quarta-feira, 11 de dezembro de 2019

A TRAJETÓRIA DOS CIRCUITOS DA F-1 – INTERLAGOS


            Trazendo um novo texto a respeito dos circuitos que já sediaram/sediam etapas da Fórmula 1, chegou a hora de falar um pouco de Interlagos, circuito que é muito elogiado pelos pilotos atuais da categoria máxima do automobilismo, que infelizmente não tiveram chance de conhecer a pista em todo o seu esplendor original, deixado para trás após a reforma que devolveu a F-1 ao autódromo paulistano a partir de 1990. A situação só não é mais drástica porque a maior parte do traçado original ainda está lá, ao contrário do que aconteceu em Hockenhein, na Alemanha, onde o circuito da Floresta Negra foi literalmente “capado” com a destruição, pura e simples, de seu trecho da floresta, mas falarei desta pista em uma oportunidade futura. Por agora, aproveitem o meu texto a respeito de Interlagos. Uma boa leitura a todos...



INTERLAGOS

            Em mais um texto falando sobre as pistas que já sediaram ou sediam Grandes Prêmios da Fórmula 1, nada mais justo do que falar um pouco de nossa pista mais icônica no calendário da categoria máxima do automobilismo, o Autódromo José Carlos Pace, ou simplesmente, Autódromo de Interlagos, localizado na zona sul de São Paulo, capital, no bairro de mesmo nome, localizado entre as represas Billings e Guarapiranga, de onde veio o nome “Interlagos”.
            O circuito começou a ser construído no final da década de 1930, tendo sido inaugurado oficialmente em 12 de maio de 1940. O traçado da pista era imponente, com cerca de 7,96 Km de extensão, e curvas para todos os gostos, com trechos sinuosos e longas retas. A bem da verdade, Interlagos só teve mesmo duas configurações básicas em sua longa história, com alguns detalhes incluídos aqui e ali, mas que poderia ter sido muito mais versátil do que já foi. Atualmente, a configuração de apenas 4,309 Km conseguiu manter boa parte das características principais do circuito, mas muitos acham que ele já está curto demais, e com a velocidade crescente dos carros da F-1, seus tempos de volta são bem curtos. O problema é que não se fazem esforços para mudar essa situação. A reforma que “encurtou” a pista em fins de 1989 para muitos “matou” o verdadeiro Interlagos, uma vez que não se preocupou em preservar o traçado original, cuja maior parte continua ali, mas sem merecer a devida atenção por parte das autoridades que poderiam resgatá-lo para provas de outras categorias.
            Neste ano, inclusive, chegaram a fazer algumas sugestões de como Interlagos poderia resgatar um pouco mais de seu traçado original, sem ter de efetuar grandes obras e ter muitos gastos com isso. Mas o incentivo parte mais de torcedores e de alguns jornalistas especializados, e não tem tido força para comover aqueles que realmente poderiam fazer alguma coisa neste sentido. Em termos de infraestrutura extra-pista, Interlagos passou por grandes reformas na sua área de box e paddock recentemente, para atender às exigências da F-1, sempre crescentes depois que a categoria máxima do automobilismo se acostumou aos megacircuitos como Sepang, na Malásia, em 1999, que deu início à “Era Tilke” na categoria, para desespero de fãs e torcedores, que viram as novas pistas desenhadas pelo arquiteto alemão como extremamente artificiais e sem graça, com raras exceções.
            A configuração inicial de Interlagos, com seus 7,96 Km, foi usada até 1989. O traçado tinha cerca de 16 curvas, algumas com nomes próprios, enquanto outras eram apenas numeradas. A Curva do Sol tinha este nome porque, no sentido próximo ao fim da tarde, os pilotos ficavam praticamente de frente para o sol na vista, o que dificultava a pilotagem. A curva do Pinheirinho tinha esse nome porque... Tinha um pinheiro naquele local. A Curva do Mergulho é o que é, um autêntico “mergulho” em declive, indo para a Junção, que fazia a ligação com o trecho que formava o anel externo vindo da curva 4, que por sua vez, não tinha um nome próprio.
            A configuração original, em sua inauguração, em 1940, contudo, ainda não contemplava o “anel externo”, com a Curva 4 não se ligando à Curva da Junção. Este pequeno trecho foi criado em 1957, de modo que o circuito ganhava uma opção de “anel externo” que se assemelhava a um traçado oval. Aliás, muitos sempre se perguntaram se Interlagos poderia ter sido um circuito interessante para uso pela Fórmula Indy, caso fosse usado este anel externo, sem passar pelo trecho sinuoso do interior da pista. Infelizmente, isso ficou apenas na vontade, e muitos hoje ainda acalentam este desejo, mas dificilmente ele acontecerá, pois a pista precisaria incrementar sua segurança nestes pontos, para evitar que acidentes que porventura ocorressem ali não tivessem consequências mais trágicas.
            Aliás, uma das características mais espetaculares de Interlagos é que o traçado do circuito, dependendo de onde se assiste à corrida, permite uma visão de boa parte da pista, de modo que os torcedores podem acompanhar as disputas em boa parte do traçado, uma vez que a topografia do terreno foi muito bem utilizada a esse favor, o que não é comum em muitas pistas mistas, sendo algo visto com mais frequência nos circuitos ovais tão amados pelos estadunidenses, com alguns deles possuindo variantes de pista mista em seu interior, como é o caso de Daytona, que usa uma configuração com parte da pista do circuito oval externo, mas também com trechos de pista mista em seu interior, quando na disputa das 24 Horas de Daytona, uma das provas mais tradicionais do automobilismo norte-americano.
            Entre 1967 e 1970, o circuito foi reformado, mas no traçado a mudança mais visível foi a nova saída dos boxes, colocada mais à frente, já depois da tangência da Curva 1. Antes, os carros voltavam á pista ainda no meio da reta dos boxes, mas já em aproximação para a tangência da Curva 1, o que poderia resultar em acidentes se algum piloto menos atento não reparasse em que saísse dos boxes após um pit stop. Essa reforma também melhorou as instalações do autódromo, ainda precárias em vários aspectos, ajudando a modernizá-lo para os anos seguintes, o que seria crucial para a vinda do maior campeonato automobilístico do mundo alguns anos depois, a Fórmula 1.  
              A estréia de Interlagos na F-1 ocorreu em 1972. A fama obtida pelas vitórias alcançadas por Émerson Fittipaldi com a Lotus incentivaram a criação do Grande Prêmio do Brasil, com a logística facilitada pela corrida da Argentina, realizada logo no começo da temporada. Assim, unindo o útil ao agradável, eis que a F-1 aportou no Brasil, primeiro como uma corrida de avaliação extra-campeonato para somente em 1973 contar de fato para o campeonato mundial, com grande sucesso e empolgação do público, pelo título de campeão conquistado pelo “Rato” no ano anterior, a F-1 começava pra valer em nosso país. E Interlagos cativou os pilotos logo de cara, pelo seu tamanho grandioso, e pela variedade do traçado, exigindo não apenas um bom acerto técnico dos carros, mas também braço dos pilotos para desafiar algumas de suas curvas.

            Infelizmente, Interlagos não foi se atualizando com o passar dos anos. Apesar de ser uma pista onde todos gostavam de competir, suas condições de segurança, com o aumento da performance dos carros, começaram a ficar precárias. Ao fim dos anos 1970, o Autódromo de Jacarepaguá começou a ser visto como uma boa opção para sediar o GP do Brasil, tendo realizado sua primeira corrida em 1978. Em 1979 e 1980, a corrida voltou a Interlagos, mas a velocidade dos carros, ainda maior, com a adoção dos carros-asa, tornavam vários pontos ainda mais perigosos, pela falta de áreas de escape e guard-rails adequados que não comprometessem a integridade dos pilotos em caso de uma forte colisão. Trechos, como o da Curva 3, sem que pudesse ser construída uma área de escape naquele ponto, já havia visto várias batidas por ali. E assim o circuito paulistano deixou o calendário da categoria máxima do automobilismo, sendo substituído pela pista carioca.
            Só em 1989, com uma grande mobilização da Prefeitura Municipal de São Paulo, proprietária do autódromo, resolveu-se fazer obras que readequassem a pista de Interlagos às exigências mais atuais e severas de segurança que a F-1 impunha para sediar um GP. A pista de Jacarepaguá tinha tido sua condição de sede de um GP de F-1 abalada pelo acidente que vitimou Phillipe Streiff em testes pré-temporada em 1989, com o piloto francês ficando tetraplégico após capotar com seu AGS na pista, que não tinha a estrutura de segurança e de socorro necessárias para atender um caso daqueles. A mobilização garantiu que o Brasil não perdesse seu GP no calendário da F-1, mas infelizmente, o trabalho realizado não foi feito de modo a garantir a integridade da pista antiga, que ficou parcialmente comprometida, e inviabilizada de ser utilizada novamente.
 
