sexta-feira, 20 de dezembro de 2019

ADEUS À INDY NA TV BRASILEIRA?

Depois de mais de 30 anos sendo exibida nas TVs brasileiras, o campeonato da Indycar ficará de fora das transmissões em nossos canais de TV.

            Em notícia divulgada em primeira mão pelo site Grande Prêmio, fomos informados de que a TV Bandeirantes deu por encerrado o seu contrato de transmissão da Indycar, de modo que os fãs brasileiros da velocidade ficarão sem ter como assistir na TV nacional a categoria de monopostos dos Estados Unidos, quebrando uma tradição de meados dos anos 1980, quando a própria Bandeirantes começou a apresentar aos fãs nacionais do esporte a motor a competição norte-americana, que lembrava em muitos aspectos a então toda-poderosa Fórmula 1.
            Na verdade, a atitude da emissora até demorou a ser feita neste sentido. Desde o fiasco da realização da etapa brasileira da categoria, que deveria ser feita no autódromo de Brasília, em um processo que revelou conter inúmeras irregularidades, que acabou resultando no cancelamento da corrida, quando vários ingressos já haviam sido até vendidos, e boa parte da estrutura do autódromo da capital federal havia sido demolido para reforma da estrutura do autódromo visando a corrida, a situação da transmissão da Indycar andava na corda bamba. A emissora paulista investiu bastante na concretização da corrida, para ficar de mãos abanando. E a direção da Indycar não gostou de como as coisas foram conduzidas por aqui, e essa decepção respingou na emissora de TV.
            Comentou-se à época que a Bandeirantes teve de pagar certas rescisões contratuais vultosas pela não realização da corrida, e só não cancelou o contrato de transmissão da Indycar porque o valor da ruptura contratual também era bem elevado, de modo que sairia mais barato continuar mostrando as corridas do que deixar de cumprir com o contrato de transmissão. Para alguns, esse seria o motivo do descaso do Grupo Bandeirantes com a transmissão das provas, cuja audiência já não era das melhores, mas era praticamente vilipendiada pela própria emissora, que não valorizava o produto que tinha em mãos.
            Não que a prática já não existisse, mas se tornou ainda mais irritante nos últimos anos. Antes, a Bandeirantes realocava boa parte das corridas para o seu canal pago, o Bandsports, porque os horários das provas coincidiam com as partidas de futebol nacionais, fossem campeonatos estaduais, ou o campeonato brasileiro. Essa justificativa até colava, visto que o futebol é o único esporte verdadeiramente nacional para a maior parte do público. Só que, nos últimos anos, por questão de economia, entre outros motivos, a Bandeirantes desistiu do futebol, e em tese, isso abriria caminho para, ao menos esperavam os fãs, a emissora passar a prestigiar mais as corridas da Indycar, já que as tardes dos domingos ficariam livres para as corridas. Doce ilusão. A Bandeirantes não só continuou com sua prática odiosa de transmitir as corridas em estilo roleta russa, ora no canal aberto, ora no canal fechado, e nem se esforçou para melhorar a promoção e qualidade da transmissão das provas.
            A morte de Luciano do Valle em 2014 foi um baque na área de esportes da emissora, uma vez que foi o locutor, ainda nos anos 1980, quem se esforçou para que a emissora trouxesse pela primeira vez as corridas da então F-Indy para a programação nacional, incentivado pelo sucesso que Émerson Fittipaldi, ex-bicampeão da F-1, estava começando a ter nos Estados Unidos. E a aposta se mostrou certeira, com Émerson vencendo as 500 Milhas de Indianápolis de 1989, além de conquistar o campeonato da F-Indy naquele ano. Mas, mesmo com o sucesso de Émerson, a categoria ainda levava um baile da F-1 em termos de audiência, já que vivíamos o auge da carreira de Ayrton Senna na F-1, e isso representava uma dificuldade para se manter as transmissões de uma categoria que, para muitos, era encarada como uma “imitação” da F-1.
O sucesso obtido por Émerson Fittipaldi (acima) na antiga F-Indy a partir de 1984 tornou a categoria dos Estados Unidos conhecida por aqui, e vários pilotos brasileiros, sem boas chances na F-1, preferiram ir para os Estados Unidos, onde tiveram chance de vencer corridas e ganhar campeonatos, como Gil de Ferran (abaixo), ao lado de Christian Fittipaldi e Roberto Moreno, no pódio da etapa de Fontana em 2000.
