sexta-feira, 27 de novembro de 2020

MOTOGP 2020

 

Joan Mir venceu pela primeira vez na classe rainha e sagrou-se campeão da MotoGP na temporada 2020, levando a Suzuki a conquistar um novo título depois de duas décadas.


            Em um ano atípico, devido à pandemia da Covid-19, a MotoGP foi outro campeonato, entre tantos outros do mundo esportivo, que teve de se reinventar para apresentar uma disputa, diante das severas restrições sanitárias, e apesar de vários percalços, conseguiu apresentar uma temporada cheia de emoções, e acima de tudo, sem favoritos, algo inédito pela primeira vez em muitos anos. E coroou o jovem Joan Mir, que teve o mérito de levar a Suzuki de volta ao título da classe rainha do motociclismo, depois de praticamente vinte anos da última conquista.

            Sim, já vão 20 anos desde que Kenny Roberts Jr. levantou o último caneco conquistado pela Suzuki, justamente no ano 2000, em uma época onde os norte-americanos e australianos davam as cartas na classe rainha do motociclismo, ao contrário dos tempos atuais, onde os espanhóis são a maioria dos protagonistas. Com o título da Suzuki, já se vão 13 campeonatos onde os times japoneses vencem a competição, domínio que na verdade já vem desde os anos 1970, e que só foi interrompido em 2007, quando a Ducati levou a parada com Casey Stoner. E Joan Mir, em sua segunda temporada, soube aliar constância e foco no campeonato, enquanto os rivais viveram um ano cheio de altos e baixos, algo crucial em uma temporada onde tivemos nada menos do que 9 pilotos diferentes no topo do pódio, sem termos favoritos destacados durante toda a temporada.

            E como chegamos a tantos vencedores diferentes neste ano? Simplesmente ficando sem Marc Márquez na competição. Sim, isso mesmo, a “Formiga Atômica”, como nos anos mais recentes, era o grande favorito para a luta pelo título, mas o piloto da equipe oficial da Honda, hexacampeão da categoria, sofreu um belo tombo logo na primeira prova, disputada em Jerez de La Fronteira, e ficou literalmente fora de combate. Marc até tentou retornar logo na segunda corrida, mas viu que não conseguiria pilotar como gostaria, e teve de adiar o seu retorno. Um retorno que não ocorreu, já que o piloto acabou tento um percalço em casa mesmo, e precisando passar por uma segunda cirurgia (já tinha passado por uma para curar o ferimento no braço direito, decorrente do tombo sofrido na primeira prova), que o obrigou a ficar de molho muito mais tempo do que ele e seu time gostariam, a ponto de, no final, programar seu retorno somente para 2021. Uma volta que pode até demorar um pouco mais, já que se cogita a necessidade de o piloto ter de passar por mais uma cirurgia, visto que sua recuperação está demorando muito para se consolidar.

            E sem Márquez, os demais competidores fizeram a festa nos pódios, e sem a menor cerimônia. Tivemos nada menos do que cinco times vencendo corridas. E o mais incrível: os times oficiais de fábrica ficaram devendo em alguns momentos, vendo seus times satélites darem o ar da graça. Que o diga a Yamaha, que averbou apenas um único triunfo no ano, com Maverick Viñalez, que declarou que este foi a sua pior temporada na classe rainha, cobrando muitas melhorias da marca dos três diapasões. Viñalez foi apenas o 6º colocado na classificação final do campeonato. Pior sorte ainda teve Valentino Rossi. O “Doutor” até começou o ano com ímpeto, mas depois acabou tendo vários azares e abandonos, além de perder duas provas por ter contraído Covid-19, passando mais um ano em branco, e terminando em um melancólico 15º lugar na competição, dando adeus ao time oficial de Iwata, depois de defender a marca por 15 temporadas na classe rainha.

De favorito destacado do início do ano, Fabio Quartararo derrapou feio na parte final da temporada, perdendo o rebolado, e terminando em um 8º lugar na classificação.

