sexta-feira, 10 de fevereiro de 2023

TIRO PELA CULATRA?

O Presidente da FIA entrou em pé de guerra com a F-1.

            Mudança na relação da FIA com a Fórmula 1. Mohammed ben Sulayem, presidente da entidade, deixará de ter contato direto com a categoria máxima do automobilismo, cuja função agora passará a ser de Nikolas Tombazis, ex-Ferrari. Sulayem continua à frente da FIA, e a manobra, apesar de estar prevista há algum tempo, é vista como um recuo estratégico, depois dos embates entre Sulayem e a cúpula da F-1 nos últimos tempos, e que andaram dando muita discussão entre as duas partes.

            As maiores, vão para a entrada de novos times na F-1, um assunto que, na minha opinião, tendo a concordar com a posição do presidente da FIA, de que a categoria comporta sem maiores problemas mais alguns times, ainda que a decisão possa ter sido tomada em desagravo às escuderias, que em sua maioria, se colocaram contra a presença de novos times sob a justificativa mais do que desavergonhada de não quererem dividir o bolo dos lucros que recebem pela participação no campeonato. Com apenas 10 times, a F-1 é a categoria TOP com menos participantes no mundo do automobilismo, e as atitudes cretinas que estavam sendo tomadas em relação às ambições de entrada da família Andretti na categoria beiravam o ridículo. Se é verdade que não precisamos de times sem condições, há quem tenha cacife para isso que deseja participar, e esse direito não pode ser negado pelas picuinhas que vimos ocorrer.

            Mas, talvez o que tenha causado mais desgaste para Sulayem foi sem dúvida a alteração no regulamento da FIA implantando uma espécie de “censura” aos participantes dos campeonatos sob o tacão da entidade, com todo mundo precisando de uma autorização “prévia” da FIA para poderem se manifestar, sob o argumento de “neutralidade” do esporte, uma justificativa mais capenga do que tartaruga com reumatismo. Se é verdade que é bom acertar com todo mundo um tipo de coordenação, a fim de organizar estes momentos de manifestação dos pilotos, times, e todo mundo mais, para melhorar a propagação das idéias, até para que fãs, e imprensa, possam se programar para acertarem suas rotinas de trabalho, o lance da tal “autorização” necessária para isso pegou mal para muita gente, com exceção de muitos fãs que acham que lugar de corrida não é lugar de manifestação ideológica, seja de que assunto for.

            Até certo ponto, não estão errados. Um Grande Prêmio é um evento onde o pessoal espera uma competição de carros, entre aqueles que são considerados os melhores pilotos, na melhor categoria do mundo. Mas o esporte nunca foi “neutro”, por mais que se diga o contrário, e a F-1, em toda a sua história, já tomou partido de lados vergonhosos em determinadas situações, como quando continuava a competir na África do Sul, em meio ao vergonhoso regime do apartheid, que legalizava a discriminação dos brancos contra a população negra do país. O pessoal da categoria se mobilizar em favor de alguma causa, realmente válida, é um ponto positivo para a F-1 mostrar que não está alienada da realidade, vivendo em uma bolha de faz-de-conta enquanto algo preocupante vem ocorrendo, e que precisa ser divulgado, e conscientizado. O que não se pode fazer é essa manifestação inverter a ordem dos acontecimentos, assumindo a primazia dos eventos do fim de semana, que ainda é a realização da corrida. Nada que um pouco de bom senso, e organização, não possam resolver, de forma a acomodar todos os interesses.

Os campeões mundiais Lewis Hamilton (acima) e Max Verstappen (abaixo) se mostraram contra a idéia de uma censura por parte da FIA, defendendo a liberdade de expressão de todos.


            Mas claro que, levando em conta o histórico recente de grandes eventos esportivos, como da última Copa do Mundo de Futebol, realizada no Qatar, apesar das inúmeras denúncias de desrespeito aos direitos humanos dos trabalhadores que deram duro para erguer os estádios da competição, como se o dia-a-dia no país do Oriente Médio fosse muito melhor para a população pobre que sobrevive por lá, a ordem da FIFA foi silenciar as manifestações dos participantes, com a ameaça de punições pesadas, não apenas contra os atletas, mas até contra as seleções e suas federações. Então, o termo “autorização prévia”, além das possíveis punições a quem desrespeitar a normativa, abriu logo de cara a expectativa de tentar repetir no automobilismo a ordem de “bico calado” imposta no mundial de futebol. E isso não pegou bem.

            Se a reação de Lewis Hamilton, quase ameaçando deixar a competição se não puder defender seus ideais, e de Sebastian Vettel, recém-aposentado do mundo do automobilismo, pedindo a seus antigos colegas para não cederem às pressões do regulamento, já eram esperadas, teve mais gente entrando na discussão, e contra as regras da FIA, obviamente. Christian Horner, chefe da Red Bull, defendeu a liberdade de seus pilotos e de qualquer um de se manifestar, ao declarar que eles não querem ter robôs sem vontade. O bicampeão Max Verstappen também foi contra a autorização prévia instituída pela FIA, indo direto ao ponto de não quererem permitir que ninguém mais se pronuncie sobre algo, com o que ele não concorda. Helmut Marko, consultor da Red Bull, classificou a norma de “claramente errada”, cobrando liberdade de todos poderem declarar o que pensam. Valtteri Bottas falou de firma mais incisiva, ao dizer que a FIA “quer controlar os pilotos”, e que eles devem ter o direito de falarem sobre o que quiserem. E a posição mais contundente veio de Stefano Domenicalli, que atualmente é o chefão da Liberty Media, proprietária dos direitos comerciais da F-1, ao declarar que “A F1 nunca colocará uma mordaça em ninguém. Todo mundo quer falar e temos uma grande oportunidade pelo posicionamento do nosso esporte cada vez mais global, multicultural e de muito valor.” Em outras palavras, nada de censura no pedaço. Praticamente não se ouviu nenhuma voz aprovando as regras, no máximo, pedindo clareza sobre o que será efetivamente feito, o que a FIA até o presente momento, claro, não deu maiores satisfações.

            Com o afastamento de Sulayem das tratativas diretas da FIA com a F-1, não se sabe ainda como ficará a aplicação dessa regra estúpida. Mas, seria prudente a entidade se manifestar, esclarecendo melhor como isso será feito, a fim de evitar situações embaraçosas, e conflitos desnecessários. Poderemos ver declarações indicando que a situação “não é bem assim como todos imaginavam”, que foram feitas “interpretações exageradas” das regras, etc, se quiserem colocar panos quentes na situação, e tentar esquecer o assunto, o que seria o mais prático e benéfico. Ou isso, ou vão pagar para ver impondo a regra a ferro e fogo, o que pode desencadear uma guerra declarada com alguns dos principais astros do esporte, ainda mais se meterem os pés pelas mãos, o que não está muito difícil de acontecer.

            Vale lembrar que o presidente da FIA já andou se estranhando com a Liberty Media, ao afirmar que uma suposta oferta de US$ 20 bilhões feita pela Arábia Saudita pela “compra” da F-1 teria sido um valor superfaturado, indicando que a categoria máxima do automobilismo não vale tanto assim, além de afirmar que qualquer negócio nesse sentido teria que contar com consulta e a anuência da FIA para ser validado, o que enfureceu a empresa norte-americana, que alegou que a declaração foi uma intromissão inaceitável na administração dos direitos comerciais da F-1, motivando até um possível pedido de destituição de Sulayem do cargo de presidente da entidade, sob a alegação de que ele extrapolou os limites de sua autoridade à frente da FIA.

            Como desgraça pouca é bobagem, eis que Mohammed ainda foi pego em declarações dadas por ele anos atrás, de cunho sexista, desprezando as mulheres, afirmando que elas não deveriam tentar parecer mais inteligentes do que os homens, o que nunca seriam. A fala, extraída de um site, foi mais um incêndio na conta de Sulayem, precisando que a FIA saísse em sua defesa, com a entidade afirmando que a fala antiga não refletia mais as crenças de seu presidente, ressaltando inclusive ações tomadas por ele desde que assumiu a presidência da FIA voltadas para a promoção da igualdade de gênero.

