sexta-feira, 4 de junho de 2021

4 VEZES INDY500

Hélio Castro Neves recebe a bandeirada de chegada pela quarta vez como vencedor da Indy500, consagrando-se mais uma vez na famosa corrida.

            O mundo do automobilismo mundial viu a história ser novamente escrita no último domingo, quando o piloto brasileiro Hélio Castro Neves venceu mais uma vez as 500 Milhas de Indianápolis, uma das corridas mais famosas do mundo inteiro. O triunfo, o quarto obtido por Hélio na Brickyard Line, igualou o piloto brasileiro aos maiores vencedores da história da Indy500, A. J. Foyt, Al Unser, e Rick Mears, todos eles vitoriosos em quatro edições da mítica prova cada um, que agora encontra-se em posição, inclusive, de se tornar o maior vencedor da história da mais do que centenária corrida dos Estados Unidos.

            Em termos de atualidade, Hélio já pode ser considerado o maior vencedor, mesmo tendo apenas igualado o feito do trio citado acima. Mas, por se encontrar ainda em atividade, o brasileiro agora pode sonhar com outro feito, o de lutar pela 5ª vitória na Indy500 a partir do ano que vem, algo que só ele pode fazer, e conseguir. E um quinto triunfo imortalizaria o seu nome nas estatísticas como o mais vitorioso piloto da corrida, de fato e de direito, algo impensável de se realizar até então. E Hélio, claro, vai querer tentar essa nova vitória, e tem todo o direito.

            A conquista do piloto brasileiro se reveste de ares ainda mais grandiosos por ter sido conquistada em sua primeira participação em seu novo time, a Meyer Shank, com a qual ele assinou contrato para correr apenas 6 provas este ano. Uma nova fase na carreira de Hélio, após 21 anos defendendo a maior equipe do automobilismo norte-americano, a Penske, para a qual fora contratado para a temporada de 2000, ainda na antiga F-Indy, em substituição ao canadense Greg Moore, falecido na última corrida da temporada de 1999. Uma relação que demonstra o grande respeito que Hélio conquistou junto a Roger Penske, pois nenhum piloto fica tanto tempo na escuderia, se não mostrar realmente seu valor.

            É verdade que, disputando a antiga F-Indy, e a IRL/Indycar, faltou conquistar um título, entre 2000 e 2017, enquanto seus companheiros de equipe foram mais bem-sucedidos neste quesito, como Gil de Ferran, Sam Hornish Jr., Will Power, Simon Pagenaud, e Josef Newgarden. Mas em compensação, nenhum deles venceu a Indy500 tantas vezes quando Hélio. Em sua primeira participação na corrida, em 2001, em um esquema montado pela Penske só para essa corrida, o piloto brasileiro conquistou seu primeiro triunfo, que repetiria no ano seguinte, quando a Penske passou para o campeonato da Indy Racing League. Dois triunfos consecutivos, em apenas duas participações, já não era um feito comum. E no ano seguinte, Helinho terminou em 2º lugar, outro resultado expressivo, em apenas 3 participações.

            Talvez a vitória mais dramática seja a de 2009, quando o brasileiro, alguns meses antes, foi acusado de sonegação de impostos e fraude pela justiça americana, e esteve perto de ser preso e condenado. Mas felizmente, acabou inocentado, às vésperas da corrida em Long Beach, na Califórnia, e menos de dois meses depois, vencia pela terceira vez as 500 Milhas de Indianápolis, em uma reversão das expectativas inacreditável. O terceiro triunfo, por si só, já era outra marca incrível para o piloto brasileiro, igualando-se a Bobby Unser e Johnny Rutherford, que também venceram por três vezes a Indy500, e já se tornava, àquele momento, o piloto em atividade com mais vitórias na corrida, e candidato natural a tentar igualar a marca de Mears, Al Unser, e Foyt.

            Mas a década seguinte seria meio complicada nestas pretensões. As 500 Milhas nem sempre são fáceis, e muitas vezes, a sorte não sorriu para o piloto, que bateu na trave nas edições de 2014 e 2017, quando foi 2º colocado, e o último ano em que o brasileiro disputou o campeonato da agora Indycar pela Penske. Isso porque Roger Penske montou uma equipe em parceria com a Honda para disputar o IMSA Wheather Tech Sportscar, o campeonato de endurance dos Estados Unidos, e realocou Helinho para aquela competição, deixando ao brasileiro apenas participações esporádicas na Indycar, em Indianápolis, também desejoso de conquistar junto com o piloto mais um triunfo na Brickyard Line. Mas estes três anos competindo apenas na pista de Indianápolis não trouxeram bons resultados. Em contrapartida, Hélio e seu companheiro Ricky Taylor conquistaram o título do Wheather Tech em 2020, e numa decisão até controversa, a Penske encerrou sua participação na competição, e liberou seus pilotos para buscarem novos rumos em suas carreiras, entre eles Hélinho, encerrando ali uma parceria de 21 anos.

Na volta do público à Indy500 (acima), os torcedores puderam acompanhar uma boa corrida (abaixo), com apenas duas bandeiras amarelas na edição de 2021.


            Livre para decidir o seu destino, e desejoso de voltar à Indycar, Hélio fez um acordo com a McLaren para correr duas provas no traçado misto de Indianápolis no ano passado. Chegou-se a cogitar que o brasileiro poderia ser um dos pilotos do time, que era uma das sensações da temporada, para este ano, mas as conversas não frutificaram, e o time escolheu Felix Rosenqvist para a temporada 2021, e para a Indy500, alinharia um carro extra com o colombiano Juan Pablo Montoya. Parecia que o destino de Hélio seria um pouco mais complicado do que parecia. Mas, veio o acordo com a Meyer Shank Racing, ainda que para apenas 6 corridas nesta temporada, e começando justamente por Indianápolis.

            A Meyer Shank é um time relativamente pequeno, que só no ano passado disputou sua primeira temporada completa na Indycar, tendo feito sua estréia em 2017, onde participou apenas da Indy500. Em 2018, o time correu apenas 6 provas, aumentando para 10 corridas no ano seguinte, todas com o piloto britânico Jack Harvey, que até o ano passado era o único piloto da história da equipe em sua participação na Indycar. Para muitos torcedores, uma opção com poucas expectativas de bons resultados, uma vez que até então o melhor resultado da escuderia havia sido um 3º lugar de Harvey no GP de Indianápolis de 2019, e no ano passado, teve como melhor chegada uma 6ª colocação de Harvey justamente numa das corridas do traçado misto de Indianápolis, com o piloto terminando sua primeira temporada completa em 15º lugar no campeonato, com 288 pontos.

            Mas a Meyer Shank começou 2021 melhorando sua performance, e mostrando potencial e dedicação para crescer na categoria. E Hélio, chegando ao time, mostrou humildade para não impor sua visão de trabalho, exercida em mais de duas décadas com a Penske, um time muito maior, e onde o perfeccionismo é a meta. O brasileiro procurou aprender o ritmo de trabalho, e a evolução que o time vinha apresentando, e fazendo sugestões de como melhorar os trabalhos, baseado em sua longa experiência com a Penske. Estas sugestões foram sendo analisadas e estudadas pelo pessoal da Meyer Shank, adotando o que fosse possível, e comprovando a melhoria que elas podiam trazer. Hélio precisava se adaptar ao ritmo de trabalho de seu novo time, e não tentar fazer com que ele trabalhasse no ritmo ao qual ele se acostumara na Penske. E, numa época de treinos limitados, a estréia de Hélio justamente em Indianápolis vinha a calhar, pelo maior número de treinos livres visando as 500 Milhas de Indianápolis, que permitiram ao brasileiro não apenas readquirir ritmo de competição, como conhecer e entender seu novo carro e motor. E já nos treinos, o brasileiro pode ver que tinha um equipamento competitivo nas mãos, capaz de, com o devido acerto e desenvolvimento, lhe proporcionar chance de lutar pela vitória.

            Isso se comprovou quando o brasileiro conseguiu entrar no Fast Nine, o seleto grupo de pilotos que disputaria a pole, onde acabou ficando em 8º, admitindo que não tinha velocidade para desafiar os mais rápidos, mas um resultado que não devia ser menosprezado. Uma preocupante 15ª posição no Carburation Day, o treino de aquecimento para a corrida, poderia ter preocupado os fãs com relação ao ritmo de corrida, mas ninguém no time perdeu o sono com isso, mostrando que a situação estava dentro das expectativas, ou até um pouco acima do que se esperava. De qualquer maneira, a corrida em Indianápolis sempre pode ser imprevisível, e o importante, neste caso, era tentar ficar preparado para o que desse e viesse na prova.