            Por isso, não foi exatamente surpresa quando a TV Manchete, em um esquema montado por Émerson Fittipaldi, assumiu as transmissões em 1993, sendo posteriormente repassadas para a TVS/SBT, TV Record, RedeTV, e assim por diante. Em todos estes anos, o certame norte-americano comandado pela CART este presente na TV nacional, com altos e baixos, mas sempre oferecendo ao fã amante do esporte a motor uma alternativa de competição, ainda mais depois que perdemos Senna em 1994, e a categoria norte-americana se mostrou uma opção mais viável de se fazer sucesso do que a categoria máxima do automobilismo, com muitos talentos nacionais migrando para os Estados Unidos onde teriam mais oportunidades de carreira do que na Europa. Chegamos a ter mais de 10 representantes no grid de um certame com aproximadamente 28 carros largando, e muitas empresas nacionais surgiram apoiando nossos talentos. Mesmo depois da briga começada por Gugu Liberato na TVS/SBT para que seu programa não fosse interrompido pela transmissão das corridas, ainda assim tínhamos a exibição de compactos no fim das noites de domingo, e numa época onde a internet ainda dava seus primeiros passos em nosso país, poder acompanhar as corridas na TV, fosse em compacto ou ao vivo, era muita coisa.
            Mesmo quando Tony George “rachou” a F-Indy com a criação de seu campeonato, a IRL, em 1996, o interesse pela F-Indy não decaiu. O novo certame, a Indy Racing league, aliás, proporcionou à Bandeirantes transmitir novamente as corridas, em especial as 500 Milhas de Indianápolis, a principal e mais famosa prova dos Estados Unidos. No início da década passada, o canal pago SporTV chegou a transmitir o novo certame, enquanto a F-Indy original, agora chamada de F-Mundial por aqui, e F-CART e Champ Car nos Estados Unidos, ainda tinha suas corridas transmitidas na TV nacional, indo parar, em seus últimos dias, no hoje finado e saudoso Speed Channel. Já a Bandeirantes retomaria os direitos de transmissão da IRL em meados dos anos 2000, e seguiria firme com eles até este ano, apesar da política cretina de transmissão que passou a vigorar de lá para cá, dando nos nervos no fã amante da velocidade.
            Por mais que se possa fazer críticas ao modo como a Globo transmite a F-1, não se pode negar que a emissora carioca ao menos divulga com razoável competência a transmissão das corridas, mesmo quando as faz através do SporTV, seu canal de TV por assinatura, onde passou a transmitir os treinos livres e algumas corridas que batiam com o horário do futebol. Ainda deve muito na melhoria das transmissões, que deram uma bela caída depois que passaram a não mostrar mais os pódios, mas ainda assim, bem superior ao que a Bandeirantes fazia em relação à IRL, e mais recentemente, à Indycar. Se o negócio era fazer apenas transmissão de estúdio, podiam ao menos incrementar as transmissões das corridas com mais informação, além de fazer apenas o básico necessário.
            Com o falecimento de Luciano do Valle, Téo José passou a narrar as corridas, o que já fazia em parte do campeonato. Tendo estreado nas transmissões em 1993, nas corridas da F-Indy original, Téo tinha ampla experiência com as categorias Indy. No quesito comentários, Celso Miranda e Felipe Giaffone davam conta do recado, e só faltava mesmo ter um repórter nos boxes nas corridas, a exemplo do que a Globo faz, mas isso foi ficando cada vez mais raro, e nem por isso a emissora tentava se esforçar muito para deixar o fã a par de todos os acontecimentos, mesmo que fosse apenas comentar as notícias via sites informativos norte-americanos. No início do ano passado, a Bandeirantes dispensou Téo José, que acabou indo para o Fox Sports. A narração da categoria passou a ser feita por Eduardo Vaz, que teve de ralar para conseguir transmitir emoção às provas da Indycar, mostrando toda a sua falta de intimidade com a categoria, sanada em boa parte pela atuação precisa de Giaffone. Só que neste ano, Giaffone também deixou a Bandeirantes, indo para o SporTV, onde acabou confirmado recentemente como substituto de Reginaldo Leme nas transmissões de F-1 da Globo, após a saída do veterano comentarista e repórter, depois de mais de 40 anos de casa. Isso deixou outro buraco na equipe de transmissão, que acabou preenchido por Celso Miranda, com boa experiência e conhecimento das categorias Indy há mais de vinte anos.
