sexta-feira, 10 de dezembro de 2021

SUSPENSE FINAL

Sorrisos, sorrisos, amizade muito à parte (acima), especialmente depois do incidente ocorrido na etapa da Arábia Saudita (abaixo), onde por pouco não tivemos um enrosco sério, mais um, entre Lewis Hamilton e Max Verstappen na atual temporada.


            A temporada da Fórmula 1 de 2021 chegou à sua derradeira etapa, em Yas Marina, em Abu Dhabi, da maneira mais dramática possível: Lewis Hamilton e Max Verstappen estão praticamente empatados na pontuação do campeonato, com 369,5 pontos cada um. Levará o título quem chegar na frente na bandeirada de chegada do circuito dos Emirados Árabes Unidos. Ou quase isso...

            Lewis Hamilton engatou uma recuperação sensacional a partir de Interlagos, tendo ficado praticamente 21 pontos atrás de Max Verstappen, e conseguiu demolir essa desvantagem nas últimas três provas, com três triunfos contundentes que podem jogar o favoritismo da decisão para o heptacampeão mundial, mas as coisas na verdade não são tão simples como podem parecer, muito pelo contrário. Nada está decidido, e o suspense final de uma temporada cheia de reviravoltas chega ao seu ápice nesta última etapa do calendário, que pode tanto coroar um novo e inédito campeão na categoria máxima do automobilismo, como apresentar um inédito octacampeão, que se tornaria o maior campeão da história da F-1.

            Em termos de campeonato, embora estejam empatados no número de pontos, Verstappen é o líder do campeonato no primeiro critério de desempate, que é o número de vitórias, 9, contra 8 de Hamilton. Para o inglês assegurar o título no domingo, a solução é a mais óbvia possível: vencer a prova. E o inglês pretende jogar no ataque, como tem feito nas últimas corridas. Poderia dizer que o favoritismo, pelo desempenho que a Mercedes conseguiu recuperar desde Interlagos, está com Lewis, mas é um erro achar que Verstappen e a Red Bull não tem suas cartas na manga. Afinal, na prova da Arábia Saudita, pelos seus trechos de reta, imaginava-se que a Mercedes, em especial o inglês, com o seu novo motor turbo V-6 utilizado na etapa brasileira, seria imparável na corrida, mas não foi o que vimos. Com a intervenção do Safety Car e das bandeiras vermelhas, que bagunçaram o cenário da corrida, Verstappen assumiu a liderança, e resistiu até mais do que seria recomendável no duelo com Hamilton, a ponto de praticamente criar um incidente que por pouco não se converteu em um acidente que poderia ter tido sérias proporções. Mas só no fim Hamilton demonstrou uma performance melhor e reassumiu a liderança da corrida, averbando sua terceira vitória consecutiva, e chegando à etapa final empatado nos pontos com seu rival.

            E aqui começam as especulações. Dado o clima belicoso entre os pilotos, e com um Max Verstappen acuado, mas não derrotado, que atitude o piloto holandês poderá tomar na corrida, para garantir o seu tão sonhado título mundial? Punido várias vezes pelas atitudes na pista de Jeddah, Max está mais do que “mordido”, e decidido a vencer o campeonato. É como uma fera acuada, que pode atacar quem o cerca da maneira mais imprevisível possível. Exagero? Pode ser, mas o histórico do piloto holandês, que se acostumou a “jogar” o carro em cima dos adversários, num misto de demonstrar força e intimidar os rivais, faz se pensar se Max apelaria para as mesmas manobras tentadas por Michael Schumacher nas decisões de título vistas em 1994 e 1997. Seria o anticlímax em termos de disputa esportiva, mas algo que não seria impossível, haja visto o que ocorreu com ele e Lewis nas etapas de Silverstone e Monza deste ano, quando ambos se tocaram, com o holandês a não aceitar ser ultrapassado ou ficar para trás. Será que ele irá apelar para isso?

Max Verstappen e Lewis Hamilton chegaram empatados nos pontos a Abu Dhabi. Quem vai levar o título da temporada 2021?

