sexta-feira, 10 de agosto de 2018

PASSOS À FRENTE

O sorridente Daniel Ricciardo resolveu dar adeus à Red Bull, e irá defender a equipe oficial da Renault em 2019.

            Na dança das cadeiras que os pilotos fariam para a temporada de 2019 da Fórmula 1, Daniel Ricciardo, que até então todos tinham como certa sua permanência na Red Bull para o próximo ano, surpreendeu a todos ao anunciar sua saída do time dos energéticos, e firmar sua ida para a Renault. À primeira vista, parece um passo atrás na carreira, haja visto que, atualmente, o time da fábrica francesa ainda não tem um desempenho à altura da escuderia austríaca. Mas muitos também disseram isso de Lewis Hamilton quando o piloto inglês decidiu sair da McLaren, ao fim de 2012, e aventurar-se pela Mercedes a partir do ano seguinte, uma vez que o time de Woking era visto como opção mais competitiva do que a própria equipe de fábrica da Mercedes, que até ali vinha marcando passo na sua volta como escuderia à F-1. A entrada da nova era turbo híbrida mudou as forças do jogo, e desde então a Mercedes desfruta de uma supremacia que só neste ano se vê realmente desafiada. Aconteceria o mesmo com Daniel Ricciardo em sua aposta no time francês?
            O australiano deixou claro que um dos motivos de sua baixa na Red Bull são suas dúvidas de a Honda entregar realmente um motor competitivo para 2019, quando passará a equipar os carros projetados por Adrian Newey. A parceria com a Renault, que deu quatro títulos de pilotos e construtores consecutivos de 2010 a 2013, deteriorou-se completamente desde 2014, e para a Renault, deixar a Red Bulll é um misto de alívio e desapontamento. O desapontamento é pelas críticas ferinas feitas às unidades de potência francesas, em parte até merecidas, em vista da performance deficiente das mesmas frente às eficientes unidades produzidas pela Mercedes, e até pela Ferrari, que recentemente superou as rivais alemãs em parâmetros gerais. O que não pegou bem foi o tom por vezes completamente desproporcional. Nada muito diferente das críticas de Fernando Alonso ou da McLaren contra a Honda nas últimas três temporadas. Só que, apesar dos problemas, ainda assim a Red Bull conseguiu se manter em destaque, sendo quase sempre a 3ª força, e vencer corridas ocasionalmente. Algo bem diferente do calvário sofrido pela McLaren nas mãos da Honda, mesmo relevando-se as falhas cometidas pela própria McLaren. Não deixa de ser uma perda deixar de equipar um time de ponta como a Red Bull. O alívio é ter um pouco de paz, e menos críticas, o que deve fazer o trabalho fluir melhor.
Piloto altamente eficiente e que traz os melhores resultados possíveis para o equipamento que tem, o australiano não vinha sendo devidamente valorizado na Red Bull, que andou dando corda demais para o holandês Max Verstappen, inclusive passando a mão na cabeça no holandês mesmo quando ele arrumava encrenca na pista com o próprio parceiro (abaixo).
            A Honda fez grandes progressos este ano, melhorando sua confiabilidade, trabalhando em um ambiente menos estressante na Toro Rosso. Em termos de performance, ainda não se viu muita coisa, e os elogios recentes feitos às unidades nipônicas precisam ser relativizadas quanto às suas qualidades. A Red Bull fala em realmente avançar com a Honda. Será que isso se realizará? Só saberemos as respostas em 2019, quando a parceria mostrar seus primeiros frutos do trabalho conjunto que já começou a ser desenvolvido nas fábricas de Milton Keynes e no Japão. Os japoneses querem resgatar sua honra e prestígio, que perderam nos últimos tempos em virtude dos resultados pífios que demonstraram, tanto como equipe de fábrica na década passada, quando nos anos recentes. Pela sua história na F-1, todos torcem para os nipônicos reencontrarem o seu rumo.
