sexta-feira, 13 de março de 2020

EXAGEROS OU NÃO?

Tudo já estava pronto no Albert Park para os carros irem à pista, quando enfim saiu a nota oficial do cancelamento da prova que abriria o Mundial de F-1 de 2020.

            De última hora, a corrida de estréia do Mundial de Fórmula 1 de 2020 acabou cancelada. O motivo é o surto do coronavírus Covid-19, que segue fazendo estragos mundo afora, vitimando mais as pessoas pelas consequências das providências que estão sendo tomadas contra a doença do que por ela propriamente dita. A cada dia, a histeria e pânico parecem se acentuar. Parece que estamos prestes a sofrer o apocalypse zumbi da série de TV Walking Dead, tamanha algumas reações que vejo serem tomadas. E será que todas se justificam, ou estamos diante de muitos exageros diante da paranoia das pessoas atualmente? Uma pergunta que não tem uma resposta única, infelizmente.
            O mundo do automobilismo é apenas um entre vários outros eventos esportivos que estão sendo afetados pelo mundo inteiro. A F-1 ganhou críticas por vir à Austrália realizar a prova de estréia do campeonato deste ano, mas até poucos dias atrás, as condições de segurança em relação à doença do coronavírus eram razoáveis. Dava pra se disputar a prova, tomadas as medidas de proteção necessárias. Infelizmente, de um momento para o outro, tudo virou de pernas para o ar, dando a impressão de que estamos diante de algo como a peste negra, e que todos no Albert Park seriam os próximos candidatos a um funeral coletivo. A atitude do cancelamento, apesar de ter sido em cima da hora, em tese deve acalmar os mais afoitos, e tentar trazer um pouco mais de calma, mas os efeitos agora se tornam um verdadeiro dominó, que deve comprometer boa parte do campeonato, se não todo ele.
            A corrida seguinte seria no próximo final de semana, no Bahrein, que iria fazer a prova a portas fechadas, sem ninguém na arquibancada. Podem esquecer esta prova, assim como a do Vietnã, como foi confirmado hoje. Não haverá corrida até o mês de maio, e mesmo as provas programadas para este mês, inclusive Mônaco, estão na total incerteza. Uma previsão aponta que o campeonato poderia começar apenas em junho, no Azerbaijão, e olhe lá. E, por consequência, as provas da F-2, cuja maioria do calendário é disputada junto com a F-1, também foram para o vinagre. A F-E já tinha cancelado a corrida que faria em Roma em abril, e a etapa de Paris também iria dançar. Jacarta já foi para o brejo, assim como tinha acontecido com a prova de Sanya, e também a corrida marcada para Seul, na Coréia do Sul. Então, veio o comunicado da direção da categoria, suspendendo o seu campeonato pelos próximos dois meses. No caso da F-E, eles ainda têm a vantagem de ainda poderem usar praticamente todo o segundo semestre para tentarem realocar as corridas suspensas deste período, e ao menos tentarem concluir sua competição. A F-1, por outro lado, não tem a mesma facilidade, devido ao inchaço de seu calendário.
            Uma opção, ventilada no paddock, seria antecipar para este momento as tradicionais férias de meio de ano da categoria, normalmente realizadas em agosto, e naquele mês, se a situação se acalmar, alocar as provas que estão sendo prejudicadas agora. Parece uma opção razoável. Espero que tudo se ajeite até lá, e que ao menos possamos ter um campeonato minimamente organizado.
