sexta-feira, 1 de maio de 2020

ESPECULAÇÕES E FATOS

Pista da Áustria pode abrir o campeonato da F-1 em 2020, mas corrida não terá público nas arquibancadas, e os profissionais envolvidos serão restringidos ao mínimo essencial.

            Chegamos ao mês de maio, e o panorama mundial ainda é completamente incerto, desde que começou a pandemia do coronavírus na China, em dezembro do ano passado, e de lá para cá simplesmente virou o mundo de cabeça para baixo, em especial a partir de março, quando se espalhou por vários outros países. Já timos mais de três milhões de infectados, mas até o presente momento, mais de um milhão de pessoas recuperadas também. Mas o que muitas pessoas prestam mais atenção, e algumas enxergam apenas isso também, é o número de mortos, mais de 200 mil pessoas. Um número que certamente não se pode ignorar.
            Com alguns países da Europa, como França e Itália, começando a apresentar uma aparente queda no número de casos da Covid-19, aumentam as especulações sobre como será feita a liberação da economia, e o relaxamento da quarentena nestes lugares. Alguns países europeus, inclusive, estariam preparando-se para ver o que se poderá fazer para as próximas férias de verão, em julho e agosto. Isso seriam bons indicadores de que talvez o pior possa estar passando. Além do pico da doença parecer ter se estabilizado, e em alguns casos, até diminuído, criam-se expectativas mais positivas a respeito das pesquisas de desenvolvimento de uma vacina eficaz contra a Covid-19, como a desenvolvida em Oxford, na Inglaterra, cujos testes iniciais teriam se mostrado muito promissores, mesmo ainda demandando certo tempo para conclusão em mais alguns testes. São fatos positivos, e que devem ser divulgados.
            Tendo estes fatos em perspectiva, claro que o mundo do esporte a motor começa a tentar achar uma maneira de dar início, ou reiniciar suas disputas, com alguma segurança, no mês de julho. A se manterem as expectativas de decréscimo dos casos, com dois meses ainda pela frente, parece que enfim, algumas coisas poderão voltar à normalidade, o que é ansiado por todos. Mas, vamos devagar com a empolgação. Pode ser ainda muito cedo para comemorar. O vírus ainda está por aí, e quem garante que não vivamos o pior dos pesadelos, de ter de se manter isolados, enquanto não surge a vacina, ou pelo menos um tratamento efetivo? A Alemanha, país que até agora tem a melhor situação do sistema de saúde frente à pandemia, com leitos médicos sobrando, experimentou um pequeno salto no número de infectados quando deram uma pequena flexibilizada no isolamento, e a própria chanceler alemã, Angela Merkel, fez questão de lembrar que ainda é cedo para se cantar vitória. Um pouco mais de prudência é necessária.
            Por isso mesmo, como dar início aos campeonatos de 2020? A F-1 tem como meta iniciar sua disputa com o Grande Prêmio da Áustria, fazendo ao menos duas corridas em Zeltweg, adotando possivelmente a idéia de se correr cada prova em um sentido da pista, como mencionado na expectativa de se fazer em Silverstone. Mas teriam de ser adotadas medidas de segurança, a serem seguidas à risca, para se eliminar riscos de contaminação. O que significa que as primeiras provas deverão ser realizadas a portões fechados. E, entre o pessoal da F-1 propriamente, todos os times levariam staffs reduzidos, com todos os integrantes sendo devidamente testados para ver se não estão com a Covid-19. Todo mundo teria ainda de circular de máscara, e protocolos sanitários de viagem, e deslocamento poderão ser bem rígidos, e até complicados, para atender às exigências do governo de cada país. Não podemos nos esquecer que cada GP movimenta aproximadamente duas mil pessoas, e a última coisa que todos desejam é que o evento vire um palco de possível contaminação. Portanto, as escuderias levariam o mínimo necessário de pessoas para desempenhar suas atividades. E quanto à cobertura jornalística, esqueçam: só o time da FIA TV deverá estar presente, sem jornalistas da imprensa escrita, e certamente, das emissoras de TV.
Circuito de Silverstone pode sediar duas corridas, com uma delas sendo disputada no sentido inverso da pista. Opção para diferenciar as corridas deixa os pilotos entusiasmados com o desafio, que pode provocar surpresas por ninguém saber o que esperar de uma corrida assim.
            Mas enquanto se discute e se especula como serão exatamente as condições para que estas provas possam ser realizadas, temos outros fatos a serem contabilizados: com a proibição de eventos de grande aglomeração até meados de julho, a corrida da França sucumbiu. Programada para o fim de junho, a prova teria de ser realocada para a frente, e a FIA e o Liberty Media já tem vários GPs na fila para tentar realocar. A solução não poderia ser outra: au revoir para a prova francesa este ano, voltando somente em 2021. Com isso, a corrida em Paul Ricard se torna a quarta prova da F-1 oficialmente cancelada em 2020, após o GP da Austrália, a prova de Mônaco, e o GP do Azerbaijão. Todas as demais etapas não realizadas estão adiadas. Como elas serão realocadas é o grande problema, imaginando, na melhor das hipóteses, que vejamos mesmo o campeonato dar sua partida em julho e seguir em frente, como todos esperam.
            Outra prova que terá seus problemas é a etapa da Hungria, que assim como ocorreu na França, tem sua data em um momento onde ainda estará vigorando normas proibindo aglomerações de mais de 500 pessoas no país húngaro, número ainda muito abaixo do pessoal que a F-1 costuma mobilizar profissionalmente para um GP. Por motivos similares, o governo holandês também baixou norma similar, que pode inviabilizar a realocação da prova em Zandvoort, que deveria abrir agora neste final de semana a fase europeia da competição, com a realização dos primeiros treinos livros hoje. A expectativa é poder usar as datas do mês de agosto, tradicional parada de férias de verão da categoria, para encaixar algumas etapas, entre elas a da Holanda. Mas tudo ainda está incerto.
            Não adianta dizer que até agosto temos um intervalo razoável, e que possivelmente até lá a situação esteja mais controlada, e talvez até normal. Muita gente está receosa, e por mais que todos queiram que a rotina volte ao normal, é preciso também não desperdiçar o esforço feito até aqui para se controlar o surto do coronavírus. Porém, a F-1 continua se debatendo no problema que ela possui por si própria, que é o seu gigantismo, que envolve uma logística complexa, e mesmo na Europa, onde o deslocamento é mais facilitado pelos times transportarem seus equipamentos de caminhão, mesmo assim envolve uma grande movimentação de materiais e de pessoas.
            E é preciso ter alguma segurança do que será feito realmente, e como será feito. Não basta apenas marcar uma data, a uma ou duas semanas à frente, e simplesmente realizar o GP. Mesmo que vá ser feito a portas fechadas, sem público, há inúmeros procedimentos e planejamentos a serem feitos, para maximizar a logística e tudo o mais, sem mencionar a disponibilidade do local para a realização da corrida, e as tratativas normais para se realizar tal coisa. Não por acaso, surgiram especulações de que a pista de Portimão, em Portugal, estaria se oferecendo para sediar uma corrida, em caso de necessidade, desde, claro, que as condições contratuais sejam justas. Pelo mesmo raciocínio vimos também outra especulação, de que o circuito de Hockenhein poderia ser palco de outra prova, caso possa fazê-lo. O circuito alemão ficou de fora do calendário deste ano, devido às taxas de realização da corrida serem consideradas irreais para a realidade financeira do autódromo, que agora poderia voltar a receber a F-1, mas, tal como na sugestão do circuito português, apenas se lhe forem apresentadas condições viáveis para a realização da prova. Tecnicamente falando, seria uma boa oportunidade para a Liberty Media, que assim poderia conseguir realizar duas corridas, em substituição às provas definitivamente canceladas este ano. São pistas na Europa, onde o deslocamento será sem dúvida menor, e em autódromos que contam com a classificação da FIA para receberem a categoria máxima do automobilismo. Querer e fazer, entretanto, são coisas diferentes. Resta saber se o Liberty Media e a FIA aproveitariam esta oportunidade, para poder oferecer mais GPs viáveis, ajudando a contrabalançar as provas que já não terão condições de serem realizadas em 2020.
O circuito de Portimão (acima), em Portugal, pode sediar um GP de F-1, assim como a pista de Hockenhein (abaixo). Basta a FIA e a Liberty Media oferecerem um contrato viável e justo para que as provas possam acontecer, em substituição às corridas já canceladas de 2020.
   
   Já com relação à proposta de se fazerem rodadas duplas, como forma também de compensar a redução das provas diante dos GPs cancelados, poderia ser de fato uma boa proposta, com a sugestão de termos corridas sendo disputadas no sentido inverso da pista, como forma de diferenciar as duas corridas a serem realizadas em um mesmo circuito. Isso ofereceria um diferencial para as provas, e alguns pilotos já se mostraram receptivos à idéia, como Charles LeClerc, para quem disputar a prova no sentido inverso da pista seria como fazer um novo GP completamente diferente, uma vez que todos estão acostumados com apenas um sentido da pista. A idéia, entretanto, teria de passar pelo crivo da FIA, em especial com relação às condições de segurança do circuito, uma vez que estas foram projetadas para o sentido usual da competição, e alguns setores, como as áreas de escape, e áreas à beira da pista asfaltadas, foram feitas de acordo com este sentido da corrida. É preciso verificar quais são suas condições, viabilidade e efetividade, se a prova for ser realizada no sentido inverso, já que os carros, em caso de escape da pista, o farão em outra trajetória e dinâmica.
            Mas seria de fato um diferencial interessante para se chamar atenção. E o sentido inverso também oferecia aos times o desafio de ter de acertar seus carros para o novo sentido da pista. Com as escuderias sabendo há anos como seus carros geralmente reagem às particularidades de cada circuito, seria um ponto a ter de ser descoberto por todos, já que ninguém possui dados neste sentido, o que poderia potencializar resultados inesperados, e quem sabe, oferecer corridas mais agitadas, onde as disputas entre os pilotos fossem mais imprevisíveis. Se dizem que a necessidade é a mãe das invenções, quem sabe isso não dê à F-1 a receita para revigorar algumas provas que nos últimos tempos têm sido marcadas pelo marasmo e pela falta de disputas mais firmes entre os carros, como por exemplo, em Barcelona, circuito que há anos não mostra corridas empolgantes, devido ao extremo conhecimento que os times possuem do traçado da pista, onde são feitos todos os testes da pré-temporada?
            Com um pouco de empenho e boa vontade por parte dos envolvidos, isso poderia se converter em uma boa solução para termos corridas em 2020, diante das complicações existentes no momento, e dos protocolos de segurança médica e sanitária necessários para se garantir a integridade de todos os integrantes profissionais da competição. Vejamos o que eles farão de fato neste sentido, onde no momento, o que temos mais são especulações, e não decisões exatas, diante do momento complicado que ainda vivemos...


O Rali dos Sertões, que seria disputado no mês de agosto, anunciou que a prova mais tradicional do off-road nacional será disputada agora no mês de novembro, entre os dias 7 e 15 de novembro. O motivo, obviamente, é a ameaça da Covid-19. O roteiro da competição, se tudo correr bem, prevê a largada na cidade de São Paulo, e o destino final em Jericoacoara, no Ceará, um dos pontos turísticos mais famosos do Nordeste brasileiro. O trajeto do rali, contudo, ainda está sendo avaliado, e deve ser divulgado somente em agosto.


Outra corrida acabou cancelada no calendário do esporte a motor de 2020. Desta vez a nova vítima foi o Rali de Portugal, etapa válida pelo Mundial de Rali. Os organizadores tentaram adiar a etapa para o mês de outubro, mas infelizmente não foi possível, de modo que optou-se pelo cancelamento da prova este ano, para retorno em 2021. Já se especulava há alguns dias que não seria possível mesmo fazer a etapa em 2020. Uma corrida a menos para os fãs e torcedores da velocidade poderem curtir, mas ao menos, sem maiores rodeios, resolvendo a situação com celeridade e optando pela segurança.


A história do automobilismo brasileiro perdeu no último final de semana um nome a ser reverenciado. Ricardo Ramsey Divila, que foi projetista dos primeiros carros da equipe Copersucar-Fittipaldi, com passagem em alguns outros times de F-1, e atuação de projetos de várias outras categorias automobilísticas, faleceu aos 74 anos, vítima de um AVC e complicações de um câncer no pâncreas. Ricardo há muitos anos morava na França, onde se estabeleceu, em Magny-Cours, e encontrava-se aposentado. Nascido em 30 de maio de 1945, em São Paulo, capital, Divila formou-se em engenharia aeronáutica pela Faculdade de Engenharia Industrial de São Paulo, mas sempre foi um apaixonado por competições de carros. Isso o levou a conhecer Wilsinho e Émerson Fittipaldi, ainda nos anos 1960, iniciando aí sua trajetória na área técnica das competições, tendo auxiliado os irmãos Fittipaldi na criação de seus carros de competição no automobilismo nacional, como a Formula-Vê. Uma parceria que, interrompida quando a dupla foi tentar a sorte na Europa, acabou retomada quando Wilsinho, ainda na primeira metade dos anos 1970, começou o projeto de criação da única equipe brasileira a participar do Mundial de F-1, com Divila ser o projetista dos primeiros carros da escuderia, além de ser também o diretor técnico do time. Infelizmente, o projeto da Copersucar-Fittipaldi enfrentou poucos altos e muitos baixos, e no início dos anos 1980, o time acabou fechado, pela falta de resultados e recursos. Os anos de trabalho no time brasileiro, contudo, deram reconhecimento a Divila no paddock da F-1, ajudando-o a obter oportunidades de trabalho em algumas outras categorias, como a F-3000, onde trabalhou para Eddie Jordan. O brasileiro só voltaria a trabalhar na F-1 em 1989, quando os motores turbos haviam sido abolidos. Na opinião de Ricardo, antes bastava apenas aumentar a pressão do turbo do motor para se conseguir melhorar os tempos dos carros, e a partir daquele ano, sem ter mais propulsores turbos, o trabalho dos engenheiros voltaria a aparecer com mais frequência. Seu retorno aconteceu pela equipe Ligier, e pouco depois, Divila também acabou prestando serviços para as equipes Life (que nunca conseguiu alinhar em um grid), Minardi, e a Osella-Fondmetal. Ainda na primeira metade dos anos 1990, Ricardo deixou a F-1, para voltar a trabalhar em outros certames e empresas, como a Nissan, e o campeonato da F-Nippon. Esteve presente também nas provas de endurance, marcando presença nas 24 Horas de Le Mans. O brasileiro se tornou um nome muito respeitado na área técnica, e sempre foi considerado também uma grande pessoa, tendo trabalhado com vários profissionais que sempre reconheceram seu talento e caráter. Muitos destes receberam com tristeza a notícia de seu falecimento, pela perda de um amigo com quem tiveram a oportunidade de conversar sobre inúmeros assuntos, e não apenas de automobilismo. Descanse em paz, Ricardo.

Ricardo Divila, Émerson Fittipaldi (no cockpit do Copersucar-Fittipaldi), e seu irmão Wilsinho Fittipaldi. Divila projetou os primeiros carros da escuderia brasileira, e ficou nela até o seu fim, em 1982.

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