Trazendo um novo texto a respeito
dos circuitos que já sediaram/sediam etapas da Fórmula 1, chegou a hora de
falar um pouco de Interlagos, circuito que é muito elogiado pelos pilotos
atuais da categoria máxima do automobilismo, que infelizmente não tiveram
chance de conhecer a pista em todo o seu esplendor original, deixado para trás
após a reforma que devolveu a F-1 ao autódromo paulistano a partir de 1990. A
situação só não é mais drástica porque a maior parte do traçado original ainda
está lá, ao contrário do que aconteceu em Hockenhein, na Alemanha, onde o
circuito da Floresta Negra foi literalmente “capado” com a destruição, pura e
simples, de seu trecho da floresta, mas falarei desta pista em uma oportunidade
futura. Por agora, aproveitem o meu texto a respeito de Interlagos. Uma boa
leitura a todos...
INTERLAGOS
Em mais um
texto falando sobre as pistas que já sediaram ou sediam Grandes Prêmios da
Fórmula 1, nada mais justo do que falar um pouco de nossa pista mais icônica no
calendário da categoria máxima do automobilismo, o Autódromo José Carlos Pace,
ou simplesmente, Autódromo de Interlagos, localizado na zona sul de São Paulo,
capital, no bairro de mesmo nome, localizado entre as represas Billings e
Guarapiranga, de onde veio o nome “Interlagos”.
O circuito
começou a ser construído no final da década de 1930, tendo sido inaugurado
oficialmente em 12 de maio de 1940. O traçado da pista era imponente, com cerca
de 7,96 Km de extensão, e curvas para todos os gostos, com trechos sinuosos e
longas retas. A bem da verdade, Interlagos só teve mesmo duas configurações básicas
em sua longa história, com alguns detalhes incluídos aqui e ali, mas que
poderia ter sido muito mais versátil do que já foi. Atualmente, a configuração
de apenas 4,309 Km conseguiu manter boa parte das características principais do
circuito, mas muitos acham que ele já está curto demais, e com a velocidade
crescente dos carros da F-1, seus tempos de volta são bem curtos. O problema é
que não se fazem esforços para mudar essa situação. A reforma que “encurtou” a
pista em fins de 1989 para muitos “matou” o verdadeiro Interlagos, uma vez que
não se preocupou em preservar o traçado original, cuja maior parte continua
ali, mas sem merecer a devida atenção por parte das autoridades que poderiam
resgatá-lo para provas de outras categorias.
Neste ano,
inclusive, chegaram a fazer algumas sugestões de como Interlagos poderia
resgatar um pouco mais de seu traçado original, sem ter de efetuar grandes
obras e ter muitos gastos com isso. Mas o incentivo parte mais de torcedores e
de alguns jornalistas especializados, e não tem tido força para comover aqueles
que realmente poderiam fazer alguma coisa neste sentido. Em termos de
infraestrutura extra-pista, Interlagos passou por grandes reformas na sua área
de box e paddock recentemente, para atender às exigências da F-1, sempre
crescentes depois que a categoria máxima do automobilismo se acostumou aos
megacircuitos como Sepang, na Malásia, em 1999, que deu início à “Era Tilke” na
categoria, para desespero de fãs e torcedores, que viram as novas pistas
desenhadas pelo arquiteto alemão como extremamente artificiais e sem graça, com
raras exceções.
A
configuração inicial de Interlagos, com seus 7,96 Km, foi usada até 1989. O
traçado tinha cerca de 16 curvas, algumas com nomes próprios, enquanto outras
eram apenas numeradas. A Curva do Sol tinha este nome porque, no sentido
próximo ao fim da tarde, os pilotos ficavam praticamente de frente para o sol
na vista, o que dificultava a pilotagem. A curva do Pinheirinho tinha esse nome
porque... Tinha um pinheiro naquele local. A Curva do Mergulho é o que é, um
autêntico “mergulho” em declive, indo para a Junção, que fazia a ligação com o
trecho que formava o anel externo vindo da curva 4, que por sua vez, não tinha
um nome próprio.
A
configuração original, em sua inauguração, em 1940, contudo, ainda não
contemplava o “anel externo”, com a Curva 4 não se ligando à Curva da Junção.
Este pequeno trecho foi criado em 1957, de modo que o circuito ganhava uma
opção de “anel externo” que se assemelhava a um traçado oval. Aliás, muitos sempre
se perguntaram se Interlagos poderia ter sido um circuito interessante para uso
pela Fórmula Indy, caso fosse usado este anel externo, sem passar pelo trecho
sinuoso do interior da pista. Infelizmente, isso ficou apenas na vontade, e
muitos hoje ainda acalentam este desejo, mas dificilmente ele acontecerá, pois
a pista precisaria incrementar sua segurança nestes pontos, para evitar que
acidentes que porventura ocorressem ali não tivessem consequências mais
trágicas.