            Mas a Renault também tem planos ambiciosos para a categoria máxima do automobilismo. Tanto que até saíram da Formula-E, onde eram uma força respeitada, deixando sua subsidiária Nissan assumir suas operações na categoria dos carros monopostos elétricos, para centrar forças em seu projeto na F-1. Desde o ano passado, as fábricas na Inglaterra e na França vem sendo reforçadas, com a contratação de mais pessoal, e reestruturação de seus grupos técnicos. O objetivo é lutar pelo título na F-1, e os próprios franceses sabem que a empreitada demandará certa paciência. Mas os resultados já aparecem, ainda que timidamente. A equipe de fábrica, apesar de alguns altos e baixos, vem ostentando a 4ª posição no mundial de construtores, e trabalha para diminuir o seu déficit de performance para as principais escuderias, Mercedes, Ferrari, e Red Bull. E, com a contratação de Ricciardo, eles ganham um piloto altamente eficiente, e que erra pouco, que já superou Sebastian Vettel na Red Bull, e que acima de tudo, não causa celeumas na escuderia. Será um grande desafio para o australiano levar o time francês adiante.
            Desde o ano passado, a Red Bull não apenas inflou o ego de sua nova revelação, o holandês Max Verstappen, como também lhe deu um status que, até o presente momento, revelou-se precipitado, como lhe dar regalias contratuais como se fosse um grande campeão da categoria máxima do automobilismo. O resultado é bem conhecido: Verstappen acumula confusões com a mesma velocidade com que dá show, a ponto de a equipe ter precisado lhe dar uma bela bronca pelo início de temporada errático deste ano. Enquanto isso, Daniel acumulava pontos, e vencia corridas, sem causar estripulias mundo afora. Um de seus raros erros foi em Baku, onde o duelo com Verstappen acabou saindo pelo cano, em que pese o holandês também ter parte da culpa no acidente que tirou a dupla da Red Bull da corrida. Ricciardo cansou do modo como o time vem paparicando o holandês, quase relegando-o a segundo plano, mesmo trazendo mais resultados para a escuderia. E como Helmut Marko, que parece ditar as preferências do time, com a condescendência de Dietrich Mateschitz, dono do império Red Bull, parece pouco inclinado a mudar muito essa atitude, até porque Verstappen é o último trunfo que lhe resta do outrora tão elogiado programa de desenvolvimento de pilotos da marca dos energéticos, que anda sendo evitado atualmente por vários pilotos em potencial, pelo possível estrago que suas carreiras poderiam sofrer nas mãos de Marko, Daniel resolveu apostar em outras paragens, onde pode ter o seu trabalho mais do que reconhecido e valorizado, algo que já não ocorria devidamente no time dos energéticos. Christian Horner, aliás, até deu algumas cutucadas sutis no australiano, ao mencionar que a escuderia fez o máximo para atender suas exigências, e que mesmo assim ele preferiu ir para o time francês. Horner pode não admitir, mas sentirá falta de Ricciardo no time.
            Não é questão de perder uma disputa na pista para Verstappen. O holandês é mais rápido em se tratando de velocidade pura, mas no cômputo geral, que inclui saber ler a corrida, precisão técnica, e inteligência para evitar tanto quanto possível se envolver em confusões e montar estratégia de corrida, Ricciardo se mostra tão ou até melhor do que o holandês. Mas, dar o melhor de si, e ver o outro piloto do time ser tratado a pão-de-ló incomoda, especialmente quando se traz os melhores resultados. Mas, a rigor, a incerteza a respeito de um bom desenvolvimento da Honda parece ter pesado muito mais. Já em relação à Renault, Ricciardo sabe melhor o terreno em que pisa, e a escuderia da fábrica francesa não investiria em sua contratação a troco de nada. Um projeto de desenvolvimento e evolução do time, bem como seus investimentos e metas foi devidamente apresentado ao australiano, que pesou muito bem os prós e contras, e resolveu apostar no plano francês, mesmo que no curto prazo ele tenha dado um passo para trás.