            E foi uma grande corrida. Com o Indianapolis Motor Speedway com 135 mil torcedores presentes em suas arquibancadas, recuperou-se um pouco da normalidade da prova, depois de ser realizada a portões fechados no ano anterior por causa da pandemia da Covid-19. E Hélio foi fazendo uma prova constante, ganhando terreno pouco a pouco, após largar em 8º. Com uma condução precisa, o piloto brasileiro ora avançava, chegando a liderar a corrida, ora recuava um pouco, em uma estratégia para poupar o equipamento e medir forças com os rivais. Profundo conhecedor de Indianápolis, Hélio sabia que não precisava ficar sempre na liderança, onde o ritmo para manter a posição costuma ser bem mais forte do que o de quem vem logo atrás. A meta era ficar com o líder à vista, e poder atacar no momento certo.

Liderando a corrida em determinados momentos (acima), e conseguindo executar as estratégias de pit stops com perfeição (abaixo), Helinho foi construindo ao longo da corrida sua vitória na Indy500 2021.


            Mas, por mais competente que seja o piloto, e a qualidade de seu equipamento, por vezes tudo pode ir por água abaixo, se não houver também uma certa dose de sorte durante a corrida. Foi o caso de Scott Dixon, que largando na pole, e considerado um dos favoritos, acabou vendo sua corrida arruinada pela bandeira amarela causada pela rodada de Stefan Wilson dentro dos boxes, justo no momento em que ele precisava ir ao pit line para trocar pneus e reabastecer, estando no limite. O neozelandês precisou parar com o box fechado, teve de pagar punição, e caiu para as últimas posições, tendo de recuperar-se durante a corrida, o que não foi possível fazer como se esperava. E sorte também para escapar de eventuais acidentes, como o que ocorreu com Graham Rahal, que bateu no muro após perder uma roda traseira depois de sair dos boxes. Felizmente, Graham não se envolveu com mais ninguém em seu acidente, mas em um momento destes, tudo pode acontecer, e alguns pilotos acabarem se envolvendo na confusão é algo mais do que comum, que neste caso, felizmente não aconteceu, inclusive com o piloto não se ferindo no acidente sofrido.

            Com a estratégia de paradas de box e os procedimentos no pit line correndo conforme o planejado, cabia a Hélio se manter firme na prova, e ele foi cumprindo o combinado, estando sempre com a liderança, ora em mãos, ora à vista. Alex Palou, da Ganassi, Patricio O’Ward, da McLaren, Ed Carpenter, da Carpenter, e Simon Pagenaud, da Penske, vinham igualmente fortes, em um grupo separado por muito pouco na pista. Um mínimo erro seria o suficiente para comprometer a posição de corrida, com as voltas finais se aproximando. Takuma Sato, o vencedor da Indy500 do ano passado, e Felix Rsenqvist, tentaram uma estratégia diferente para tentar vencer, mas sem bandeiras amarelas, ficou impossível, e tiveram de dar passagem para Palou & Cia., que vinham com tanque cheio e pneus para ir até o final. Helinho e Palou revezaram-se na liderança, em uma disputa que deixava qualquer um na expectativa. E qualquer um dos dois que errasse seria engolido por O’Ward, Carpenter e Pagenaud, que vinham logo atrás. No duelo mano a mano, Hélio arrancou a ultrapassagem derradeira faltando duas voltas para a bandeirada, reassumindo a liderança, mas sem poder relaxar por um momento sequer, até porque ambos encontraram com um grupo de retardatários logo em seguida, na abertura da volta final. Felizmente para Hélio, estes vinham em ritmo forte, de modo que ao entrar na reta de chegada, o brasileiro conseguiu até pegar o vácuo de um deles, e arremeter definitivamente para sua consagração na história da Indy500.

