é que Émerson Fittipaldi lutou muito para que a F-CART se popularizasse no Brasil. Depois de tanto tempo de luta, ele já deveria saber que a transmissão em TV aberta é essencial para isso, e tivesse tomado mais cuidado com as exigências contratual de transmissão da categoria. Como aparentemente não tomou tanto cuidado assim, acabou deixando isso acontecer. Não seria uma surpresa se os índices de audiência das corridas despencarem vertiginosamente no próximo ano, mercê deste tratamento vergonhoso por parte da emissora de Silvio Santos. Émerson deveria tomar precauções contra este tipo de tratamento. Não é por acaso que Bernie Ecclestone fez da F-1 a maior categoria automobilística do planeta também no quesito de marketing. Seus contratos de transmissão são muito bem detalhados, e a F-1 possui horários que estão ajustados às TVs de todo o mundo que transmitem as provas todas ao vivo.
            Sem dúvida alguma, um caso de desrespeito ao telespectador amante das corridas. O pior disso tudo é agüentar o slogan que a TVS veicula todos os dias, se dizendo o Sistema Brasileiro de Televisão. Se fizerem a imagem do Brasil a partir disso, tenho até medo do que irão achar que nosso país é de verdade...

sexta-feira, 20 de dezembro de 2019

ADEUS À INDY NA TV BRASILEIRA?

Depois de mais de 30 anos sendo exibida nas TVs brasileiras, o campeonato da Indycar ficará de fora das transmissões em nossos canais de TV.

            Em notícia divulgada em primeira mão pelo site Grande Prêmio, fomos informados de que a TV Bandeirantes deu por encerrado o seu contrato de transmissão da Indycar, de modo que os fãs brasileiros da velocidade ficarão sem ter como assistir na TV nacional a categoria de monopostos dos Estados Unidos, quebrando uma tradição de meados dos anos 1980, quando a própria Bandeirantes começou a apresentar aos fãs nacionais do esporte a motor a competição norte-americana, que lembrava em muitos aspectos a então toda-poderosa Fórmula 1.
            Na verdade, a atitude da emissora até demorou a ser feita neste sentido. Desde o fiasco da realização da etapa brasileira da categoria, que deveria ser feita no autódromo de Brasília, em um processo que revelou conter inúmeras irregularidades, que acabou resultando no cancelamento da corrida, quando vários ingressos já haviam sido até vendidos, e boa parte da estrutura do autódromo da capital federal havia sido demolido para reforma da estrutura do autódromo visando a corrida, a situação da transmissão da Indycar andava na corda bamba. A emissora paulista investiu bastante na concretização da corrida, para ficar de mãos abanando. E a direção da Indycar não gostou de como as coisas foram conduzidas por aqui, e essa decepção respingou na emissora de TV.
            Comentou-se à época que a Bandeirantes teve de pagar certas rescisões contratuais vultosas pela não realização da corrida, e só não cancelou o contrato de transmissão da Indycar porque o valor da ruptura contratual também era bem elevado, de modo que sairia mais barato continuar mostrando as corridas do que deixar de cumprir com o contrato de transmissão. Para alguns, esse seria o motivo do descaso do Grupo Bandeirantes com a transmissão das provas, cuja audiência já não era das melhores, mas era praticamente vilipendiada pela própria emissora, que não valorizava o produto que tinha em mãos.
            Não que a prática já não existisse, mas se tornou ainda mais irritante nos últimos anos. Antes, a Bandeirantes realocava boa parte das corridas para o seu canal pago, o Bandsports, porque os horários das provas coincidiam com as partidas de futebol nacionais, fossem campeonatos estaduais, ou o campeonato brasileiro. Essa justificativa até colava, visto que o futebol é o único esporte verdadeiramente nacional para a maior parte do público. Só que, nos últimos anos, por questão de economia, entre outros motivos, a Bandeirantes desistiu do futebol, e em tese, isso abriria caminho para, ao menos esperavam os fãs, a emissora passar a prestigiar mais as corridas da Indycar, já que as tardes dos domingos ficariam livres para as corridas. Doce ilusão. A Bandeirantes não só continuou com sua prática odiosa de transmitir as corridas em estilo roleta russa, ora no canal aberto, ora no canal fechado, e nem se esforçou para melhorar a promoção e qualidade da transmissão das provas.
            A morte de Luciano do Valle em 2014 foi um baque na área de esportes da emissora, uma vez que foi o locutor, ainda nos anos 1980, quem se esforçou para que a emissora trouxesse pela primeira vez as corridas da então F-Indy para a programação nacional, incentivado pelo sucesso que Émerson Fittipaldi, ex-bicampeão da F-1, estava começando a ter nos Estados Unidos. E a aposta se mostrou certeira, com Émerson vencendo as 500 Milhas de Indianápolis de 1989, além de conquistar o campeonato da F-Indy naquele ano. Mas, mesmo com o sucesso de Émerson, a categoria ainda levava um baile da F-1 em termos de audiência, já que vivíamos o auge da carreira de Ayrton Senna na F-1, e isso representava uma dificuldade para se manter as transmissões de uma categoria que, para muitos, era encarada como uma “imitação” da F-1.
O sucesso obtido por Émerson Fittipaldi (acima) na antiga F-Indy a partir de 1984 tornou a categoria dos Estados Unidos conhecida por aqui, e vários pilotos brasileiros, sem boas chances na F-1, preferiram ir para os Estados Unidos, onde tiveram chance de vencer corridas e ganhar campeonatos, como Gil de Ferran (abaixo), ao lado de Christian Fittipaldi e Roberto Moreno, no pódio da etapa de Fontana em 2000.
            Por isso, não foi exatamente surpresa quando a TV Manchete, em um esquema montado por Émerson Fittipaldi, assumiu as transmissões em 1993, sendo posteriormente repassadas para a TVS/SBT, TV Record, RedeTV, e assim por diante. Em todos estes anos, o certame norte-americano comandado pela CART este presente na TV nacional, com altos e baixos, mas sempre oferecendo ao fã amante do esporte a motor uma alternativa de competição, ainda mais depois que perdemos Senna em 1994, e a categoria norte-americana se mostrou uma opção mais viável de se fazer sucesso do que a categoria máxima do automobilismo, com muitos talentos nacionais migrando para os Estados Unidos onde teriam mais oportunidades de carreira do que na Europa. Chegamos a ter mais de 10 representantes no grid de um certame com aproximadamente 28 carros largando, e muitas empresas nacionais surgiram apoiando nossos talentos. Mesmo depois da briga começada por Gugu Liberato na TVS/SBT para que seu programa não fosse interrompido pela transmissão das corridas, ainda assim tínhamos a exibição de compactos no fim das noites de domingo, e numa época onde a internet ainda dava seus primeiros passos em nosso país, poder acompanhar as corridas na TV, fosse em compacto ou ao vivo, era muita coisa.
            Mesmo quando Tony George “rachou” a F-Indy com a criação de seu campeonato, a IRL, em 1996, o interesse pela F-Indy não decaiu. O novo certame, a Indy Racing league, aliás, proporcionou à Bandeirantes transmitir novamente as corridas, em especial as 500 Milhas de Indianápolis, a principal e mais famosa prova dos Estados Unidos. No início da década passada, o canal pago SporTV chegou a transmitir o novo certame, enquanto a F-Indy original, agora chamada de F-Mundial por aqui, e F-CART e Champ Car nos Estados Unidos, ainda tinha suas corridas transmitidas na TV nacional, indo parar, em seus últimos dias, no hoje finado e saudoso Speed Channel. Já a Bandeirantes retomaria os direitos de transmissão da IRL em meados dos anos 2000, e seguiria firme com eles até este ano, apesar da política cretina de transmissão que passou a vigorar de lá para cá, dando nos nervos no fã amante da velocidade.
            Por mais que se possa fazer críticas ao modo como a Globo transmite a F-1, não se pode negar que a emissora carioca ao menos divulga com razoável competência a transmissão das corridas, mesmo quando as faz através do SporTV, seu canal de TV por assinatura, onde passou a transmitir os treinos livres e algumas corridas que batiam com o horário do futebol. Ainda deve muito na melhoria das transmissões, que deram uma bela caída depois que passaram a não mostrar mais os pódios, mas ainda assim, bem superior ao que a Bandeirantes fazia em relação à IRL, e mais recentemente, à Indycar. Se o negócio era fazer apenas transmissão de estúdio, podiam ao menos incrementar as transmissões das corridas com mais informação, além de fazer apenas o básico necessário.
