sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

UM POUCO DE BOM SENSO...

            A razão prevaleceu, e a etapa de abertura do campeonato mundial de Fórmula 1 de 2011 se dará em Melbourne, no dia 27 de março, e não mais no dia 13, no circuito de Sakhir, no Bahrein. A prova teve seu “adiamento” comunicado oficialmente esta semana por um membro da família real barenita, que julgou ser mais importante, neste momento, trabalhar para sanar os graves protestos que eclodem entre a população, do que promover um evento esportivo. Nada mais óbvio, se tudo tivesse sido feito como manda o bom senso. Infelizmente, isso é algo que anda meio em falta quando se trata da F-1, onde nos últimos tempos, só o dinheiro interessa.
            Bernie Ecclestone fez uma espécie de “cabo de guerra” com a família real barenita para ver quem cancelava a corrida primeiro. Pelas regras do contrato, existem cláusulas que permitem que a prova não seja realizada sem gerar multas rescisórias para ambas as partes, mas quem desse o primeiro passo rumo ao cancelamento poderia perder o direito de restituição da grana já desembolsada, e Ecclestone não estava disposto a ceder, em virtude dos mais de US$ 60 milhões estimados em direitos de sediar um GP que são cobrados do Bahrein. Aliás, um detalhe interessante é que a prova não está “cancelada” oficialmente. Fala-se apenas em “adiamento”, embora não tenha sido dada nenhuma data para a futura realização da corrida. E nem poderia, pois a situação no pequeno país árabe, se caminha para um certo entendimento, ainda não dá para saber quanto tempo levará para a poeira de fato abaixar por aqueles lados. Na prática, a prova está mesmo cancelada, mas Ecclestone com certeza já estuda uma maneira de reencaixar o GP tão logo seja possível.
            Tamanha atenção por parte de Ecclestone se justifica em virtude das altíssimas taxas cobradas por ele ao país barenita para sediar um GP. Montados no petróleo, em um território menor do que a zona urbana da Grande São Paulo, a família Al Khalifa sempre pagou sem pestanejar o valor pedido por Ecclestone, e ainda pagaram um bônus pelo direito de serem a etapa inicial do campeonato. Algo em torno, estimado, claro, uma vez que os dados oficial são sigilosos, de quase US$ 70 milhões, uma fortuna, e um disparate quando vemos a pobreza que existe naquele pequeno país, que é muito rico, mas permite existir pobreza em grau tão elevado. E esta pobreza foi um dos estopins da revolta popular, pra não mencionar a secular rixa muçulmana entre sunitas e xiitas. Dada a delicadeza da situação, ninguém vai pagar nada de multa por enquanto. Bernie dá um afagão nos árabes, porque se lhes metesse a faca, como costuma fazer em outras ocasiões, quando não hesitou em ameaçar e cancelar corridas tradicionais só porque não lhe pagavam valor tão exorbitante, poderia perder o cliente, e bem ali do lado, em Abu Dhabi, tem outro GP, o dos Emirados Árabes, que também pagam uma taxa astronômica a Ecclestone. Se assustá-los, pode perder dois potenciais clientes que até hoje nunca hesitaram em jogar dinheiro pela janela. Mas Abu Dhabi enfrenta crise econômica no momento, e nada garante que as coisas não esquentem por ali também, o que seria mais uma dor de cabeça para o chefão da FOM.
            Como oficialmente o “adiamento” da corrida partiu do Bahrein, então “oficialmente”, a F-1 não tomou uma decisão baseada no bom senso. Embora já fosse de conhecimento público que ninguém estava entusiasmado em ir para lá, ainda mais depois que a GP2 Asia teve suas etapas canceladas na semana passada, todos diziam que teriam de cumprir com as decisões da FIA e FOM. Ou seja, se dependesse de Todt e Ecclestone, provavelmente teríamos corrida nem que fosse no meio do tiroteio, uma vez que o lado negócio da F-1 sufoca totalmente seu lado esportivo. Tivesse bom senso realmente, a categoria nunca correria em lugares como a China, que é uma ditadura; ou na África do Sul, quando vigorava a toda força o odioso regime de apartheid, que riscava os negros do rol dos direitos humanos, enquanto aos brancos tudo era permitido. Mas a força do dinheiro manda, e não seria exagero dizer que a F-1 em nada deve às piores ditaduras do mundo. Ecclestone manda com mão de ferro, e não gosta de ser desafiado. Os times, por sua vez, preferem entrar no jogo, pois tem muita grana envolvida, e eles, por si sós, também não gostam de posturas “rebeldes” ou “independentes”. Todo piloto hoje em dia tem que dar entrevistas acompanhado de um assessor de imprensa ou algo do gênero, e estão terminantemente proibidos de falar sobre certos assuntos. Não seria forçado dizer que a Ferrari se assemelha mais à Máfia do que a um time esportivo, entre outras coisas, e isso é apenas falar de modo simplista, pois a coisa é mais complicada do que parece...
            Dá uma tremenda saudade dos velhos tempos, onde os pilotos podiam ser mais sinceros e dizer o que realmente pensavam, sem se preocuparem com a praga do politicamente correto, outra desgraça que impera na categoria hoje em dia, com frases padronizadas e declarações pasteurizadas, que fazem com que as antes interessantes entrevistas coletivas hoje dêem a impressão de não passarem de sessões destinadas a curar insônia. Nélson Piquet, famoso por suas declarações inflamadas, hoje seria excomungado da categoria, não importando o talento que demonstrasse...
            Se querem um exemplo de como a F-1 dá de ombros para o bom senso, o que dizer do fiasco do GP dos EUA de 2005, quando nos treinos os técnicos da Michelin descobriram que seus pneus não poderiam dar segurança aos times durante a corrida em Indianápolis daquele ano, devido a falta de maiores dados do circuito para a construção dos pneus. Problema levado aos comissários e à FIA, foi sugerida uma solução de compromisso com a instalação de uma “chicane” provisória que mataria parte da velocidade na curva 1 do Indianápolis Motor Speedway, o trecho mais crítico para os pneus, de modo que a segurança estaria garantida, e a prova pudesse ocorrer sem maiores alardes. A reação da FIA foi totalmente negativa, e ainda avisaram os times que, se boicotassem a corrida, sofreriam pesadas sanções. No início da prova, então, todos os carros largaram para a volta de apresentação, mas em seguida foram para os boxes e abandonaram, em protesto, e para evitar colocar seus pilotos em perigo desnecessário. Apenas os carros equipados pela Bridgestone largaram naquela prova ridícula – apenas 6 carros. Todos os times da Michelin foram multados, e acusados de denegrirem a imagem da categoria. Não preciso nem dizer quem fez a pior burrada, numa demonstração total de falta de bom senso...
            Aliás, a última vez que a F-1 demonstrou integridade e segurança acima dos interesses comerciais vai bem longe: foi em 1985, quando o GP da Bélgica daquele ano, marcado para o dia 2 de junho, acabou adiado em 3 meses, sendo disputado apenas no dia 15 de setembro. Nos primeiros treinos de sexta-feira, no dia 31 de maio, todos os pilotos verificaram as péssimas condições do asfalto de Spa-Francorchamps, que havia sido recapeado de última hora, sem ter tido a chance de “curar”: a camada de asfalto se desfazia até com o pisar mais forte dos sapatos e tênis, o que tornava totalmente inviável disputar um GP naquelas condições. O adiamento foi feito quando todos já estavam no circuito, e foi aceito em amplo acordo entre todos. Em setembro, a prova foi disputada normalmente, e ninguém saiu perdendo no episódio, muito pelo contrário, a F-1 dava uma prova de que se pautava pela segurança de seus integrantes e pela qualidade do esporte. Lamentavelmente, isso ficou totalmente no passado...
            Com o “adiamento” do GP, a última sessão de testes coletivos da categoria, que também seriam feitos no circuito de Sakhir, foram para o vinagre. A F-1 deve voltar novamente a Barcelona no fim da semana que vem, para efetuar a última sessão de treinos visando a temporada. Há quem aposte que, em virtude de se fazer um teste com clima mais quente, pode haver uma outra sessão de testes coletivos, embora as opções de pista sejam reduzidas na Europa no momento. Muitos gostariam de ver os carros andando em Portimão, no Algarve, onde existe um novíssimo circuito com todos os requisitos para abrigar um GP de F-1. Mas, coincidentemente, em mais um exemplo de que a F-1 não prima pelo bom senso, Portugal parece estar na “geladeira” no que depender de FIA e FOM. Definitivamente, tem coisas que não dá mesmo para entender na categoria máxima do automobilismo...

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