            A Indycar também daria a largada em seu certame neste final de semana, e já tem seus problemas. Em São Petesburgo, na Flórida, onde a prova iria ocorrer, já tinha sido comunicado que até iria acontecer, mas com portões fechados, e hoje também veio a notícia de que a etapa foi cancelada. Já se antecipando à confusão, a cidade de Long Beach, uma das provas mais famosas do calendário, já adiou a corrida para data ainda a ser definida, não mais ocorrendo em abril, como o planejado. E com a direção da Indycar também anunciando que a corrida no Alabama e em Austin foram suspensas, o certame norte-americano agora espera poder dar início às disputas no mês de maio, com as provas em Indianápolis, em especial a mais importante delas, as 500 Milhas de Indianápolis. O Mundial de Endurance, que iria disputar uma prova em Sebring, na Flórida, este mês, acabou cancelada pela decisão de Donald Trump de barrar praticamente todos os vôos provenientes da Europa, em uma atitude que irritou muita gente, dada a tempestividade de como a decisão foi tomada. Com a maior parte de seus integrantes sediada na Europa, o WEC não teve alternativas a não ser cancelar a prova nos Estados Unidos, e torcer agora para que ao menos as 24 Horas de Le Mans possam ser disputadas, em junho.
Prova em São Petesburgo abriria a temporada da Indycar, e também foi cancelada de última hora. Etapas de Austin, Alabama, e Long Beach também foram canceladas.
            O IMSA Weather Tech Sportscar também teria uma etapa em Sebring, e a princípio, iria ocorrer, mas a direção da categoria também preferiu adiar a corrida para o segundo semestre, esperando a poeira se assentar, e realizar uma corrida em um clima mais calmo.
            A MotoGP, então, está igualmente enrolada. No Catar, tudo correu bem com as categorias Moto2 e Moto3, que já estavam no país do Oriente Médio, e escaparam das medidas restritivas impostas pelo governo do país a quem viesse do exterior, e principalmente, da Itália, ao contrário da categoria principal. Com a prova da Tailândia adiada preventivamente por causa do surto, para o segundo semestre, tudo indicava que a classe rainha do motociclismo daria seu pontapé inicial em Austin, no Texas, no início de abril. Mas a prova nos Estados Unidos também acabou adiada para o final do ano, e a corrida na Argentina também acabou de ter o mesmo destino. Com isso, o início do campeonato, agora, em tese, só será em maio, e isso se nada mais acontecer até lá. Mas, no ritmo dos atuais acontecimentos, tudo ainda pode piorar, dadas as reações que estamos vendo sobre a doença pelo mundo inteiro.
            Os estragos econômicos tem sido feios, mas por enquanto, restringem-se mais ao mercado de ações, onde “perdas bilionárias” e “nervosismo” dos investidores tem deixado meio mundo em polvorosa. Mas, desde que considero há muito tempo bolsa de valores como um lugar onde o que se vê mais é especulação de papéis, com muito poucos a ganharem quando a bolsa “sobe”, e prejudicando muita gente quando ela “desce”, diria que boa parte desse pessoal que ganha com sobe e desce de papéis não me fará perder o sono. Temos que nos preocupar com medidas concretas, e sensatas, sem histerias, que possam dar alguma tranquilidade às pessoas, que no presente momento, em sua maioria, parecem ver o fim do mundo pela frente, e ainda não é para tanto esse pânico.
  
A MotoGP também teve de cancelar sua prova de estréia da temporada, em Losail.
         
Não se trata de menosprezar a doença, mas de encará-la com mais cuidado e realidade. É preciso tomar cuidados e diversas precauções, mas ao mesmo tempo, manter a calma, e evitarmos ao máximo ficarmos paranóicos. Tudo o que se tem falado nos últimos dias dá até a impressão de que o coronavírus é a única ameaça à saúde das pessoas, esquecendo-se de muitas outras ameaças que são realmente bem mais sérias e letais do que a Covid-19. Muitos exigem uma “vacina”, como se isto fosse a única salvação possível para o surto, quando o que precisamos fazer é determinar e estabelecer o tratamento adequado. A letabilidade da Covid-19 é relativamente baixa, e devemos nos preocupar mais com os grupos de risco, concentrando as atenções em evitar contágios em pessoas que podem ser potencialmente mais expostas à doença, como os idosos, e quem já possui alguma doença que complique sua atual condição médica.
