sábado, 2 de março de 2019

PRÉ-TEMPORADA: SEGUNDA SEMANA


Sebastian Vettel encerrou a pré-temporada com o melhor tempo, mas a Mercedes está nos calcanhares da Ferrari e a disputa pode ser bem mais parelha do que se pensava.

            Acabou. Mais uma pré-temporada mísera de apenas 8 dias, e agora é hora de empacotar tudo para a longa viagem que a turma da Fórmula 1 fará da Europa até Melbourne, na Austrália, já na próxima semana, para chegar ao local de abertura da temporada 2019 da categoria máxima do automobilismo. Tudo indica que deveremos ver um novo duelo entre as maiores potências do grid, Ferrari e Mercedes, com os demais times lutando pelo posto de melhor do “resto”. Se teremos um bom campeonato, ainda não dá para saber.
            A Ferrari continuou mostrando sua força nesta segunda semana de testes coletivos da pré-temporada, na pista de Barcelona, inclusive com Sebastian Vettel a marcar o melhor tempo de todos hoje, sexta-feira, com a marca de 1min16s221. O único porém é que Lewis Hamilton, enfim mostrando performance de classificação, fechou o dia com 1min16s224, com os mesmos pneus mais macios, e em tese com condições similares. E uma diferença de apenas 0s003 é praticamente um empate. Se é verdade que Vettel não teve chance de melhorar seu tempo por ter tido problemas, a Mercedes também treinou pouquíssimo tempo em configuração de classificação, e com mais tempo, poderia também refinar o acerto de seu bólido, e quem sabe, até superar a rival Ferrari. Durante a maior parte do tempo da semana, o time alemão esteve concentrado em fazer simulações de corrida e testar a confiabilidade de seu carro, e neste quesito, pode se orgulhar de ter enfrentado muito menos percalços que os italianos, que tiveram problemas técnicos em pelo menos três ocasiões, sendo que em uma delas, Vettel acabou batendo com o carro, o que comprometeu parte da programação, e fez a escuderia perder tempo precioso de pista.
            Nestes últimos 4 dias, a Mercedes rodou nada menos do que 574 voltas na pista da Catalunha. A Ferrari, por sua vez, contabilizou 370 giros, 204 a menos que os rivais prateados. O chassi W10 apareceu com mudanças na sua aerodinâmica, e ao que tudo indica, especialmente pela tranquilidade nos boxes do time de Lewis Hamilton e Valtteri Bottas, a vantagem da Ferrari pode ter sido diminuída substancialmente. Mesmo assim, Hamilton continuou jogando o favoritismo no colo dos italianos, afirmando que o modelo SF-90 é mais rápido... no momento. Por sua vez, Mattia Binotto, novo chefe da escuderia rossa, tratou logo de anunciar que a Ferrari não está com essa bola toda como a rival anda cantando. O objetivo é não cair no jogo psicológico dos rivais, e com isso, acabar sentindo a pressão. Mas a Mercedes mostrou suas garras neste último dia, e embora não tenha feito tanto estardalhaço como os italianos durante estas duas semanas, não podem ser subestimados. Os pilotos elogiaram a evolução do carro, e até a expressão de Toto Wolf estava menos séria. Quem achou na semana passada que os alemães poderiam enfim ver o seu domínio na F-1 finalmente encerrado terá de esperar um pouco para ver se isso se confirma.
            Tirando Mercedes e Ferrari, só há uma outra certeza: a Williams deve ocupar o fundo do grid este ano. O novo chassi só foi finalizado totalmente nesta semana, e na primeira sessão de testes, o time de Grove perdeu praticamente dois dias e meio até conseguir colocar o bólido na pista, que não estava ainda completo. Ao menos, a equipe tentou tirar parte do atraso, e rodou 478 voltas nestes últimos quatro dias, um número bem satisfatório, não fosse um pequeno problema: em nenhum momento o desempenho do carro chegou a empolgar, e a melhor marca obtida por George Russel foi de 1min18s130, praticamente 1s91 mais lento que a marca de Vettel, e com os mesmos pneus, o C5. Mesmo que o carro seja lento agora, preocupa a capacidade que a Williams terá de desenvolvê-lo, pois nos últimos anos, a tendência era a escuderia inglesa ir perdendo ritmo conforme o campeonato avançava, por ver os rivais evoluindo seus carros com muito mais competência. Um sinal de que a situação está complicada foi a irritação de Robert Kubica neste último dia de testes, onde mesmo sem enfrentar problemas mecânicos, declarou que o time parece não conseguir encontrar uma direção a seguir, o que é preocupante.
