sexta-feira, 18 de novembro de 2022

GP BRASIL – 50 ANOS



A Mercedes fez dobradinha no GP 50 do Brasil, com vitória de George Russell.

            No último domingo, tivemos a 50ª edição do Grande Prêmio do Brasil, rebatizado desde o ano passado de Grande Prêmio de São Paulo, e mais uma vez, a etapa brasileira do campeonato da categoria máxima do automobilismo mundial não decepcionou quem queria ver uma prova cheia de emoções e disputas. Se a corrida na Cidade do México, duas semanas antes, pareceu mais um incentivo para a hora da siesta, onde todos tiram um cochilo, de tão monótona que a prova estava, aqui em Interlagos tivemos uma situação bem diferente.

            Aliás, não foi só a corrida de domingo que foi diferente de muitas outras. Tivemos no sábado a “Corrida Sprint”, e ao contrário das edições realizadas em outros lugares, a edição brasileira da novidade inventada no ano passado como uma experiência para tentar dar uma chacoalhada nas atividades da F-1 nos fins de semana de GP, foi uma prova agitada, como já tinha sido a versão de 2021, e talvez não por acaso, Interlagos foi o único circuito desta temporada a repetir a dose da corrida curta de sábado, ao contrário dos demais circuitos que sediaram o experimente no ano passado.

            Se a corrida foi interessante, o público não ficou atrás. Com a inauguração de um novo espaço para o público próximo à Curva da Junção, que caiu no gosto do público, esta foi a etapa brasileira com a maior presença de torcedores de toda a sua longa história de cinco décadas de existência: mais de 236 mil pessoas estiveram no autódromo nos três dias de atividades, número impressionante para a corrida em nosso país. E bem merecido, com as arquibancadas tomadas de torcedores, ávidos para expressar sua paixão pelo automobilismo, apesar de já não termos nenhum representante nacional no grid nos últimos anos.

            Apesar de ter ficado fora da disputa pelo título neste ano, Lewis Hamilton continuou a ser um dos destaques do GP nacional, ainda mais depois de ter sido agraciado com o título de cidadão honorário do Brasil pela Câmara dos Deputados em Brasília, dias antes da corrida. E Hamilton deu novamente um show na pista, ainda que a vitória tenha ficado com seu novo companheiro de equipe na Mercedes, que também deu um show na corrida, dominando a prova com categoria, repetindo a boa performance da prova sprint. Foi o primeiro triunfo de George Russell na F-1, confirmando o talento do novo titular da Mercedes, que escapou de passar o ano sem nenhuma vitória, depois de errar no projeto do carro de 2022, e ser superada facilmente por Red Bull e Ferrari. E o time alemão fez a dobradinha, com Hamilton terminando a corrida em 2º lugar, depois de ter de recuperar várias posições após um toque com Max Verstappen em dividida de posição no S do Senna, onde o novo bicampeão do mundo mais uma vez partiu com tudo para cima do heptacampeão e se deu mal com nenhum dos dois pilotos aliviando na pista. Hamilton veio passando quem via pela frente, e cada ultrapassagem era saudada pela multidão presente no autódromo. Só não deu mesmo para duelar com Russell pela vitória, pois o ritmo de ambos era bem parelho, e George comemorou com méritos seu triunfo na pista brasileira.

As dobradinhas "caseiras"no GP do Brasil: em 1976, com José Carlos Pace e Émerson Fittipaldi (acima), e com Nélson Piquet e Ayrton Senna (abaixo). Festa dos torcedores nos autódromos das respectivas edições.   .


            Barbeiragem que não ficou restrita ao duelo entre os dois rivais. A dupla da McLaren também andou aprontando logo no início da corrida tupiniquim. Daniel Ricciardo tocou na traseira de Kevin Magnussen e fez o dinamarquês da Haas rodar e acabar atingindo a McLaren do australiano, resultando no abandono de ambos logo no início da prova. E logo a seguir, Lando Norris também deu um toque em Charles LeClerc e mandou o monegasco da Ferrari para o muro, onde deu sorte de bater bem de leve, e retomar a corrida para fazer uma grande prova de recuperação. Quem também teve uma corrida prodigiosa saindo lá de trás foi Fernando Alonso, para espantar os azares do último GP, e terminar numa honrosa 5ª posição. Verstappen, depois do enrosco com Hamilton, teve de trocar o bico de seu carro, tomar uma punição de 5s pela batida, e vir lá de trás novamente, para receber a bandeirada em 6º, e com alguns arranhões a mais do que apenas os amassados na lataria de sua Red Bull.

            O fim de semana já tinha começado complicado quando a chuva resolveu dar o ar da graça na sexta-feira, e fazer de Kevin Magnussen o mais improvável pole-position da temporada, sendo a primeira vez que um dinamarquês conquistou uma pole na história da F-1, e também a primeira da equipe Haas. Mas, sem mais água no fim de semana, não deu muito para Kevin segurar a posição na prova sprint, mas até que se saiu bem, até que no domingo, tudo foi para o brejo logo na primeira volta da prova. Uma corrida que teve também a intervenção do Safety Car, quando o carro de Lando Norris quebrou, e juntou todo mundo de novo, embaralhando algumas estratégias e fazendo a corrida pegar fogo novamente, para delírio da torcida, que viu vários pegas e duelos.

Interlagos, com seus 7,96 Km (acima), era um grande desafio para os pilotos pela variedade de curvas. Jacarepaguá (abaixo) deixou saudades, mas infelizmente destruíram o autódromo por picaretagens políticas com a desculpa das Olimpíadas.


            E pensar que, há pouco tempo atrás, a corrida em São Paulo esteve ameaçada, diante da indecisão da renovação de contrato, uma vez que o governo de São Paulo tinha idéias, mais uma vez, de privatizar o autódromo, com consequências pra lá de imprevisíveis para a manutenção da corrida, para não falar da operação mequetrefe levada adiante por um grupo empresarial duvidoso que anunciara a construção de um novo autódromo do Rio de Janeiro, e com a realização não apenas do GP Brasil de F-1 como também da MotoGP, em um processo cheio de manobras duvidosas, e embarcado numa disputa político-ideológica entre o governo federal e o governo paulista. Felizmente, num raro caso neste país onde as maracutaias dão com os burros n’água, o projeto naufragou, Interlagos teve contrato renovado até 2030, praticamente, e os picaretas ficaram a ver navios.

            Com a prova deste ano, já são 50 edições do Grande Prêmio do Brasil, que desde 1972 faz parte do calendário da F-1, e só esteve ausente da competição em 2020, por causa da pandemia da Covid-19, que inviabilizou a realização de corridas no continente americano. Durante todo este tempo, a prova brasileira teve dois locais: o autódromo de Interlagos, em São Paulo, inicialmente, e o autódromo de Jacarepaguá, no Rio de Janeiro. A primeira edição da corrida, em 1972, contudo, não valeu pontos para o campeonato, sendo uma corrida-teste, condição para ver se nosso país poderia sediar de fato um GP de F-1. E passamos no teste com louvor. A única frustração da torcida foi ver Émerson Fittipaldi, então na Lotus, abandonar a corrida que tinha tudo para vencer, o que acabou ocorrendo nas mãos de Carlos Reutemann, com o argentino defendendo a Brabham. Mas em 1973, agora valendo para o campeonato, coube a Émerson, agora campeão mundial, vingar os torcedores e vencer a corrida, levando a torcida ao delírio. Na época, Interlagos era um dos circuitos mais seletivos do mundo, com um traçado de quase oito quilômetros, onde tinha de tudo: grandes retas, curvas de baixa, curvas de alta, subidas, descidas, etc. Tudo isso com uma visibilidade extraordinária, onde a torcida conseguia ver boa parte do traçado, e acompanhar os duelos.

            Mas, claro, nada era melhor do que ver os pilotos da casa vencendo. Émerson faturou a corrida de 1973, no ano em que defendia o seu título mundial, o primeiro conquistado por um brasileiro na F-1. Já em 1974, nova vitória de Émerson, agora defendendo a McLaren, no ano em que daria ao time fundado por Bruce McLaren seu primeiro título na categoria. E, em 1975, os brasileiros iriam ainda mais longe: José Carlos Pace venceu a prova com a Brabham, e Émerson Fittipaldi ficou em 2º lugar, na primeira dobradinha brasileira na F-1, e em casa. Se Émerson era considerado o melhor piloto da categoria, agora bicampeão mundial, Pace era tido como um campeão em potencial, que assim que tivesse um carro à altura, tinha tudo para duelar por mais vitórias e pelo título. Infelizmente, a felicidade da torcida com as vitórias brasileiras em casa parariam por ali por um bom tempo. Émerson resolveu apostar no projeto da equipe Copersucar Fittipaldi a partir de 1976, e nunca mais venceria na F-1. Já Pace, infelizmente, morreu em um acidente aéreo em 1977, quando tudo parecia engrenar para sua carreira decolar na categoria.

            Em 1978, a pista de Jacarepaguá, no Rio de Janeiro, sediou a corrida, onde Émerson ainda deu um alento à torcida com um incrível 2º lugar com sua equipe. Interlagos voltaria em 1979 e 1980, mas as condições de segurança da pista, que precisava de melhorias para se adequar às novas exigências da F-1, fez com que a prova brasileira passasse a ser disputada no Rio de Janeiro a partir de 1981, onde os torcedores veriam um novo ídolo brasileiro nas pistas, Nélson Piquet, que conquistaria o título da F-1 em 1981, iniciando uma década que seria mágica para os nossos fãs do automobilismo. Piquet venceria a corrida brasileira em 1983, ano em que conquistaria o bicampeonato, igualando o feito de Émerson, e no ano seguinte, teríamos uma nova promessa chamada Ayrton Senna, que prometia dar o que falar nas pistas. Em 1986, o público foi novamente ao delírio, ao ver Nélson Piquet repetir a vitória, em sua estréia na Williams, e ter Ayrton Senna terminando em 2º, na segunda, e última dobradinha que teríamos de pilotos brasileiros em casa.

            Piquet ainda subiria ao pódio em 1988, mas Senna teria mais problemas para conseguir vencer em casa, mesmo quando contava com o melhor carro da competição, numa espécie de carma maldito. Nesse meio tempo, as condições da pista de Jacarepaguá foram ficando defasadas, e o Brasil corria o risco de perder o seu GP. Felizmente, a Prefeitura de São Paulo se mobilizou, e com uma reforma geral, trouxe a pista de Interlagos de volta para a F-1 em 1990, com uma extensão reduzida, mas que manteve boa parte de suas qualidades técnicas, mantendo nosso país no calendário da categoria máxima do automobilismo. E em 1991, Senna finalmente desencalharia, ao vencer a corrida brasileira com um desafio épico nas voltas finais quando sofria com problemas no câmbio de sua McLaren. Desafiante também foi a prova de 1993, quando a chuva embaralhou a prova, e permitiu a Senna vencer pela segunda, e última vez, a corrida do Brasil. A perda de Ayrton em 1994 foi um baque que colocou a paixão do brasileiro pelo automobilismo à prova, tendo de enfrentar um período de ostracismo, sem uma passagem do bastão para um novo grande talento, como ocorrera antes, entre Émerson e Piquet no início dos anos 1980. Mesmo assim, apesar dos pesares, os torcedores continuaram em peso no GP Brasil.

            Somente em 2000, com Rubens Barrichello defendendo a Ferrari, voltaram as chances de novos pódios, e quem sabe, vitórias na corrida de casa. Mas Barrichello sofria sempre um azar maldito na corrida brasileira, e subiu ao pódio apenas uma vez, em 2004, não conseguindo dar aos torcedores a festa de um novo triunfo verde-amarelo. Felipe Massa, seu sucessor no time de Maranello, teve mais sorte, e conseguiu vitórias contundentes em 2006 e 2008, trazendo a alegria de novas conquistas para a torcida, especialmente em 2008, onde por pouco não conquistou o título mundial, que acabou ficando com Lewis Hamilton. Foi a última vez que um brasileiro chegou a disputar o título da F-1 até a última corrida. Em 2009, Barrichello ainda estava na briga pelo título com Jenson Button com a Brawn GP, mas o inglês faturou o título aqui em Interlagos, onde um pneu furado antecipou a derrota do piloto brasileiro, que teve o mérito de marcar a última pole-position de um piloto nacional no GP de seu país. Dali em diante, tudo o que tivemos foram dois pódios de Felipe Massa nas edições de 2012, e 2014, sendo esta a última vez que um brasileiro subiu ao pódio aqui no Brasil. E, com a saída de Massa da F-1 ao fim da temporada de 2017, não tivemos mais um piloto brasileiro no grid, situação que persiste até hoje, com exceção das duas últimas corridas de 2020, quando Pietro Fittipaldi substituiu Romain Grosjean na Haas.

Com mais de 236 mil pessoas na edição de 2022, o GP do Brasil bateu seu recorde de público, que sempre teve casa cheia desde o início dos anos 1970, como se vê na largada da prova de 1975 acima.

            Mas o Grande Prêmio do Brasil mostrou que não precisa de um piloto brasileiro no grid para se manter no calendário. O circuito sempre oferece corridas agitadas, mostrando que um circuito à “moda antiga” é capaz de oferecer mais desafios e emoção do que as grandes estruturas construídas em tempos recentes para receber a F-1, muitas vezes com pistas cheias de pompa, mas sem carisma ou alma. E recentes reformas no paddock modernizaram as estruturas do autódromo, satisfazendo as necessidades das categorias que aqui competem. E sendo a única corrida da F-1 na América do Sul, não são apenas os brasileiros que lotam Interlagos, mas também nossos vizinhos argentinos, chilenos, uruguaios, todos que admiram e nutrem paixão pelo automobilismo, que não perdem a oportunidade de aqui virem para verem as corridas da categoria máxima do automobilismo. Não apenas as características do circuito são desafiantes, mas os pilotos adoram correr aqui, e o clima da torcida para com todos é sempre especial. O clima, vez por outro, costuma pregar peças em todos, com a chuva por vezes dando o ar da graça, e bagunçando o planejamento e as estratégias de corrida, sendo que neste ano, tivemos uma classificação fora dos conformes na sexta-feira, como já tínhamos tido treinos deste tipo em outras edições, como foi em 2009, e em 2010. E mesmo quando não tem chuva, muitas vezes os pilotos se entusiasmam demais, e acabam se acidentando, motivando a intervenção do Safety Car, e mudando a dinâmica da prova.

            Com a prova praticamente garantida até 2030, podemos dizer que o GP do Brasil, ou de São Paulo, como queiram chamar, estará firme e forte para marcar presença até sua 60ª edição, sendo uma das etapas mais longevas do campeonato mundial de F-1, para sorte de todos os fãs que amam o automobilismo. Já foram 50 anos desde a primeira corrida por aqui, e que venham outros 50 anos adiante. Vida longa ao GP do Brasil de F-1...

 

 

Apesar da vitória de Carlos Reutemann na primeira edição do GP Brasil de F-1, em 1972, mesmo não valendo pontos para o campeonato, a torcida brasileira não ficou inteiramente chateada com o resultado final da prova. Se Émerson Fittipaldi e José Carlos Pace ficaram pelo caminho, Wilson Fittipaldi salvou as honras da casa, com um 3º lugar com a Brabham, e fechando o pódio, atrás do sueco Ronnie Peterson, da March. E Luiz Pereira Bueno, com um March, terminou a corrida em 6º lugar, sendo o último a receber a bandeirada de chegada. Em 1973, a sorte se inverteria entre os irmãos Fittipaldi: Wilson abandonou a corrida, enquanto Émerson venceu. José Carlos Pace e Luiz Pereira Bueno repetiram suas sinas do ano anterior, com Pace amargando um novo abandono, e Bueno mais uma vez chegando em último entre os que terminaram a prova...

 

 

O clâ Fittipaldi esteve presente em peso em Interlagos. Além de Pietro Fittipaldi, reserva da Haas, tivemos também a presença de Enzo Fittipaldi, seu irmão, que acaba de assinar com a Academia Red Bull, e deve disputar a F-2 no ano que vem pela equipe Carlin, em busca do título da categoria. E ninguém menos que Émerson Fittipaldi deu a bandeirada de chegada na corrida de domingo. E seu irmão Wilsinho, e seu sobrinho Christian, também estavam no paddock, marcando presença.

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