sexta-feira, 22 de março de 2019

AUSTRÁLIA 2019 NA F-1

Com uma largada mais eficiente, Valtteri Bottas superou Lewis Hamilton logo no começo e rumou firme para a vitória no Albert Park.

            Começou a 70ª temporada da Fórmula 1, e o panorama que vimos na primeira etapa do campeonato não foi bem o que muitos esperavam, pelo menos em relação à disputa pela vitória, algo que praticamente não houve no Albert Park na corrida. Nos treinos, já dava para perceber que as suspeitas de que a Mercedes escondeu ritmo nos testes da pré-temporada eram mais do que válidas. Mesmo assim, todo mundo esperava ao menos uma disputa mais próxima pela vitória, como havia ocorrido no ano passado. Foi em vão: Lewis Hamilton e Valtteri Bottas simplesmente deixaram todo mundo comendo sua poeira, com o concorrente mais próximo a 0s7 de distância. Na largada, Bottas tracionou melhor que Hamilton, fez a primeira curva na frente, e foi-se embora, não sendo incomodado pelo inglês até a bandeirada final. Lewis teve sua corrida prejudicada por dois fatores: primeiro, teve parte do assoalho do carro danificado após passar por alguma coisa; segundo, a equipe o chamou muito cedo para o box, temendo que Sebastian Vettel, que havia feito sua parada pouco antes, tentasse dar o bote. O tiro saiu pela culatra para ambos: não só Hamilton não foi ultrapassado pelo alemão, como teve que fazer seus compostos durarem até o fim da corrida. Mas tendo de andar num ritmo mais lento do que gostaria de fazê-lo.
            Isso não tira em nada o mérito da bela performance de Bottas, que comandou a corrida como quis, e ainda fez a volta mais rápida da prova perto do final, garantindo o novo ponto extra incluso no regulamento a quem marca a melhor volta da corrida, desde que termine dentro dos 10 primeiros colocados. Com o carro em ordem e a parada de box no momento correto, Hamilton até poderia ter tentado discutir a vitória, mas muito provavelmente não conseguiria superar o finlandês, que estava em ponto de bala no domingo. Hamilton, por outro lado, ainda teve de dar duro para guarnecer o 2º lugar, acossado por Max Verstappen no fim da corrida. O inglês, porém, não deu chances ao atrevido holandês de tentar alguma coisa.
            Aliás, a performance da Red Bull em sua primeira corrida como time oficial da Honda é digna de elogios, e para ambas as partes. Adrian Newey produziu outro carro de grande qualidade, como costuma fazer, e a Honda parece que finalmente começará a mostrar seu cartão de visitas na disputa pelas primeiras colocações na categoria máxima do automobilismo, como fez nos seus anos de glória entre 1985 e 1992. O propulsor japonês não fraquejou em nenhum momento do final de semana australiano, o que motivou as mais diversas piadas contra a McLaren e Fernando Alonso, que tanto criticaram a unidade de potência nipônica, em que pese o fato de a unidade atual ter pouca coisa em comum com a versão usada nos três anos da recente associação da equipe inglesa com a fábrica de Sakura. Erros da McLaren levados em consideração, a unidade japonesa naqueles dias era realmente problemática, carecendo tanto de potência quanto de confiabilidade, adjetivos que hoje eles podem exibir com mais propriedade, mas depois de um longo aprendizado naqueles tortuosos anos, e também de ter de aceitar ajuda externa para solucionar parte dos problemas, a contragosto.
Kimi Raikkonem, em sua primeira prova pela Alfa Romeo, levou o time à zona de pontuação com uma toada firme e determinada.
            Mas os resultados estão aí, e exibindo uma performance e confiabilidade bem mais aceitável, e impulsionando um dos melhores carros do grid, a Honda poderá começar a deixar aquele momento humilhante para trás. Mas eles ainda mantém os pés no chão, e sabem que o pódio conquistado com o 3º lugar de Max Verstappen não pode ser superestimado, uma vez que Verstappen nunca teve chance de discutir a vitória com Bottas, e só chegou em Hamilton pelos problemas de pneu e de assoalho no carro do inglês. Helmut Marko ainda fala até em disputar o título, mas isso é exagerado. É preciso esperar pelas próximas duas corridas, no mínimo, para vermos se a Red Bull estará de fato forte para isso. Até o presente momento, ninguém pode garantir que eles não conseguissem o mesmo resultado se ainda estivessem sendo impulsionados pela Renault. Há otimismo para um desenvolvimento maior com os japoneses, é verdade. E, para o bem da competição, será muito bem-vinda a Red Bull nesta briga, a se confirmar este potencial, ajudando a esquentar os duelos por vitórias e pódios na F-1. Verstappen, se não arrumar confusão na pista, é sempre um piloto de quem nunca pode se esperar comodismo: ele vai para cima mesmo, ainda que com poucas chances, e o público quer ver pilotos com essa atitude decisiva na pista, e não burocratas ao volante fazendo uma prova sonolenta. Vejamos se, quando Mercedes e Ferrari não tiverem problemas, a Red Bull conseguirá pressioná-los como se precisa para realmente sonharem em disputar o título. Caso contrário, vencer ainda será algo mais circunstancial para o time dos energéticos, como tem sido desde 2014.
            A Ferrari acabou sendo a grande decepção na Austrália, no aspecto técnico e esportivo. Considerando os treinos da pré-temporada, mesmo relativizando as marcas alcançadas, não se esperava que Sebastian Vettel e Charles LeClerc tomassem tanto tempo dos carros da Mercedes. OK, poderíamos esperar um ritmo melhor na corrida, algo que não seria nenhum exagero. Mas nem isso foi possível: Bottas e Hamilton foram-se embora, e a Ferrari ainda azarou a estratégia de corrida de Vettel, chamando-o prematuramente ao box para trocar pneus, obrigando-o a fazer a maior parte do GP com um único set. Mas o carro não se encontrou com os novos pneus, e Vettel foi ficando cada vez mais para trás. Ser superado por Max Verstappen não estava nos planos do alemão, que ainda levou mais um desagravo para casa: só não perdeu posição para LeClerc porque o time proibiu o monegasco de ultrapassá-lo na parte final da corrida, quando estava bem mais veloz. E aqui a Ferrari mostrou total desprezo até por sua palavra: a promessa de que Charles e Sebastian teriam liberdade para disputarem posição na pista virou poeira logo na primeira corrida. Lógico que muitos torcedores caíram de pau em cima do time italiano, que sempre nunca teve pudores de privilegiar um de seus pilotos e, nas palavras de alguns fãs mais exaltados, “sabotar” o outro piloto, impedindo-o de obter resultados melhores.
O dito pelo não dito: a Ferrari se embananou no acerto do carro e ainda renegou a promessa de duelo entre Sebastian Vettel e Charles LeClerc.
            Com a cara de pau que já vimos em outras ocasiões, exibidas por Lucca de Montezemolo e Jean Todt, Mattia Binotto deu explicações nem um pouco convicentes para a atitude tomada pelo time. Mesmo que não fosse possível Charles alcançar Verstappen na pista, ao menos daria moral para o garoto dar tudo de si, só para reforçar ainda mais a justificativa de que Vettel teve problemas em sua unidade de potência, e que não fosse isso, teria andado muito mais rápido. Mas o time italiano meteu os pés pelas mãos, e como desgraça pouca é bobagem, o fato de não terem conseguido entender como não tiveram a performance esperada no Albert Park é um indicativo preocupante, mostrando que não foi só um problema relativo à unidade de potência no carro de Vettel. A frustração dos italianos fica ainda mais patente porque a Ferrari andou muito forte na pista australiana nos dois últimos anos, mostrando que seria muito competitiva no resto do ano. Agora, é correr atrás do prejuízo nas próximas etapas, e torcer de fato para o que vimos no Albert Park ser mesmo um ponto fora da curva, pois do contrário...