            Vale lembrar que a Renault tem um time de fábrica, e já estão engajados no seu projeto de desenvolvimento conjunto que prevê a integração completa da unidade de potência ao projeto do chassi, algo que Mercedes e Ferrari já fazem há algum tempo. A Red Bull só em 2019 terá essa vantagem, já iniciada nas trocas de informação com os japoneses, que permitirá que o futuro RB15 seja concebido de forma a se integrar na unidade motriz nipônica, em tese maximizando a performance do conjunto. Se esta integração vai funcionar logo de cara, só saberemos no ano que vem. E não há dúvidas de que mesmo dentro da Red Bull essa ainda é uma incógnita que só terá resposta mais à frente. Um estágio onde os franceses já se encontram na frente, precisando apenas desenvolver o projeto adequadamente. E terão um belo reforço orçamentário para o próximo ano, de acordo com fontes internas da fábrica francesa, que concordou com um incremento de recursos substancial para desenvolver o seu projeto na F-1.
            Some-se a isso a presença de Nico Hulkenberg, outro piloto de talento reconhecido, embora nunca tenha conseguido subir ao pódio até hoje, e vemos que a Renault terá uma dupla de pilotos de excelente calibre para comandar o time dentro da pista, função que terá contribuição decisiva de Ricciardo, pela sua experiência em um time de ponta, e por já ter vencido corridas. Ricciardo compete com as unidades francesas de potência desde 2014, e de lá para cá, já venceu 7 corridas, e conhece muito bem o desempenho dos propulsores, seus pontos positivos e negativos. Será um acréscimo de muito valor para o time francês. Se a Red Bull vai sentir falta dele, só saberemos no futuro... Mas, como mencionei, a cúpula do time fará o possível para negar isso, mas ele fará sim falta na escuderia austríaca.
            Enquanto o piloto australiano surpreende pela ousadia de seu passo para o futuro, quem precisa dar os seus primeiros passos, e mostrar o que pretende fazer é a nova diretoria do grupo Fiat-Chrysler, e que por tabela inclui também a Ferrari. Sergio Marchionne faleceu há poucas semanas, em consequência de um câncer e complicações de uma cirurgia, e seus substitutos na direção do conglomerado precisam agora traçar seus raios de ação para o futuro da empresa. Uma tarefa que não será das mais fáceis, uma vez que Marchionne literalmente levantou o grupo, que passava por uma crise financeira há alguns anos, e o tornou lucrativo e poderoso novamente, feitos nada desprezíveis.
A Ferrari sofreu uma grande perda com o falecimento de Sergio Marchionne, que reergueu não apenas o grupo Fiat-Chrysler, mas também a Ferrari na F-1.
            Ele também reformulou a Ferrari, despediu Lucca de Montezemolo, e fez o time italiano voltar a ser a principal desafiante da então toda-poderosa Mercedes, levando a uma reestruturação técnica em que apostou nos talentos da casa, na segunda metade de 2016, que souberam aproveitar a oportunidade, e apresentaram um carro muito competitivo no ano passado, perdendo o campeonato por alguns erros próprios e alguns azares. Mas que este ano apresentaram o carro que encerrou a primeira metade da temporada como o bólido a ser batido, só não liderando os campeonatos por alguns erros e problemas, mas exibindo muito mais força e performance do que em 2017, e que tem tudo para finalmente levar a escuderia italiana a ser novamente campeã, o que não acontece desde 2007.
            Acontece que, nas decisões administrativas, Marchionne era extremamente centralizador, mas sabia fazer apostas certeiras para levar seus projetos adiante. A nova direção agora terá que determinar o que fará para manter o atual status de força da Ferrari na F-1, tanto interna quanto externamente. Em teoria, a melhor maneira de ganhar tempo e tratar a escuderia com calma seria seguir a velha máxima de que “não se mexe em time que está ganhando”: apesar dos percalços, a equipe de Maranello está muito forte, e não deve sofrer mudanças visíveis no curto prazo. Sebastian Vettel vem dando tudo de si, apesar de um ou outro percalço, e Kimi Raikkonen só não está melhor porque a política de preferência a Vettel já prejudicou o finlandês em algumas corridas no ano, onde poderia ter tido resultados ligeiramente melhores. Mesmo assim, Kimi vem andando forte, e está subindo ao pódio em todas as últimas corridas. Há algumas semanas, era muito forte os boatos de que o finlandês poderia ser substituído pela nova revelação Charles LeClerc, atualmente na Sauber, que é um time satélite da Ferrari, competindo com o nome da Alfa Romeo. Mas alguns defendem que o monegasco se beneficiaria de mais uma temporada antes de ser efetivado em Maranello como titular, e a hipótese de ele competir pela Hass em 2019 ganha maiores possibilidades por lhe permitir correr em um time mais bem estruturado, e continuar se desenvolvendo como piloto sem sofrer as pressões que naturalmente receberia por ser um piloto da Ferrari. E também temos o maior defensor da permanência de Raikkonen na Ferrari, que é Sebastian Vettel, mais por saber que pode “domar” o finlandês, e que desfruta de calmaria nos boxes, já que Kimi não causa celeumas nos bastidores.
            Manter tudo em perfeita ordem, para só depois, com calma e paciência, necessitar mudar algo, seria bem-vindo pela nova diretoria, que poderia concentrar sua atenção em setores onde realmente seria necessário efetuar mudanças. Por isso mesmo, a harmonia da atual dupla de pilotos, que no presente momento está entregando os resultados que precisam, apesar de um problema ou outro, vale muito. Vettel e Kimi já são companheiros de equipe desde 2016, e de lá para cá nunca os boxes vermelhos estiveram trabalhando em clima tão tranquilo quanto possível ser. Por isso mesmo, boatos como uma possível volta de Fernando Alonso à Ferrari, de onde saiu brigado justamente com Sergio Marchionne, soam bem irreais. O ambiente harmônico nos boxes poderia sofrer consequências irremediáveis se o espanhol dividisse o espaço com Vettel. Para a competição, poderia ser o melhor dos mundos, com as disputas na pista pegando fogo. Mas será que a nova diretoria transformaria o clima coeso que a escuderia apresenta atualmente num ambiente de guerra declarada? Vettel e Alonso detonariam um caos dentro do time que poderia comprometer todos os esforços de conquista do título, uma vez que ambos jamais aceitariam submeter-se um ao outro. Seria o sonho de todos os ferraristas contar com uma dupla desse nível, se a disputa se restringisse unicamente à pista, e ambos mantivessem um clima de respeito e harmonia entre eles. Mas nem Alonso nem Vettel parecem dispostos a isso, e já vimos o alemão dar várias declarações nas entrelinhas recentemente de que não admitirá ter um companheiro de time forte, já que ele vetou praticamente a contratação de Daniel Ricciardo por parte da Ferrari, já que levou uma sova do australiano quando dividiram a Red Bull em 2014.
Com um excelente chassi e uma unidade de potência exemplar, a Ferrari é o conjunto mais forte da F-1 no momento, superando até mesmo a Mercedes.
            A equipe técnica deve ser mantida sem alterações, já que vem fazendo um trabalho exemplar até o momento, tanto na área do chassi quanto nos motores. E quem deve ganhar sobrevida é Maurizio Arrivabene, que segundo alguns já estaria fazendo hora extra como diretor da escuderia na gestão Marchionne, que já não estava muito bem conceituado aos olhos do recém-falecido patrão. Até resolverem intervir nesse quesito, Arrivabene deve continuar à frente da escuderia de F-1, a menos que aconteça algum desastre gerencial que implique a liderança da escuderia, o que poderia forçar sua saída. Por isso mesmo, e reforçando os argumentos já mencionados, o mais sensato seria manter tudo na escuderia de F-1 como se encontra atualmente. Claro que mudanças deverão surgir, é algo natural na vida, e no desenvolvimento das coisas. Mas, ao presente momento, a Ferrari vem muito bem na pista, e mudanças parecem desnecessárias neste momento. E se algo fosse alterado, e os resultados não surtissem efeito, poderia comprometer o bom momento que o time vive em 2018. E a disputa do campeonato poderia sofrer muito também, se a Mercedes voltar a se sobressair em virtude de desmandos originados pela nova cúpula do grupo Fiat-Chrysler. Resta aguardar, então, que passo eles darão, e quando o farão... Nada de apostas duvidosas neste momento...

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