sexta-feira, 22 de setembro de 2023

PONTO FORA DA CURVA

Carlos Sainz: pole e vitória da Ferrari em Cingapura, quebrando a sequência invicta de vitórias da Red Bull.

         Se dizem que não há domínio que sempre dure, a F-1 respirou ares diferentes no último fim de semana, em Cingapura, quando tivemos interrompido, enfim, a hegemonia da Red Bull na atual temporada da categoria máxima do automobilismo. Correndo o risco de ver o time dos energéticos ganhar todas as corridas do atual campeonato, e vendo Max Verstappen disparar cada vez mais na liderança, após um novo recorde de 10 vitórias consecutivas, não há como negar que o interesse pelo atual campeonato tem enfrentado desafios para se manter no público amante da velocidade, exceção óbvia aos fãs do bicampeão holandês. Mas, Cingapura nos mostrou uma face que até então era desconhecida em 2023: a de um GP sem que a Red Bull fosse favorita em um GP.

         E tivemos vitória da Ferrari, com Carlos Sainz, que numa pilotagem cerebral e calculada, obteve seu segundo triunfo na F-1, e ajudou a encerrar a sequência de triunfos consecutivos da Red Bull, que em momento algum se mostrou capaz de disputar as primeiras colocações. Parecia até a Red Bull de alguns anos atrás, quando o time sofria para vencer corridas devido a hegemonia da Mercedes, e a Ferrari aparecia como principal desafiante. Não faltaram quem apontasse coincidências com a temporada de 1988, amplamente dominada pela McLaren, mas que falhou em vencer um GP, que foi também vencido pela Ferrari naquele ano. Mas, na Itália, naquela temporada, o triunfo se deveu mais a um erro crasso de Ayrton Senna, que se afobou ao ultrapassar um retardatário e acabou batendo nele, do que a um mérito maior do time de Maranello, enquanto no fim de semana passado não houve azares que justificassem a performance menos competitiva da Red Bull, dando um valor ainda maior ao triunfo conquistado pelos ferraristas, que só não foi maior porque Charles LeClerc teve um pouco de azar e foi apenas o 4º colocado.

         Por incrível que pareça, a Red Bull não se achou em Marina Bay. O modelo RB19, que vinha deitando e rolando em cima da concorrência durante todo o ano, não ofereceu a seus pilotos o desempenho de sempre no circuito urbano da cidade-Estado do sudeste asiático, tanto que Verstappen, o virtual tricampeão mundial, nem conseguiu chegar ao Q3 na classificação, tendo largado em 11º, com Sergio Perez, seu colega de time, e que costuma andar bem em pistas de rua, saindo em 13º, situação inimaginável, em condições normais, há quase dois anos. Ficava a dúvida se os carros rubrotaurinos se recuperariam na corrida, algo que não se poderia descartar, uma vez que já tínhamos visto Verstappen vencer mesmo largando em posições menos favoráveis, algo que também poderia se aplicar a Perez, se o mexicano voltasse a mostrar sua classe em pistas de rua. Descartar ambos da briga pelas primeiras posições seria prematuro, para não mencionar que Cingapura sempre teve seu ar de imprevisibilidade por se tratar de uma pista de rua, onde acidentes sempre estão à espreita, forçando a entrada do Safety Car, e com isso podendo bagunçar as estratégias de times e pilotos.

Azarados em Cingapura: Lance Stroll bateu forte na classificação (acima) e nem participou da corrida; já George Russell estava com o pódio garantido quando bateu na última volta (abaixo).


         E o grande nome da corrida foi sem dúvida Carlos Sainz. O espanhol já havia feito uma corrida forte em Monza, na etapa anterior, quando deu trabalho à dupla da Red Bull e garantiu o 3º lugar do pódio, tendo largado na pole-position, posição que repetiu em Marina Bay. Conseguiria o time de Maranello repetir a performance em um circuito tão diferente da pista italiana? O tempo da pole, mais o 3º lugar de LeClerc no grid mostraram que a Ferrari não vinha de um fogo de palha na etapa anterior, mas mesmo assim, pairavam as dúvidas, em especial no consumo de pneus, um ponto ainda deficitário do carro rosso. Largar na frente, em uma pista de difícil ultrapassagem, era um ponto positivo, mas não tão decisivo, dependendo do que ocorresse na prova.

