sexta-feira, 24 de junho de 2022

ACERTOS E DESACERTOS

Lewis Hamilton saiu com as costas doloridas do seu carro em Baku, onde o carro da Mercedes pulava exageradamente com o efeito porpoising (acima). Muitos alegaram que foi uma encenação, já que na corrida seguinte, domingo passado, no Canadá (abaixo), ele não sofreu tanto disso. Mas, pelo sim, pelo não, a FIA prometeu agir a respeito desse problema nos carros de 2022.


            E eis que a FIA resolveu agir para tentar resolver o problema dos carros da temporada atual da F-1 que ficou conhecido como porpoising, ou simplesmente, o problema das quicadas dos carros, que ao baterem no asfalto a alta velocidade, acabam levantando abruptamente, num sobe-e-desce que nas situações mais sérias, pode até mesmo comprometer a saúde dos pilotos. A entidade que comanda o automobilismo mundial emitiu um comunicado às vésperas do GP do Canadá, onde afirmava que tomaria medidas para tentar solucionar o problema, com a adoção de um limite de oscilações, que seria adotado após verificações dos carros, e depois de estudos em conjunto com as equipes, a fim de se achar uma medida que seja adequada para impedir que os carros saltem demais. Como isso será feito? Bem, na prática, ainda vão definir isso, e até certo ponto, a medida é bem-vinda, na tentativa de salvaguardar a saúde dos pilotos. Um acerto, mas que não compensa outros desacertos que foram cometidos até aqui, e por incrível que pareça, até mesmo tentar solucionar isso pode gerar muita discussão. Só que não precisava que tudo chegasse até este ponto, de modo que corrigir o problema agora rende mais problemas do que se tivesse sido feito antes. Acertos e desacertos parecem ser a tônica das atitudes da FIA recentemente, mas não só dela, como da F-1 em geral.

            Como já mencionei na coluna da semana passada, a própria FIA viu no ano passado que a introdução do efeito-solo poderia resultar no efeito do porpoising, e ofereceu aos times efetuar mudanças para tentar minimizar o problema. Só que as escuderias, pensando no seu desempenho frente aos rivais, com cada um puxando a sardinha para o seu lado, não concordaram com a mudança, acreditando que seus engenheiros conseguiriam lidar com o problema. Competentes como são, eles não deveriam ter tantos problemas para resolver esse assunto. Bom, a teoria estava certa, mas na realidade, o buraco mostrou-se mais embaixo, a ponto de a maioria dos pilotos já reclamar disso nos testes da pré-temporada, onde os carros mostraram-se muito nervosos com tantos quiques no asfalto, muito provavelmente com uma frequência até maior do que o esperado.

            O problema acabou potencializado devido a outros detalhes técnicos adotados também a partir desta temporada, e não apenas ao retorno do uso do efeito-solo. Os novos pneus adotados pela categoria este ano são bem mais “finos”, devido aos raios maiores dos mesmos, com seu tamanho passando de 13 para 18 polegadas. Isso tornou os compostos mais estreitos, com menos banda de borracha, e por consequência, tendo menos área para absorção dos impactos das irregularidades dos pisos por onde o carro passa. E, a fim de garantir a integridade dos compostos, estes tem de andar praticamente rígidos, com uma calibragem que não permite tanto essa absorção dos impactos, que passam a ser mais transmitidos ao chassi, sem atenuações. Como desgraça pouca é bobagem, também este ano a FIA determinou o uso de suspensões mais simples, permitindo apenas o uso de amortecedores, molas e barras anti-torção, eliminando as peças de controle de inércia, de modo que estes sistemas também são menos eficientes do que os utilizados até o ano passado, e portanto, não conseguem também absorver todos os impactos das irregularidades do solo à medida que o carro percorre seu trajeto. Então, os carros de 2022 são muito mais “duros” e “rígidos” por conta dessas mudanças tanto nos pneus quanto no desenho das suspensões. Por conta do efeito-solo, os carros precisam ficar o mais próximo possível do chão, a fim de maximizar o desempenho do downforce, e garantir a melhor performance do bólido. Só que, com suspensões e pneus menos flexíveis do que os do ano passado, o problema é conseguir equacionar a absorção dos impactos, pois o efeito-solo “joga” o carro contra o chão, e em vários momentos, ele toca o solo, sendo “rebatido” para cima, e com isso, tendo o fenômeno dos quiques, sem que os pneus e as suspensões consigam minimizar esse sobe-e-desce do carro.

            Acabou que muitos subestimaram a intensidade do problema, que não podia ser visualizado no túnel de vento, somente com o carro real na pista mesmo. Certo, pré-temporada é para isso mesmo. Testar os projetos, e ver o que funciona, e o que não funciona nos carros. Mas aqui, novamente, entra algo que considero uma das maiores burradas da FIA: o pouco tempo de pré-temporada. Foram apenas 6 dias, divididos em duas sessões de três dias, uma em Barcelona, e a outra já em Sakhir, no Bahrein, essa última quase às vésperas da primeira corrida. Com uma mudança tão radical no projeto dos carros, seria de bom senso fazer uma pré-temporada com mais tempo de testes, uma vez que todos precisariam descobrir como seus projetos se comportariam, e míseros seis dias de pista, convenhamos, é ridículo imaginar que todo mundo conseguiria resolver seus problemas nesse tempo. Fizessem uma pré-temporada com 9, ou talvez 12 dias, e certamente os times teriam tempo para trabalhar melhor seus carros, entende-los melhor, e conseguir encontrar soluções para corrigir problemas como esse. Mas, desde que foi instituída a proibição expressa de testes durante a temporada, com o propósito de evitar gastos (algo que funcionou no início, mas depois...), as pré-temporadas passaram a ser todas coletivas, e com número de dias muito reduzido, começando com 12 dias em 2009, para chegarmos ao cúmulo de termos apenas 3 dias no ano passado. Só que as próprias equipes também não bateram o pé para exigir uma pré-temporada maior para que pudessem testar mais adequadamente seus novos carros, de modo que a culpa dessa situação não fica exclusivamente na conta da FIA. Então...

Apesar de ser um dos carros mais velozes da temporada, a Ferrari (acima) também sofre com o porposing, ainda que menos que a Mercedes. Já a Red Bull (abaixo) demonstrou maior competência para lidar com o problema, criticando a mudança nas regras com a temporada em andamento.


            Christian Horner afirma categoricamente que o problema não são as regras, e sim o projeto que cada time fez, e ele tem toda razão. As regras técnicas já eram amplamente conhecidas por todos, e vale lembrar que a sua implantação ainda foi adiada para este ano, por conta da pandemia, pois deveria ter sido utilizada já em 2021. Ou seja, todo mundo ainda ganhou mais tempo para planejar e desenvolver seus projetos. Logo, a crítica de se mudar as regras com o campeonato em andamento é mais do que procedente. Quem não teve competência para desenvolver seus carros de modo a eliminar, ou pelo menos minimizar o problema, que se vire. Não dá para culpar quem resolveu seu problema a contento, como foi o caso da Red Bull, os carros que menos sofreram com isso no grid esse ano, em favor de quem não soube resolver o problema.

            Por outro lado, há sempre a possibilidade de surgir um problema que possa vir a colocar a saúde dos pilotos, ou sua segurança física, em risco. E neste caso, comprovado o perigo potencial, urge a FIA tomar providências para evitar isso. Só que provar isso está complicado, justamente pelo fato de o problema atingir os times de maneira desigual, com alguns, no caso a Mercedes, sofrendo mais abertamente disso, enquanto outros times, como a Red Bull, já nem se preocupam com isso. E aí, começam as discussões. Mudar as regras é beneficiar exclusivamente quem não se acertou, em detrimento de quem foi mais competente para projetar seus novos carros, ou isso pode afetar todos da mesma maneira? É patente que quem fez bem o seu trabalho corre o risco de ver seu esforço ir por água abaixo com mudanças nas regras, e isso é injusto. Mas, pode ser que as mudanças também não favoreçam quem está sofrendo mais com o problema. Dependendo das medidas a serem tomadas, isso pode ser um verdadeiro tiro pela culatra, para quem espera que isso possa favorecer seu time, em detrimento dos outros.

            Se determinado carro sofrer excesso de quiques, e a medição da FIA, seja lá como for realizada, determinar que precisa ser reduzida, a maneira mais simples é aumentar a altura do carro. Só que isso gera uma perda de pressão aerodinâmica, e por tabela, da performance do monoposto. E aí, com muitos acusando a mudança como uma força de favorecer a Mercedes, o time que mais tem sofrido com o porpoising até aqui, se seus carros, andando assim, junto ao solo, precisar ser elevado, deverá ficar com sua performance comprometida, andando menos do que tem demonstrado até aqui.

            Mas o problema de saúde também não pode ser menosprezado, até porque não é apenas a dupla da Mercedes que bateu na tecla de possíveis comprometimentos da integridade física dos pilotos a longo prazo. Pilotar nunca foi exatamente um concurso de confortabilidade, com os pilotos conduzindo os carros quase deitados, e com um banco que nada tem de macio, sendo uma peça firme que é moldada ao corpo do piloto para deixa-lo numa posição fixa dentro do cockpit, sem ficar se mexendo no habitáculo. Mas, tanto sobe-e-desce em alta velocidade pode sim gerar sequelas a longo prazo, dependendo de sua intensidade, e da maneira como o corpo sente estas quicadas. E em vários momentos vistos nas câmeras on-board, dá para ver como a cabeça dos pilotos balança no cockpit de seus carros. Imagine isso a alta velocidade, e com os pilotos tendo de se concentrar para que sua visão não fique turva com tantos solavancos, e não acabem cometendo um erro. Curvas de baixa podem não ser preocupantes, mas e as de alta? A longa reta de Baku pareceu ter potencializado o porpoising em vários carros, inclusive em alguns cujos times pensavam ter conseguido minimizar o problema. Até mesmo os pilotos da Ferrari mexiam bastante a cabeça nas imagens on-board, mesmo com seu carro sendo um dos mais velozes do grid. Ouvi várias críticas sobre a forma como Lewis Hamilton saiu de seu carro na prova do Azerbaijão, com os chatos mais radicais acusando o heptacampeão de estar fingindo problemas nas costas, encenando só para dramatizar nas críticas a respeito da necessidade de se tratar do problema. George Russell chegou a afirmar que o excesso de quiques poderia até causar um acidente, dependendo das circunstâncias. Será que isso pode ser ignorado assim, pura e simplesmente? Há ou não perigo real à integridade física dos pilotos no longo prazo?

            Talvez uma comparação possa ser feita com o boxe, um esporte onde ferimentos nem sempre são tão explícitos nos seus praticantes, mas que já apresentaram vários exemplos de sequelas devido aos golpes recebidos na cabeça ao longo dos anos, mesmo que na época das lutas isso não parecesse afetar tanto, a ponto de os lutadores poderem até sair sem marcas de uma luta. Porém, os efeitos dos golpes vão se acumulando no organismo ao longo do tempo, de modo que seus efeitos podem ser sentidos muito tempo depois, quando já não há como tratar devidamente o problema. Os pilotos já sofrem os efeitos das forças G na pilotagem dos carros, mesmo quando estes são “neutros” e não chacoalham tanto na pista, de modo que hoje em dia todos precisam ter excelente preparo físico para encarar os desafios de pilotar um monoposto a alta velocidade. Mas isso, se por um lado ajuda a encarar as dificuldades físicas de pilotagem, não faz os pilotos ficarem imunes à fadiga que o corpo sente, dependendo das dificuldades na condução do carro, que podem ser maior ou menor, a depender do comportamento do bólido, e do piso da pista onde estão competindo. Por isso mesmo, é um assunto que precisa ser realmente tratado com a devida seriedade e respeito, e não como uma frescura por parte de alguns competidores, como muitos críticos tem se posicionado. Estudar como minimizar o problema é necessário, e dependendo dos resultados, adotar ou não medidas para solucionar a questão.

            A solução mais sensata seria adiar as mudanças para a temporada de 2023, de forma a permitir que os times já planejem seus novos carros com estas alterações, de modo a não alterar as regras com o campeonato em andamento, e com isso, evitar as discussões que estamos vendo a respeito de ser justo ou não a sua implantação em relação a quem se deu melhor ou não no projeto de seus carros Não dá para agradar a todos, infelizmente, o que se pode fazer é tentar maximizar os acertos e diminuir os desacertos. E simplesmente mandar o pessoal se virar durante este ano. Mas, nada é tão simples assim. Não fazer nada agora poderia ser encarado também como omissão e irresponsabilidade para com a integridade dos pilotos.

            Vamos lembrar da temporada de 1994, quando a FIA, tentando reequilibrar a categoria, resolveu efetuar mudanças radicais no regulamento, banindo vários sistemas eletrônicos que na sua opinião desequilibravam a competição e facilitavam muito a pilotagem dos pilotos. Bem, os carros ficaram muito mais nervosos de se conduzir, e isso acabou causando alguns acidentes, e entre eles, os fatídicos que vitimaram Roland Ratzemberger e Ayrton Senna. Só aí a FIA entrou em ação para adotar medidas que tornassem os carros mais seguros e estáveis. A FIA não esconde que a mudança das regras para este ano visava também tornar a condução dos bólidos mais difícil, de forma a fazer sobressair o talento dos pilotos e fazê-los mais importantes numa competição onde os carros ganharam muito mais importância do que os pilotos nos últimos tempos. Bom, aí pode estar um problema, quando essa dificuldade acaba apresentando problemas que possam sim se tornar mais sérios. O automobilismo, por si só, já é um esporte com vários riscos, mesmo com todas as precauções que podem ser tomadas para garantir, tanto quanto possível, a segurança de seus participantes. Mas, potencializar certos riscos pode ser temerário. Os avisos dos pilotos feitos até aqui que reclamaram do porpoising podem parecer exagerados, ou truque de cena? Talvez possam ser vistos assim, mas em 1994, apesar de algumas críticas ao comportamento nervoso de alguns carros, ninguém achava que isso poderia ser mais perigoso do que já era habitualmente, até que tivemos os acidentes que todos conhecem naquele ano.

            Não se pode menosprezar o problema, isso é verdade. Agora, as próprias equipes poderiam ter evitado isso ao aceitarem a sugestão da FIA a respeito de como lidar com o problema, então agora tem de aceitar que algo precisa ser feito, mesmo que a contragosto. Vamos ver como irão resolver isso... Mas, de um modo ou de outro, uma coisa é certa: não vai dar para agradar a todo mundo, e por melhor que sejam as medidas a serem adotadas, isso vai dar muita briga e discussão fora da pista, algo que a F-1 definitivamente não precisa, mas não consegue evitar de arrumar...

 

 

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A MotoGP acelera neste final de semana em uma das pistas mais icônicas da categoria, Assen, na Holanda. Conhecida como “A Catedral”, Assen orgulhosamente tem a honra de ser o único circuito a realizar ininterruptamente uma rodada do Campeonato Mundial de Motociclismo todos os anos desde sua criação, em 1949. O circuito possui 4,5 Km de extensão, com 18 curvas, com a prova da classe rainha do motociclismo sendo disputada em 26 voltas, totalizando um percurso de 118,1 Km. A largura da pista tem em média 14 metros, sendo considerada estreita para outras competições que não as provas de motos. A corrida terá transmissão ao vivo pelo canal pago ESPN4, assim como pelo serviço de streaming Star+, a partir das 9 da manhã deste domingo.

 

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