sexta-feira, 15 de dezembro de 2023

APOIOS E “DESAPOIOS” EM UM TIME DE F-1

Dois momentos constrangedores para Sergio Perez na temporada de 2023: bater de forma infantil na classificação em Mônaco (acima), e se complicar sozinho na largada do GP de seu próprio país, o México (abaixo). Fossem estes os erros crassos do mexicano na temporada, talvez saísse até barato, mas em outros momentos, o time não o ajudou como deveria. Muito pelo contrário...


            A temporada de 2023 da Fórmula 1 pode ser entendida como uma das mais entediantes de todos os tempos. Dada a supremacia da Red Bull, todo mundo já sabia que o título já estava nas mãos de Max Verstappen, que não teria concorrentes à altura na competição, mas, pior do que isso, nem mesmo dentro do mesmo time. Enquanto Mercedes, Ferrari e McLaren mostraram possuir duplas bem mais niveladas em suas equipes, vimos um tremendo desnível no time rubrotaurino, talvez só equiparado ao visto na Aston Martin, onde o abismo entre Fernando Alonso e Lance Stroll foi quase tão grande quanto, se não pior.

            Contratado em 2021 para fazer dupla com Max Verstappen, a Red Bull queria um segundo piloto “confiável” e que entregasse resultados, depois de queimar vários nomes como Danill Kvyat, Alexander Albon, e Pierre Gasly, que não apresentavam, na opinião da cúpula rubrotaurina, os desempenhos exigidos como colegas do holandês. Bem, não se pode dizer que Perez não entregou os resultados, pelo menos em 2021 e 2022, mas neste ano, a performance do mexicano voltou a oscilar, até mais do que o esperado, a ponto de o time chegar a anunciar, através das costumeiras declarações incendiárias de Helmut Marko, que Perez estaria fora já em 2024, se não conquistasse o vice-campeonato, diante do excelente carro de que dispunha. A reefetivação de Daniel Ricciardo na Alpha Tauri também foi vista como uma pressão indireta neste sentido, que depois, claro, afirmou-se nunca existir. Mas, Pérez piorou tanto assim?

            Nada mais normal que um time exigir o máximo de seu piloto, e a F-1 não é para qualquer um, dando a entender, na teoria, que lá estão os melhores dos melhores, o que sabemos que está longe da verdade em alguns casos, mas nem tanto em outros. Na Red Bull, temos o piloto que está no ápice do momento da F-1, o holandês Max Verstappen, e disso ninguém contesta. Mas Sergio Pérez, seu colega de time, com uma longa carreira na categoria, estaria sendo um piloto tão ruim como pintaram este ano? Sim, mas também não. O mexicano teve sim, desempenho raquítico em várias etapas, cometeu erros, mas nem tudo pode ser creditado exclusivamente ao piloto, numa análise fria e objetiva.

            Já aviso que este raciocínio não isenta Perez dos erros que o mexicano cometeu durante o ano. Boa parte destes erros, contudo, pode ter sido potencializada pelo fato do time não ter dado o “apoio” correto ao piloto, de modo que a campanha do mexicano poderia ter sido bem mais decente se o time tivesse lhe dado as ferramentas corretas. E um piloto sem o devido apoio de seu próprio time costuma ter o seu rendimento comprometido. Alguns diriam, de forma mais radical, em “sabotagem”, o que é errado e ilógico, pois que escuderia faria isso com seu piloto, quando depende dele na pista? Mas há um tipo de atitude que se encaixa melhor nesta situação, e se trata de como a escuderia apoia seu piloto, e dependendo de como se dá esse apoio, pode fazer muita diferença. Mal direcionado, ou deficiente, pode até mesmo comprometer a temporada inteira. Em parte, foi o que aconteceu com Pérez, na minha opinião.

            A própria escuderia veio a admitir recentemente que “falhou” em prover um carro que atendesse a seus dois pilotos, o que pode ser considerada uma admissão de culpa implícita de que parte dos problemas de Perez não foram apenas culpa dele. Mas dizer que “falharam” com o mexicano nos faz questionar se essa “falha” não teria sido resolvida efetivamente caso fosse Max Verstappen a ter problemas com o rumo do desenvolvimento do carro, caso o bólido ficasse “indócil” demais para ele, e isso pudesse comprometer a sua performance nas corridas.

Com um carro ainda "neutro", Pérez fez um início de temporada forte, chegando a bater, ainda que momentaneamente, o próprio companheiro Verstappen na pista, e mostrando que poderia andar mais perto do holandês.

            Curiosamente, não vem a ser coincidência o fato de em 2022 Sergio Pérez também ter tido uma queda de rendimento em momento similar do campeonato, com o holandês disparando na frente, enquanto o mexicano tinha problemas não só para acompanhar o companheiro de time, mas até para enfrentar rivais de outros times. Assim como neste ano, o desenvolvimento dado ao bólido deixou o carro mais “nervoso” de pilotar. Muitos disseram que o time, propositalmente, deixou o carro ao estilo de pilotagem de Verstappen, com isso prejudicando Pérez, que obviamente não conseguia o mesmo rendimento de um carro onde ele não se sentia confiante. Mais ou menos isso.

            O carro não foi feito para o “estilo de pilotagem” de Verstappen, mas o seu desenvolvimento o deixou de um modo que apenas o holandês conseguia extrair o máximo do bólido, graças a seu talento diferenciado. Imagine você com carro nas mãos onde não se sente confiante para ir ao máximo, e além dele, sabendo que pode não conseguir dominar máquina? Há pilotos que podem fazer isso com maestria, casos de grandes talentos, como Verstappen. Mas pilotos menos capazes podem não conseguir isso. Não é questão de dizer que são ruins, mas certas condições são primordiais para se conseguir deles seu máximo rendimento. A Red Bull optou por um caminho óbvio onde sabia desde antemão que Verstappen daria conta do recado, mas Pérez provavelmente não. E, como desgraça pouca é bobagem, além de oferecer ao mexicano um equipamento que não lhe permitiria render tudo o que sabe, ainda o colocou na fogueira com as pressões desnecessárias da cúpula do time, especialmente de Marko, especialista em “queimar” pilotos a torto e a direito, tendo inclusive feito declarações discriminatórias sobre Sergio que obrigaram o dirigente a ter de pedir desculpas públicas, tão idiotas foram suas críticas.

            Alguns dirão que a Red Bull não errou, e que o objetivo do time sempre deveria ser produzir o carro mais veloz possível, e que se um dos pilotos não rende, o problema não é da escuderia, mas do piloto em si. Em termos. Como o nome diz, “equipe” é o grupo de pessoas que trabalha pelo objetivo comum, e portanto, deve conseguir conjugar esforços para que todos consigam produzir o seu máximo, visando o objetivo pretendido. Mas, e quando esse propósito acaba alijando, ou melhor dizendo, deixando um dos componentes em situação em que não pode render o máximo? Dá para entender o time quando fala em “hierarquia” dos pilotos, mas não precisa radicalizar a tal ponto, desnecessariamente. Verstappen já tem o maior salário da categoria, e desfruta de toda a atenção do time. É merecido. Mas isso não significa ignorar as necessidades do outro piloto, que pode fazer um bom trabalho, desde que o time lhe ofereça pelo menos as condições adequadas. Qual o problema nisso?

Com um carro cujo desenvolvimento começou a lhe ser hostil, o mexicano não conseguiu mais ter o mesmo desempenho, não conseguindo levar o carro ao limite como deveria, e ainda cometendo vários erros tentando compensar, sem que o time lhe desse folga nas cobranças, sabendo das dificuldades.

            Um mago das pranchetas como Adrian Newey não seria capaz de produzir um carro mais “neutro”? Com um carro que lhe desse total confiança, Pérez certamente teria tido condições de produzir mais, e isso beneficiaria a própria Red Bull, de modo que, diante do potencial do RB19, Pérez teria nadado de braçada até para o vice-campeonato, posição que nunca teria sido colocada em dúvida como foi em determinado momento, quando os rivais chegaram perto diante dos resultados decepcionantes de Sergio em várias corridas, considerando o carro que pilotava. Por mais que tenha falado até em disputar efetivamente o título, Pérez mais do que certamente sabia que o máximo que dava para aspirar era o vice-campeonato, mas quando o time começa a atrapalhar mais do que ajudar, tudo fica complicado, além da conta do que já é mesmo na F-1.

            Um carro que não lhe inspirava confiança para acelerar a fundo alimentou a crise do piloto, que por sua vez, tentando recuperar o terreno perdido, procurando dominar um carro cujas reações não lhe agradavam, acabou se aprofundando em novos erros. Não é tirar a culpa do mexicano, mas a direção de desenvolvimento do carro não poderia ter seguido um outro caminho? Não havia ninguém a ameaçar realmente a Red Bull em 2023, de modo que um estilo de desenvolvimento mais neutro poderia ser realizado sem nenhum prejuízo de fato. Verstappen é muito mais piloto que Pérez, e isso não está em discussão. Mas talvez a temporada do time fosse ainda melhor, com Sergio podendo render o seu máximo, o que traria ainda mais pontos para o time, e resultados conjuntos melhores. Disputar o título? Meio exagerado, mas talvez Sergio ajudasse a manter as expectativas, mesmo que falsas, de se levar o “duelo” até mais adiante na competição, o que seria bom para o show, mesmo que já soubéssemos o resultado mais do que óbvio, com o título fácil nas mãos de Verstappen. Até a corrida em Miami, Pérez vinha cumprindo este script, vindo ali perto do holandês. Mas aí, em Mônaco, onde vinha bem, cometeu um erro crasso na classificação, que arruinou suas chances de um bom resultado no Principado, com Verstappen vencendo e disparando na frente. Isso, claro, mexeu com os brios de Sergio, o que já seria preocupante, mas então ele começou a ver que o comportamento do carro já não lhe era mais tão favorável quanto no início do campeonato, diante do desenvolvimento feito pela escuderia. Afetado pelo erro de Monte Carlo, e com um carro que não respondia mais como ele estava acostumado, tudo entrou em parafuso. Mas, se o carro ainda lhe fosse aprazível, certamente ele teria tido condições melhores de se recuperar, e continuar ajudando o time com uma campanha decente na temporada. Ele chegou até a pedir para voltar a usar a configuração antiga, mas o time lhe negou isso, o que certamente só ajudou a complicar as coisas. Tentando se adaptar a um carro que não lhe dava muitas margens para levar ao limite com a destreza necessária, surgiram novos erros, e com isso, o time carregou mais pressão, ao invés de amainar o clima, ciente das dificuldades de condução do carro. Com um domínio raras vezes visto, o time poderia se dar ao luxo de ter sido mais condizente com as necessidades do mexicano.

            Mas, sendo que o time foi campeão de construtores e de pilotos com imensa folga, e ainda fez 1-2 na classificação de pilotos, que vantagem a mais a escuderia teria? As posições realmente não mudariam, mas certamente a Red Bull teria ainda mais pódios com Pérez do que efetivamente conseguiu. Se isso lhe interessou efetivamente, jamais saberemos, afinal, não se pode dizer que a Red Bull saiu-se mal no campeonato. Se o preço foi deixar um de seus pilotos em desvantagem clara, sendo este o piloto “dispensável”, eles não estão nem aí, mas poderiam ser menos hipócritas quando da exigência de certos resultados quando eles mesmos não ajudaram a resolver a situação como poderiam. Isso talvez até tirasse parte da pressão desmedida em cima do mexicano, que sabia o que precisava fazer na pista, e não que o time ficasse lhe cobrasse isso como se fosse um incapaz. Mas quem tem Helmut Marko como chefe, se não for o seu queridinho, não precisa de inimigos, muito pelo contrário...

            Daí então se reforça a impressão de que a Red Bull “sabota” de fato seus pilotos com esta abordagem de desenvolvimento de seus carros. O termo não é o correto, mas infelizmente, é o que acaba “pegando”, haja visto que todos os companheiros de Verstappen, à exceção de Daniel Ricciardo, todos naufragaram no confronto, muito mais vítimas da abordagem da escuderia para com o segundo piloto do que propriamente por uma certa incapacidade de seus escolhidos, que podem não ser gênios da velocidade, mas estão longe de serem braços duros também, algo que a diferença de performance para o piloto holandês dá a entender para todos.

            Este tipo de raciocínio também embute uma questão pertinente, que claramente será saraivada de críticas pelos haters de Lewis Hamilton, na defesa da superioridade de Max Verstappen sobre o piloto inglês. É notório que Hamilton nunca teve uma temporada tão dominante quando a do holandês neste ano, e nem colocou tanta vantagem sobre seu companheiro de time como Max fez em relação a Perez este ano. Mas há uma explicação plausível para isso, e ela, obviamente, vai ser defenestrada por muitos: a Mercedes nunca fez um carro “apenas” para um de seus pilotos. Era um carro excepcional, sim, mas ele não “sacrificava” o estilo de pilotagem da dupla titular da escuderia, permitindo que seus pilotos pudessem andar a fundo com ele, pelo menos de maneira muito mais acessível do que ocorre no time dos energéticos.

            Neste ponto, mesmo focada em Lewis Hamilton, os demais pilotos do time germânico não foram relegados a segundo plano, pelo menos, não ao mesmo ponto verificado na Red Bull. Por isso, Nico Rosberg, usando de inteligência e capacidade, pôde se sagrar campeão em 2016, derrotando o próprio Hamilton. E Valtteri Bottas, apesar de ter tido também alguns momentos a desejar na escuderia obteve resultados bem mais satisfatórios como segundo piloto. Os carros alemães não eram carros “nervosos” ou “difíceis” de pilotar, como tem sido o carro da Red Bull. Prova disso foi que George Russell, quando pegou o carro germânico para pilotar no Bahrein em 2020, substituindo Hamilton, ele só não venceu a corrida devido a azares alheios a seu controle. Mas claro que, muitos dirão que o “talento” estava no carro, e não no piloto, como justificativa para desmerecer os méritos do heptacampeão, esquecendo-se que isso faz com que desmereçam também Russell, que é um grande piloto, e não um zé-mané no grid, como a lógica das críticas faz parecer.

            Isso faz com que os números obtidos por Hamilton não sejam proporcionalmente tão espetaculares como os de Verstappen, em que pese a “vantagem” do holandês quando seus parceiros de time não conseguem ter um carro que consigam dominar. Se por um lado isso exalta o talento do novo tricampeão, por outro “infla” seu desempenho frente aos colegas de time, que ficam muito mais abaixo do que poderiam ficar normalmente, se tivessem um carro que correspondesse às suas capacidades. Alguns podem se perguntar se isso não colocaria Verstappen em um patamar “bombado”, ou acima do que ele é realmente, tornando a ovação em torno de seu nome turbinada por números propositadamente desvantajosos para o segundo piloto da Red Bull diante das dificuldades. É uma observação que muitos considerarão polêmica, sob a acusação de querer “diminuir” o status de gênio de Verstappen frente aos demais pilotos do grid. Mas, curiosamente, já vi muitos usando argumento similar para defenestrar Hamilton, só que invertendo o raciocínio, mostrando uma obsessão em provar que o inglês nunca foi nada mais que uma grande “farsa” na história da F-1. Uma argumentação que se mostra sem pé nem cabeça, adaptada unicamente aos interesses de quem a propaga.

Em seus anos de hegemonia, a Mercedes concebeu carros que podiam ser conduzidos sem privilegiar apenas um de seus pilotos, o que rendeu ao time muitos bons desempenhos conjuntos em diversas corridas.

            Muitos dirão, claro, que a Red Bull foi muito mais eficiente do que o time alemão jamais foi, e neste aspecto, não estarão errados. Mesmo em seus anos de maior domínio, a Mercedes teve uma oposição mais forte, mas quando me refiro a “forte”, foi que naqueles anos os concorrentes trabalharam melhor, pelo menos, se comparado ao que apresentaram neste ano frente ao time dominante, e por isso mesmo, conseguiram tirar lá suas lascas de sucesso. Mesmo que a Mercedes tenha vencido de mala e cuia, a diferença é que o domínio do time prateado pareceu menos entediante porque ele não foi tão esmagador quanto o da Red Bull e Verstappen, mas isso vai da opinião dos torcedores, dependendo de para quem torcem.

            Por mais que minha explanação seja lógica e calcada em fatos comprovados, é mais do que certo que muitos a ignorarão, ou tentarão desqualificar meu texto, ou até a mim mesmo, sob as acusações e adjetivos que podem ser até os mais abjetos e imorais, demonstrando potencial ignorância, ou apenas má-fé descarada, por não aceitar o que eles aceitam por suas “verdades”, em um panorama onde discussões racionais mundo afora parecem estar virando raridades, e os radicalismos e intolerâncias de opiniões discordantes dos pontos de vista de alguns. Espero que quem tenha desfrutado do texto acima não caia neste comportamento rasteiro, e que se tiver discordâncias, que se expresse de forma educada e racional, e não com um comportamento destrambelhado que parece estar virando praga nestes dias atuais.

            Estou pedindo muito? Não, na concepção de um diálogo civilizado e educado entre pessoas moderadas e racionais, sem se deixarem levar por birras e radicalismos discordantes. Mas, no contexto geral das discussões que tenho visto recentemente em muitos lugares, parece que estou pedido por verdadeiros milagres. Se este for o caso, azar de quem se comportar desta maneira pueril e acéfala, pois serão solenemente ignorados como os ignorantes e imbecis que provavelmente devem ser, se exibirem tal comportamento. Àqueles que não compartilham deste comportamento atrasado e raciocínio rasteiro, meus cumprimentos, e espero que possam apreciar e discutir as idéias deste texto devidamente.

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