         Mas Sainz soube controlar a corrida com incrível maestria. Não perdeu a ponta na largada, e como LeClerc assumiu a 2ª posição, a Ferrari conseguiu tomar o rumo da prova desde a primeira volta, com o monegasco protegendo o espanhol dos rivais que vinham atrás, em especial George Russell e Lando Norris, muito rápidos na pista de Marina Bay. Mas aí entrou o modo de controle extremo de Sainz, que nunca abriu vantagem significativa na liderança, sempre estando na alça de mira dos rivais. E podia se ver exatamente o motivo para isso: controlar ao máximo o desgaste de pneus. Mesmo quando ficou com Russell no cangote, Carlos acelerava apenas o suficiente para tirar o inglês da Mercedes da zona de DRS, impedindo que ele tivesse o uso da asa móvel para tentar algo nas retas do circuito. Não foram poucas as voltas em que Russell até teve a vantagem do DRS ativa, mas mesmo assim, não conseguiu fazer uso dela, com o piloto da Ferrari acelerando nos momentos cruciais.

         O Safety Car provocado pelos detritos deixados na pista por Logan Sargent após bater o bico do carro provocou a ida de quase todos aos boxes para a única troca de pneus, o que em tese complicaria os planos de Sainz, já que a parada veio antes do planejado. Mas tudo correu bem, e o espanhol manteve-se impassível dali em diante, tendo cuidado redobrado para fazer seus pneus durarem o máximo possível. Carlos afirmou no rádio que tinha algo como um segundo de folga potencial para usar, caso necessário, e em alguns momentos em que foi mais acossado, o ferrarista mostrou não ser blefe, abrindo distância rapidamente, para depois voltar a controlar o ritmo, evitando que seus pneus se desgastassem além da conta. E a estratégia ia dando certo. Apenas LeClerc deu azar na parada, caindo de 2º para 4º lugar, devido ao movimento no box. A dúvida era se Carlos conseguiria conservar seus pneus até o fim da corrida, onde um desgaste prematuro poderia transformá-lo em presa fácil para Russell e Norris, que seguiam na cola. Mas, durante um Safety Car virtual, a Mercedes resolveu mudar de tática, chamando seus pilotos para trocar novamente os pneus, e com compostos mais novos, partir para cima dos líderes e tentar a vitória, já que poderiam andar muito mais rápido. E assim fizeram.

         E foi o que fizeram: com pneus novos, Russell e Hamilton voavam na pista, passavam os rivais e comiam a diferença de Carlos Sainz, o líder, e de Lando Norris, o vice-líder. Faltando menos de 10 voltas para o final, os pilotos da Mercedes já haviam encostado nos dois da frente, e ficava agora o desafio de conseguir ultrapassar. Mas Sainz, mais uma vez de forma muito inteligente, se deixava ficar na alça de mira de Norris, permitindo ao piloto da McLaren usar o DRS, e assim, com o piloto da McLaren se protegendo da dupla da Mercedes, que também já podia usar a asa móvel. Com os quatro pilotos circulando juntos, seria questão de tempo até alguém tentar algo na briga para tirar a vitória de Sainz. Mas Norris, com os pneus já desgastados também, como o ferrarista, meio que já se contentava em terminar em 2º. Restava a Mercedes, e o risco de um erro não estava fora das opções que poderiam acontecer. E ele veio, a poucas curvas da bandeirada, com Russell a tocar no muro e perder o controle do carro, indo parar na barreira de proteção, e deixando para Hamilton a 3ª posição e mais um pódio.

Lando Norris sofreu forte pressão da dupla da Mercedes (acima), mas com uma ajudinha de Carlos Sainz, garantiu o 2º lugar e o pódio. Já a Red Bull (abaixo) ficou sem conseguir disputar as primeiras posições pela primeira vez no ano, mas mesmo assim conseguiu pontuar.


         Mesmo diante dos percalços da prova, a Red Bull ainda conseguiu terminar razoavelmente bem, com Verstappen em 5º e Perez em 6º, conseguindo mais pontos no campeonato. Na Alpine, festa para Pierre Gasly com o ótimo 6º lugar, e desilusão para Esteban Ocón, que abandonou com quebra do carro quando vinha até à frente do compatriota. Dsaire para a Aston Martin, que depois de ficar sem Lance Stroll para a corrida devido ao canadense bater forte na classificação, ainda errou com Fernando Alonso e terminou completamente fora dos pontos pela primeira vez na temporada, em que pese o espanhol também ter tido sua cota de erros no GP. O resultado foi que Fernando acabou superado por Hamilton na classificação do campeonato, com o heptacampeão ficando agora atrás apenas da dupla da Red Bull na pontuação. LeClerc salvou um satisfatório 4º lugar, enquanto Oscar Piastri, com a outra McLaren, fez um bom 7º lugar. Mas festa mesmo teve na Alpha Tauri, com o excelente 9º lugar do novato Liam Lawson; e na Haas, com o 10º lugar de Kevin Magnussen, devolvendo o time à zona de pontuação.

         Foi o melhor GP da temporada até aqui, onde até a bandeirada, qualquer um dos quatro primeiros colocados poderia ter ganho a prova. A aposta da Mercedes quase se pagou. Russell errou na volta final, e ele não conseguiu pressionar Norris o suficiente para tomar-lhe a posição, mesmo com pneus em melhor estado. E Hamilton ficou na dele, pressionando, mas não tentando nada muito ousado, diante do risco de um erro, que acabou ocorrendo com seu parceiro de time. Norris, com a mesma estratégia de pneus de Sainz, teve de escolher entre manter sua posição a tentar a vitória, já que uma manobra errada poderia fazê-lo ser ultrapassado pela dupla da Mercedes. Para alguns, foi um “trenzinho” chocho sem disputas, e um anticlímax para o GP, opinião não compartilhada pela maioria, para os quais vencer uma corrida não se resume somente a acelerar. Sainz poderia ter aberto mais vantagem na liderança, mas isso consumiria seus pneus demasiadamente, e ele poderia ficar completamente à mercê dos rivais nas voltas finais. Ele conseguiu manter sua velocidade e conservar os pneus o suficiente para que pudesse ainda ter chances de se defender, e soube usar Lando Norris como escudo para evitar que tanto ele quanto o piloto da McLaren fossem superados pela dupla da Mercedes. Uma vitória tática e estratégica, muito positiva para a Ferrari, que precisava de um alento depois de ficar completamente perdida na primeira metade da temporada, e que agora, com o resultado de Marina Bay, entra em luta direta com a Mercedes no vice-campeonato de construtores, e potencialmente em disputa direta com Lewis Hamilton e Fernando Alonso na tabela de pilotos, pois ainda temos muitas corridas pela frente. Para a McLaren, mais uma etapa na busca para recuperar o imenso tempo perdido também na primeira metade da temporada, e terminar o ano de cabeça erguida, e com alguma sorte, talvez até á frente da Aston Martin, que precisa dar uma boa revisada em seus trabalhos, se não quiser terminar o ano em baixa. No cômputo geral, Cingapura foi uma boa dose de ar fresco no campeonato de 2023, mostrando que a pista de Marina Bay, palco da primeira corrida noturna da história da F-1, é mesmo um lugar diferenciado. Ah, sim, os pilotos também gostaram da mudança que criou um novo trecho de reta no circuito, oferecendo um novo ponto de disputa para ultrapassagens. Ele está mantido para os próximos anos, porém ainda de forma provisória, até que acabem as obras de reforma na zona portuária ali ao lado, quando se aventa a possibilidade de voltar ao traçado antigo, com mais curvas. Esperemos que o novo layout seja mantido assim mesmo, oferecendo uma pista menos travada e mais veloz.

         Foi um ponto fora da curva na temporada, que vinha assistindo a um massacre acachampante do time dos energéticos, e principalmente, do piloto holandês, sem adversários na temporada, e dentro do próprio time. Porém, que não mudou muita coisa no campeonato. A Red Bull ainda pode fechar matematicamente o campeonato de construtores aqui em Suzuka, neste final de semana, e Verstappen só não vai sair com o tricampeonato se um verdadeiro desastre acontecer, pois mesmo com o “modesto” 5º lugar em Marina Bay, ele ampliou ainda mais sua vantagem na temporada, abrindo mais de 150 pontos para Perez, que foi o 8º colocado. Com sete corridas para terminar o ano, Max só não liquida a fatura em Suzuka porque ainda temos os pontos das voltas mais rápidas, e ainda três etapas com corridas Sprint. Mas a fatura deve ser liquidada até o GP dos Estados Unidos.

         E o que esperar neste fim de semana em Suzuka? Será que a “queda” da Red Bull vai se manter, ou o caso de Cingapura foi algo isolado, como muitos acreditam ter sido? Para alguns, o que vimos em Marina Bay poderia ter sido o fato da Red Bull já não se empenhar em evoluir o seu carro, com os títulos, tanto de construtores quanto de pilotos praticamente garantidos, e dessa forma, já canalizar recursos para o carro de 2024, como inclusive declarou o próprio Christian Horner, lembrando ainda que o time foi penalizado em perda de tempo de uso do túnel de vento e outros detalhes pelo “estouro” do teto de gastos em 2021, de modo que seria lógico não dispender mais recursos no carro deste ano, depois de todo o domínio visto até aqui. Com os demais times ainda se digladiando pelas posições restantes no campeonato, isso poderia também explicar parte de sua melhor performance, tanto que a Ferrari anunciou novidades no carro aqui para Suzuka, uma vez que o time briga com Mercedes pelo vice-campeonato de construtores, e de pilotos com Lewis Hamilton e Fernando Alonso.