Red Bull colecionou duas belas pancadas de Pierre Gasly nos testes, e não empolgou muito nos tempos, mas não se pode subestimar um carro projetado por Adrian Newey.
            Em compensação, o meio do pelotão segue indefinido, podendo demonstrar muitas brigas e disputas. Embora seja lógico afirmar que a Red Bull tem tudo para continuar sendo a terceira força, o time dos energéticos pode não ter vida fácil. Os tempos desta semana não foram lá muito entusiasmantes, mesmo considerando as condições de treino, o que dá um pouco a se pensar se o time de Dietrich Mateschitz conseguirá até mesmo manter sua posição. Depois de romper com a Renault, sua parceira de longa data, os franceses estão loucos para dar o troco, e nada melhor do que ficar à frente do time que foi a referência para eles desde 2007. E a Renault investiu alto para esta temporada, tanto na escuderia quando no desenvolvimento de sua unidade de potência. Mas seria exagero achar que o novo modelo RS19 será páreo para o RB15. Mesmo assim, outro ponto de honra para os franceses é não serem superados pela Honda, cuja unidade de potência não apresentou praticamente nenhum defeito digno de nota nestes oito dias de testes. A rigor mesmo, o maior problema do time austríaco foram as cacetadas dadas por Pierre Gasly, a mais forte delas ontem, que danificou bastante o carro, obrigando o time a andar hoje com algumas peças do ano passado, por não terem material de reserva suficiente. E até mesmo a Toro Rosso está ajudando a elevar o moral da Red Bull, obtendo marcas expressivas que, mesmo sendo analisadas de forma relativa, não deixam de mostrar-se boas a ponto de credenciar o time sediado em Faenza como capaz de duelar com os demais times do bloco de meio do grid. E, sobre a excelente fiabilidade das unidades da Honda até aqui, há um rumor de que elas teriam trabalhado com limitação de potência, para evitar avarias, e que para a primeira corrida, poderia ser liberada toda a força, com cerca de 30 HPs a mais. Isso poderia ser comemorado no sentido de que tanto Red Bull quanto Toro Rosso poderão contar com um pouco mais de potência, e tentarem se aproximar mais de seus rivais. Por outro lado, fica o temor de que liberar essa cavalaria possa comprometer a fiabilidade, e as unidades voltarem a quebrar com frequência.
            Mas Red Bull e Toro Rosso deram, juntas, 807 voltas na pista só nesta semana, e sem problemas relacionados à unidade de potência. Tudo indica que, após 5 anos de sua estréia na nova era híbrida turbo, os japoneses da Honda finalmente começarão a engrenar. Se vão conseguir vitórias, e disputar o título, ainda são outros quinhentos, mas o prognóstico é muito otimista. Caberá à Red Bull mostrar porque sua aposta nos japoneses foi mais do que acertada. E a Toro Rosso terá a obrigação de mostrar evolução em relação ao ano passado, mas a parada será dura. Ao menos Renault, McLaren, e Alfa Romeo, tem tudo para brigarem pela liderança do segundo pelotão. A Racing Point ainda parece estar resolvendo seus problemas com o novo carro, a ponto de terem rodado 377 voltas, e até conseguido uma ou outra marca relativamente próxima dos ponteiros, mas sem demonstrar a mesma capacidade de ritmo dos rivais. Deve começar um pouco atrás, mas se mantiver a mesma eficiência em desenvolver o seu carro dos tempos em que o orçamento era curto, pode entrar na briga e incomodar bastante os rivais. E a Williams... Bem, já falei sobre ela...
