sexta-feira, 12 de janeiro de 2018

DEVAGAR COM O ENTUSIASMO...


A Formula-E vem crescendo desde sua criação, mas ainda sofre muitas críticas de fãs de corridas, e ainda tem muitos desafios a vencer para se tornar mais relevante no mundo do automobilismo mundial.

            A Formula-E retoma a disputa de seu novo campeonato neste final de semana, com a etapa de Marrakesh, no Marrocos, com boas expectativas, depois dos resultados obtidos na rodada dupla de Hong Kong, no mês passado, que surpreendeu pelas disputas e vencedores, com certa folga até, para os tradicionais favoritos de plantão. Por mais que alguns duvidem, o campeonato de carros monopostos elétricos iniciou firme seu quarto campeonato, e a perspectiva é de crescimento para a quinta temporada, quando teremos a presença oficial de mais fábricas na disputa. O futuro é elétrico, todos andam dizendo recentemente. E Alejandro Agag, o diretor principal da categoria, chega a afirmar que a F-E será, se não a única, a maior categoria de competições no futuro.
            Mas, vamos devagar com todo esse entusiasmo... Eu defendo a proposta da F-E, e é preciso encarar uma realidade, a era dos veículos movidos a combustíveis fósseis tem prazo de validade. E ele não está muito distante assim. E é uma necessidade, ainda que haja muitos desafios a serem vencidos para que esta nova era de motores movidos a eletricidade seja de fato uma energia “limpa” e ecológica, como se pretende no figurino exibido nas propagandas.
            A era dos carros e veículos movidos a derivados de petróleo propiciou um desenvolvimento sem precedentes na história da humanidade, isso é verdade, mas também desencadeou um processo de envenenamento do meio ambiente igualmente sem par na história do mundo. Por mais que alguns imbecis afirmem que isso é uma mentira, não se pode negar certos fatos. É preciso parar de poluir o mundo, antes que as consequências possam se tornar catastróficas. A adoção de motores elétricos nos veículos de transporte, contudo, é apenas um dos meios para se deter esse envenenamento de nosso planeta. Muita coisa precisará ser adotada, em conjunto, para que o futuro seja, de fato, “limpo”.
            Os fabricantes querem produzir motores melhores e mais econômicos, e o desafio para isso está na competição, na qual a F-E tem sua meta principal. Mas as fábricas não estão nessa por bondade: elas querem capitalizar sua imagem como “ecológicas” e “limpas”, em que pese também terem tido sua parcela na poluição provocada pelos tradicionais motores a combustão usados há mais de um século por toda a humanidade. A adoção, por parte de países europeus, de legislações visando restringir, e até extinguir veículos movidos a motores a combustão é apenas outro dos motivos para se desenvolver o mais rápido possível carros movidos unicamente a eletricidade. Quem dominar melhor essa nova tecnologia levará vantagem na conquista do mercado e seus desdobramentos. Mas não será uma transição rápida: os atuais veículos que todos conhecemos demorarão muito para serem “extintos”. Isso fatalmente ocorrerá, mais cedo ou mais tarde.
            E, com isso acontecendo, obviamente as competições automobilísticas passarão a utilizar motores puramente elétricos também. Mas, afirmar que a F-E será a única é exagero, e ser a maior, bem... Pode até ser, mas trata-se de uma possibilidade, até por ser a pioneira no gênero. Mas ainda há inúmeros problemas a serem vencidos, e uma legião de críticos que não dá o braço a torcer, mesmo quando abordamos aspectos positivos do novo certame.
            Os fãs de corridas que criticam a F-E falam que ela precisa correr em “pistas de verdade”, e não nestes circuitos travados onde vem se apresentando. Em termos. Circuitos de rua podem ser boas pistas de disputa de competições, mas exige-se critérios. A F-E adotou este tipo de pista para ser seu diferencial, pelo menos neste início de suas atividades, onde a sensação de velocidade que seus bólidos transmitem é maior proporcionalmente do que em um circuito de autódromo permanente. Muitas curvas? Sim, devido às necessidades do sistema de recuperação de energia usar as freadas para recarregar a carga do carro. Isso infelizmente faz realmente com que as pistas sejam muito travadas, o que joga contra as disputas, por dificultar a existência de pontos de ultrapassagens ideais. São pistas apertadas e estreitas? Infelizmente, sim, na maioria dos casos. É algo complicado de se achar a combinação certa de ruas que sejam aptas a se tornarem parte de um circuito urbano, e concordo que, em diversos locais, poderia ter sido feito traçados melhores que propiciassem condições de disputa mais adequadas.
Pistas demasiado estreitas e travadas prejudicam a competição nas corridas. Melhores critérios na escolha dos locais de disputa podem ajudar nessa questão.
            Uma meta da F-E é ficar próxima do público, deixar que ele se aproxime, e não tratar de se isolar em um mundo hermético, como a F-1 se tornou, isolando-se de tudo e de todos. Por isso mesmo, pistas de rua são locais onde, pela facilidade de acesso, o público pode estar muito mais perto da pista do que em um autódromo, e se sentir mais íntimo da disputa, como na votação do fanboost, onde os torcedores podem dar uma “força” a seu piloto favorito, caso ele vença a disputa dos votos. Mas, pistas de rua também tem um problema, que é o inconveniente causado à parte da população local das cidades onde as corridas são realizadas. Por mais legais que possam ser, é preciso reconhecer que nem todo mundo gosta de corridas, e embora ninguém possa dizer que os carros façam barulho, a montagem da estrutura da pista, que fecha também várias ruas, causa transtornos que podem ser menores ou maiores aos vizinhos onde tudo é realizado. Essa discussão já é antiga, e não se resume apenas à F-E: a própria Indy Racing League já tentou implantar algumas corridas urbanas em seu calendário que não prosperaram devido à resistência dos moradores de certas cidades em receber as corridas da categoria. A F-1, quando correu em Phoenix, no Arizona, Estados Unidos, entre 1989 e 1991, foi alvo de várias críticas por parte dos moradores locais onde o circuito urbano foi montado, por terem ficado “ilhados” pela estrutura criada para a disputa do GP dos Estados Unidos naquelas temporadas.
            Recentemente, a cidade de Montreal recusou-se a receber novamente a categoria este ano. Embora a causa principal tenha sido financeira, e o processo cheio de furos e falta de transparência legal movido pelo prefeito anterior para receber a competição, a atual prefeita também se valeu do fato de os moradores que vivem no local onde a pista foi criada serem em sua maioria contra a corrida. Assim, a atual prefeita da cidade canadense aproveitou para se promover não apenas tirando a limpo um procedimento de curso duvidoso que aprovou a corrida, como zelar pela economia dos cofres públicos, a meta principal, já que a prova não se pagou (e deveria se valer de patrocinadores privados para isso, e não dinheiro público), e ainda dar uma colher de chá atendendo às reclamações dos moradores, que à época de se criar a prova, também não foram ouvidos como se deveria. Isso é um sinal de que é preciso mais cuidado para se montar estas corridas, levando em conta todos os fatores existentes. Isso quando problemas exclusivamente políticos e administrativos não melam a situação, como foi o caso da etapa brasileira...
A pista usada no ePrix de Montreal foi uma das melhores já usadas pela F-E, mas os moradores locais não gostaram da corrida e haviam sido ignorados pelas autoridades quando o local foi escolhido. Detalhes que precisam ser levados em consideração para não prejudicar os moradores locais...
            Por tudo isso, é preciso ir devagar quando Agag também mencionava que existiam cidades fazendo fila para receber a categoria, e vimos a negativa de Montreal, a perda de São Paulo, e a F-E já deixou de correr em alguns lugares, como Londres, Moscou, e Long Beach, para não citar outras praças que iriam receber os bólidos elétricos e tudo ficou apenas na promessa, como Bruxelas... Então, o interesse do mundo pela F-E existe, mas também não é essa bola toda. É preciso separar entusiasmo da realidade. A categoria já é uma realidade, mas ainda tem muito a caminhar, até atingir o status de um certame TOP mundial, como é a Fórmula 1, ou a MotoGP. Ela caminha para isso, dando um passo de cada vez, para não tropeçar no meio do caminho, que já tem seus percalços a serem vencidos.
            Os carros são lentos? Comparados a outros certames, podem até ser, mas é preciso lembrar que eles carregam muito peso, devido às baterias, e que os mesmos vem se tornando pouco a pouco mais rápidos. Há também a questão de as baterias não aguentarem uma prova inteira, e por isso, obrigando os pilotos a efetuarem a troca de carros durante a corrida. Na próxima temporada, com a adoção de novas baterias, fornecidas pela McLaren, esta necessidade deverá desaparecer, com os novos sistemas suportando uma corrida inteira. Penso que deveriam fazer o oposto: manter a troca de carros, e liberar as disputas em pistas maiores, mesmo que dentro das cidades, agregando trechos melhores, e dando mais velocidade às provas, que poderiam se tornar inviáveis se a velocidade aumentasse demais nos tamanhos atuais dos traçados utilizados no momento. Se os carros não aumentaram tanto a velocidade como muitos gostariam, isso se deveu também às diretrizes de custos da categoria, de manter os gastos sob controle, e não promover um desenvolvimento mais vertiginoso que colocasse em risco as condições financeiras das equipes, que poderia desequilibrar a competição. Com o tempo, e um maior desenvolvimento dos trens de força e da autonomia das baterias e dos sistemas de recuperação de energia e seu desempenho, os carros se tornarão muito mais rápidos e com uma autonomia maior.
As baterias dos sistemas de energia dos motores elétricos ainda são muito pesadas e precisam desenvolver maior autonomia de uso, além de ter sua produção e reciclagem devidamente controlados para evitar poluir o meio ambiente.
            Muitos podem criticar que os pilotos também não andam tão rápido como poderiam, mas desde que existem as corridas, o desafio é ser o mais rápido dentro das possibilidades. Não se trata de ser um competidor “burocrático”: quanto melhor o trabalho realizado no carro, tornando-o melhor, mais rápido o piloto pode correr na prova, e manter-se na disputa. O fato de ninguém querer sofrer uma quebra, por vezes torna a disputa mesmo meio maçante, e até sem graça, infelizmente. Antigamente, muitos pilotos abandonavam por quebra ou panes secas, sendo estas últimas extremamente raras nos últimos tempos em muitas categorias. E as penalidades de exigência que alguns equipamentos durem muito também tornaram os carros muito resistentes, diminuindo o número de abandonos nas provas. Mas este desafio sempre existiu: o que mudou foi que alguns bólidos ficaram muito mais fiáveis, passando a quebrar menos. Mas a grande maioria dos pilotos sempre tenta andar o mais forte e rápido possível. Mas os tempos atuais não permitem dizer que tudo ainda é igual: o fato de a competição hoje ser mais negócio do que esporte impôs as condições de que os pilotos tenham de valorizar mais chegar ao final das corridas, mesmo um pouco mais devagar, do que andar a fundo, e quebrar os carros, não obtendo os resultados exigidos pelos times. Neste quesito, a F-E é mais lenta por suas atuais limitações técnicas do que pela atitude dos pilotos propriamente, que em diversos momentos já partiram para o tudo ou nada, propiciando alguns duelos e momentos muito divertidos e empolgantes em algumas corridas.
            A categoria tem corridas chatas? Então aponte uma que não tenha provas monótonas. Até mesmo a Nascar, que muitos gostam de vangloriar, teve que mudar o regulamento da pontuação para evitar que muitos pilotos corressem de forma burocrática na maior parte de algumas corridas, partindo para a luta apenas nas partes finais de várias provas. Já vi alguns bons duelos na F-E, como também já vi na F-1, ou na Indy, ou na MotoGP, etc. Mas não nego que algumas corridas na F-E também já foram frustrantes... E algumas pistas truncadas demais tiveram sua culpa neste quesito... Como a F-1 também tem suas pistas maçantes e travadas...
            Os críticos também batem na tecla de que a categoria não é “limpa”, e que é até mais poluída e perigosa que as”tradicionais”, e que por isso, nunca abrirão mão dos motores convencionais. Esse é um ponto delicado, e é preciso ser dito: o atual estágio das tecnologias das baterias precisa mesmo ser desenvolvido. Sua vida útil não é grande no momento, e ainda há um problema de como descartá-las, e promover a sua reciclagem de forma adequada e correta. Caso contrário, os componentes usados na sua fabricação serão um pesadelo maior do que todos podem imaginar, e cuja descontaminação será igualmente mais complicada.
A competição na F-E é apenas um dos passos para se produzir motores mais eficientes e potentes. Mas com os devidos cuidados, para evitar a escalada de custos e comprometer a estabilidade financeira dos times.
            Outro ponto igualmente complicado, e que também adoram marretar em cima da F-E, para mostrar que ela não é “ecológica”: como se produzir a energia que abastecerá seus carros elétricos? Sim, a eletricidade pode ser algo limpo, mas produzi-la, até o presente momento, não é. Mas o desenvolvimento da geração de energia por fontes renováveis se expande a todo vapor pelo mundo, e é preciso que assim seja. A fome de energia no mundo só cresce, e o uso de combustíveis convencionais para gerar esta energia apenas transfere a poluição de um estágio para o outro: ao invés de poluirmos no consumo, o fazemos na geração. E a poluição criada por isso já atingiu níveis alarmantes em determinados locais na China e na Índia, onde chegaram a decretar situação de emergência.
            O desenvolvimento e a ampliação de geração elétrica fotovoltaica e pelos ventos são as melhores apostas para o futuro, mas não poderão ser as únicas. Diversas modalidades de geração energética precisarão se coordenar e entrar em sincronia para oferecer a energia em quantidade que permita ao mundo ser mais limpo em todos os aspectos desta cadeia de produção e consumo. E, mesmo que sua produção melhore e aumente, os motores elétricos também precisarão ser cada vez mais desenvolvidos, para serem muito mais eficientes, gastando menos e produzindo mais por cada Kw consumido. E a competição da F-E é um dos locais onde este desenvolvimento pode ser trabalhado e alcançado, mas não o único.
            A F-E deve ser vista como a ponta de um imenso iceberg de mudanças pelas quais o mundo passará paulatinamente nos próximos tempos, como resultado de um conjunto de esforços globais e individuais que poderão permitir um desenvolvimento e crescimento que permita que possamos melhorar o mundo sem parar de destruí-lo cada vez mais, e quem sabe, até nos permita recuperar um pouco de tudo o que já fizemos de mal neste nosso planeta, ao longo de todo o processo de desenvolvimento e crescimento sem freios exibido pela civilização nos últimos séculos...
            Pode ser um sonho muito otimista... Mas sonhos sempre são assim, otimistas e cheios de esperança... Do contrário, não seriam sonhos, mas pesadelos... E eu ainda prefiro acreditar nos sonhos de um futuro melhor...
Outro grande problema do futuro elétrico é a geração de toda essa energia. A produção solar vem crescendo a passos largos, e é uma das melhores soluções, mas ainda há muito a se melhorar, para que o futuro seja de fato "limpo" e "ecológico", como todos desejam que seja de fato...

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