         Mas o mais provável é que vejamos o time dos energéticos dando novamente o ar da graça, talvez não com a mesma força, mas ainda assim, diante da força já exibida durante todo o ano até aqui, ainda muito competitiva, a ponto de ainda vencer corridas, se não com facilidade, mas com capacidade suficiente para isso, a exemplo do que a Mercedes fazia em seus anos de domínio, quando já passava a se concentrar somente no ano seguinte, vendo que as conquistas já estavam garantidas, embora ainda não fechadas, o que dava a chance de alguns dos outros times engrossarem a disputa nas provas finais, como a própria Red Bull fazia naquela época, o que não significava que os alemães não vencessem mais provas. Provavelmente é o que veremos daqui em diante, até Abu Dhabi, um pouco mais a favor do time dos energéticos, talvez um pouco menos. Ou voltar a estarem em forma arrasadora como sempre com Verstappen...

         Veremos parte da resposta a essas expectativas neste final de semana, aqui no Japão. Adiante, então...

 

 

A MotoGP inicia hoje os treinos oficiais para sua mais nova prova do calendário: o Grande Prêmio da Índia, cujo palco será o Circuito Internacional de Buddh, que já sediou provas da F-1 na década passada. Com uma extensão de 5,01 Km, a prova da MotoGP será disputada em 24 voltas, enquanto a corrida Sprint, neste sábado, terá 12 voltas. Ambas as provas terão largada a partir das 07:00 Hrs. da manhã, com transmissão ao vivo do canal pago ESPN4, e do sistema de streaming Star+. Mas o pessoal da classe rainha do motociclismo, bem como da turma das categorias Moto2 e Moto3, viveu momentos de tensão nos últimos dias, devido à falta de documentação, especialmente vistos, para poder viajar para a Índia. Quase todos os times dos três certames tiveram parte de seu pessoal recebendo os documentos necessários para poderem viajar quase às vésperas do fim de semana, quando o normal é todo mundo já chegar ao país de uma etapa fora da Europa geralmente na terça-feira antes da prova. Com alguns times tendo quase todos os seus integrantes viajando de última hora devido ao atraso dos documentos, parte da preparação para o GP acabou sendo feita na correria. O governo indiano fez uma operação de guerra para conseguir providenciar toda a documentação necessária para que os integrantes da motovelocidade pudessem embarcar a tempo, enquanto aqueles que já tinham os documentos necessários e puderam viajar antes tiveram trabalho dobrado para conseguir ir aprontando as coisas da maneira que fosse possível. Mas parece que nem tudo foi resolvido, já que um conflito entre o Azerbaijão e Armênia afetou vôos que se dirigiam da Europa para a Índia, complicando a chegada de parte do pessoal restante que já estavam atrasados. Agora, com todo mundo presente ou não, vamos ver como a turma das duas rodas se sairá no circuito indiano, em mais uma etapa do campeonato das três categorias.

Ex-sede do GP da Índia de F-1, a pista de Buddh estréia no Mundial da MotoGP neste fim de semana.

 

 

Ainda sentindo os efeitos do atropelamento sofrido em Barcelona, Francesco Bagnaia fez um grande esforço para competir na etapa de Misano, onde conseguiu marcar pontos importantes na luta pelo título, onde quem mais aproveitou foi Jorge Martin, da Pramac, com vitória tanto na prova Sprint como na corrida principal, assumindo firme a vice-liderança da competição, estando apenas 36 pontos atrás do atual campeão mundial, o que em tese poderia representar uma ameaça a Bagnaia na luta pelo título, já que dos demais rivais, Marco Bezzecchi está muito atrás, em 3º lugar, 29 pontos atrás de Martin. Mas as duas semanas de intervalo entre Misano e Buddh devem ter sido suficientes para “Pecco” se recuperar melhor, de modo que o piloto da equipe oficial da Ducati deve voltar com a corda toda para tentar manter a liderança do campeonato sob controle. Para a Ducati, nenhum problema sério, até mesmo porque Martin e Bezzecchi defendem Pramac e VR46, equipes satélites da marca de Borgo Panigale, com o primeiro “intruso” sendo Brad Binder, da KTM, em 4º lugar, mas 110 pontos atrás do líder do campeonato. E após a etapa da Índia, ainda teremos sete provas na temporada, a saber: Japão, Indonésia, Austrália, Tailândia, Malásia, Qatar, e o encerramento, em Valência, na Espanha. Ainda tem muito chão pela frente, mesmo que o campeonato pareça estar bem encaminhado para um possível bicampeonato de Bagnaia, pois tudo ainda pode acontecer até lá...

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