            Será preciso lembrar que, aqui no Brasil, temos a crise da dengue, e que isso já dura vários anos? E esta doença pode ser tão ou até mais letal do que a Covid-19. Não temos uma vacina, mas temos um tratamento, que costuma funcionar. O mundo aqui no Brasil não acabou por causa da dengue, como o coronavírus dá a entender que vai fazer. Fôssemos aplicar à dengue a mesma histeria e paranoia que vem sendo atribuídas à Covid-19, o Brasil já seria considerado terra “maldita” pelo planeta inteiro. Temos só este ano mais de 180 mil casos no nosso país, e as contas vem subindo muito mais do que as do coronavírus em todo o mundo. E, enquanto isso, várias outras doenças ainda infectam e matam pelo planeta inteiro muito mais pessoas. De repente, parece que estas outras doenças “sumiram”, uma vez que quase não se fala mais delas.
            Eu ficaria muito mais preocupado se, em vez da Covid-19, tivéssemos uma epidemia do vírus ebola, que há algum tempo atrás promoveu inúmeras mortes em países africanos, sendo extremamente letal, e exigindo providências imediatas e extremamente severas para ser administrado. Isso sim seria algo que justificaria um pânico como o que se vê no momento em relação ao coronavírus, que repito, não deve ser tratado com leviandade, mas também não pode ser encarado como um verdadeiro pandemônio.
            As próprias pessoas por vezes se esquecem de hábitos simples de higiene e saúde que, se aplicados, poderiam minimizar e muito a situação. Manter as mãos limpas, e a higiene dos locais onde se vive, e ter os devidos cuidados no preparo de alimentos e refeições. Infelizmente, apesar de básicas, muita gente, em muitos países, não tem condições de ter nem mesmo isso. São flagrantes as imagens de poluição, sujeira, e por vezes maus hábitos entranhados em vários povos, que perpetuam condições de pobreza, tanto financeira quanto moral, que uma hora, favorecem o surgimento de doenças e moléstias que podem acabar fugindo ao controle. Não é preciso nem ir muito longe, pois aqui mesmo no Brasil, temos cenas degradantes onde a população, sim ela, em que pese o poder público também ter sua parcela de culpa, joga lixo e degrada o meio ambiente como se isso nunca fosse gerar consequências.
A F-E suspendeu seu campeonato pelos próximos dois meses.
            Voltando a citar a dengue, é uma doença onde todos sabem como podem evitar, ou dificultar sua proliferação. Mas entra ano, sai ano, e a dengue continua por aqui, e as pessoas continuam a não tomar os devidos cuidados, que são até simples, mas por isso mesmo, ainda mais condenáveis por não serem praticados. Há muitas pessoas conscientes que fazem sua parte, mas infelizmente seus esforços muitas vezes acabam comprometidos por aquelas que além de nada fazerem, ainda estragam os esforços daqueles que cumprem com suas obrigações. E pior, sempre acusando o poder público, como se este fosse o único culpado por tudo o que de ruim acontece.
Difícil dizer aonde o surto da Covid-19 vai parar. A Itália fechou literalmente o país inteiro, achando que assim vai se prevenir. Uma medida talvez radical demais, e sem garantias de que funcione. E os Estados Unidos, literalmente proibindo todos os vôos vindos da Europa, revelam que cada nação parece atropelar o bom senso quanto a alguns procedimentos que poderiam ser adotados para se combater a disseminação, sem cair no exagero de medidas tão radicais. Mas nada é pior do que aqueles que disseminam falsas informações a respeito da doença, muitas vezes colaborando de forma intencional, na mais profunda má fé, para ampliar o caos, a histeria, e o pânico nas pessoas. E é fácil de ver isso até mesmo aqui no Brasil, onde já vi algumas pessoas, especialmente com intenções políticas, de se aproveitar da situação para criarem ainda mais instabilidade e confusão, algo que já temos em demasia, justamente por patifes que não pensam em nada além de poder, ganância, e interesses mesquinhos. Pessoas sem nenhuma moral ou sentimento de solidariedade e cidadania, para ajudar a manter um clima sereno e ordeiro, com todos trabalhando juntos para minimizar os efeitos negativos que este surto está causando.
Alguns lugares, preventivamente, suspenderam suas atividades, procurando colaborar para evitar maiores aglomerações de pessoas, e tentar conter a disseminação do vírus. Muitos com grande antecedência, ajudando as pessoas a se programarem para saber o que irá ou não acontecer por aí. No caso da F-1, uma decisão sobre a prova australiana já deveria ter sido tomada com mais antecedência, procurando minimizar a situação, e assim, também evitando receber críticas por manter a realização da corrida, dando a entender que não se solidarizava com as preocupações a respeito da doença.
            Não seria a primeira vez que a F-1 atrairia atenções negativas assim. No início desta década, quando irromperam os protestos da “Primavera Árabe”, foi com custo que a F-1 resolveu cancelar a prova no Bahrein, na região, que também sofria com os protestos. Apesar do governo barenita garantindo a segurança, demorou-se um pouco até descobrir o óbvio: que era melhor ficar sem a corrida naquele ano, a brincar com os sentimentos do povo que se sentia prejudicado por seus governantes. Diante do histórica que a categoria máxima do automobilismo costumava apresentar, foi quase um milagre o cancelamento. Mas a F-1 já tinha sofrido pressões em plenos anos 1980, por competir na África do Sul, país onde na época vigorava o odioso regime do Apartheid, que justificava a discriminação da população negra, maioria no país, por parte da elite minoritária branca, que governava. Bernie Ecclestone costumava dizer que política e esporte não se misturavam, mas ao competir em Kyalami, a F-1 na prática era condescendente com o racismo praticado oficialmente pelo governo. Foram vários anos de pressão, até que a F-1 competiu pela última vez por lá em 1985. Voltaria lá somente na década seguinte, quando o regime de discriminação racial havia sido abolido.
            Cancelar a prova foi a melhor opção. Já seria ruim continuar, e ficou pior uma vez que a McLaren, que teve um de seus funcionários diagnosticado com a Covid-19, optou por não disputar a corrida. Teríamos então 18 carros na pista. Mas depois que Sebastian Vettel e Kimi Raikkonen teriam desistido de competir, e já estariam voltando para a Europa antes que a FIA, FOM, e direção da prova optassem pelo cancelamento, seriam então 16 carros no grid. Como Lewis Hamilton afirmou, em tom de desabafo, o “dinheiro fala”, e tudo pareceu ser apenas uma queda de braço para ver quem dava o primeiro passo para se cancelar oficialmente o GP, e com isso, ter de arcar com as multas milionárias que isso significa. Ninguém queria dar o braço a torcer, e principalmente, arcar com este prejuízo. Mas convenhamos, numa situação como essa, não era muito mais fácil chegarem a um acordo mútuo, diante dos motivos excepcionais do momento?
            A F-1 agora terá que decidir o que fazer. O mais óbvio era simplesmente cancelar oficialmente as etapas do Bahrein e Vietnã, o que foi comunicado hoje, e aguardar o desenrolar dos acontecimentos na Europa, antes de definir como e quando o campeonato irá de fato começar. Começam as especulações sobre como o campeonato irá ficar, dependendo dos acontecimentos, mas a verdade é que ninguém tem a mínima certeza do que fazer neste momento. Algumas pessoas mais pessimistas já falam até em esquecerem 2020, e se programarem para 2021.
            A Stock Car Brasil também resolveu se mexer, e a corrida de duplas que abriria a temporada de 2020, dia 29 deste mês, teria proibição de pilotos do exterior participarem, como programado inicialmente. Mas a proibição se tornou inócua, pois hoje a direção da categoria anunciou a suspensão da corrida, adiada para o dia 22 de novembro, na mesma pista onde seria realizada, em Goiânia. É, o ano de 2020 promete ser mesmo inesquecível... E todo mundo vai fazer questão de detestar isso...

Nenhum comentário: