Fernando Alonso foi bicampeão pela Renault em 2005 e 2006. Mas a conquista de títulos ficou nisso. Nunca mais o espanhol seria campeão na F-1. |
O Grande Prêmio de Abu
Dhabi deste ano não marcou apenas o fim da temporada 2018 da Fórmula 1. Ela
marcou também a despedida de Fernando Alonso da categoria máxima do
automobilismo. O asturiano, depois de quatro anos capengando na McLaren, cansou
de suar o macacão sendo apenas um a mais na pista, sem conseguir disputar
pódios, e muito menos vitórias e o título, onde passou perto pela última vez em
2013, ou seja, há cinco anos. De lá para cá, de protagonista, Alonso passou à
condição de retardatário, embora tenha mantido sua fama de piloto mais completo
da categoria até sua despedida, no domingo passado.
Desde sua estréia, no
Grande Prêmio da Austrália de 2001, alinhando no grid pela Minardi (hoje Toro
Rosso), Fernando disputou ao todo 311 GPs, marcou um total de 1.899 pontos,
venceu 32 corridas, marcou 22 poles, e subiu ao pódio em 97 ocasiões. Foi
bicampeão em 2005 e 2006, e vice-campeão em 2010, 2012, e 2013. São números
respeitáveis, e poderiam ser ainda maiores, não fosse a barca furada da McLaren
nas últimas temporadas, única coisa que sobrou para ele competir na F-1. O
espanhol tomou algumas decisões erradas em sua carreira, o que comprometeu suas
possibilidades de ter brilhado muito mais na F-1, dado o imenso talento que
possuía na condução de um carro de corrida. Mas não foi o primeiro a ter este
percalço na carreira, e certamente não será o último.
Émerson Fittipaldi,
outro bicampeão consagrado da história da F-1, também poderia ter tido uma carreira
muito mais prolífica, não tivesse optado por defender a escuderia fundada pelo
irmão Wilson na F-1. Bicampeão e duas vezes vice-campeão entre 1972 e 1975, a
carreira de Émerson praticamente desandou no carro nacional, transformando as
temporadas de 1976 a 1980 em um martírio de muito esforço e pouco resultado.
Fittipaldi saiu amargurado da F-1, e em baixa consideração, só recuperando seu
prestígio anos depois, ao vencer as 500 Milhas de Indianápolis e ser campeão da
F-Indy nos Estados Unidos, mostrando a velha classe que não teve mais recursos
para exibir na F-1.
Na Ferrari, três vice-campeonatos, mas o título não veio. |
Mas, por vezes, nunca
é fácil prever onde estará a melhor oportunidade. Mas Fernando poderia ter tido
melhor sorte, se não fosse seu temperamento difícil e seu egocentrismo, que
acabaram queimando sua imagem em alguns times que poderiam ter contado com seu
talento, mas preferiram outros pilotos que não tumultuassem o ambiente interno.
A McLaren, por exemplo, foi o primeiro time onde ele acabou arrumando briga
interna, em 2007, ao se ver sendo desafiado pelo piloto novato do time, um tal
de Lewis Hamilton. Alonso quis exigir seu tratamento de primeiro piloto, mas
também começou a chantagear o time, no caso da espionagem de projetos da
Ferrari, exigindo até que o time “prejudicasse” deliberadamente Hamilton.
Tivesse mantido a cabeça fria, Alonso poderia muito bem ter sido campeão em
2007, mas ele perdeu as estribeiras em algumas corridas, em especial no Canadá,
onde nem parecia um piloto campeão do mundo, fazendo uma prova pífia para o
carro que tinha, que com Hamilton ao volante, venceu a prova.
Alonso meio que botou
a cabeça no lugar, e reequilibrou a disputa, mas acabou perdendo o título, e
deixou a McLaren, com quem ainda tinha contrato para 2008, deixando o time
livre para ficar concentrado em Hamilton, que conquistaria seu primeiro título
na temporada seguinte, em outra oportunidade que o espanhol jogou fora, se
tivesse permanecido, se não ficasse com o ego ferido pela disputa interna com
Lewis.