            Com o falecimento de Luciano do Valle, Téo José passou a narrar as corridas, o que já fazia em parte do campeonato. Tendo estreado nas transmissões em 1993, nas corridas da F-Indy original, Téo tinha ampla experiência com as categorias Indy. No quesito comentários, Celso Miranda e Felipe Giaffone davam conta do recado, e só faltava mesmo ter um repórter nos boxes nas corridas, a exemplo do que a Globo faz, mas isso foi ficando cada vez mais raro, e nem por isso a emissora tentava se esforçar muito para deixar o fã a par de todos os acontecimentos, mesmo que fosse apenas comentar as notícias via sites informativos norte-americanos. No início do ano passado, a Bandeirantes dispensou Téo José, que acabou indo para o Fox Sports. A narração da categoria passou a ser feita por Eduardo Vaz, que teve de ralar para conseguir transmitir emoção às provas da Indycar, mostrando toda a sua falta de intimidade com a categoria, sanada em boa parte pela atuação precisa de Giaffone. Só que neste ano, Giaffone também deixou a Bandeirantes, indo para o SporTV, onde acabou confirmado recentemente como substituto de Reginaldo Leme nas transmissões de F-1 da Globo, após a saída do veterano comentarista e repórter, depois de mais de 40 anos de casa. Isso deixou outro buraco na equipe de transmissão, que acabou preenchido por Celso Miranda, com boa experiência e conhecimento das categorias Indy há mais de vinte anos.
Nos anos 1990, a popularidade da F-indy chegou a incomodar a toda-poderosa F-1. No Brasil, com a perda de Ayrton Senna, o certame ganhou muitos fãs, uma vez que nossos pilotos podiam vencer corridas e até tentar disputar o título, o que não ocorria mais na F-1.
            Mesmo assim, a qualidade da transmissão, apesar dos esforços da dupla narrador/comentarista, ficavam a dever, e com a Bandeirantes anunciando cada vez menos as corridas, fossem no canal aberto, ou no canal fechado, não é de se admirar que a audiência fosse baixa. Não apenas por causa do canal propriamente, mas pelo desinteresse da emissora em tentar dourar a pílula da competição, uma vez que a Indycar sempre apresentou melhores disputas que a F-1, especialmente em anos recentes, onde vimos a supremacia da Mercedes e de Lewis Hamilton na categoria máxima do automobilismo, mas nos Estados Unidos, vimos pegas interessantes entre as feras da Indycar, como Scott Dixon, Josef Newgarden, Alexander Rossi, entre outros. Sem ter campeonatos de futebol na grade, parecia lógico, e até óbvio, a emissora reforçar um pouco a qualidade de sua transmissão, já que tinha os direitos. Infelizmente, no Brasil, mesmo o óbvio a se fazer acaba parecendo pedir demais, e no caso da Bandeirantes, a insatisfação dos fãs, que já vinha de longa data, só aumentou com a situação recente, com muitos defendendo que outra emissora pegasse o campeonato da Indycar e a Bandeirantes fosse para aquele lugar... E tenho de concordar plenamente com eles, apesar de ainda tentar acreditar na fórmula de que uma transmissão ruim ainda era melhor do que não ter nenhuma transmissão...
            Bem, fez-se a vontade destes fãs mais revoltados. Apesar de algumas insinuações de que até poderia repensar sua decisão, o que temos no momento é que a Indycar estará fora da grade de programação de TV brasileira, aberta ou fechada, em 2020, encerrando um ciclo de cerca de 34 anos de transmissões de provas das categorias Indy no Brasil. Resta como opção apenas o site de streaming do DAZN, que começou inclusive a transmitir as corridas do certame norte-americano este ano, mas segundo aqueles que já tiveram oportunidade de conferir o serviço, ainda deixa muito a desejar, precisando melhorar muito a qualidade e equipe de transmissão das provas. Ou simplesmente apelar para sites ilegais da internet que retransmitem as corridas. Mas a DAZN já anunciou que pretende incrementar o seu serviço, e melhorar a transmissão da Indycar para o próximo ano, já pegando carona no cancelamento da transmissão da categoria pela Bandeirantes, com promessa até de reduzir o valor da mensalidade cobrada.
            Claro, fica também a esperança de algum outro canal pegar os direitos, e passar a exibir a Indycar. Mas qual canal poderia fazer isso? A ESPN há anos deixou de ter uma direção competente por aqui, enquanto o SporTV já tem a F-1, a MotoGP, e a F-2, só para início de conversa. O FoxSports, por sua vez, tem a F-E, o Mundial de Endurance, e talvez o maior entrave para a Indycar, que é a transmissão das corridas da Nascar, rival ferrenha da Indycar, e que costuma ter várias corridas em horários similares. Claro que nada impede que estes canais resolvam apostar, só é difícil de acontecer. E, no caso de tentarem a empreitada, é preciso verificar também o retorno de audiência.
A IRL chegou a ser transmitida pelo SporTV, mas a Bandeirantes retomou as transmissões da competição, onde permaneceu até este ano.
            E esse retorno fica complicado porque, pela primeira vez também desde as primeiras participações de Émerson Fittipaldi, lá em 1984, em 2020 ainda não temos praticamente nenhum piloto confirmado oficialmente no grid até o presente momento. Tony Kanaan, que se arrastou na draga que se tornou a equipe Foyt nestes últimos dois anos, não tem presença garantida em todo o campeonato do ano que vem, onde defenderia novamente a Foyt, tendo garantido orçamento apenas para as etapas em pistas ovais. E Matheus Leist, nova promessa brasileira na categoria, acabou arrastado para o fundo do grid pela má forma da Foyt, de modo que o jovem piloto preferiu se garantir em algumas etapas do campeonato de endurance dos Estados Unidos, o IMSA Wheater Tech, do que apostar em se manter no grid da Indycar, onde suas chances parecem cada vez menores.
            A falta de transmissão das corridas, aliás, deve dificultar ainda mais a presença de brasileiros no grid em 2020. Afinal, se com a transmissão capenga da Bandeirantes já estava complicado, uma vez que a exposição ora ficava no canal aberto, ora no fechado, saber que, a princípio, as corridas deverão ficar restritas ao serviço de streaming do DAZN vai dificultar sobremaneira o apoio de empresas nacionais a nossos talentos, pela dificuldade que terão de verem suas marcas serem veiculadas por aqui. Isso já se mostrou um revés para Sergio Sette Camara, que até considerava correr nos Estados Unidos a ficar apenas como piloto de simulador e desenvolvimento da McLaren, mas que vê sua posição poder ficar comprometida pela falta de exposição de suas performances. E se não tiver retorno, os patrocinadores não irão investir em nossos pilotos. E, sem investimento, eles também não terão condições de batalhar por lugares em equipes mais estruturadas e competitivas. Já ficamos órfãos na F-1, indo para a terceira temporada em 2020 sem a presença de um brasileiro no grid, situação que ainda deve perdurar por algum tempo. E tudo indica que esse panorama também possa se repetir na Indycar, que nos anos 1990 e início dos anos 2000, viu uma presença até maciça de pilotos brasileiros competindo e até vencendo corridas e campeonatos, para felicidade dos torcedores nacionais, uma vez que havíamos virado coadjuvantes na F-1.
            Em termos esportivos, apesar de alguns problemas, a Indycar deve continuar sendo um campeonato muito disputado em 2020, em que pese o predomínio do trio Penske/Andretti/Ganassi, com a diferença de que, em comparação com o trio Mercedes/Ferrari/Red Bull da F-1, na categoria dos Estados Unidos a disputa é bem mais equilibrada e aberta, com estes três times a demonstrarem por vezes grande paridade de performance, além de podermos ver bons desempenhos de outros times que podem também vencer corridas, como vimos acontecer com a Rahal.
            Outro ponto de interesse da categoria no próximo ano é vermos os carros com os novos aeroscreens, muito mais elegantes do que os halos implantados na F-1, ambos com o objetivo de proporcionarem mais proteção às cabeças dos pilotos durante as corridas. Ao contrário da F-1, a Indycar fez vários testes com a peça, tendo proporcionado uma avaliação mais adequada de suas possibilidades do que o halo na F-1, enfiado goela abaixo, e sem muitas discussões, em que pese já ter provado sua utilidade em alguns momentos críticos.
            E todos também querem saber que rumos a Indycar seguirá agora, sob o comando e propriedade de ninguém menos do que Roger Penske. Só isso já deixa todo mundo em expectativa. Uma pena os fãs brasileiros ficarem órfãos das transmissões de TV neste momento. Espero que surjam alternativas para suprir as necessidades de nossos amantes da velocidade, e que eles possam voltar a acompanhar a categoria além da opção fornecida pelo DAZN. Aguardemos 2020 então...


Enfim, encerro com esta coluna os trabalhos de 2019. Foram novamente 50 colunas regulares, marca que mantenho desde 1996, além de alguns outros trabalhos reportando sobre o mundo do esporte a motor. Agora é hora de uma pequena pausa, para descanso e recarregar as baterias, depois de um ano extremamente difícil em termos pessoais, e onde muita coisa não deu certo como inicialmente programado. Nos vemos em 2020, onde espero tenhamos muito mais satisfações e alegrias, seja profissionalmente, ou a nível pessoal. Boas festas para todos, e feliz natal!