            Pelo retrospecto do piloto da Red Bull, o mais agressivo da F-1 atual, não se pode ignorar a possibilidade. Se ele fará isso, depende das circunstâncias da corrida. Se ambos terminarem empatados nos pontos, pelo critério de desempate, Max leva o caneco por ter uma vitória a mais do que inglês. E o meio mais fácil de ter esse empate de pontos seria ambos não terminarem a corrida, algo muito difícil em condições “normais”. Depois do ocorrido em Jeddah, Hamilton vai estar mais do que de sobreaviso sobre as possíveis atitudes do rival holandês na corrida de Yas Marina, pois um acidente, com abandono, ou que faça ao menos com que ambos não pontuem, é algo que o inglês precisa evitar a qualquer custo.

            A rigor, só há uma maneira de evitar isso: é Hamilton conquistar a pole, e na corrida, ir-se embora, deixando o adversário sem chance de tentar nada, como foi feito em Losail, no Qatar, prova dominada pelo heptacampeão, embora sem um domínio tão premente como gostaria, mas firme o suficiente para neutralizar não apenas o rival na pista, mas também as possíveis estratégias que a Red Bull poderia implantar para tentar reverter a situação. Só que na pista de Losail, a Mercedes desfrutou de uma pequena vantagem de performance sobre a Red Bull, surpreendendo a própria, que só teve como opção minimizar os prejuízos, o que foi feito. Como será a performance dos carros em Yas Marina? Não dá para cravar um favoritismo de fato, mesmo que em teoria, se diga que, pelos longos trechos de reta, a Mercedes tenha vantagem pela força superior de sua unidade de potência sobre a da Red Bull. Há várias curvas, onde o ganho em reta poderia ser compensado, e até anulado ou superado, dependendo do acerto dos bólidos. Não dá para dizer quem se dará melhor, antes dos treinos livres de hoje.

            E o que vimos no ano passado não serve muito de referência. Em 2020, Verstappen venceu a corrida em Yas Marina sem ser incomodado pela dupla da Mercedes, que terminou logo atrás, em 2º e 3º lugares. Mas é preciso lembrar que, naquele momento, Hamilton já havia garantido o título, e com o 2º lugar, Valtteri Bottas também garantia o vice-campeonato, independentemente do triunfo de Verstappen. Não havia motivos para ambos os pilotos forçarem os carros na luta pela vitória contra o piloto da Red Bull. Inclusive, Hamilton estava ainda se recuperando de ter sido infectado com a Covid-19, e portanto, não estava na sua melhor forma. Correu apenas para chegar ao final, o que não foi difícil pelo desempenho da Mercedes no ano passado, quando o time já havia até encerrado o desenvolvimento de seu carro após fechar matematicamente a conquista dos títulos de pilotos e construtores. Um cenário completamente diferente do que temos neste ano.

            Além do mais, temos o desempenho dos carros neste ano, que tiveram alterações em relação à performance do ano passado, provocadas por regras que reduziram o apoio aerodinâmico dos bólidos, dos quais a Mercedes acabou mais afetada do que a Red Bull inicialmente. O time alemão conseguiu melhorar seu carro, mas o desempenho de performance foi irregular durante parte do ano, alternando-se com a Red Bull, que sofreu menos inconstância no desempenho de seu carro, tendo o melhor bólido em um período maior da competição. Recentemente, a Mercedes parece ter encontrado um melhor ajuste do seu bólido, aliado ao uso de uma unidade motriz mais nova que em relação à da Red Bull. Mas, como vimos nas etapas recentes, não se pode dar o time dos energéticos como superado. Fala-se até que Verstappen poderia utilizar um novo motor em Yas Marina, mas a estratégia seria questionável, pois implicaria em perda de posições no grid pelo uso do novo motor, o que poderia “matar” as oportunidades de Max tentar assumir a liderança da prova no arranque do grid. E, diferentemente da unidade da Mercedes, a da Honda não tem um desempenho tão melhor por ser mais nova, de modo que sua performance pouco se alteraria. A menos que resolvam aplicar um mapeamento mais agressivo para incrementar sua potência, com o risco de comprometimento, maior ou menor, da confiabilidade do motor, que poderia ter mais chances de quebrar durante a corrida, o que destruiria as chances de conquista do título.

            E temos ainda outro detalhe: a pista de Yas Marina passou por alterações para este ano, visando tornar as ultrapassagens mais fáceis. Calcula-se que as mudanças em três setores do circuito possam fazer o tempo de volta cair em cerca de 14s ou até mais. No circuito antigo, mesmo com o uso do DRS, as ultrapassagens não saíam tão fáceis como se pode imaginar, mesmo com os longos trechos de reta da pista. Isso seria um trunfo para Verstappen, se ele conseguisse sair à frente, podendo travar Hamilton atrás de si, e garantir o título. Se as mudanças facilitarem de fato as ultrapassagens, e darem mais dinâmica à prova, o holandês terá que batalhar mais para impedir uma ultrapassagem e perder a posição. E aí, incorremos na hipótese de Max resolver apelar e causar um acidente, o que todos esperamos que não ocorra. Mas, e se acontecer?

O GP de Abu Dhabi encerra novamente a temporada (acima), com mudanças na pista de Yas Marina para deixar a corrida com melhores chances de ultrapassagem nos duelos de pista (abaixo).


            Já vimos ambos os pilotos duelando em alto nível, levando sua pilotagem aos extremos, o que não significa terem apelado para manobras antidesportivas ou irregulares. É este tipo de duelo que todos querem ver na pista, e que possa coroar o grande campeão de uma temporada completamente imprevisível e excitante, com uma luta homem a homem entre os maiores talentos do grid da categoria máxima do automobilismo mundial, seja ele quem for, Lewis Hamilton ou Max Verstappen. Quem vencer a disputa merecerá o título com todos os méritos. Max Verstappen, o mais arrojado piloto do grid atualmente, dotado de um talento ímpar e velocidade igualmente impressionante; ou Lewis Hamilton, que recorda a todos que não foi heptacampeão apenas por dispor do melhor carro da competição nos últimos anos, mas é inegavelmente um gênio da velocidade comparável aos grandes campeões da história da F-1. Que a disputa se dê na pista, sem manobras e atitudes controversas, a fim de não manchar uma temporada tão incrível que ambos disputaram até aqui.

            E para garantir que o confronto não descambe para uma manobra antidesportiva, a FIA já avisou que tanto Hamilton quanto Verstappen estarão sendo vigiados de perto pelos comissários em Abu Dhabi. E com uma ameaça explícita: a de que, caso ocorra alguma atitude irregular, ou ilegal, ou antidesportiva, a FIA pode aplicar até mesmo a punição de perda de pontos. Mesmo Hamilton, a quem menos interesse envolver-se em algum incidente ou acidente, estará na mira dos comissários, que irão observar cada movimento do heptacampeão a partir do primeiro treino livre desta sexta-feira, assim como ficarão em cima de Verstappen. A mensagem é mais do que clara: a disputa deve ser limpa na pista, sem confusões. Eles estarão de olho até mesmo no menor toque que eventualmente ocorra entre os carros de ambos, caso venha a ocorrer. Para complicar a situação, dois dos comissários que estarão observando a tudo são bem rigorosos, além de experientes. Por mais que o regulamento da FIA tenha lá suas interpretações por vezes controversas e duvidosas, ambos devem bater o pé se a regra prever punição para determinado movimento. Não seria inteligente arriscar fazer algo, por mais sutil que possa parecer. O mundo, e principalmente os comissários da FIA, estarão de olho.

            Não deveria precisar de nada disso. Mas já vimos que a rivalidade entre Hamilton e Verstappen nessa temporada tem extrapolado os limites. O holandês, por seu estilo agressivo, onde sempre joga o carro em cima dos adversários, numa atitude de intimidação que já se tornou comum em muitos momentos, é o mais visado, ainda mais depois da sua fechada no rival em Jeddah, onde a telemetria de seu carro acusou uma freada muito forte no momento em que deveria ceder a posição ao piloto da Mercedes. Se não foi um break test, ficou muito, muito próximo disso, e Max teve sorte de escapar de uma desclassificação por tal manobra, que revelou dolo do piloto em provocar um acidente que poderia não apenas tirar ambos da prova, como ter consequências imprevisíveis, dada a velocidade do choque. Felizmente, a manobra deu errado, apesar do susto que todos passamos, e ainda mais pelo susto vivido por Lewis, que por milagre e muita sorte conseguiu evitar o pior, ficando apenas com a lateral da asa dianteira danificada. Verstappen não precisava disso. Seu talento é inegável, assim como o de Hamilton. Pegar a pecha de piloto sujo e desleal seria uma mácula em sua carreira, e o pior seria ele não se importar com isso. Quanto a Hamilton, o piloto inglês não é exatamente santo, e houve época em sua carreira em que ele arrumava confusão nas ultrapassagens em um bocado de ocasiões. Também muito arrojado, ele cresceu como piloto, mantendo seu arrojo, mas adquirindo outras virtudes e habilidades, como paciência, visão de corrida, experiência, e capacidade de extrair do carro mais do que ele pode oferecer. Ele já teve alguns esbarrões em tempos recentes, o que mostra que, mesmo do alto de seus sete títulos, também pode errar, e estragar sua própria corrida. Ele é humano, não um ser supremo. Como Verstappen também não é. Que ambos guiem o fino que podem fazer, sem errarem de modo a prejudicar a corrida de ambos, e duelem com honra e altivez, dando tudo de si.

            Que possamos ver um bom duelo na pista, sem picuinhas, mas tão eletrizante quanto está se fazendo esperar, depois de uma temporada cheia de reviravoltas na liderança da competição, e com troca de favoritismo de etapa em etapa. E que a F-1 possa comemorar a decisão do título com o valor que merece a temporada épica que pudemos vivenciar em 2021...

 

 

A última vez em que postulantes ao título chegaram empatados à etapa final de um campeonato na F-1 foi em 1974, quando o brasileiro Émerson Fittipaldi, então na McLaren, chegou à prova final da temporada empatado em pontos com o suíço Clay Regazzoni, da Ferrari. Com 52 tentos cada um, a etapa final da competição, o GP dos Estados Unidos, em Watkins Glen, prometia altas emoções. Com uma temporada mais constante, Regazzoni tinha contra si a arrancada melhor do brasileiro nas etapas anteriores, especialmente no Canadá, onde Émerson venceu pela 3ª vez no ano, contra apenas 1 vitória do suíço de Maranello. A favor de Clay, a melhor forma da Ferrari, considerado o melhor carro do ano. Ambos não fizeram uma classificação brilhante: Émerson foi 8º no grid, com Regazzoni logo atrás, em 9º. Na igualdade de pontos, Émerson levava o título por ter mais vitórias, portanto Clay precisava mais do que nunca pontuar, e chegar à frente do brasileiro. Só que tudo deu errado para o suíço na etapa norte-americana, enfrentando diversos problemas, e terminando a corrida em 11º lugar, longe dos pontos necessários para ser campeão. Émerson, por sua vez, adotou uma postura cautelosa, e bem ao seu estilo, foi galgando posições, terminando na 4ª colocação, e conquistando ali o seu segundo e último título na F-1.

 

 

Fazendo sua última corrida pela Mercedes, Valtteri Bottas deixa a desejar em sua performance neste ano de 2021, mas termina o ano com o 3º lugar no campeonato já garantido, com seus atuais 218 pontos, sem ter como ser alcançado por Sergio Pérez, com 190 pontos. O mexicano deu azar de ser tocado por Charles LeClerc numa das relargadas em Jeddah, e abandonou a corrida, enquanto Bottas só se recuperou no finalzinho da prova, ultrapassando Esteban Ocon praticamente na reta de chegada, para terminar em 3º lugar. Pérez, por sua vez, já tem o seu 4º lugar na temporada assegurado, uma vez que LeClerc, com 158 pontos, não tem chances de superar o mexicano na pontuação. Bottas que aproveite sua última prova como protagonista, já que ano que vem estará na Alfa Romeo, time onde pontuar já será um grande feito, se repetir o desempenho deste ano. Para Pérez, se o novo carro da Red Bull não for complicado como o desse ano, ele poderá tentar mostrar mais do que é capaz, já que ficou devendo em vários momentos do ano, descontando-se os azares que teve...

 

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