Devagar com o entusiasmo: dois dias no topo da tabela de tempos não é motivo para comemoração antecipada no time de Woking. É preciso ver onde todos estão.
            Quem também teve de resolver vários problemas foi a Hass. O novo VF-19 rodou 487 voltas esta semana, marcando sua melhor volta em 1min17s565, quase 0s9 mais lento que o melhor tempo de Vettel. Mas o time norte-americano vai se acertando aos poucos, e tem tudo para manter sua curva de evolução demonstrada no ano passado, tão logo consiga resolver os problemas de fiabilidade que surgiram durante a pré-temporada. Mas melhor estes problemas no carro terem surgido agora, do que depois, durante as corridas. O que o time espera é que sua dupla de pilotos demonstre mais juízo nesta temporada do que na última. Se conseguirem isso, e o carro mostrar performance, eles devem dar conta do recado.
            A Alfa Romeo deve engrossar a briga no pelotão do meio. Os novos reforços do time, na área técnica e nos novos recursos financeiros, garantiram recursos para projetar um carro que deve permitir a seus pilotos mostrar do que são capazes. Foram 414 voltas, com Kimi Raikkonen marcando o melhor tempo 1s acima da Ferrari de Vettel, com os mesmos pneus, marca que deve ser comemorada, indicando que o novo “time B” de Maranello tem tudo para brigar por pontos com regularidade. Mas, claro, falta combinar com os rivais. Mas é agradável ver Raikkonen mais motivado agora do que nos últimos tempos, reflexo sem dúvida do ambiente muito menos carregado do novo time do que o clima na equipe de Maranello. O finlandês, decano do grid nesta temporada, tem tudo para cumprir o seu papel de líder da escuderia na pista e nos boxes, ainda mais por ser do time que consegue se dar bem com qualquer companheiro de time.
            Já havia mencionado que o principal objetivo da Renault é simplesmente desbancar a Red Bull, e os motivos em linhas gerais disso. Mas o time francês vai precisar caprichar, e trabalhar mais do que nunca. E, apesar de alguns problemas, eles não negaram fôlego: foram 525 voltas na pista esta semana, fazendo tanto Nico Hulkenberg quanto Daniel Ricciardo rodarem todos os dias. E, ao menos, hoje, no encerramento, Hulkenberg ficou a apenas 0s622 de Vettel, marca melhor que a obtida pela rival Red Bull. O problema dos franceses é que eles não estão empolgando muito. Talvez as promessas de resultados melhores, sempre feitas nos últimos anos, em especial para melhora da performance de sua unidade de potência, deixe todo mundo ainda meio com o pé atrás em relação às expectativas da escuderia francesa para este ano. Afinal, a Renault até saiu da Formula-E para se dedicar de forma mais exclusiva e focada na F-1, com planos de voltar a ser campeã. Não é pouca coisa. Resta saber se os esforços irão frutificar como se espera. E será duplamente frustrante se a unidade de potência francesa não apenas não render o que se espera, como acabar sendo superada pela Honda, que foi motivo de piada nos três anos de parceria recente com a McLaren. Ao menos, em termos de pilotos, a Renault está bem servida: Ricciardo é um piloto extremamente eficiente, e Hulkenberg só precisa conseguir deslanchar na categoria, pois talento já mostrou que tem. E ter o australiano ao seu lado no time deve motivá-lo a andar ainda melhor, para não ficar para trás.
A Renault trabalhou duro para chegar mais à frente. Meta primária é bater a Red Bull e calar as críticas de Christian Horner, Helmut Marko e Max Verstappen.
            E o que dizer da McLaren? Ainda é muito cedo para comemorar, mas só o fato de a escuderia de Woking ter conseguido rodar 428 voltas só nesta semana é algo que não pode ser ignorado. Mesmo assim, Carlos Sainz Jr. e Lando Norris conseguiram alguns tempos bem expressivos, com a escuderia sendo a mais veloz tanto na terça quanto na quarta-feira, e conseguindo terminar a 0s7 atrás do melhor tempo da pré-temporada. Só que ambos os pilotos preferem não alimentar ilusões: o novo MCL34 é um passo em frente em relação ao carro do ano passado, mas é preciso descobrir onde os rivais se encontram, para poder afirmar de fato que a McLaren está começando sua reação para voltar lentamente às primeiras colocações, ou se ainda estará lutando para não cair para trás.
            Apesar dos resultados, ainda é impossível dizer se teremos um bom ano. Testes são testes, e corridas são corridas. E, especialmente, precisaremos comprovar se as novas regras técnicas de fato facilitarão as ultrapassagens em disputas de posição na pista. Se tivermos realmente uma briga renhida no pelotão do meio, como indicam os testes da pré-temporada, poderemos ver boas disputas na pista, que é o que público quer ver de fato. E se Ferrari e Mercedes demonstrarem não estar tão à frente de todos, com os demais times conseguindo andar mais próximos, sem ficarmos com aquela sensação de “categoria A e categoria B” que tanto vimos no ano passado, com Mercedes, Ferrari e Red Bull sempre disparando na frente, como se estivessem em uma outra categoria, tamanha a diferença para os outros, melhor ainda.
            E o batismo de fogo será logo na primeira corrida. O traçado do Albert Park há muitos anos já não proporciona boas provas, pela dificuldade de se conseguir ultrapassar na pista. Se as novas regras conseguirem realmente apimentar os duelos, poderemos ter boas esperanças para o restante do campeonato. A única coisa que não dará para aferirmos totalmente deverá ser a relação de forças, uma vez que o circuito australiano não costuma ser uma expressão muito exata dos parâmetros que veremos nos demais locais de competição.
            Vejamos quem de fato irá dar as cartas no campeonato deste ano, e se tiver muito mais gente na parada, tanto melhor...


E as farpas da relação Renault X Red Bull ainda devem demorar a arrefecer. A última delas foi na direção de Daniel Ricciardo, a quem Christian Horner insinuou ter saído do time para “fugir da briga” com seu companheiro Max Verstappen. Claro que não demorou para o australiano negar esta versão, afirmando que seu maior temor era a insegurança de apostar na parceria com a Honda, depois dos anos de fracasso na parceria recente com a McLaren. E, obviamente, o clima dentro da equipe também contribuiu para isso, com a direção da escuderia passando a ter olhos muito mais para o holandês, mesmo com todas as barbeiragens que ele cometia, e ainda por cima sendo muito coniventes com isso, a exemplo da agressão a Esteban Ocón em Interlagos, no ano passado, após disputa com o piloto da Force India na pista, sendo que ele era retardatário. De minha parte, a Red Bull perdeu aquele charme e ambiente descontraído que o time exibia na década passada. A escuderia austríaca perdeu um excelente piloto que dava resultados e não se metia em confusões, preferindo se concentrar agora em Verstappen, a quem enxergam como o maior talento da história do time depois de Sebastian Vettel. Grande talento e extremamente arrojado... Ricciardo preferiu fazer uma aposta para tentar dar novo rumo à sua carreira, e tinha todo o direito de fazer isso. E, pelo piloto boa praça que é, sem as frescuras que muitos no paddock possuem, espero que seja bem-sucedido na sua escolha... Não apenas por ele, mas pela própria F-1, que ganharia muito com mais um time conseguindo discutir vitórias, e quem sabe, o título da categoria...


Para os saudosistas, a série “Túnel do Tempo” em exibição nos canais SporTV promete para este domingo, a partir das 13 horas, no SporTV2, a apresentação do Grande Prêmio do Brasil de F-1 de 1986, na íntegra, com narração de Galvão Bueno e Reginaldo Leme. A prova foi vencida por Nélson Piquet, que estreava na equipe Williams, e teve pole-position de Ayrton Senna, então na Lotus, que terminou em 2º lugar. Já fazem 33 anos daquela corrida... O tempo voa mesmo...

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