Nos anos 1990, a popularidade da F-indy chegou a incomodar a toda-poderosa F-1. No Brasil, com a perda de Ayrton Senna, o certame ganhou muitos fãs, uma vez que nossos pilotos podiam vencer corridas e até tentar disputar o título, o que não ocorria mais na F-1.
            Mesmo assim, a qualidade da transmissão, apesar dos esforços da dupla narrador/comentarista, ficavam a dever, e com a Bandeirantes anunciando cada vez menos as corridas, fossem no canal aberto, ou no canal fechado, não é de se admirar que a audiência fosse baixa. Não apenas por causa do canal propriamente, mas pelo desinteresse da emissora em tentar dourar a pílula da competição, uma vez que a Indycar sempre apresentou melhores disputas que a F-1, especialmente em anos recentes, onde vimos a supremacia da Mercedes e de Lewis Hamilton na categoria máxima do automobilismo, mas nos Estados Unidos, vimos pegas interessantes entre as feras da Indycar, como Scott Dixon, Josef Newgarden, Alexander Rossi, entre outros. Sem ter campeonatos de futebol na grade, parecia lógico, e até óbvio, a emissora reforçar um pouco a qualidade de sua transmissão, já que tinha os direitos. Infelizmente, no Brasil, mesmo o óbvio a se fazer acaba parecendo pedir demais, e no caso da Bandeirantes, a insatisfação dos fãs, que já vinha de longa data, só aumentou com a situação recente, com muitos defendendo que outra emissora pegasse o campeonato da Indycar e a Bandeirantes fosse para aquele lugar... E tenho de concordar plenamente com eles, apesar de ainda tentar acreditar na fórmula de que uma transmissão ruim ainda era melhor do que não ter nenhuma transmissão...
            Bem, fez-se a vontade destes fãs mais revoltados. Apesar de algumas insinuações de que até poderia repensar sua decisão, o que temos no momento é que a Indycar estará fora da grade de programação de TV brasileira, aberta ou fechada, em 2020, encerrando um ciclo de cerca de 34 anos de transmissões de provas das categorias Indy no Brasil. Resta como opção apenas o site de streaming do DAZN, que começou inclusive a transmitir as corridas do certame norte-americano este ano, mas segundo aqueles que já tiveram oportunidade de conferir o serviço, ainda deixa muito a desejar, precisando melhorar muito a qualidade e equipe de transmissão das provas. Ou simplesmente apelar para sites ilegais da internet que retransmitem as corridas. Mas a DAZN já anunciou que pretende incrementar o seu serviço, e melhorar a transmissão da Indycar para o próximo ano, já pegando carona no cancelamento da transmissão da categoria pela Bandeirantes, com promessa até de reduzir o valor da mensalidade cobrada.
            Claro, fica também a esperança de algum outro canal pegar os direitos, e passar a exibir a Indycar. Mas qual canal poderia fazer isso? A ESPN há anos deixou de ter uma direção competente por aqui, enquanto o SporTV já tem a F-1, a MotoGP, e a F-2, só para início de conversa. O FoxSports, por sua vez, tem a F-E, o Mundial de Endurance, e talvez o maior entrave para a Indycar, que é a transmissão das corridas da Nascar, rival ferrenha da Indycar, e que costuma ter várias corridas em horários similares. Claro que nada impede que estes canais resolvam apostar, só é difícil de acontecer. E, no caso de tentarem a empreitada, é preciso verificar também o retorno de audiência.
A IRL chegou a ser transmitida pelo SporTV, mas a Bandeirantes retomou as transmissões da competição, onde permaneceu até este ano.
