sexta-feira, 5 de julho de 2019

A F-1 QUE O PÚBLICO QUER VER

Charles LeClerc comemorou muito a pole-position para o Grande Prêmio da Áustria (acima), mas quem ficou feliz mesmo foi Max Verstappen (abaixo), que venceu a corrida fazendo uma grande corrida e assumindo a ponta a duas voltas da bandeirada.

 
          Não morro de amores pela configuração atual do circuito de Zeltweg, o Red Bull Ring, por ele ter se tornado uma “miniatura” da pista de alta velocidade que era até 1987 (e cuja parte externa continua ali, do outro lado do morro, após a reta de largada, ignorada até hoje, mas apta a ser restaurada sem maiores problemas), mas a pista austríaca da Estíria nos proporcionou a melhor corrida do ano na temporada da F-1, onde pudemos ver uma vitória épica de Max Verstappen, repetindo o feito obtido em 2018, e levando a torcida laranja que enchia parte das arquibancadas ao delírio completo com seu triunfo.
            É verdade que o panorama do campeonato não mudou com a prova da Áustria. A Mercedes ainda nada de braçada rumo ao título, com uma vantagem imensa para os concorrentes, mas tivemos um GP onde aconteceu algo diferente, e muito importante: respeitou-se os pilotos na pista, com a direção de prova não interferindo no resultado final, como acabara fazendo nas etapas anteriores, em Montreal e Paul Ricard.
            Afinal, nas voltas finais, quando Max Verstappen aproximava-se vertiginosamente de Charles LeClerc, a ansiedade tomava conta dos torcedores, esperando pelo duelo pela liderança da corrida. E ele veio, com Verstappen superando o piloto da Ferrari, mas perdendo a posição logo em seguida, numa briga que deixou todo mundo empolgado, ainda mais porque quem conhece o estilo de “Mad” Max sabe que o holandês parte mesmo para cima, sem desistir nunca. E faltando duas voltas, Verstappen repetiu o bote, no mesmo ponto, e desta vez espalhando de modo que só restava a LeClerc frear para não bater, ou sair da pista. Os dois carros tocaram-se de leve, e LeClerc saiu do traçado, indo para fora da pista e retomando o curso logo a seguir. A batalha estava ganha pelo piloto da Red Bull, que rumou firme para vencer pela segunda vez “em casa”, no circuito que atualmente é de propriedade da Red Bull.
            Ou não? Não demorou a aparecer a famigerada “placa” de que o incidente entre os dois pilotos estava sob análise, e aí começou a preocupação: uma vitória esplendorosa de Verstappen iria por água abaixo, caso os comissários decidissem que a manobra em que o holandês superou o monegasco estaria infringindo as regras? Pelo que tínhamos visto nas últimas corridas, isso era um temor nada exagerado. E já tínhamos tido punições na definição do grid, por conta de exageros na aplicação das regras. Cito o exemplo de Lewis Hamilton, que perdeu 3 posições no grid por “bloquear” Kimi Raikkonen no Q1 da classificação, quando se vê pela imagem que este bloqueio não foi nada assim tão prejudicial, uma vez que Raikkonen não foi tão prejudicado a ponto de erguer o dedo reclamando do inglês, que até saiu da pista tentando dar passagem. Mais acertada foi a punição dada a George Russel por atrapalhar Danill Kvyat, que este sim foi bloqueado pelo piloto da Williams quando tentava fechar sua volta rápida. Se bem que ali, também vejo que foi mais um caso de azar, pois à frente de Russel, que estava lento, haviam mais dois carros, que também estavam lentos, na curva Rindt, preparando-se para abrir volta rápida. E, em um circuito curto, as chances de pegar tráfego aumentam. É uma questão de sorte ou azar não ser atrapalhado. Mas hoje em dia os pilotos são tão frescos que qualquer oportunidade desperdiçada por causa disso gera muita reclamação, algo que poderia ser evitado se tirassem essa regra, ou a aplicassem a casos flagrantemente escandalosos e/ou premeditados.