Mal acostumado Por Flavio Briatore a ter
tudo e a ser o único centro de atenções em seus anos na Renault, Alonso não
agüentou ter de dividir as atenções em um time com um outro piloto, ainda mais
um novato que contava com a preferência de Ron Dennis. Ele podia ter relevado
isso, e aceitado o desafio de competir lado a lado com Hamilton. Tinha talento
e capacidade de sobra para encarar essa disputa, e não faria feio. Sendo um
piloto mais experiente e tarimbado, poderia explorar os erros que o inglês
cometeria, se soubesse explorar a situação, sem criar celeumas nos boxes. Preferiu
voltar à Renault, onde voltaria a reinar sozinho no time, mas que não tinha
mais os pneus mais competitivos da Michelin, e cujo carro já não era tão
competitivo como antes. Arrumou-se com a Ferrari para 2010, ignorando a
proposta da Red Bull para 2009, o que muitos consideram um erro crasso. O
espanhol se defende, dizendo que não dava para saber que o time iria crescer
tanto, mas havia um dado disponível que acabou ignorado nessa equação, que era
a presença de Adrian Newey reestruturando o setor técnico do time dos
energéticos. Quem conhecia o currículo de Newey e seu passado vencedor na
Williams e McLaren não podia ter dado de ombros para esta informação, que
estava ali o tempo todo. E imaginem então se Alonso tivesse ido para lá? Muito
provavelmente poderia ter repetido os 4 títulos obtidos por Vettel, e chegado
ao hexacampeonato.
Na McLaren, a parceria com a Honda virou um calvário, sem resultados de destaque. |
E, em 2014, com Sergio
Marchionne assumindo a chefia da Ferrari, o espanhol foi avisado que parte de
suas regalias no time não seriam mantidas. Ele poderia continuar, mas seu
status centralizador e tendo todas as prerrogativas como primeiro piloto,
teriam de ser repensadas. Mais uma vez, não querendo perder o seu poder de
decisão, ele acabou saindo, e pela porta dos fundos do time italiano, que já
havia contratado Sebastian Vettel, de modo que a saída do asturiano não faria a
menor diferença. Assim como acontecera na McLaren anos antes, ele poderia ter
permanecido. Tinha cacife e capacidade para encarar Vettel de igual para igual,
ou até um pouco melhor. Costumo pensar, e não sou o único, que pilotar carros
ruins faz com que pilotos de talento refinem ainda mais suas habilidades de
pilotagem, procurando compensar as deficiências de seu equipamento. Infelizmente,
seu estilo centralizador, e até marrento e egocêntrico, acabaram afastando-o
das reais possibilidades de competir por Mercedes e Red Bull. O time prateado
já tinha Lewis Hamilton, que certamente não desejaria mais dividir boxes com o
espanhol. Da mesma maneira, a Red Bull não queria alguém de personalidade tão
forte quanto Alonso, que poderia bater de frente com Christian Horner e até com
Helmut Marko, que gostam de ser os chefões incontestáveis no time dos
energéticos, pra não mencionar que já tinham seus talentos do programa de
pilotos da Red Bull, muito mais acessíveis e baratos do que o asturiano.
Restou retornar à
McLaren, onde tinha jurado nunca mais pisar. Da mesma forma, Ron Dennis também
teve de engolir o retorno do espanhol. O novo projeto em parceria com a Honda
precisava de alguém da capacidade de Alonso para comandar o time na pista. E
assim, sem maiores opções, o acerto do retorno foi firmado. O que ninguém
esperava é que a parceria fosse um fracasso tão grande como se mostrou.
Fernando nunca imaginou um futuro tão magro e sem perspectivas. Até mesmo um
simples pódio nunca mais veio.
Em contrapartida,
Fernando se tornou um piloto melhor, profissionalmente falando, e também como
pessoa. Se antes já era um profissional altamente comprometido com o time,
apesar das críticas ferinas e paciência curta, ele entregava o seu máximo na
pista. Na McLaren, com um carro ruim, afiou ainda mais sua pilotagem, e
acredito que, se voltasse a competir com Hamilton em um mesmo time, seria um
osso duríssimo de roer, e talvez fizesse o inglês perder o rebolado
completamente. E poderia fazer o mesmo com Vettel, se voltasse à Ferrari. Não é
por acaso que tanto um quanto o outro não aceitariam dividir boxes com ele.
Sabiam muito bem o tamanho da encrenca que teriam para manter seus feudos em
seus times. Para sorte destes, suas escuderias acataram seus pedidos, como
forma até de não tumultuar o ambiente interno da equipe. Alonso poderia ter
impedido isso, se trabalhasse melhor sua imagem e certos comportamentos que
fizeram com que ele passasse a ser uma opção com custo-benefício duvidoso, por
complicar o ambiente dos times pelos quais competiu anteriormente.
O espanhol sai de
cena, mas será que volta? Só o futuro dirá. Mas, enquanto o asturiano dá adeus,
a F-1 recebe outro piloto de volta. Robert Kubica estará de volta ao grid da
categoria máxima do automobilismo depois de 8 anos de ausência. Seu retorno é
sua maior vitória, mostrando sua determinação em recuperar-se do violento
acidente de rali sofrido no início de 2011, que quase lhe custou a vida, mas
prejudicou um de seus braços, acabando, na época, com sua carreira como piloto,
pelo menos na F-1.
Tendo estreado na
equipe Sauber em 2006, quando o time suíço pertencia à BMW, Robert logo mostrou
seu talento, e começou a alcançar resultados expressivos para o time, que vinha
em ascenção em 2007, e teria em 2008 sua melhor temporada. Aliás, foi ali que
Kubica marcou a primeira pole e vitória da escuderia. Robert largou na frente
no GP do Bahrein, e no GP do Canadá, venceu a corrida, no mesmo circuito onde
havia sofrido um pavoroso acidente de onde felizmente saiu praticamente ileso,
após seu carro praticamente se desmanchar ao colidir com o muro interno na
curva Hairpin. O polonês foi o 4º colocado naquele ano, empatando com Kimi
Raikkonen, da Ferrari, com os mesmos 75 pontos, mas perdendo no desempate pelo
finlandês ter 2 vitórias contra apenas 1 do polonês. Todo mundo já via Kubica
como um campeão em potencial, e uma nova estrela da categoria.
Kubica venceu o GP do Canadá em 2008, mas acabou sendo sua única vitória na F-1. |
Infelizmente, no ano
seguinte, a equipe errou a mão no projeto do carro, e os resultados
despencaram. Robert conquistou apenas um pódio, e nem de longe batalhou por
vitórias. Ao fim do ano, a BMW pulou fora, devolvendo o time a Peter Sauber.
Kubica, contudo, já havia se bandeado para a Renault, que tentava voltar a ser
um time de ponta. Na temporada de 2010, o polonês voltou a mostrar sua
capacidade liderando o time, que tinha boas perspectivas para o ano seguinte. Foram
3 pódios, e a Renault foi a 5ª equipe na competição, só não indo mais longe
porque Vitaly Petrov era muito aquém em resultados se comparado a Kubica.
Kubica costumava participar de algumas provas de rali, categoria que gostava, e
onde pretendia competir quando encerrasse sua jornada na F-1. Infelizmente, foi
numa destas provas off-road que ele sofreu um acidente que interrompeu
abruptamente sua carreira, no início de 2011.
Isso desestruturou a
Renault naquele ano, que teve de contratar às pressas Nick Heidfeld para o
lugar do polonês. Mas o piloto alemão não rendeu o que eles queriam, e acabaram
efetivando Bruno Senna para parte da segunda metade do ano, mas sem que o
brasileiro também fosse a solução que o time procurava, o que ocorreu somente
em 2012, quando eles trouxeram Kimi Raikkonen de volta à F-1, e o finlandês
mostrou que não havia perdido a mão, depois de dois anos ausente.
Kubica passou por um
período crítico, e tiveram que fazer um grande esforço para preservar o braço
que acabou seriamente afetado no acidente. Ele por pouco não perdeu a mão, e
quase o membro também. A recuperação foi lenta, mas firme. Tão logo sentiu ter
condições, voltou às competições, em carros de rali, uma vez que seu braço
afetado não tinha a mesma mobilidade e força de antes, que não lhe permitiam
voltar, pelo menos na época, disputar novamente competições em monopostos,
ainda mais um F-1. E ali, o polonês mostrou que seu talento para acelerar ainda
existia, apesar das limitações. Aos poucos, foi acelerando cada vez mais,
embora seus resultados no Mundial de Rali, mesmo na classe B, não tenham sido
dos mais expressivos. Mas, perto do que havia lhe acontecido, e das
dificuldades que passou em sua recuperação, aquilo já era maior do que qualquer
vitória.
Defendendo a equipe Renault em 2010, Robert fez sua última temporada na F-1, antes do acidente numa prova de rali no início de 2011. |
A Williams chegou a
firmar contrato com o polonês, mas preferiu depois garantir mais dólares no
orçamento, preferindo o russo Sergei Sirotkin, que trouxe patrocínio maior do
que Robert. Mas, tomou a decisão correta de manter o polonês como piloto
reserva e de desenvolvimento, dada a falta de experiência de sua dupla titular.
E foi bom também para Kubica, que evitou se desgastar com o carro pouco competitivo
do time neste ano, o que teria prejudicado seu retorno, e sua reputação como
piloto. Mas o fato de ter conseguido andar melhor do que a dupla titular também
mostra quão fracos foram Lance Strool e Sirotkin durante o ano. Enfim, contando
com outro novato, George Russel, em 2019, o time viu que precisava de um piloto
mais experiente, e finalmente Kubica poderá fazer o seu tão desejado retorno, o
que por si só será uma grande vitória pessoal, depois de tudo que teve de lutar
para reconquistar seu posto de piloto. É algo a se comemorar, e muito.
É também uma prova
para o próprio Kubica ver sua capacidade de pilotagem agora a fundo mais uma
vez. Visto antes como um campeão em potencial, agora todos querem saber o
quanto daquele Kubica promissor restou neste Kubica mais maduro, e ver se ele
ainda é capaz de encantar os torcedores como fazia antigamente. Dependerá
muito, também, do carro que a Williams conseguir desenvolver para o próximo
ano, que precisará ser muito mais eficiente do que o desta temporada, que começou
lá atrás no grid, e terminou igualmente lá atrás, sem ter oferecido a seus
pilotos ou à escuderia perspectivas de bons resultados durante todo o
campeonato. Se o time de Grove conseguir produzir um carro decente, que permita
chegar ao Q3, pelo menos, e pontuar com regularidade, caberá a Kubica fazer o
resto, e mostrar porque mereceu retornar à F-1 depois de tanto tempo.
Muito certamente ele
nunca será campeão, como se esperava. Mas tal retorno será muito mais
importante do que qualquer triunfo mundano em algum GP. Que Kubica volte para
lembrar a todos o piloto que foi, poderia ser, e é atualmente. Seja bem-vindo
de volta, Robert. E esperemos também que Fernando Alonso um dia possa retornar,
se sentir novamente o desejo de desafiar a F-1. A categoria máxima do
automobilismo precisa de pilotos carismáticos como ele. Está recuperando um,
felizmente, mas quem sabe não recupera o outro, talvez em 2020? Aguardemos...
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