Aliás, uma
das características mais espetaculares de Interlagos é que o traçado do
circuito, dependendo de onde se assiste à corrida, permite uma visão de boa
parte da pista, de modo que os torcedores podem acompanhar as disputas em boa
parte do traçado, uma vez que a topografia do terreno foi muito bem utilizada a
esse favor, o que não é comum em muitas pistas mistas, sendo algo visto com
mais frequência nos circuitos ovais tão amados pelos estadunidenses, com alguns
deles possuindo variantes de pista mista em seu interior, como é o caso de
Daytona, que usa uma configuração com parte da pista do circuito oval externo,
mas também com trechos de pista mista em seu interior, quando na disputa das 24
Horas de Daytona, uma das provas mais tradicionais do automobilismo
norte-americano.
Entre 1967
e 1970, o circuito foi reformado, mas no traçado a mudança mais visível foi a
nova saída dos boxes, colocada mais à frente, já depois da tangência da Curva 1.
Antes, os carros voltavam á pista ainda no meio da reta dos boxes, mas já em
aproximação para a tangência da Curva 1, o que poderia resultar em acidentes se
algum piloto menos atento não reparasse em que saísse dos boxes após um pit
stop. Essa reforma também melhorou as instalações do autódromo, ainda precárias
em vários aspectos, ajudando a modernizá-lo para os anos seguintes, o que seria
crucial para a vinda do maior campeonato automobilístico do mundo alguns anos
depois, a Fórmula 1.
A estréia de Interlagos na F-1 ocorreu em 1972. A fama obtida pelas
vitórias alcançadas por Émerson Fittipaldi com a Lotus incentivaram a criação
do Grande Prêmio do Brasil, com a logística facilitada pela corrida da
Argentina, realizada logo no começo da temporada. Assim, unindo o útil ao
agradável, eis que a F-1 aportou no Brasil, primeiro como uma corrida de
avaliação extra-campeonato para somente em 1973 contar de fato para o
campeonato mundial, com grande sucesso e empolgação do público, pelo título de
campeão conquistado pelo “Rato” no ano anterior, a F-1 começava pra valer em
nosso país. E Interlagos cativou os pilotos logo de cara, pelo seu tamanho
grandioso, e pela variedade do traçado, exigindo não apenas um bom acerto
técnico dos carros, mas também braço dos pilotos para desafiar algumas de suas
curvas.
Infelizmente,
Interlagos não foi se atualizando com o passar dos anos. Apesar de ser uma
pista onde todos gostavam de competir, suas condições de segurança, com o
aumento da performance dos carros, começaram a ficar precárias. Ao fim dos anos
1970, o Autódromo de Jacarepaguá começou a ser visto como uma boa opção para
sediar o GP do Brasil, tendo realizado sua primeira corrida em 1978. Em 1979 e
1980, a corrida voltou a Interlagos, mas a velocidade dos carros, ainda maior,
com a adoção dos carros-asa, tornavam vários pontos ainda mais perigosos, pela
falta de áreas de escape e guard-rails adequados que não comprometessem a
integridade dos pilotos em caso de uma forte colisão. Trechos, como o da Curva
3, sem que pudesse ser construída uma área de escape naquele ponto, já havia
visto várias batidas por ali. E assim o circuito paulistano deixou o calendário
da categoria máxima do automobilismo, sendo substituído pela pista carioca.
Só em 1989,
com uma grande mobilização da Prefeitura Municipal de São Paulo, proprietária
do autódromo, resolveu-se fazer obras que readequassem a pista de Interlagos às
exigências mais atuais e severas de segurança que a F-1 impunha para sediar um
GP. A pista de Jacarepaguá tinha tido sua condição de sede de um GP de F-1
abalada pelo acidente que vitimou Phillipe Streiff em testes pré-temporada em
1989, com o piloto francês ficando tetraplégico após capotar com seu AGS na
pista, que não tinha a estrutura de segurança e de socorro necessárias para
atender um caso daqueles. A mobilização garantiu que o Brasil não perdesse seu
GP no calendário da F-1, mas infelizmente, o trabalho realizado não foi feito
de modo a garantir a integridade da pista antiga, que ficou parcialmente
comprometida, e inviabilizada de ser utilizada novamente.
Por
sugestão de Ayrton Senna, foi feito um “S” ligando o final da Reta dos Boxes à
Curva do Sol, e fazendo os carros percorrerem a reta oposta em sentido
diferente do original. Este trecho foi estendido até uma nova ligação, feita
entre a Curva da Ferradura e Curva do Laranja, e a partir dali, retomando o
traçado e sentido original da pista, com um recuo da Curva da Junção, para se
ter uma área de escape naquele setor. A partir dali, a pista segue novamente o
seu traçado original, com a subida da reta e o longo trecho em plena aceleração
da Reta dos Boxes. Com isso, foi extirpado o trecho do Retão, o trecho mais
veloz do circuito, que ficava entre as Curvas 2 e 3, com perda também da Curva
4, e o trecho entre esta e a Curva da Ferradura. Matou-se também o trecho após
a Curva do Sol, em seu sentido original, que passava na parte de trás do
paddock, e sua curva em grampo, seguindo para a Curva do Laranja. A nova
extensão deixava o circuito de Interlagos com 4,325 Km de extensão, e a pista
ganhava sua nova curva, o “S do Senna”, em homenagem ao piloto.