            Se as disputas pelas primeiras posições não foram tão empolgantes como se imaginava, pelo menos atrás, a briga foi mais animadora. Que o segundo pelotão iria andar próximo, isso já era uma forte indicação depois dos testes de Barcelona. Ao menos neste ponto, realmente só não tivemos mais disputa porque a pista do Albert Park não colaborou, mas se formos analisar os tempos do grid, da 7ª posição, de Romain Grosjean, da Hass, até o 18º, Carlos Sainz Jr., da McLaren, a diferença de tempo foi de aproximadamente 1s25. Um bom sinal de que realmente o bicho deve pegar nesta parte do grid nos próximos GPs.
            Pelo menos nesta primeira corrida, a Hass saiu na frente, mas por incrível que pareça, voltou a cometer o mesmo erro que acabou com sua corrida na Austrália no ano passado: Grosjean teve de abandonar a corrida por causa de uma das rodas dianteiras, que ficou solta depois da parada no box. Ao menos isso não ocorreu no carro de Magnussen, que chegou em 6º lugar, o último dos que terminaram na mesma volta do vencedor.
Kevin Magnussen levou a Hass à 6ª posição em mais uma boa corrida. Grosjean novamente perdeu uma roda por causa de erros no pit stop.
            Um pouco mais atrás, a Renault negou um pouco de fogo na corrida. Se na classificação Nico Hulkenberg e Daniel Ricciardo quase conseguiram largar entre os 10 primeiros, na prova o carro do time francês mostrou que ainda precisa evoluir se quiser incomodar os times de ponta. Ricciardo, a nova estrela do time, travou um duelo equilibrado no grid com Hulkenberg, piloto da casa nos últimos anos. Mas a corrida do australiano acabou logo na largada, quando foi tentar ultrapassar no limite da pista, e perdeu o bico quando este acertou uma saliência na grama junto à saída do box. Não foi a estréia que Daniel esperava em seu novo time. Hulkenberg fez o que pôde, mas mesmo terminando em 7º, ficou uma volta atrás do vencedor. Se já tínhamos certeza de que o carro de 2019, mesmo mais competitivo, ainda teria um grande déficit a superar para tentar alcançar o trio Mercedes/Ferrari/Red Bull, isso ficou ainda mais evidente, para não mencionar que não dá nem para avaliar se a nova unidade de potência francesa evoluiu de fato como programado, já que o carro não se revelou tão competitivo como esperavam, embora haja boa margem para desenvolvimento, especialmente em ritmo de corrida, onde Hulkenberg mostrou melhor desempenho do que na classificação. E na briga particular com a Honda, a Renault entrou decidida a não ser superada pelos japoneses, algo complicado quando eles equipam agora um dos melhores carros da categoria, o chassi RB15 da Red Bull, o que já lhes dá uma vantagem considerável em termos de potencial de resultados, como vimos em Melbourne.
            Como se não bastasse essa desvantagem, a Renault ainda foi a primeira a sofrer um revés considerável em 2019 no que tange à unidade de potência: Carlos Sainz anotou a primeira quebra de motor da temporada, com menos de 10 voltas de prova, sendo o único piloto que teve este percalço no fim de semana australiano. Para a McLaren, a decepção de constatar que mesmo com a melhora promovida no novo MCL34, o time continuará tendo dificuldades na competição, em virtude da evolução dos adversários. Lando Norris até conseguiu ir para o Q3, mas na corrida, não conseguiu manter posição, e chegar dentro da zona de pontuação. Que o time sabia que não devia sonhar muito, era esperado, mas acho que não imaginavam estarem ainda tão atrás como se viu.
            A Alfa Romeo pode beliscar pontos com regularidade durante o ano. Kimi Raikkonem guiou com garra e determinação, deixando Antonio Giovinazzi na sobra, que ainda por cima teve sua corrida também estragada pela estratégia do time, que o deixou na pista segurando um pelotão de carros mais velozes. Da mesma maneira, Danill Kvyat guiou com a velocidade que lhe garantiu um lugar na Red Bull antes de ser defenestrado pela cúpula do time deslumbrada com Max Verstappen, a ponto do russo conseguir segurar Pierre Gasly atrás de si na parte final da corrida. Alexander Albon também não comprometeu, mas o time B dos energéticos também vai enfrentar um páreo duro no meio do pelotão, como se viu. E até mesmo a Racing Point (que nome mais bobo) conseguiu pontuar em Melbourne, e com Lance Stroll, que teve uma prova mais inspirada que Sergio Perez, mas também deu sorte de todos que vinham atrás dele não terem conseguido chegar a ponto de fazer uma ultrapassagem. Mesmo assim, diante dos problemas que o time teve na pré-temporada, já foi um alento pontuar logo na primeira corrida. Com vários times duelando neste segundo pelotão, com performances próximas, qualquer deslize pode significar chegar várias posições à frente ou não. Nenhuma chance pode ser desperdiçada nessa luta.
            Confirmado mesmo foi a péssima condição da Williams. Os carros de George Russell e Robert Kubica conseguiram ser mais lentos do que os carros da própria escuderia quando comparados ao grid de 2018. Pouca coisa, é verdade, mas quando vemos que todos os outros times evoluíram suas marcas, o time de Grove permaneceu onde estava, se não regrediu, cuja negativa praticamente não alivia em nada. Russel ainda conseguiu um tempo bem melhor do que Kubica, que enfim fez o seu retorno oficial à Fórmula 1. Mas o que deveria ser um sonho, fruto de uma árdua batalha para recuperar condições de voltar a competir na categoria máxima do automobilismo, pode virar mesmo é um pesadelo: Robert ficou 1s7 atrás de Russell no grid, e na corrida ainda perdeu a asa dianteira depois de um toque, precisando de uma parada extra nos boxes para consertar o carro. E, aliás, outro ponto extremamente negativo para a Williams: não havia peças de reposição suficientes para os dois carros, algo impensável na logística de um time que se pretende ser competitivo. Isso obrigou os pilotos a serem um pouco mais conservadores, em outras palavras, mais lentos do que já seriam, para evitar sofrerem algum acidente na hora de pilotar ao máximo. Faltou pouco para os dois carros da Williams não extrapolarem o limite de 107% do tempo do pole-position, o que poderia significar a eliminação dos dois pilotos. Vai ser mesmo um ano complicado em Grove...
Robert Kubica e Daniel Ricciardo tiveram um domingo para esquecer com acidentes onde perderam os bicos dos carros logo no início da prova.
            Infelizmente, a corrida não foi das melhores. Tradicionalmente uma pista difícil de se ultrapassar, nem mesmo as novas regras técnicas facilitaram as disputas no Albert Park. Romain Grosjean foi enfático ao afirmar que seguir o carro da frente ficou mais fácil, mas nem por isso as ultrapassagens ficaram mais fáceis. E até mesmo o DRS com maior abertura também não propiciou oportunidades tão mais vantajosas como no ano passado. Ao menos, o consolo de saber que a pista australiana tem particularidades próprias ajuda a ter esperança de que nas próximas etapas, em especial nos circuitos de verdade, as novas asas e DRS possam oferecer condições reais de melhora das disputas.
            Da mesma maneira, poderemos conferir se a Mercedes tem mesmo toda a força demonstrada em Melbourne, ou se Ferrari e até Red Bull conseguirão vir para a briga. E também poderemos confirmar se o segundo pelotão será a salvação das corridas na busca por emoção em duelos na pista, pelo nível de proximidade de pelo menos 6 escuderias que deverão lutar como nunca pelas posições secundárias logo após o trio de favoritos, e quem sabe, até se intrometendo no meio deles, na melhor das hipóteses. Talvez esteja sendo otimista até demais, mas é preciso sempre ter esperança. E a torcida continua a mesma: que possamos ter um bom campeonato, apesar de tudo!


O 3º lugar de Max Verstappen na Austrália foi o melhor resultado da Honda desde o seu retorno à F-1 em 2015. E o primeiro pódio da marca desde o GP da Inglaterra de 2008, obtido por Rubens Barrichello, quando a Honda competia com um time próprio, e o carro naquela temporada era um horror, pouca coisa melhor do que o do ano anterior. Desta vez, ao contrário daquele ano, a Honda pelo menos equipa um carro de respeito, e novos pódios devem pintar em breve neste ano...

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