sexta-feira, 30 de novembro de 2018

UMA DESPEDIDA E UM RETORNO

Fernando Alonso foi bicampeão pela Renault em 2005 e 2006. Mas a conquista de títulos ficou nisso. Nunca mais o espanhol seria campeão na F-1.

            O Grande Prêmio de Abu Dhabi deste ano não marcou apenas o fim da temporada 2018 da Fórmula 1. Ela marcou também a despedida de Fernando Alonso da categoria máxima do automobilismo. O asturiano, depois de quatro anos capengando na McLaren, cansou de suar o macacão sendo apenas um a mais na pista, sem conseguir disputar pódios, e muito menos vitórias e o título, onde passou perto pela última vez em 2013, ou seja, há cinco anos. De lá para cá, de protagonista, Alonso passou à condição de retardatário, embora tenha mantido sua fama de piloto mais completo da categoria até sua despedida, no domingo passado.
            Desde sua estréia, no Grande Prêmio da Austrália de 2001, alinhando no grid pela Minardi (hoje Toro Rosso), Fernando disputou ao todo 311 GPs, marcou um total de 1.899 pontos, venceu 32 corridas, marcou 22 poles, e subiu ao pódio em 97 ocasiões. Foi bicampeão em 2005 e 2006, e vice-campeão em 2010, 2012, e 2013. São números respeitáveis, e poderiam ser ainda maiores, não fosse a barca furada da McLaren nas últimas temporadas, única coisa que sobrou para ele competir na F-1. O espanhol tomou algumas decisões erradas em sua carreira, o que comprometeu suas possibilidades de ter brilhado muito mais na F-1, dado o imenso talento que possuía na condução de um carro de corrida. Mas não foi o primeiro a ter este percalço na carreira, e certamente não será o último.
            Émerson Fittipaldi, outro bicampeão consagrado da história da F-1, também poderia ter tido uma carreira muito mais prolífica, não tivesse optado por defender a escuderia fundada pelo irmão Wilson na F-1. Bicampeão e duas vezes vice-campeão entre 1972 e 1975, a carreira de Émerson praticamente desandou no carro nacional, transformando as temporadas de 1976 a 1980 em um martírio de muito esforço e pouco resultado. Fittipaldi saiu amargurado da F-1, e em baixa consideração, só recuperando seu prestígio anos depois, ao vencer as 500 Milhas de Indianápolis e ser campeão da F-Indy nos Estados Unidos, mostrando a velha classe que não teve mais recursos para exibir na F-1.
 
Na Ferrari, três vice-campeonatos, mas o título não veio.
          
Quem também embarcou numa furada foi Nélson Piquet, que após ser tricampeão em 1987, optou pela Lótus, quando teve a chance de guiar a McLaren. Segundo se consta, Nélson preferiu o time fundado por Colin Chapman que lhe ofereceu maior salário e menos compromissos publicitário e em eventos. Mas a Lótus preparou um carro horroroso, e Piquet afundou junto com o time, enquanto a McLaren arrasava toda a concorrência em 1988 e 1989, e ainda seria campeã em 1990 e 1991 com Ayrton Senna, desafeto de Piquet. A Nélson, coube recuperar um pouco de seu cartaz na Benetton em 1990, mas o time despencou em 1991, e ainda fez uma tremenda sacanagem com seu amigo Roberto Moreno, o que fez o tricampeão se cansar da F-1, deixando a categoria com números aquém do potencial de seu grande talento e conhecimento técnico.
            Mas, por vezes, nunca é fácil prever onde estará a melhor oportunidade. Mas Fernando poderia ter tido melhor sorte, se não fosse seu temperamento difícil e seu egocentrismo, que acabaram queimando sua imagem em alguns times que poderiam ter contado com seu talento, mas preferiram outros pilotos que não tumultuassem o ambiente interno. A McLaren, por exemplo, foi o primeiro time onde ele acabou arrumando briga interna, em 2007, ao se ver sendo desafiado pelo piloto novato do time, um tal de Lewis Hamilton. Alonso quis exigir seu tratamento de primeiro piloto, mas também começou a chantagear o time, no caso da espionagem de projetos da Ferrari, exigindo até que o time “prejudicasse” deliberadamente Hamilton. Tivesse mantido a cabeça fria, Alonso poderia muito bem ter sido campeão em 2007, mas ele perdeu as estribeiras em algumas corridas, em especial no Canadá, onde nem parecia um piloto campeão do mundo, fazendo uma prova pífia para o carro que tinha, que com Hamilton ao volante, venceu a prova.
            Alonso meio que botou a cabeça no lugar, e reequilibrou a disputa, mas acabou perdendo o título, e deixou a McLaren, com quem ainda tinha contrato para 2008, deixando o time livre para ficar concentrado em Hamilton, que conquistaria seu primeiro título na temporada seguinte, em outra oportunidade que o espanhol jogou fora, se tivesse permanecido, se não ficasse com o ego ferido pela disputa interna com Lewis.
Mal acostumado Por Flavio Briatore a ter tudo e a ser o único centro de atenções em seus anos na Renault, Alonso não agüentou ter de dividir as atenções em um time com um outro piloto, ainda mais um novato que contava com a preferência de Ron Dennis. Ele podia ter relevado isso, e aceitado o desafio de competir lado a lado com Hamilton. Tinha talento e capacidade de sobra para encarar essa disputa, e não faria feio. Sendo um piloto mais experiente e tarimbado, poderia explorar os erros que o inglês cometeria, se soubesse explorar a situação, sem criar celeumas nos boxes. Preferiu voltar à Renault, onde voltaria a reinar sozinho no time, mas que não tinha mais os pneus mais competitivos da Michelin, e cujo carro já não era tão competitivo como antes. Arrumou-se com a Ferrari para 2010, ignorando a proposta da Red Bull para 2009, o que muitos consideram um erro crasso. O espanhol se defende, dizendo que não dava para saber que o time iria crescer tanto, mas havia um dado disponível que acabou ignorado nessa equação, que era a presença de Adrian Newey reestruturando o setor técnico do time dos energéticos. Quem conhecia o currículo de Newey e seu passado vencedor na Williams e McLaren não podia ter dado de ombros para esta informação, que estava ali o tempo todo. E imaginem então se Alonso tivesse ido para lá? Muito provavelmente poderia ter repetido os 4 títulos obtidos por Vettel, e chegado ao hexacampeonato.
 
Na McLaren, a parceria com a Honda virou um calvário, sem resultados de destaque.
          
Mas a aposta na Ferrari não podia ser considerada errada ou mal feita. O time tinha capacidade, e condições de produzir um carro capaz de vencer corridas e disputar o título. E Alonso quase chegou lá, nas temporadas de 2010 e 2012, onde superou as limitações do carro, e brigou até o fim, sendo superado apenas na última corrida, onde Sebastian Vettel sacramentou sua superioridade naqueles anos, com o carro da Red Bull, o melhor da competição. Alonso perdeu o título naquelas temporadas por detalhes comuns, como poderia ter acontecido também com Vettel. A disputa foi equilibrada, com o espanhol mostrando sua grande capacidade de levar um carro um pouco menos competitivo que o da Red Bull à luta pelo título até os últimos minutos. Infelizmente, nas temporadas de 2011 e 2013, e sobretudo na de 2014, o espanhol ficou a ver navios. A pouca competitividade da Ferrari acabou aflorando nas cobranças do espanhol por um equipamento e desempenho melhor, uma vez que, por mais que pilotasse, não conseguia superar parte das adversidades de um adversário em melhores condições de equipamento.
            E, em 2014, com Sergio Marchionne assumindo a chefia da Ferrari, o espanhol foi avisado que parte de suas regalias no time não seriam mantidas. Ele poderia continuar, mas seu status centralizador e tendo todas as prerrogativas como primeiro piloto, teriam de ser repensadas. Mais uma vez, não querendo perder o seu poder de decisão, ele acabou saindo, e pela porta dos fundos do time italiano, que já havia contratado Sebastian Vettel, de modo que a saída do asturiano não faria a menor diferença. Assim como acontecera na McLaren anos antes, ele poderia ter permanecido. Tinha cacife e capacidade para encarar Vettel de igual para igual, ou até um pouco melhor. Costumo pensar, e não sou o único, que pilotar carros ruins faz com que pilotos de talento refinem ainda mais suas habilidades de pilotagem, procurando compensar as deficiências de seu equipamento. Infelizmente, seu estilo centralizador, e até marrento e egocêntrico, acabaram afastando-o das reais possibilidades de competir por Mercedes e Red Bull. O time prateado já tinha Lewis Hamilton, que certamente não desejaria mais dividir boxes com o espanhol. Da mesma maneira, a Red Bull não queria alguém de personalidade tão forte quanto Alonso, que poderia bater de frente com Christian Horner e até com Helmut Marko, que gostam de ser os chefões incontestáveis no time dos energéticos, pra não mencionar que já tinham seus talentos do programa de pilotos da Red Bull, muito mais acessíveis e baratos do que o asturiano.
            Restou retornar à McLaren, onde tinha jurado nunca mais pisar. Da mesma forma, Ron Dennis também teve de engolir o retorno do espanhol. O novo projeto em parceria com a Honda precisava de alguém da capacidade de Alonso para comandar o time na pista. E assim, sem maiores opções, o acerto do retorno foi firmado. O que ninguém esperava é que a parceria fosse um fracasso tão grande como se mostrou. Fernando nunca imaginou um futuro tão magro e sem perspectivas. Até mesmo um simples pódio nunca mais veio.
            Em contrapartida, Fernando se tornou um piloto melhor, profissionalmente falando, e também como pessoa. Se antes já era um profissional altamente comprometido com o time, apesar das críticas ferinas e paciência curta, ele entregava o seu máximo na pista. Na McLaren, com um carro ruim, afiou ainda mais sua pilotagem, e acredito que, se voltasse a competir com Hamilton em um mesmo time, seria um osso duríssimo de roer, e talvez fizesse o inglês perder o rebolado completamente. E poderia fazer o mesmo com Vettel, se voltasse à Ferrari. Não é por acaso que tanto um quanto o outro não aceitariam dividir boxes com ele. Sabiam muito bem o tamanho da encrenca que teriam para manter seus feudos em seus times. Para sorte destes, suas escuderias acataram seus pedidos, como forma até de não tumultuar o ambiente interno da equipe. Alonso poderia ter impedido isso, se trabalhasse melhor sua imagem e certos comportamentos que fizeram com que ele passasse a ser uma opção com custo-benefício duvidoso, por complicar o ambiente dos times pelos quais competiu anteriormente.
            O espanhol sai de cena, mas será que volta? Só o futuro dirá. Mas, enquanto o asturiano dá adeus, a F-1 recebe outro piloto de volta. Robert Kubica estará de volta ao grid da categoria máxima do automobilismo depois de 8 anos de ausência. Seu retorno é sua maior vitória, mostrando sua determinação em recuperar-se do violento acidente de rali sofrido no início de 2011, que quase lhe custou a vida, mas prejudicou um de seus braços, acabando, na época, com sua carreira como piloto, pelo menos na F-1.
            Tendo estreado na equipe Sauber em 2006, quando o time suíço pertencia à BMW, Robert logo mostrou seu talento, e começou a alcançar resultados expressivos para o time, que vinha em ascenção em 2007, e teria em 2008 sua melhor temporada. Aliás, foi ali que Kubica marcou a primeira pole e vitória da escuderia. Robert largou na frente no GP do Bahrein, e no GP do Canadá, venceu a corrida, no mesmo circuito onde havia sofrido um pavoroso acidente de onde felizmente saiu praticamente ileso, após seu carro praticamente se desmanchar ao colidir com o muro interno na curva Hairpin. O polonês foi o 4º colocado naquele ano, empatando com Kimi Raikkonen, da Ferrari, com os mesmos 75 pontos, mas perdendo no desempate pelo finlandês ter 2 vitórias contra apenas 1 do polonês. Todo mundo já via Kubica como um campeão em potencial, e uma nova estrela da categoria.
Kubica venceu o GP do Canadá em 2008, mas acabou sendo sua única vitória na F-1.
            Infelizmente, no ano seguinte, a equipe errou a mão no projeto do carro, e os resultados despencaram. Robert conquistou apenas um pódio, e nem de longe batalhou por vitórias. Ao fim do ano, a BMW pulou fora, devolvendo o time a Peter Sauber. Kubica, contudo, já havia se bandeado para a Renault, que tentava voltar a ser um time de ponta. Na temporada de 2010, o polonês voltou a mostrar sua capacidade liderando o time, que tinha boas perspectivas para o ano seguinte. Foram 3 pódios, e a Renault foi a 5ª equipe na competição, só não indo mais longe porque Vitaly Petrov era muito aquém em resultados se comparado a Kubica. Kubica costumava participar de algumas provas de rali, categoria que gostava, e onde pretendia competir quando encerrasse sua jornada na F-1. Infelizmente, foi numa destas provas off-road que ele sofreu um acidente que interrompeu abruptamente sua carreira, no início de 2011.
            Isso desestruturou a Renault naquele ano, que teve de contratar às pressas Nick Heidfeld para o lugar do polonês. Mas o piloto alemão não rendeu o que eles queriam, e acabaram efetivando Bruno Senna para parte da segunda metade do ano, mas sem que o brasileiro também fosse a solução que o time procurava, o que ocorreu somente em 2012, quando eles trouxeram Kimi Raikkonen de volta à F-1, e o finlandês mostrou que não havia perdido a mão, depois de dois anos ausente.
            Kubica passou por um período crítico, e tiveram que fazer um grande esforço para preservar o braço que acabou seriamente afetado no acidente. Ele por pouco não perdeu a mão, e quase o membro também. A recuperação foi lenta, mas firme. Tão logo sentiu ter condições, voltou às competições, em carros de rali, uma vez que seu braço afetado não tinha a mesma mobilidade e força de antes, que não lhe permitiam voltar, pelo menos na época, disputar novamente competições em monopostos, ainda mais um F-1. E ali, o polonês mostrou que seu talento para acelerar ainda existia, apesar das limitações. Aos poucos, foi acelerando cada vez mais, embora seus resultados no Mundial de Rali, mesmo na classe B, não tenham sido dos mais expressivos. Mas, perto do que havia lhe acontecido, e das dificuldades que passou em sua recuperação, aquilo já era maior do que qualquer vitória.
 
Defendendo a equipe Renault em 2010, Robert fez sua última temporada na F-1, antes do acidente numa prova de rali no início de 2011.
          
E no ano passado, Kubica voltou a acelerar um carro de F-1, primeiro em testes com carros antigos, e depois tendo a oportunidade de guiar um carro atual da categoria. E não foram apenas poucas voltas, não. Para mostrar que estava apto até mesmo a disputar um GP completo, fez simulação de corrida, e chegou a andar muito mais também do que em uma prova. Claro, Robert ainda tem algumas seqüelas do acidente: seu braço afetado assusta um pouco quando é visto pela primeira vez, e sua força e pegada na mão afetada também não são os mesmos de antigamente. Mas, usando um volante com adaptações para sua mão afetada, ele demonstrou não ter nenhuma limitação na condução de uma carro de F-1. A Renault, que promoveu os testes iniciais, entretanto, optou por contratar Carlos Sainz Jr., o que levantou dúvidas se Kubica estaria mesmo apto a voltar a competir a sério por toda uma temporada.
            A Williams chegou a firmar contrato com o polonês, mas preferiu depois garantir mais dólares no orçamento, preferindo o russo Sergei Sirotkin, que trouxe patrocínio maior do que Robert. Mas, tomou a decisão correta de manter o polonês como piloto reserva e de desenvolvimento, dada a falta de experiência de sua dupla titular. E foi bom também para Kubica, que evitou se desgastar com o carro pouco competitivo do time neste ano, o que teria prejudicado seu retorno, e sua reputação como piloto. Mas o fato de ter conseguido andar melhor do que a dupla titular também mostra quão fracos foram Lance Strool e Sirotkin durante o ano. Enfim, contando com outro novato, George Russel, em 2019, o time viu que precisava de um piloto mais experiente, e finalmente Kubica poderá fazer o seu tão desejado retorno, o que por si só será uma grande vitória pessoal, depois de tudo que teve de lutar para reconquistar seu posto de piloto. É algo a se comemorar, e muito.
            É também uma prova para o próprio Kubica ver sua capacidade de pilotagem agora a fundo mais uma vez. Visto antes como um campeão em potencial, agora todos querem saber o quanto daquele Kubica promissor restou neste Kubica mais maduro, e ver se ele ainda é capaz de encantar os torcedores como fazia antigamente. Dependerá muito, também, do carro que a Williams conseguir desenvolver para o próximo ano, que precisará ser muito mais eficiente do que o desta temporada, que começou lá atrás no grid, e terminou igualmente lá atrás, sem ter oferecido a seus pilotos ou à escuderia perspectivas de bons resultados durante todo o campeonato. Se o time de Grove conseguir produzir um carro decente, que permita chegar ao Q3, pelo menos, e pontuar com regularidade, caberá a Kubica fazer o resto, e mostrar porque mereceu retornar à F-1 depois de tanto tempo.
Na Williams, a chance efetiva de retornar como piloto titular quase se concretizou este ano, mas o time preferiu Sergei Sirotkin e seu patrocínio mais polpudo. Mas em 2019, Kubica voltará efetivamente a competir como titular na F-1, no time de Grove.
            Muito certamente ele nunca será campeão, como se esperava. Mas tal retorno será muito mais importante do que qualquer triunfo mundano em algum GP. Que Kubica volte para lembrar a todos o piloto que foi, poderia ser, e é atualmente. Seja bem-vindo de volta, Robert. E esperemos também que Fernando Alonso um dia possa retornar, se sentir novamente o desejo de desafiar a F-1. A categoria máxima do automobilismo precisa de pilotos carismáticos como ele. Está recuperando um, felizmente, mas quem sabe não recupera o outro, talvez em 2020? Aguardemos...

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