            Por sugestão de Ayrton Senna, foi feito um “S” ligando o final da Reta dos Boxes à Curva do Sol, e fazendo os carros percorrerem a reta oposta em sentido diferente do original. Este trecho foi estendido até uma nova ligação, feita entre a Curva da Ferradura e Curva do Laranja, e a partir dali, retomando o traçado e sentido original da pista, com um recuo da Curva da Junção, para se ter uma área de escape naquele setor. A partir dali, a pista segue novamente o seu traçado original, com a subida da reta e o longo trecho em plena aceleração da Reta dos Boxes. Com isso, foi extirpado o trecho do Retão, o trecho mais veloz do circuito, que ficava entre as Curvas 2 e 3, com perda também da Curva 4, e o trecho entre esta e a Curva da Ferradura. Matou-se também o trecho após a Curva do Sol, em seu sentido original, que passava na parte de trás do paddock, e sua curva em grampo, seguindo para a Curva do Laranja. A nova extensão deixava o circuito de Interlagos com 4,325 Km de extensão, e a pista ganhava sua nova curva, o “S do Senna”, em homenagem ao piloto.
            De lá para cá, Interlagos passou por algumas reformas apenas pontuais neste traçado, que reduziram sua extensão um pouco, para os atuais 4,309 Km, obtidos com a suavização de algumas curvas. Para as corridas de moto, foi criada um chicane na subida dos boxes, de modo a cortar a aceleração plena que os competidores colocavam para atingir a Reta dos Boxes, uma chicane que também passou a ser adotada pela Stock Car em várias ocasiões, tendo sido remodelada algum tempo depois, ficando maior e provocando uma quebra maior no ritmo de velocidade naquele ponto. Mas o Grande Prêmio de Fórmula 1, de volta ao autódromo paulistano, a partir de 1990, felizmente lá está até hoje, para felicidade dos fãs da velocidade.
            Outras modificações foram na entrada e na saída dos boxes. A entrada foi estendida e depois novamente encurtada, e depois, novamente reformada, para incluir uma chicane interna, onde os pilotos podem reduzir com mais segurança sua velocidade de entrada. Já a saída do pit line, feita em descida, fazia os pilotos retomarem a pista na saída interna do “S do Senna”, mas para maior segurança, ela foi estendida, contornando por dentro a Curva do Sol, e fazendo o piloto retornar já na Reta Oposta, tendo seu traçado até alterado, colocado mais para dentro, para se criar um trecho de área de escape na saída do “S”, mais uma vez por questões de segurança.
            Embora atualmente quase todo o trecho do Retão, com as curvas 2, 3 e 4, esteja lá, parte do grande trecho de reta é usado para montagem de arquibancadas provisórias durante as corridas. Já o trecho após a Curva do Sol, em seu sentido original, atrás do paddock, acabou “cortado” com a eliminação da Curva do Sargento, devido à construção de uma extensão das instalações do circuito, impedindo que o trecho siga até o antigo Laranja, onde ficou uma parte do antigo circuito ainda sem uso.
Em preto, o traçado original, e em vermelho, o atual.
             Joga contra a reativação do trecho de alta velocidade externo do Retão o fato de a saída atual dos boxes levar para o trecho interno do antigo circuito, impedindo de se ligar à curva do antigo trecho externo, por questões de segurança, uma vez que a curva fica no ponto de tangência dos carros para sua tomada. Para alcançar o antigo ponto de saída, seria preciso criar uma nova pista de saída até aquele ponto, mas isso criaria um desnível no traçado do “S do Senna”, difícil de ser resolvido.

Uma das várias sugestões de possível expansão do traçado atual e restauração de parte da pista antiga (em vermelho, as mudanças que poderiam ser feitas) que ajudariam Interlagos a ficar mais versátil, tanto para a F-1 quanto para outras categorias.
            Completando praticamente 80 anos de existência, uma vez que a pista estava sendo finalizada em fins de 1939, o que mais ameaça o circuito é o poder público. João Doria inventou de querer privatizar o autódromo, e a idéia anda circulando desde então. Só que o circuito gera lucro para o poder público, e as corridas e demais atividades que se utilizam do circuito geram dividendos para a metrópole. Só o Grande Prêmio do Brasil de F-1 atrai para a cidade uma movimentação financeira muito superior aos custos de manutenção e realização da corrida. Não que a idéia de privatizar seja ruim em si, o problema é quem pegar o circuito, e o que fará nela. Fôssemos um país sério, com políticos que prestassem, e empresários igualmente honestos e competentes (porque neste tipo de operação, muito provavelmente os empresários sérios não entrariam na furada), poderíamos ter esperanças imensas de que o circuito fosse inclusive recuperado em toda a sua extensão original até.
            Afinal, de idéias mirabolantes já vimos o que aconteceu com a pista de Jacarepaguá, destruída pela sanha gananciosa e a inépcia de quem dizia defender o esporte, e o automobilismo nacional. E não foi por falta de aviso... Será que precisamos que Interlagos entre nessa roubada também? Esperemos que não...

            E, só para constar, o recorde da pole-position no traçado original de Interlagos é de Jean-Pierre Jabouille, obtido em 1980, com um Renault turbo, com o tempo de 2min21s40. O recorde oficial da volta também naquele mesmo ano, ficou com seu companheiro na equipe Renault, René Arnoux, com o tempo de 2min27s31. Já da pista atual, o recorde da pole é com o tempo de 1min07s281, obtido no ano passado por Lewis Hamilton, com Mercedes. A volta mais rápida ficou com o companheiro de Lewis na escuderia alemã, Valtteri Bottas, com o tempo de 1min10s540.

O traçado original de Interlagos era imponente (acima), e deixou saudade em muitos pilotos que tiveram oportunidade de correr em toda a sua extensão. Abaixo, convite para conhecer o autódromo, publicado em 1939.
Vista áerea do autódromo em fim de semana de GP Brasil de F-1, onde se pode ver que o traçado original ainda está ali, mas ocupado por construções temporárias para a realização do GP. Poderia ser reaproveitado, se houvesse vontade de se fazer isso, com as devidas adequações de segurança pertinentes.

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