Stefano Domenicalli, CEO da Liberty Media, foi direto: "Não vamos amordaçar ninguém por aqui."

            Não vamos esquecer o que aconteceu com o último presidente da FIA a arrumar tamanha confusão com a F-1. Max Mosley tinha resolvido afrontar a categoria máxima do automobilismo, diante dos efeitos da crise econômica de 2008, e tentou implantar uma série de medidas para “baixar a crista” da F-1, inclusive com um teto de gastos impraticável na época, pelo valor ridicularmente baixo proposto, diante dos gastos que as equipes tinham. Impôs à força a entrada de novas escuderias, em um processo pra lá de duvidoso quanto às qualidades técnicas de cada projeto, entre outros percalços. Quase houve um “racha”, onde os times da F-1 estavam prestes a criar o seu próprio campeonato, de forma paralela, e deixar a FIA com um campeonato completamente esvaziado, sem participantes. Foi preciso muita negociação com Bernie Ecclestone para baixar os ânimos entre as partes, e no meio do processo, ainda acharam um vídeo onde Mosley participava de uma orgia vestido com uniformes do regime nazista, o que o enfraqueceu sobremaneira no confronto. O resultado foi sua saída da FIA, sendo substituído por Jean Todt, que assumiu como novo presidente da Federação Internacional de Automobilismo, e boa parte de suas idéias varrida para escanteio. Será que vamos ver um resultado parecido agora?

            Não seria difícil. Mosley, apesar de tudo, tinha um longo histórico de vida no automobilismo, e até então, contava com a ampla aceitação da cartolagem da F-1, e não arrumava encrenca com a FOA, sob comando de Bernie Ecclestone, que sempre agiu para abafar crises que pudessem colocar em risco a exploração comercial da categoria máxima do automobilismo. Tinha lá seus chiliques de autoritarismo, mas não era polêmico como seu antecessor, Jean-Marie Balestre, sabia disfarçar quando precisava, e acima de tudo, compreendia o mundo do automobilismo. Mohammed Ben Sulayem, por outro lado, é dos Emirados Árabes Unidos, e os países do Oriente Médio não tem exatamente uma tradição no automobilismo. Muito pelo contrário, o maior envolvimento deles na área nos últimos anos tem sido a de “comprar” eventos com seus petrodólares para se promoverem politicamente, tentando melhorar sua imagem perante o mundo, tentando passar um ar de modernidade e economias abertas, quando suas sociedades não são nem um pouco democráticas, e com um histórico nada exemplar quando o assunto são direitos humanos, em especial o tratamento que dão as mulheres em alguns países, como a Arábia Saudita, que luta para promover uma mudança nessa imagem, tendo “comprado” o direito de sediar o rali Dakar pelos próximos anos, e contando com provas da F-E, e da F-1. Então, Sulayem não teria exatamente a imagem “democrática” a seu favor, já que vem de uma sociedade onde essa palavra não é exatamente bem aplicada. Pode até ser que ele não comungue com essas idéias, mas pelo andar da carruagem desde que assumiu a FIA, e no que tange a essa regra de autorização prévia para os pessoal poder falar alguma coisa, ele deu um verdadeiro tiro no pé em suas pretensões, e em sua imagem como presidente da entidade. Se anos atrás Max Mosley foi rifado, mesmo com seu histórico de envolvimento de longa data com o automobilismo, Mohammed Ben Sulayem não vai encontrar muitos defensores para sua permanência no cargo.

            Como de costume, parece que tanto a FIA quanto a F-1 não conseguem passar muito tempo sem arrumar alguma confusão que coloca em xeque a credibilidade do esporte e a imagem de ambos. Desta vez, é a FIA quem está no olho do furação, e vai precisar saber acalmar os ânimos e tentar fumar o cachimbo da paz para minimizar os danos do terremoto da situação atual, ou sofrer as consequências da pior maneira possível. E, mesmo do lado certo, a F-1 também não escapa ilesa quando o assunto é a birra para aceitar novos times no grid, o que só joga contra a imagem da categoria máxima do automobilismo, e coloca Sulayem do lado certo da briga, pelo menos nesse assunto. Ainda vamos ter muito pano para manga nessa confusão, e isso sem mais nada aparecer por aí. Mas, e olha que já estamos vendo outra treta surgir no meio, mas deixarei isso para dissertar em outro momento... Por esse texto, já deu...

 

 

A Formula-E disputa neste fim de semana sua 4ª prova na temporada 2023, e o palco é inédito na categoria: o ePrix de Hiderabad, na Índia. A cidade a capital do estado de Telangana, situado no sul da Índia, e um importante centro do setor de tecnologia e conta com vários restaurantes e lojas sofisticados, além de possuir vários locais de importância histórica para o país, como o Forte de Golconda, antigo centro de comércio de diamantes que já foi capital da dinastia Qutb Shahi, ou a Charminar, mesquita do século XVI com 4 arcos que sustentam imponentes minaretes, localizada perto do consagrado Laad Bazaar. O circuito de Hiderabad é o primeiro circuito de rua para competições automobilísticas do país, e a etapa da F-E marca o retorno de um campeonato mundial do esporte a motor ao país depois de sediar um GP de F-1 na década passada. A pista concebida para a corrida tem uma extensão de 2,835 Km, com 18 curvas, combinando alguns trechos longos de reta com alguns menores, o que deve favorecer as disputas de posição ao longo da corrida. A Bandeirantes exibe a corrida ao vivo na manhã deste sábado, a partir das 6:30 Hrs., pelo horário de Brasília, com transmissão também pelo canal pago Bandsports. A Porsche vem de duas vitórias na rodada dupla de Diriyah, na Arábia Saudita, com Pascal Wehrlein liderando o campeonato, com Jake Dennis, da Andretti, na vice-liderança, tendo vencido a corrida de estréia da temporada, na Cidade do México. Será que a marca alemã manterá a invencibilidade na temporada, lembrando que o time da Andretti também usa o trem de força germânico?

A pista de Hiderabad para a primeira corrida da F-E na Índia.

 

 

O destaque do ePrix de Hiderabad, como não poderia deixar de ser, é a equipe Mahindra, que é uma das grandes fábricas de veículos da Índia, e tem seu time oficial na competição, desde que a F-E iniciou suas disputas, em 2014. Mas o time vem de um mau fim de semana na Arábia Saudita, onde ficou no zero, sem conseguir sequer disputar a zona de pontos, em um desempenho medíocre que também se estendeu à ABT, time cliente que usa o trem de força indiano. Lucas Di Grassi conseguiu uma improvável pole-position e um pódio na Cidade do México, mas alertou que a equipe estava bem atrasada no desenvolvimento de seu equipamento perante os rivais, e isso pode ser visto em Diriayh. Resta ver se o time já conseguiu efetuar melhoras em seus carros, visando não passar outro vexame, justamente na corrida de seu país...

 

 

A Alfa Romeo é a primeira equipe a mostrar de fato o seu novo carro para a temporada 2023 da F-1. O novo modelo C43 mantém a cor vermelha utilizada na pintura do ano passado, mas a parte braca do carro foi substituída por uma pintura preta. O lançamento contou com a dupla de pilotos titular da escuderia, Valtteri Bottas e Guanyu Zhou, que foi mantida para essa temporada, além do piloto-reserva Théo Pourchaire. O time agora conta com um novo chefe, Andreas Seidl, vindo da McLaren, em substituição a Frederic Vasseur, que assumiu a posição que era de Mattia Binotto na Ferrari.

O primeiro F-1 "real" de 2023, o modelo C43 da Alfa Romeo.

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