LeClerc bem que tentou se defender, mas abriu a guarda, e Verstappen não perdoou. Os dois carros chegaram a se tocar, mas felizmente, não aplicaram nenhuma punição à manobra que decidiu o GP austríaco a 2 voltas do final.
            Foi uma longa espera, cuja resposta saiu somente três horas depois da bandeirada, mas enfim, pode-se respirar aliviados: os comissários classificaram como “incidente de corrida”, confirmando o resultado na pista, e encerrando a discussão. Claro que a Ferrari, e principalmente Charles LeClerc, não gostaram disso, mas ao menos dessa vez, ao contrário do ocorrido em Montreal, fez-se o correto. Claro que a FIA, através de seus comissários, trataram de “dourar” a pílula de sua decisão em Zeltweg, justificando a demora em soltar o comunicado da decisão por terem estudado “a fundo” o ocorrido, para não cometer um “erro” na avaliação. Finjo que acredito... Tirar a vitória de Verstappen, por causa daquela manobra, seria uma pá de cal na credibilidade da F-1, que passaria ali o atestado de que ultrapassagens onde os carros acabam esbarrando um no outro seriam terminantemente proibidas dali em diante. E, fazendo isso diante da torcida holandesa que compareceu em peso à Áustria, seria condenar o sucesso do GP da Holanda previsto para retornar em 2020 ao calendário. E uma nova saraivada de críticas às regras da categoria máxima do automobilismo, sob o título de proibir tudo o que faz uma corrida de verdade existir. Será que a F-1 aguentaria mais essa? Os fãs já andam fartos das interferências dos comissários nas provas, acreditem, e com a categoria precisando recuperar sua atratividade, outra punição dessas seria um tremendo revés.
            Em um momento onde se lembrava da primeira vitória da Renault na F-1, há 40 anos atrás, obtida por Jean-Pierre Jabouille, numa corrida depois de um duelo titânico entre Gilles Villeneuve e René Arnoux, na pista de Dijon-Prenois, na França, onde ambos disputaram ferozmente o 2º lugar na corrida, disputa vencida por Villeneuve, em manobras que hoje poderiam significar o banimento de ambos os pilotos da F-1 por “condução irresponsável e perigosa”, do jeito que as coisas andam atualmente. E olhe que não ocorreu nada demais naquele duelo. Cercear hoje as disputas na pista com a aplicação de regras que “engessam” as alternativas que os pilotos tem é o maior mal da F-1 atual. E a manobra de Verstappen também não foi nada de mais; toques involuntários sempre podem ocorrer em manobras de ultrapassagem, e os pilotos sabem muito bem o que fazem, e não vão deliberadamente provocar um acidente, com consequências imprevisíveis para ambos na pista.
            Max Verstappen resumiu bem a crítica sobre uma eventual punição que sua manobra poderia gerar, ao afirmar que, se aquilo fosse proibido na F-1, nem valia mais a pena correr, devendo ficar em casa. E ele tem mais do que razão. O público quer ver duelos, brigas, e acima de tudo, uma disputa honesta e clara. O excesso de punições que empesteia a F-1 atual é um câncer que ela precisa tratar com séria urgência. Não se trata de promover um “libera geral” na pista, mas de coibir o excessivo número de regras que não levam a nada em termos práticos. O público foi ao delírio com a vitória de Max porque ele foi atrevido, rápido, audacioso, e determinado. E em nenhum momento ele se comportou da forma como ficou conhecido desde que estreou na F-1, fazendo manobras intimidatórias, ou trocando de trajetória ou freando de forma desleal junto a outros pilotos. Aliás, é notável o amadurecimento do holandês este ano, onde ele vem tirando tudo do carro, sem deixar de ser agressivo ou veloz, mas sem se envolver em confusões ou fazendo gestos estabanados na sua pilotagem. A responsabilidade de liderar a Red Bull na pista parece ter feito o jovem piloto, de apenas 21 anos, encarar a necessidade de repensar sua conduta na pista, e ficar livre de rolos e enroscos.
A pista da Áustria, em Zeltweg nos brindou com a melhor corrida do ano até aqui na F-1.
            Claro que não dá para agradar a todo mundo. Vi muita gente defendendo a punição para o holandês, sob a alegação de que sua manobra foi contra as regras, e que se a FIA puniu Sebastian Vettel no Canadá, tinha a obrigação de fazer o mesmo em Zeltweg. Muitos disseram que a FIA aplicou dois pesos e duas medidas a atitudes iguais na pista, e mais uma vez, interpretaram isso de forma tendenciosa, a fim de prejudicar mais uma vez a Ferrari. De minha parte, fizeram o certo ao não aplicar punição a Verstappen, mas continuo firme em dizer que a punição a Vettel em Montreal foi errada. Já em relação à punição aplicada em Daniel Ricciardo na França, a resposta é uma só: tragam de volta as caixas de brita e a grama à beira da pista, acabando com as áreas asfaltadas. Quem sair da pista pagará o preço de seu erro, e poderá danificar o carro e até arruinar sua corrida. Mas, com tantas áreas de escape asfaltadas em diversas pistas pelo mundo, fica bem complicado estabelecer uma “tolerância zero” para todos que acabem saindo da “pista”. Os argumentos são até válidos (asfalto proporciona maior segurança em caso de escapada; pilotos podem obter vantagem indevida “cortando” caminho fora da pista, etc), mas carecem de uma análise que permita que a competição prevaleça, e não uma birra intolerante de cumprimento das regras. Como é que antigamente tínhamos disputas ferrenhas na pista, até com toques entre os competidores, e nada isso provocava um escândalo, enquanto agora nas disputas, qualquer encostada já provoca uma série de chiliques e mimimi, tanto dentro quanto fora da pista? E olhe que os carros de antigamente não tinham tanta segurança embarcada de proteção à integridade física dos pilotos como agora. Só que a impressão que dá é exatamente a oposta: hoje em dia batem tanto na tecla da segurança de que parece que os carros vão explodir se encostarem uns nos outros, ou alguém levar uma pancada qualquer no calor da disputa. No passado, víamos muito mais raspadas dos pilotos uns nos outros, e ninguém ficava em pânico, mesmo que seus bólidos não fossem muito seguros. Não é desprezar a segurança, mas achar uma proporção mais adequada de se disputas a fundo, sem dar “tilt” de botas os garotos (os pilotos) de castigo por terem feito “molecagens” enquanto brincam. Liberar os duelos significa deixar os pilotos confrontarem-se entre si na pista, confiando na capacidade deles de domarem seus carros, e manter a calma quando o calor da disputa promover algumas rusgas mais fortes entre eles. Mas, com as punições para quase tudo hoje em dia, a maioria dos pilotos fica encurralada, sem poderem mostrar tudo do que são capazes, por temor de tomarem punições dos comissários.
            Não é por acaso que provas de outras categorias estão dando um banho na F-1 em termos de qualidade das disputas, em especial a MotoGP, e a Indycar. Não defendo o fim de todas as punições, mas sua aplicação apenas a casos “excepcionais” e necessários para coibir excessos realmente excessivos, que ocorrerem, e quando obviamente intencionais. E boas disputas nas corridas é o que leva o público a ir aos autódromos e acompanhar as corridas pela TV. Eles querem ver o pessoal lutando entre si pelas melhores colocações, e não ver um festival de castigos e punições que nada de positivo está rendendo neste momento. Eles querem ver os pilotos indo aos limites, e superando-os, nas disputas pelas posições, dando tudo de si para alcançarem os melhores resultados. É algo complicado nestes últimos anos, pela supremacia da Mercedes sobre o restante do grid, mas tornado muito pior pela intervenção por vezes desmedida, e até desnecessária, dos comissários de pista e suas punições.
            Que a F-1 reformule o seu regulamento para botar ordem na casa, e resgatar o verdadeiro espírito de competição em sua mais pura essência. Não que desse modo todas as corridas serão como a de domingo passado, longe disso, mas pode ajudar a tornar as demais corridas menos chatas e modorrentas. E a categoria máxima do automobilismo precisa muito resgatar este espírito de competição que existia antigamente. Que consiga fazê-lo muito em breve, quando discutirem as novas regras para 2021... O tempo urge!


A Red Bull teve motivos mais do que óbvios para festejar como nunca a vitória de Max Verstappen em Zeltweg. A mais óbvia, naturalmente, foi por vencer no circuito que atualmente pertence à Red Bull. Mas foi festejada mesmo foi pelos japoneses da Honda, que inclusive estava com alguns de seus executivos presentes na pista austríaca, para acompanharem o andamento de suas atividades na F-1, e mais importante: definir se a marca continuará na F-1 depois de 2020, quando novas regras passarão a valer. Apesar de fazer uma boa temporada com o time dos energéticos, a imagem da Honda ainda não goza de boa reputação, devido aos três anos tenebrosos de sua parceria com a McLaren, onde apesar dos erros do projeto dos carros da equipe inglesa, as unidades de potência nipônica quebravam a torto e a direito, e não entregam potência alguma. Foi preciso uma assessoria de Mario Illen, sob pressão da McLaren, para que os japoneses começassem a revisar o seu projeto e a abandonar certos métodos de trabalho que não estavam dando resultados na evolução da unidade. Isso começou a dar alguns resultados, mas tarde demais para salvar a parceria com a McLaren, encerrada ao fim de 2017. A partir do ano passado, os japoneses puderam implementar de fato as melhorias advindas da consultoria da Ilmor, e a fiabilidade melhorou bastante, e continuou evoluindo este ano, agora equipando os carros da Red Bull. Ainda há muito a ser feito, pois os propulsores nipônicos ainda devem muito em performance e potência, se comparadas a Mercedes e Ferrari, mas essa vitória, mesmo que possa parecer circunstancial, é um tremendo alento para a Honda, cujo último triunfo na F-1 foi no GP da Hungria de 2006, com Jenson Button. E converte-se em um grande incentivo para a Honda permanecer no grid como fornecedora de motores, em um momento onde outras marcas não tem absolutamente interesse em adentrar ou retornar à F-1, e continuar trabalhando duro para igualar-se aos melhores equipamentos da categoria. O único ponto distoante da festa foi o resultado pífio de Pierre Gasly, que terminou a prova em 7º lugar, tendo tomado uma volta de Verstappen. O francês começa a ver sua situação no time dos energéticos ficar cada vez mais complicada na comparação com seu colega de time holandês, e muitos já se perguntam se ele termina o ano na Red Bull. Mas ainda tem a pergunta que não quer calar: quem a Red Bull colocaria no seu lugar, uma vez que não tem opções viáveis no momento?
Até o triunfo de Max Verstappen na Áustria este ano, a última vitória da Honda havia sido no GP da Hungria de 2006, com Jenson Button, quando a marca japonesa voltou a ter time próprio na F-1, entre 2006 e 2008.


Não faltaram alfinetadas em Fernando Alonso pela vitória da Honda em Zeltweg, pelas críticas que o espanhol fez aos propulsores japoneses durante os anos de parceria com a McLaren, com o asturiano chegando a chamar as unidades de “motor de GP2” em pleno GP do Japão, uma humilhação para a fábrica japonesa. Mas, apesar dos excessos, e de chassis cujas qualidades não eram as mais adequadas, as unidades infelizmente eram mesmo lastimáveis, não oferecendo nem potência adequada, ou confiabilidade. Muitos tratam os atuais propulsores nipônicos como se eles fossem exatamente os mesmos de quando equipavam a McLaren, esquecendo-se que do ano passado para cá foram feitos muitos avanços, especialmente em durabilidade, para só depois focar na melhoria de potência. Se naquela época os propulsores japoneses já tivessem a performance que apresentam atualmente, as críticas seriam muito menores, ou talvez nem existissem, pelo menos publicamente, como ocorreu. E isso tudo sem isentar os erros da McLaren, cujos projetos dos carros produzidos durante a parceria não contavam com um ás das pranchetas como Adrian Newey por trás, cujo projeto atual do RB15, mostra grandes qualidades, que ajudam e muito nos resultados na pista.

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