            O que se viu a seguir foi único. Hélio, após dar a volta da vitória, parou seu carro logo após a faixa de tijolos originais na linha de chegada, e fez sua tradicional escalada da grade, acenando para a torcida, e comemorando efusivamente, sendo ovacionado pelo público. O “Homem-Aranha” estava de volta, e o quarto triunfo do brasileiro, vinte anos após a primeira vitória, é algo épico também, pois nenhum dos vencedores da história da corrida teve um intervalo de tempo tão longo entre suas conquistas. Aos 46 anos de idade, recém-completados, Hélio Castro Neves superou novatos de grande talento e potencial, como Palou e O’Ward, mostrando que ainda tem muito o que fazer nas pistas. Para a Meyer Shank, um momento mágico: o primeiro triunfo do time, justamente na Indy500, que para muitos, vale mais do que vencer o próprio campeonato da Indycar. A aposta no piloto brasileiro se mostrou mais do que acertada, e apesar dos bons presságios vindo dos treinos antes da corrida, considerar a vitória de Hélio, como ocorreu, parecia ainda um sonho. Mas aconteceu, e ninguém mais estava deslumbrado com isso do que o próprio vencedor, que saiu até correndo pela pista, acenando para o público, comemorando como nunca.

            E que comemoração! E o reconhecimento de muitos outros na categoria. Marco Andretti o cumprimentou, assim como seu companheiro de time Jack Harvey, Colton Herta, e até mesmo seus ex-colegas da Penske, Will Power, e Simon Pagenaud, o abraçaram em júbilo pela grande conquista, companheiros que foram de várias temporadas na mesma escuderia. Da mesma forma, Tim Cindric, atual chefe da Penske, e até mesmo Roger Penske, que hoje é dono não apenas da categoria, mas de todo o Indianapolis Motor Speedway, o parabenizaram pelo triunfo épico. Hélio ainda ganhou as bênçãos de Mario Andretti, outra lenda do automobilismo norte-americano, e cumprimentos de Johnny Rutherford pelo feito. Um momento mágico, que ficará para os anais do esporte a motor mundial.

O "Homem-Aranha" escala novamente a grade de Indianápolis, como fizera nas vitórias anteriores, para ovação da torcida presente. Quarto triunfo igualou Helinho aos maiores vencedores da prova, Al Unser, A. J. Foyt, e Rick Mears.


            O que o futuro reserva agora para Hélio? A Meyer Shank já se movimenta para garantir os trabalhos do brasileiro para 2022, muito possivelmente para toda a temporada, se bem que já poderiam fazer um esforço até para garantir mais algumas corridas este ano mesmo, além das outras cinco já acertadas com o brasileiro, que certamente retornará à Indy500 com o novo sonho de obter um quinto título, e tornar-se o recordista absoluto da história da corrida em número de vitórias. Uma conquista obtida por quem sempre teve confiança em seu taco, e confiou no seu talento, encarando uma nova turma de pilotos que promete ser o futuro da Indycar, mas mostrando que os pilotos veteranos ainda tem muito o que mostrar na pista.

            Uma pena que boa parte da mídia brasileira não-especializada tenha ignorado a conquista histórica de Helinho na Indy500, mostrando que este país ainda tem muito a aprender... Quem sabe um dia... Por enquanto, Hélio já ganhou o ano praticamente, e ainda terá mais algumas oportunidades para mostrar a que vem, comprovando o que é capaz de fazer, com um time que, mesmo sem ter o tamanho e poderio da Penske, mas com pessoas determinadas e concentradas no que fazem, pela paixão ao automobilismo, pode surpreender quando menos se espera. Parabéns, Hélio, por sua nova conquista, e que possam vir outras futuramente!

 

 

Os outros brasileiros que disputaram as 500 Milhas de Indianápolis não tiveram muito o que comemorar na corrida. Tony Kanaan teve problemas com a estratégia de corrida na Indy500, também sendo atrapalhado pela bandeira amarela provocada por Stefan Wilson, caindo lá para trás, e tendo de se recuperar na corrida, terminando em 10º lugar, sem condições de lutar pela vitória como esperava inicialmente, tendo feito ótimos treinos com o carro da Ganassi, e largado em 5º no grid, mostrando estar bem rápido e preparado para a corrida. Já Pietro Fittipaldi acabou apenas em 25º lugar, depois de largar em 13º.

 

Nenhum comentário: