quarta-feira, 12 de maio de 2021

ARQUIVO PISTA & BOX – MAIO DE 1999 – 21.05.1999

            Voltando a trazer um de meus antigos textos, trago hoje a coluna publicada no dia 21 de maio de 1999. O assunto era a mudança nos planos de retorno da Honda à categoria máxima do automobilismo, que vinha sendo alardeado para a virada do milênio, com os japoneses a retornarem à F-1 como equipe completa. Mas a morte de Harvey Postlethwaite acabou alterando todo o cronograma dos nipônicos, que voltariam apenas como fornecedora de motores inicialmente, e algum tempo depois, realmente concretizariam seu retorno como time completo, no que foi um dos maiores fracassos da Honda em sua história de competição, fazendo-os pular fora da F-1 ao fim de 2008, como irão fazer agora, ao fim desta temporada. Uma boa leitura a todos, e em breve trago mais textos antigos por aqui...

 

RECUO NIPÔNICO

 

            Ainda não será desta vez que veremos novamente a Honda participar como escuderia da Fórmula 1. Em comunicado oficial da fábrica japonesa, o retorno da marca na categoria máxima do automobilismo, prevista para o próximo ano, foram alterados. A Honda voltará sim, de forma oficial, à F-1, mas novamente como fornecedora de motores, e os planos de competir como equipe foram descartados. A F-1 continuará tendo apenas 11 escuderias, a exemplo deste ano.

            Os rumores de que a Honda poderia dar para trás em seus planos já corriam de forma vaga desde março, quando o campeonato de 99 deu sua partida, na Austrália, mas ninguém achava que os japoneses, depois de todo o esforço dispendido até aqui – incluídos testes com um chassi encomendado à Dallara para irem aprendendo pistas e macetes da construção de um monoposto, iriam dar para trás. O anúncio foi uma surpresa nesse sentido, e menos no fato de que a Honda voltará de forma oficial como fornecedora de motores, o que aliás, já fez muito bem nos anos 1980 e início desta década.

            A morte de Harvey Postlethwaite, ocorrida semanas atrás, em Barcelona, certamente teve um peso maior do que se imaginava, pois o engenheiro era o pilar central de seu projeto, coordenando todos os esforços da fábrica nipônica nesta sua nova empreitada na F-1. Em que pese não ter sido o único motivo, teve grande importância na mudança de planos. Em contrapartida, a Honda anunciou que fará parceria técnica e de fornecimento de motores com a nova equipe BAR, que este ano usa os motores Mecachrome (ex-Renault). A Jordan, que atualmente utiliza os motores Mugen-Honda, também continuará a usufruir dos propulsores japoneses.

            Mas a parceria será mais forte com a BAR, segundo suas declarações, por poderem contribuir para o desenvolvimento do carro, além de contarem com o grande aporte do grupo BAT, proprietário da escuderia, que também conta com o apoio oficial da Reynard, um dos mais importantes construtores de monopostos de competição do mundo. A intenção e crescerem juntos na categoria, e chegar mais rapidamente às vitórias unindo suas forças.

            O papel financeiro também deve ter pesado na decisão da Honda de desistir de voltar à competição como escuderia completa: fornecer motores também exige grandes investimentos, mas menos do que o de manter um time de competição. Ainda mais se pretender disputar vitórias e o título, o que demandaria ainda mais verbas. Com os gastos de um time de ponta chegando aos US$ 200 milhões anuais, não se pode culpar a Honda por ficar preocupada com o gasto mais eficiente de um volume de dinheiro deste porte, ainda mais se lembrarmos que a F-1 tem uma lógica perversa quando o assunto é dinheiro: sem ele, você não tem sucesso na categoria; mas por outro lado, ter dinheiro não é garantia de sucesso.

            O exemplo da nova equipe BAR pode ilustrar bem isso: com um orçamento de um time de ponta, um piloto campeão do mundo, e o apoio total de uma fábrica de respeito mundial em competições automobilísticas como a Reynard, o time formado da antiga Tyrrel até agora ainda não conseguiu resultados neste início de campeonato. Os testes foram até promissores, e na melhor das hipóteses, pontuar era uma meta nada impossível. Mas bastou o campeonato começar para se ver que as dificuldades impostas para se competir na categoria máxima do automobilismo são bem mais difíceis do que se imaginava. O novo time até agora não conseguiu nenhum ponto, e acumula vários abandonos, com performances bem abaixo do esperado. E a BAR fez uma preparação considerada decente por muitos.

            Tomando a situação da BAR como exemplo, quem garante que a Honda obteria os resultados pretendidos em sua estréia na F-1 na próxima temporada? Tudo poderia dar certo, e até vermos, de forma surpreendente, um novo time vencedor na categoria. Mas a história da F-1 ajuda a desmistificar tal probabilidade, que se não é impossível, é extremamente difícil de se ocorrer. As chances de o projeto fracassar seriam sempre maiores do que as de sucesso. E como justificar para a direção da companhia os enormes gastos dispendidos em caso de um retorno pífio?

            Para completar um cenário desfavorável, a economia japonesa anda patinando nos últimos anos. A euforia do desenvolvimento a largos passos, vistos até por volta de 1995, deram início a uma recessão que, se não é um desastre total, também não chega a encorajar gastos irresponsáveis. E os japoneses, comedidos como são, provavelmente devem ter pesado os prós e contras, e verificado ser mais aceitável voltar a fornecer motores do que investir na criação e manutenção de um time de competições próprio.

            A Honda já competiu como time completo na década de 1960. Os resultados foram parcos, com apenas duas vitórias. O carro não era competitivo, e valia-se mais da potência bruta do motor para competir frente aos adversários europeus, muito mais capacitados e experientes na competição. Claro, os tempos hoje são outros, mas quem garante que os erros daquela época não se repetiriam? E os gastos hoje, para se competir de forma incisiva, seriam muito mais altos. A fábrica japonesa retornaria à F-1 em 1983, fornecendo motores, em princípio para a equipe Spirit, e em 1984, passaria a equipar a Williams. Aos poucos, os resultados começaram a aparecer, no final de 1985, ninguém duvidava da qualidade dos motores japoneses, que mostravam claramente estar decididos a superar os então imbatíveis Porshe e Renault turbos. Em 1986, por pouco a Honda não conquistou seu primeiro título de pilotos, embora tenha conquistado o de construtores com a Williams. Beneficiando-se da luta entre Nélson Piquet e Nigel Mansell, ambos da equipe inglesa, Alain Prost, da McLaren, chegou ao bicampeonato na corrida final, na Austrália, levando o título por apenas 2 pontos. Mas em 1987, a Williams não deu chance à concorrência, e Nélson Piquet tornou-se o primeiro piloto campeão da Honda na F-1. Em 1988, a façanha seria repetida por Ayrton Senna, que ainda conquistaria os títulos de 1990 e 1991. E em 1989, seria Alain Prost quem venceria o campeonato usando os motores nipônicos.

            Em 1992, com a competição ficando mais acirrada por parte da Renault, e achando que já havia vencido tudo o que havia para vencer, a Honda decidiu sair da F-1. Mas a fábrica nipônica nunca abandonou por completo a categoria: seus motores V-10, rebatizados como Mugen – nome da empresa de Hirotoshi Honda, filho de Soichiro Honda, fundador da marca japonesa, continuaram equipando times na F-1, sendo preparados pela Mugen de forma independente, da mesma forma como a Mecachrome faz com os velhos V-10 da Renault.

            A expectativa agora é se os novos motores da Honda farão juz à fama que a fábrica acumulou em sua última empreitada oficial na F-1. Os japoneses já aproveitaram a presença da Mugen para adiantar aperfeiçoamentos e evoluções no propulsor, visando o projeto da nova unidade motriz que será lançada oficialmente em 2000 para equipar tanto BAR quanto Jordan. Na prática, a Honda já voltou à F-1, pois este ano o motor Mugen já incorporou vários desenvolvimentos e melhorou bastante sua performance.

            É esperar agora que este desenvolvimento permita à Honda retornar no próximo ano mostrando a força e confiabilidade que fizeram dos motores japoneses vitoriosos por 5 temporadas consecutivas na categoria. Mercedes e Ferrari têm tudo para ficarem preocupados, pois devem ganhar um adversário bem duro na competição. Dependerá de Jordan e BAR corresponder às expectativas, se o novo motor Honda voltar a mostrar as garras...

 

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