De lá para
cá, Interlagos passou por algumas reformas apenas pontuais neste traçado, que
reduziram sua extensão um pouco, para os atuais 4,309 Km, obtidos com a
suavização de algumas curvas. Para as corridas de moto, foi criada um chicane
na subida dos boxes, de modo a cortar a aceleração plena que os competidores
colocavam para atingir a Reta dos Boxes, uma chicane que também passou a ser
adotada pela Stock Car em várias ocasiões, tendo sido remodelada algum tempo
depois, ficando maior e provocando uma quebra maior no ritmo de velocidade
naquele ponto. Mas o Grande Prêmio de Fórmula 1, de volta ao autódromo
paulistano, a partir de 1990, felizmente lá está até hoje, para felicidade dos
fãs da velocidade.
Outras
modificações foram na entrada e na saída dos boxes. A entrada foi estendida e
depois novamente encurtada, e depois, novamente reformada, para incluir uma
chicane interna, onde os pilotos podem reduzir com mais segurança sua
velocidade de entrada. Já a saída do pit line, feita em descida, fazia os
pilotos retomarem a pista na saída interna do “S do Senna”, mas para maior
segurança, ela foi estendida, contornando por dentro a Curva do Sol, e fazendo
o piloto retornar já na Reta Oposta, tendo seu traçado até alterado, colocado
mais para dentro, para se criar um trecho de área de escape na saída do “S”,
mais uma vez por questões de segurança.
Embora
atualmente quase todo o trecho do Retão, com as curvas 2, 3 e 4, esteja lá,
parte do grande trecho de reta é usado para montagem de arquibancadas provisórias
durante as corridas. Já o trecho após a Curva do Sol, em seu sentido original,
atrás do paddock, acabou “cortado” com a eliminação da Curva do Sargento,
devido à construção de uma extensão das instalações do circuito, impedindo que
o trecho siga até o antigo Laranja, onde ficou uma parte do antigo circuito
ainda sem uso.
Em preto, o traçado original, e em vermelho, o atual. |
Joga contra
a reativação do trecho de alta velocidade externo do Retão o fato de a saída
atual dos boxes levar para o trecho interno do antigo circuito, impedindo de se
ligar à curva do antigo trecho externo, por questões de segurança, uma vez que
a curva fica no ponto de tangência dos carros para sua tomada. Para alcançar o
antigo ponto de saída, seria preciso criar uma nova pista de saída até aquele
ponto, mas isso criaria um desnível no traçado do “S do Senna”, difícil de ser
resolvido.
Completando
praticamente 80 anos de existência, uma vez que a pista estava sendo finalizada
em fins de 1939, o que mais ameaça o circuito é o poder público. João Doria
inventou de querer privatizar o autódromo, e a idéia anda circulando desde
então. Só que o circuito gera lucro para o poder público, e as corridas e
demais atividades que se utilizam do circuito geram dividendos para a
metrópole. Só o Grande Prêmio do Brasil de F-1 atrai para a cidade uma
movimentação financeira muito superior aos custos de manutenção e realização da
corrida. Não que a idéia de privatizar seja ruim em si, o problema é quem pegar
o circuito, e o que fará nela. Fôssemos um país sério, com políticos que
prestassem, e empresários igualmente honestos e competentes (porque neste tipo
de operação, muito provavelmente os empresários sérios não entrariam na
furada), poderíamos ter esperanças imensas de que o circuito fosse inclusive
recuperado em toda a sua extensão original até.
Afinal, de
idéias mirabolantes já vimos o que aconteceu com a pista de Jacarepaguá,
destruída pela sanha gananciosa e a inépcia de quem dizia defender o esporte, e
o automobilismo nacional. E não foi por falta de aviso... Será que precisamos
que Interlagos entre nessa roubada também? Esperemos que não...
E, só para
constar, o recorde da pole-position no traçado original de Interlagos é de
Jean-Pierre Jabouille, obtido em 1980, com um Renault turbo, com o tempo de
2min21s40. O recorde oficial da volta também naquele mesmo ano, ficou com seu
companheiro na equipe Renault, René Arnoux, com o tempo de 2min27s31. Já da
pista atual, o recorde da pole é com o tempo de 1min07s281, obtido no ano
passado por Lewis Hamilton, com Mercedes. A volta mais rápida ficou com o
companheiro de Lewis na escuderia alemã, Valtteri Bottas, com o tempo de
1min10s540.
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