            E esse retorno fica complicado porque, pela primeira vez também desde as primeiras participações de Émerson Fittipaldi, lá em 1984, em 2020 ainda não temos praticamente nenhum piloto confirmado oficialmente no grid até o presente momento. Tony Kanaan, que se arrastou na draga que se tornou a equipe Foyt nestes últimos dois anos, não tem presença garantida em todo o campeonato do ano que vem, onde defenderia novamente a Foyt, tendo garantido orçamento apenas para as etapas em pistas ovais. E Matheus Leist, nova promessa brasileira na categoria, acabou arrastado para o fundo do grid pela má forma da Foyt, de modo que o jovem piloto preferiu se garantir em algumas etapas do campeonato de endurance dos Estados Unidos, o IMSA Wheater Tech, do que apostar em se manter no grid da Indycar, onde suas chances parecem cada vez menores.
            A falta de transmissão das corridas, aliás, deve dificultar ainda mais a presença de brasileiros no grid em 2020. Afinal, se com a transmissão capenga da Bandeirantes já estava complicado, uma vez que a exposição ora ficava no canal aberto, ora no fechado, saber que, a princípio, as corridas deverão ficar restritas ao serviço de streaming do DAZN vai dificultar sobremaneira o apoio de empresas nacionais a nossos talentos, pela dificuldade que terão de verem suas marcas serem veiculadas por aqui. Isso já se mostrou um revés para Sergio Sette Camara, que até considerava correr nos Estados Unidos a ficar apenas como piloto de simulador e desenvolvimento da McLaren, mas que vê sua posição poder ficar comprometida pela falta de exposição de suas performances. E se não tiver retorno, os patrocinadores não irão investir em nossos pilotos. E, sem investimento, eles também não terão condições de batalhar por lugares em equipes mais estruturadas e competitivas. Já ficamos órfãos na F-1, indo para a terceira temporada em 2020 sem a presença de um brasileiro no grid, situação que ainda deve perdurar por algum tempo. E tudo indica que esse panorama também possa se repetir na Indycar, que nos anos 1990 e início dos anos 2000, viu uma presença até maciça de pilotos brasileiros competindo e até vencendo corridas e campeonatos, para felicidade dos torcedores nacionais, uma vez que havíamos virado coadjuvantes na F-1.
            Em termos esportivos, apesar de alguns problemas, a Indycar deve continuar sendo um campeonato muito disputado em 2020, em que pese o predomínio do trio Penske/Andretti/Ganassi, com a diferença de que, em comparação com o trio Mercedes/Ferrari/Red Bull da F-1, na categoria dos Estados Unidos a disputa é bem mais equilibrada e aberta, com estes três times a demonstrarem por vezes grande paridade de performance, além de podermos ver bons desempenhos de outros times que podem também vencer corridas, como vimos acontecer com a Rahal.
            Outro ponto de interesse da categoria no próximo ano é vermos os carros com os novos aeroscreens, muito mais elegantes do que os halos implantados na F-1, ambos com o objetivo de proporcionarem mais proteção às cabeças dos pilotos durante as corridas. Ao contrário da F-1, a Indycar fez vários testes com a peça, tendo proporcionado uma avaliação mais adequada de suas possibilidades do que o halo na F-1, enfiado goela abaixo, e sem muitas discussões, em que pese já ter provado sua utilidade em alguns momentos críticos.
            E todos também querem saber que rumos a Indycar seguirá agora, sob o comando e propriedade de ninguém menos do que Roger Penske. Só isso já deixa todo mundo em expectativa. Uma pena os fãs brasileiros ficarem órfãos das transmissões de TV neste momento. Espero que surjam alternativas para suprir as necessidades de nossos amantes da velocidade, e que eles possam voltar a acompanhar a categoria além da opção fornecida pelo DAZN. Aguardemos 2020 então...


Enfim, encerro com esta coluna os trabalhos de 2019. Foram novamente 50 colunas regulares, marca que mantenho desde 1996, além de alguns outros trabalhos reportando sobre o mundo do esporte a motor. Agora é hora de uma pequena pausa, para descanso e recarregar as baterias, depois de um ano extremamente difícil em termos pessoais, e onde muita coisa não deu certo como inicialmente programado. Nos vemos em 2020, onde espero tenhamos muito mais satisfações e alegrias, seja profissionalmente, ou a nível pessoal. Boas festas para todos, e feliz natal!

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