            Enquanto o time oficial não engrenava, o time da SRT brilhou em algumas provas. Primeiro foi Fabio Quartararo a assumir o posto de protagonista principal da luta pelo título, depois de vencer de forma convincente as duas primeiras corridas, na pista de Jerez de La Fronteira, na Espanha. Só que o piloto francês, promovido ao time oficial em 2021, logo perdeu o fôlego nas etapas seguintes, com performances menos destacadas, um pouco culpa dos problemas de competitividade enfrentados pelas motos da Yamaha, um pouco por culpa de si próprio, que admitiu não ter tido a cabeça no lugar em certos momentos. Ele até tentou retomar o controle da situação, com uma vitória no GP da Catalunha, mas dali em diante sua temporada desandou de vez, com quedas nas corridas que foram bem aproveitadas pelos rivais, que deixaram o piloto da SRT para trás, terminando a temporada em um modesto 8º lugar. E pior ainda: vendo seu colega de equipe, o muito menos badalado Franco Morbidelli, terminar o ano como vice-campeão, tendo vencido também três provas, mas mantendo-se mais concentrado nas corridas, e desperdiçando menos chances de pontuar. E com um mérito adicional: Morbidelli competiu com o modelo 2019 da Yamaha, enquanto Quartararo teve à sua disposição uma moto 2020, igual às de Rossi e Viñalez. Chega a ser irônico ver que o time satélite da marca dos três diapasões venceu 6 provas, contra apenas um do time oficial. Foram sete triunfos da Yamaha no ano, que dá até a sensação de que foi o melhor equipamento, o que esteve longe da verdade, já que em várias corridas, seus pilotos tiveram dificuldades para lutar por melhores posições, com desempenhos variados, que foram muito mais sentidos no time principal, especialmente com Viñalez, que até classificava bem, mas despencava feio durante as corridas, sendo incapaz de manter a constância de performance, algo que também ocorreu na SRT, ainda que em menor escala. Sobrou de consolo a Yamaha ter sido vice-campeã de construtores, com 204 pontos.

Andrea Dovizioso perdeu uma grande chance de tentar ganhar o título, mas a Ducati desandou em 2020, dispensando maiores sutilezas no trato com sua dupla de pilotos.

            Vice-campeão nos últimos três anos, sendo sempre derrotado por Marc Márquez, sem o hexacampeão na pista, este poderia ser finalmente o ano da grande chance de Andrea Dovizioso e da Ducati, certo? Infelizmente, não. O time italiano, que foi o melhor do “resto” do grid nos últimos anos, perdeu o rumo em 2020, dentro e fora da pista. Com uma moto difícil de apresentar um rendimento uniforme, o clima entre a escuderia e sua dupla de pilotos azedou completamente durante a temporada, a ponto de Danilo Petrucci praticamente comemorar sua demissão para a próxima temporada, onde irá defender a Tech3, time satélite da KTM. Apesar de ter vencido uma corrida na temporada, Danilo terminou o ano apenas em 12º lugar. Pior acabou sendo o resultado para Dovizioso, que mesmo tendo terminado a temporada em 4º lugar, não conseguiu repetir as mesmas performances dos últimos anos, perdendo sua melhor chance de vencer um campeonato desde que estreou no time de Borgo Panigale, ou mesmo na MotoGP, e terminou o ano praticamente desempregado, uma vez que rompeu as negociações com a escuderia, e esta praticamente não fez nenhum esforço para mantê-lo, numa atitude de pouco respeito para quem conseguiu os melhores resultados do time nas últimas temporadas. Sobrou de consolo para Andrea apenas a satisfação de vencer a primeira corrida da Áustria no ano, repetindo o feito dos anos anteriores. Dovizioso deixa a categoria em baixa, com a expectativa de um ano sabático em 2021, e um retorno pra lá de incerto em 2022, completamente sem garantias de se concretizar.

"Os últimos serão os primeiros", diz o ditado. Franco Morbidelli quase conseguiu isso: com a moto em tese menos competitiva das Yamahas na pista, venceu três provas e foi vice-campeão.

            O único ponto positivo para os italianos foi a conquista do Mundial de Construtores, com 221 pontos, obtidos com a união dos resultados de seus times satélites, como a Pramac, onde Jack Miller apresentou algumas performances bem destacadas, que o levaram à 7ª posição final na temporada, enquanto seu companheiro Francesco Bagnaia foi apenas o 16º, tendo ficado algumas provas de fora devido a uma fratura na perna. Uma conquista que, embora importante, ficou aquém do que a Ducati merecia ter conquistado pelo que mostrou nos últimos anos, e até mais do que realmente merecia pelo que fez nesta temporada. Na Esponsorama, outro time satélite da marca italiana, Johann Zarco até conquistou um pódio, mas não foi além de 13º no campeonato, enquanto Tito Rabat foi apenas o 22º, nunca conseguindo terminar dentro dos dez primeiros em uma corrida.

            E quem deu uma boa melhorada neste ano foi a KTM. A marca austríaca averbou três vitórias no ano, sendo apenas uma com o time principal, mas duas com a satélite Tech3. No time oficial, Pol Spargaró terminou o ano com um honroso 5º posto, com destaque para 5 terceiros lugares no ano. Faltou a vitória, mas não faltou garra, apesar de algumas performances um pouco abaixo do esperado, diante de um equipamento que ainda deve maior constância para se colocar firme na disputa pelas primeiras posições, e o piloto espanhol despediu-se do time austríaco com a moral em alta, e pronto para tentar encarar o desafio de correr no time oficial da Honda em 2021. E Brad Binder mostrou presença ao vencer na terceira prova da temporada, em Brno, mostrando que com maior experiência e entrosamento com a RC16, no que depender dos esforços da fábrica austríaca, pode voar bem mais alto na competição, indo além do 11º lugar conquistado neste ano. E quem já veio mostrando isso foi o português Miguel Oliveira, que venceu duas provas com a equipe Tech3, com destaque para a corrida de encerramento da temporada, justamente em Portimão, em Portugal, onde Miguel largou na pole-position e comandou a corrida de ponta a ponta, vencendo a corrida de seu país. Oliveira terminou o ano em 9º, enquanto seu parceiro Iker Lecuona foi apenas o 20º colocado. No Mundial de Construtores, a marca austríaca foi a 4º colocada, com 200 pontos, numa disputa bem parelha com as rivais Yamaha e Suzuki. Um pouco mais de constância, e a KTM poderia até ter faturado o vice-título nos construtores.

            E foi neste sobe-e-desce que a Suzuki, até pouco cotada para disputar o título no início da competição, foi comendo pelas beiradas, sem chamar atenção. Conquistou apenas duas vitórias no ano, uma com Álex Rins e outra com Joan Mir, mas cada um dos pilotos teve apenas três provas em que zeraram na pontuação. O pior resultado de Mir numa bandeirada foi na França, onde terminou em 11º, enquanto Rins acabou sendo 12º em San Marino e 15º em Portugal. Nas demais corridas, ambos os pilotos marcaram pontos, com Joan Mir subindo sete vezes ao pódio, sendo uma vitória, com três segundos lugares e outros três em terceiro. Já Rins teve apenas quatro pódios, sendo uma vitória, dois segundos e um terceiro lugares. E a Suzuki ainda manteve a disputa aberta entre seus pilotos, sem privilegiar Mir em detrimento de Rins: enquanto ambos tivessem chance de título, estavam livres para pilotar firme na pista. Se Rins não conseguiu ir melhor que Mir, não foi por culpa de ninguém além de si próprio, que teve alguns resultados inferiores ao do parceiro em algumas corridas, e permitiu que Joan o deixasse para trás. De qualquer forma Álex não fez feio: ele terminou o ano em 3º lugar, com 139 pontos, contra 171 de Mir, uma diferença de 32 pontos. A Suzuki também ficou em 3º lugar no Mundial de Construtores, com 202 pontos, apenas 2 atrás da vice-campeã Yamaha, e 19 da campeã Ducati.

            E a Honda? Por incrível que possa parecer, o time que venceu os últimos quatro campeonatos, ao perder Marc Márquez, literalmente sumiu das primeiras posições. Continuando a apostar em uma moto com um comportamento difícil na qual apenas a “Formiga Atômica” conseguia andar em alto nível, o time oficial da marca japonesa precisou baixar a crista, e finalmente ouvir seus pilotos, que já reclamavam há muito tempo deste problema do equipamento, mas eram ignorados pela marca, uma vez que Márquez vencia com aparente facilidade, e ainda era campeão, então, para quê perder tempo com as reclamações de quem não brilhava? Alex Márquez, irmão caçula de Marc, já começou a temporada “rebaixado” para 2021, quando defenderá a HRC, e isso certamente não o ajudou a se dar melhor com o comportamento arredio de sua moto, a qual só ficou mais previsível na segunda metade da temporada, com o jovem Alex a conquistar dois pódios, e quase vencer uma corrida. Mas foi só. Na grande maioria das etapas, o piloto que obteve melhores performances com a Honda foi o japonês Takaaki Nakagami, do time satélite HRC, que também experimentou uma melhoria de performance depois que a fábrica resolveu modificar um pouco a moto para deixá-la mais de acordo com o que seus pilotos pediam. Nakagami terminou em 10º lugar, enquanto o outro piloto, Cal Crutchlow, foi apenas 18º. Graças aos dois pódios que conseguiu, Alex Márquez terminou o ano em 14º, enquanto Stefan Bradl, que teve a inglória tarefa de substituir o lesionado Marc Márquez, foi apenas o 19º classificado ao fim do ano. Pela primeira vez desde 2004, a Honda passou uma temporada sem conseguir uma única vitória na competição, um baque, depois de passar a dominar a categoria com Marc Márquez, mostrando como ficou dependente de sua grande estrela. Algo a se pensar em mudar para o futuro próximo, caso tenha novos problemas com o hexacampeão. Nos construtores, a marca nipônica foi a 5º colocada, com 144 pontos, ficando à frente apenas da Aprilia, com míseros 51 pontos, e ocupando um dos últimos lugares na classificação de pilotos, com desempenhos desanimadores de seus pilotos.

Na estréia da MotoGP na bela pista de Portimão, Miguel Oliveira foi o grande nome da corrida, obtendo sua segunda vitória na temporada.

            Em termos de campeonato, tivemos 14 provas, número até satisfatório para compor a temporada. Assim como foi feito na F-1 e na Indycar, foi preciso apelar para a repetição de circuitos, com nomes diferentes para provas nos mesmos autódromos, a grande maioria totalmente sem público, diante das restrições sanitárias para se evitar aglomerações e prevenir o contágio da Covid-19. Jerez de La Fronteira, Zeltweg, Misano, Aragón e Valência tiveram rodadas duplas, oferecendo 10 etapas. Barcelona, Brno e Le Mans conseguiram manter suas etapas, ao contrário de Silverstone, Assen, Sachsenring, e Mugello, mesmo estando na Europa, já que ficou inviável competir fora do Velho Continente. E tivemos a boa chance de vermos Portimão encerrar a temporada, sendo a única pista “nova” no ano, e mostrando a que veio, sendo elogiada pela imensa maioria dos pilotos que lá competiram.

            E se teve algo que ninguém pode reclamar, é que as disputas continuaram a toda dentro da pista, com muitas ultrapassagens, vários tombos, trocas de lideranças (algumas na última volta até), e muitos pegas em todas as provas, que fizeram o pessoal se levantar da poltrona diante da televisão. E a inconstância do desempenho de vários pilotos deixou o campeonato imprevisível como há muito não se via, sendo quase impossível apontar com precisão durante boa parte do ano quem iria dar as cartas na decisão do título, que só por não ter Marc Márquez no páreo, já deixava todo mundo ouriçado, e fazendo as mais diversas apostas. Neste ponto, a MotoGP teve um ano muito melhor do que todos esperávamos.

            No Brasil, os fãs puderam respirar aliviados. Depois de a Globo anunciar que não mais transmitiria as competições da motovelocidade, a empreitada foi assumida pelo Foxsports, em uma operação engendrada pelo consórcio Rio Motorsports, que assumiu os direitos e os repassou ao novo canal. Que teve de resolver a situação por meio do Grupo Disney quando a Rio Motorsports simplesmente deu calote na Dorna, comprometendo a transmissão das provas para nosso país. Felizmente, tudo foi regularizado, com o acerto devido feito com a Dorna, de modo que os fãs poderão ficar tranquilos por poder contar em ver as disputadas das duas rodas pelos próximos anos no canal pago FoxSports, que ainda precisa ganhar mais traquejo na transmissão da MotoGP, é verdade, mas tem tudo para melhorar de nível no próximo ano, quando sua equipe de transmissão estiver mais antenada com a categoria.

Maverick Viñalez ganhou o apelido de "cavalo paraguaio" em 2020: ótimas classificações e péssimas corridas, despencando várias posições muitas vezes já na primeira volta, em um ano pra lá de complicado do time oficial da Yamaha.

 

Nenhum comentário: