sexta-feira, 4 de setembro de 2020

GLOBO SEM A F-1


Globo anunciou que deixará de transmitir a F-1 no próximo ano.
            E mais uma “bomba” surgiu no meio automobilístico recentemente, esta dizendo respeito especificamente aos brasileiros: a Globo confirmou que não renovará seu contrato e que deixará de exibir o campeonato da Fórmula 1 a partir de 2021, depois de quase 40 anos de transmissão ininterrupta das provas da categoria máxima do automobilismo. O que pensar de algo assim?
            Aqueles que há tempos criticam a forma como a Globo exibe a categoria, claro, comemoraram o fato. Para eles, é o fim do descaso como a emissora trata as corridas, e por assim dizer, também se livrarem do “mala” do Galvão Bueno, que para eles, mais enche o saco e a paciência do que narra direito nos últimos tempos, entre outras condenações capitais à emissora carioca, que tem lá seus pecados na forma como trata a categoria máxima do automobilismo. Para outros, contudo, fica a apreensão de como poderão continuar seguindo as corridas, e a exemplo do que aconteceu com a MotoGP, que também foi deixada de lado pela Globo, e agora está na Fox Sports, esperam que algo similar aconteça. E há aqueles que não estão nem aí com isso, e tanto faz o que aconteça a respeito.
            Oficialmente, a Globo declarou que está revisando o seu portfólio de eventos, procurando redimensionar seus gastos e a relação custo-benefício. E isso vem ocorrendo com vários eventos, entre eles a Copa do Mundo de 2022, e a Copa Libertadores da América, além da já citada MotoGP, e agora, a F-1. A emissora alega que a decisão já vinha sendo cogitada desde antes do início da temporada atual, iniciada em julho, por conta da pandemia da Covid-19. As negociações com a Liberty Media, que já vinham desde o ano passado, não teriam chegado a termo, e diante das exigências financeiras pedidas pelo grupo norte-americano que hoje é dono da F-1, a Globo optou por não renovar o contrato de transmissão, encerrando uma relação que teve início ainda nos anos 1970, e segue até hoje, com exceção da temporada de 1980, transmitida pela TV Bandeirantes naquele ano.
            Entre os detratores da emissora, isso é um sinal da falência da Globo, e que seria muito bem-vinda, pela forma como a rede de TV por vezes mais prejudica do que ajuda o país, além de que, sem contar mais com benesses do governo, estaria agora em crise financeira, e até com a possibilidade de ter sua concessão cassada por calote e sonegação de impostos devidos há tempos. Bem, a Globo tem lá sua cota de pecados e mazelas, mas desejar o mal, e até o fechamento da empresa não é algo elogiável, uma vez que ela emprega milhares de pessoas, que dela tiram o seu sustento e mantém suas famílias, e que em caso de acontecer o que muitos críticos raivosos desejam, jogaria a imensa maioria destes funcionários no inferno do desemprego, como se já não tivéssemos tantas pessoas sofrendo com isso no momento. Devagar com essas idéias bestas, pessoal...
Nos últimos anos, a equipe de transmissão era composta de Reginaldo Leme, Galvão Bueno (no meio, acima), e Luciano Burti. Reginaldo deixou a Globo no ano passado, sendo substituído por Felipe Giaffone (abaixo, ao lado de Burti).
            Falando especificamente do caso da F-1, não há como negar o impacto que isso poderá ter no panorama nacional, e no que resta da popularidade da categoria por aqui. Um dos aspectos que infelizmente estava “emperrando” as negociações é que a Liberty Media atualmente tem seu sistema de streaming próprio para a F-1, com transmissão das corridas via internet para diversos países. Um sistema que ela quer ampliar para o maior número de países, e que só não chegou aqui até agora porque o contrato em vigor com a Globo impedia isso de ocorrer, por dar à emissora brasileira a exclusividade de exploração da F-1 em nosso país, fosse em TV, ou até mesmo na internet. Desconhecendo o teor exato das condições de renovação, muito provavelmente a Liberty estava impondo que a Globo não teria mais essa exclusividade, indicando que o streaming oficial da F-1 poderia ser oferecido aqui, concorrendo com a Globo, que obviamente não deve ter gostado de saber que teria essa competição. E, já que não teria exclusividade, não teria também razão para aceitar os altos valores pedidos pela Liberty, só que esta não teria aceitado reduzir as exigências financeiras, que se manteriam no mesmo nível de antes, de quando a Globo tinha o monopólio em nosso país. Natural, portanto, que a rede de TV refutasse tais condições.
            Há erros dos dois lados. A Globo, como já é de praxe, tem o hábito de tratar como “acessório” tudo em sua programação que não é produzido por ela, e isso se aplica também a eventos esportivos. Em alguns detalhes, o descaso é patente, especialmente quando se refere ao nome de algumas equipes de competição cujos nomes são de patrocinadores ou produtos, que são omitidos nas transmissões, onde a ordem é não fazer propaganda de graça. No caso da F-1, a birra era com as equipes Red Bull e Toro Rosso, que sempre eram citadas como “RBR” (abreviatura de Red Bull Racing) e “STR” (Super Toro Rosso). A emissora, no caso da F-1, recentemente deixou de exibir o pódio ao final das corridas, que passou a ser exibido apenas na internet, no site do Globoesporte.com, e as transmissões das provas, vez por outra, passam por cima até mesmo da vinheta de apresentação oficial da F-1, enquanto narrador e comentarista conversam sobre a prova, mostrando imagens deles no estúdio da emissora. A Liberty quer uma transmissão mais engajada, e que ajude a valorizar o seu produto, tanto é que mudou o horário de início das corridas, atrasando-as em 10 minutos, a fim de ajudar a encaixar melhor nas grades de transmissão ao vivo das emissoras. A empresa também investiu numa nova apresentação oficial, com tema próprio, e espera que isso seja exibido na transmissão, reforçando a identificação do produto. Mas, o que esperar de uma emissora que, desde os anos 1980 passou a mutilar a abertura dos seriados que exibe, trocando-os por uma vinheta muito breve, com os dizeres “Rede Globo Apresenta...”
            Não dá para exigir da Globo um tratamento para a F-1 como a da Sky Sports britânica, que começa mais de uma hora antes da largada, com vários materiais sendo apresentados, e termina também muito depois, com toda a avaliação dos acontecimentos da corrida, mas a emissora poderia se empenhar mais em melhorar seu esquema de transmissão, que quase sempre começa em cima da hora, e nem bem temos a bandeirada, a transmissão já é cortada, e quem quiser ver o pódio que vá até o site de Globoesporte.com procurar por lá. Quando a transmissão é no SporTV, até há um cuidado melhor, uma vez que o programa começa antes, mas que também poderia ser melhor neste aspecto... E nem falo do pecado capital que é a fixação em citar Ayrton Senna em algum momento da transmissão, fazendo questão de não deixar o torcedor esquecer que ele existiu, esquecendo-se que Nélson Piquet e Émerson Fittipaldi, nossos outros campeões, são quase ignorados, se comparados com as menções frequentes a Senna, que morto há 26 anos atrás, não pôde descansar até hoje das lembranças da emissora...
            Por parte da Liberty, o erro é querer impor valores altos para um contrato de transmissão sem exclusividade, para que possa explorar o seu canal oficial de F-1 na internet. O grupo norte-americano foi duramente afetado pela pandemia da Covid-19, e parece se esquecer que o mundo todo foi impactado também, de modo que muito poucos grupos podem se dar ao luxo de cumprir com exigências contratuais em valores tão altos. Empenhados em fazer caixa, os donos atuais da F-1 ficam cada vez mais parecidos, ou talvez até piores do que Bernie Ecclestone, que vivia impondo valores astronômicos para realização de GPs, e contratos de transmissão. Um dos trunfos da Globo, que é a transmissão em TV aberta, rende a maior audiência em números quantitativos da F-1 no mundo inteiro, mas isso parece estar sendo ignorado pela Liberty Media, que estaria interessada em ter mais lucros, mesmo que isso signifique menor audiência, e não o contrário. Este tipo de atitude já é amplamente praticado lá fora, onde as provas da F-1 migraram para canais pagos, sendo poucas provas exibidas em TV aberta. Estão neste sistema países como França, Itália, e a própria pátria-mãe do automobilismo, a Inglaterra. E a F-1 está disponível apenas em pacotes caros, o que diminui ainda mais sua difusão dentro da própria TV por assinatura.
Ruim com Galvão Bueno, pior sem ele. Cléber Machado (acima), apesar de ter experiência na transmissão das corridas de F-1, não consegue empolgar o público, e comete muitos erros. Nos autódromos, a emissora ainda mantém repórteres cobrindo as corridas, como Mariana Becker (abaixo), procurando trazer as últimas novidades.
            Sem os índices de audiência da Globo, os números de transmissão do campeonato certamente sofrerão um decréscimo que ainda precisará ser calculado. A Liberty Media pode estar menosprezando o impacto que isso causará, mas parece estar pagando para ver no que vai dar. Para um grupo que iniciou uma luta para tornar a F-1 mais atrativa para a atual geração de fãs do esporte, manter os valores de renovação do contrato muito altos, e com isso dificultar as possibilidades de renegociação, elitizando o produto, parece ser um grande erro estratégico. Muitos fãs estão ansiosos para poderem assinar o streaming oficial da F-1, e se “livrarem” da transmissão da Globo, mas se esquecem que isso não será de graça. Será preciso ver quanto custará a assinatura do pacote, e ver se teremos opções em nosso idioma, algo que até o presente momento não está disponível na plataforma. Por enquanto, há dois serviços disponíveis no Brasil: assistir reprises de corridas, e ter acesso aos dados de cronometragem e telemetria dos carros. Para ver as reprises de provas da F-1, incluído aí F-2, F-3, e Porsche Supercup, o plano custa cerca de US$ 27 por ano, enquanto o acesso aos dados da telemetria é de cerca de US$ 3 por mês. No acervo de corridas, contudo, estão disponíveis corridas desde 1981 para frente, e não há opção em português, e os replays das provas só está disponível depois de uma semana da realização da corrida em si. E nem menciono o pacote completo, que permite aos assinantes verem a corrida com uma série de recursos, mas cujo valor... Bem, muitos não vão nem querer saber, e vão gostar menos ainda quando souberem quanto custa... E lembrem-se que são valores em dólar, e a cotação da moeda norte-americana deu um grande salto por aqui recentemente... Este aumento bruto do valor do dólar também teria pesado sobremaneira nas negociações, já que os valores em reais sofreram uma disparada. O “pacote” que a Globo oferecia costumeiramente às empresas anunciantes sempre foram considerados bons, pela exposição que ganham nos jornais e em horários nobres da grade da emissora, e na imensa maioria das vezes, sempre foram comercializados com relativa facilidade, garantindo um bom lucro com a operação da F-1. Mas, neste ano, uma das cotas de patrocínio não foi vendida, e com as dificuldades econômicas, potencializadas pela pandemia, isso poderia tornar ainda mais complicado para vender os pacotes de 2021 às empresas potenciais interessadas, que poderiam pensar duas vezes antes de embarcar na empreitada. E com potenciais dificuldades financeiras à frente, mais dólar nas alturas, e contratos de transmissão caros... Tudo se acumula para servir de justificativa para não renovação do contrato.
            Os fãs brasileiros que adoram criticar a TV Globo se esquecem que podem assistir a maioria das corridas no canal aberto, sem pagar nada. E quem tem TV por assinatura pode curtir os treinos livres e a classificação nos canais do SporTV. E, apesar dos pesares, a emissora ainda mantém um repórter presente “in loco” nos locais das corridas, mesmo depois de ter deixado de mandar um time de transmissão completo para os GPs nos últimos anos, com narração e comentários sendo feitos em estúdio, e não mais nos autódromos, à exceção do GP do Brasil. E, a bem ou mal, a transmissão da corrida é feita sem interrupções, enquanto em alguns lugares mundo afora, a prova é “cortada” para exibição de propagandas de patrocinadores e programas da emissora, algo muito pior. E, a despeito das críticas que se faz à narração das corridas, onde ninguém é poupado, apenas menos “massacrado” pelo modo como trabalha nas corridas, a Globo ainda mantém uma equipe de nível, como Felipe Giaffone e Luciano Burti nos comentários. Nas reportagens mundo afora, Mariana Becker atua com boa desenvoltura na transmissão das reportagens e notícias, pela experiência que tem há anos na função. Um pouco menos calejado, Marcelo Courrege também dá conta do recado. É verdade, contudo, que a Globo pecou ao dispensar nomes importantes de seu staff de transmissão, como Lito Cavalcanti e Reginaldo Leme, o que só deu mais razões para os fãs criticarem a emissora.
            E, não fiquem com muitas esperanças quando a Globo fala que ainda cobrirá a F-1, mesmo sem transmitir as corridas. Quem conhece a postura da emissora sabe que ela tem o hábito de ignorar eventos que não transmite, de modo que muito provavelmente só veríamos notas rápidas sobre o campeonato, como ocorre quando ele fala de algum evento que não transmite. Ou alguém vê a Globo mencionar a Indycar ou a Formula-E em seus jornais esportivos, sem que haja algo excepcional a noticiar...?
            E, quando se fala em quem poderia assumir a transmissão, esqueçam as emissoras abertas. Se a Globo, que é a que tem o melhor potencial financeiro, está pulando fora, os demais canais nem chegariam perto. Basta ver o que a Bandeirantes faz com a Indycar, para ver a diferença de estrutura posta à disposição para a transmissão... Claro, tudo pode mudar, se a Liberty Media e a Globo voltarem atrás, e se acertarem nos pontos divergentes. Não é algo impossível, mas é melhor não ficar empolgado demais com essa possibilidade. Podemos ter tido o exemplo da Bandeirantes, que ia deixar de exibir a Indycar, e acabou voltando atrás, acertando um contrato de última hora, e permitindo aos fãs do certame dos Estados Unidos continuar assistindo às corridas, mas nada garante que possa ocorrer o mesmo entre a Globo e a Liberty Media. A menos que o buraco seja muito mais embaixo do que se possa imaginar, mas teria que atingir muito mais o grupo norte-americano do que a Globo propriamente...
Sem transmissão na TV, o Grande Prêmio do Brasil também pode ser afetado, com nosso país podendo até perder sua corrida, na pior das hipóteses.
            Ah, e não fiquem empolgados também com o grupo Rio Motorpark, que planeja construir o novo autódromo no Rio de Janeiro, e que adquiriu os direitos da MotoGP, com vistas a divulgar sua “corrida” da motovelocidade no “futuro” autódromo em 2022, repassando os direitos ao Fox Sports. Além do autódromo em Deodoro ainda ser uma miragem, sem garantias de sair do papel e se tornar realidade, a empresa não teria pago pelos direitos de transmissão da MotoGP à Dorna como o combinado, dando um calote no negócio. E se isso acontece com a MotoGP, imagine com a Fórmula 1, já que muitos imaginaram que a empresa poderia repetir a empreitada com a categoria máxima do automobilismo, e garantir a transmissão da F-1 em alguma emissora, a fim claro, de usar isso para se promover na luta contra Interlagos para sediar o Grande Prêmio do Brasil de F-1.
            E nem menciono que o GP brasileiro também corre risco com a não-exibição da F-1 por aqui, já que patrocinadores potenciais da corrida poderiam pular fora devido à falta de transmissão da corrida em nosso país, o que impossibilitaria a divulgação de suas marcas. E sem apoio financeiro, como ter GP? Não é impossível, mas complica a situação. E, sem transmissão, o grande público pode até esquecer do automobilismo, o que pode complicar até mesmo o automobilismo nacional, que em muitos casos, se aproveita da fama que a F-1 conseguiu por aqui, graças aos feitos de Émerson Fittipaldi, Nélson Piquet e Ayrton Senna. Tudo isso ainda vai gerar muitas consequências potenciais. Apenas esperem para ver...

Um comentário:

Manjjericão disse...

Aí mesmo que vou passar direto sem assistir a Globo. Só assisto lá quando tem automobilismo.