sexta-feira, 3 de agosto de 2018

BALANÇO DA HUNGRIA

Uma boa largada, e a proteção de Valtteri Bottas, e Lewis Hamilton saiu na pole para vencer na Hungria e aplicar um forte golpe na Ferrari e em Sebastian Vettel, no segundo fim de semana consecutivo onde o alemão tinha tudo para ser o favorito, e viu o rival voltar à liderança do campeonato.

            O Grande Prêmio da Hungria de F-1 mostrou mais do mesmo, como costuma ocorrer sempre: uma corrida sem maiores atrativos e poucas disputas, em que pese o seu resultado significar muito para a segunda parte do campeonato que recomeça apenas no fim de agosto, depois das “férias” da categoria máxima do automobilismo, em pleno verão europeu. Lewis Hamilton, com a ajuda da estratégia da Mercedes, e de Valtteri Bottas, agora rotulado 100% de escudeiro, ao que o finlandês não gostou nem um pouco da pecha, abriu uma vantagem significativa na liderança do campeonato, que deve fazê-lo chegar até Monza, se não houverem contratempos, na dianteira da competição, para desgosto dos fãs da mais forte Ferrari em muitos anos, e ainda tecnicamente a maior força da competição.
            O maior derrotado do fim de semana na Hungria foi Sebastian Vettel. Depois de uma vitória irretocável em Silverstone, aplicando um belo golpe psicológico no seu maior rival na pista, o piloto alemão foi a nocaute por um erro bobo que o fez abandonar a corrida seguinte, justamente em sua casa, na Alemanha, e que vinha dominando sem maiores percalços. E quem acabou vencendo em Hockenhein? Hamilton, que dessa forma meio que se vingou do ocorrido em Silverstone, ainda que o resultado da prova britânica não possa ser considerado nenhum desastre para o piloto da Mercedes, que acabou terminando aquele corrida em 2º lugar. Vettel tratou de sair de cabeça erguida de Hockenhein após seu abandono, dando a entender que aquilo não o faria perder noites de sono. Talvez não tenha perdido mesmo noites de sono, mas nem por isso aquilo deixou de martelar algo em sua mente, e vimos as consequências disso em Hungaroring.
            Pelo histórico da pista, largar na frente sempre é meio caminho andado para se vencer a corrida, já que o circuito é extremamente difícil para ultrapassagens. E a Ferrari, pela sua forma na temporada, e retrospecto em pistas travadas, tinha tudo para ser a força dominante, tendo de tomar cuidado apenas com a Red Bull, que também costuma andar muito forte neste tipo de pista. Pelos primeiros treinos, tudo indicava que os ferraristas poderiam de fato comemorar: estavam à frente da Mercedes, e o maior perigo potencial, a Red Bull, não estava rendendo o que todos esperavam, principalmente eles próprios. Seria cumprir o figurino, e marretar uma vitória em cima da Mercedes, e de quebra, retomar a ponta nos campeonatos de pilotos e construtores. Mas eis que alguém resolveu fazer a dança da chuva, e São Pedro compareceu no sábado para bagunçar o treino de classificação. E aí virou um verdadeiro samba do crioulo doido, com todo mundo na pista tentando não se ferrar com a pista molhada, e em determinados momentos, até meio seca, que depois tomou um aguaceiro, e por aí vai.
            E aí, Vettel deve ter sentido o baque de Hockenhein martelar na cabeça: se na Alemanha uma pequena escorregada no molhado arruinou sua prova, o que dizer da chuva que apareceu em Hungaroring. Nesta hora, em sua época, Ayrton Senna provocava arrepios nos rivais pela sua impetuosidade, arrojo, e capacidade de andar a fundo em piso molhado, enquanto alguns concorrentes não conseguiam exibir a mesma destreza. E nesse momento, Lewis Hamilton surgiu para conquistar a pole-position para a corrida húngara, com a Mercedes dominando a primeira fila do grid, para desespero de Maranello, que já via ali uma possível pedra difícil de tirar do caminho de seus planos de vencer a corrida. Vettel, que assombrou a todos em 2008 por vencer com a Toro Rosso na corrida da Itália debaixo de chuva, não demonstrou a mesma destreza na Hungria. Talvez as críticas de muitos torcedores por ter jogado uma vitória garantida em casa pelo ralo o tenham feito se portar de maneira um pouco mais cautelosa na pista magiar, já que rodar e sair da pista não estava sendo particularmente difícil. E se forçasse, e arruinasse tudo? Poderia ser ainda pior. Mas, quando se lembra de Gilles Villeneuve ao volante da “rossa”, sem dar a mínima pelo que estava no seu caminho, inclusive sob chuva, não há como negar que Vettel teria, na opinião de muitos, arriscado mais na busca pela pole. Ao falhar conseguir um lugar na primeira fila, ele acusou o golpe do abandono de Hockenhein na semana anterior, até mesmo por ficar atrás de Kimi Raikkonen no grid.
            Felizmente para Vettel e a Ferrari, o domingo amanheceu com sol e pista seca. Mas, àquela altura, era bico saber qual a estratégia da Mercedes: usar Bottas para “escoltar” Hamilton na largada, e tentar atrapalhar tanto quanto possível a dupla ferrarista, permitindo a Lewis disparar na frente para ganhar a corrida. E foi o que ocorreu: Hamilton largou bem, e as Ferraris largaram também muito bem, mas Bottas conseguiu cumprir com sua obrigação, e apesar de quase ter sido superado nas primeiras curvas, conseguiu manter Vettel e Raikkonen atrás de si. O primeiro passo para a vitória da Mercedes estava dado. Restava à Ferrari atacar para tentar neutralizar a estratégia da rival. E foi aí que Vettel, mais uma vez, ficou devendo. Com um ritmo ligeiramente inferior, Bottas nem precisou se esforçar muito para “trancar” os pilotos da Ferrari atrás de si, enquanto Hamilton ia-se embora. O piloto alemão passou a circular de acordo com o ritmo de Bottas, nem se dando muito ao trabalho de tentar uma ultrapassagem. A idéia, claro, era adiar o pit stop, conservar os pneus, e tentar voltar na frente do finlandês da equipe prateada para discutir a vitória com Hamilton.
            Em tese, não era exatamente uma má idéia. Tanto que quando Bottas e Hamilton pararam, de fato Vettel assumiu a liderança, e em alguns momentos, dava toda pinta de que realmente poderia complicar os planos da Mercedes, rodando forte. Mas aí, na hora de parar, Vettel empacou atrás de alguns retardatários, ainda teve um problema com a colocação de uma roda, e quando voltou de seu pit stop, encontrou novamente Bottas no seu caminho, e com Hamilton já ostentando uma vantagem quase impossível de ser tirada no braço e pelo melhor desempenho de performance do carro da Ferrari. Para muitos, Vettel deveria ter partido logo para o ataque a Bottas ainda na primeira metade da corrida. A pressão poderia comprometer seus pneus, óbvio, mas poderia surtir sucesso em ultrapassar Valtteri, nem que fosse induzindo o finlandês ao erro na pressão na pista. Mas aí ele ficaria então livre para ir à caça de Hamilton, que àquela altura, ainda não estava muito distante, e ter discutido a vitória com o piloto inglês. E, mesmo depois da parada no box, ainda assim Sebastian demorou muito para atacar de fato Bottas, o que só foi ocorrer nas voltas finais, quando já não havia possibilidade alguma de alcançar Hamilton, ou sequer pressioná-lo à distância na pista.
            O próprio Hamilton admitiu que, em ritmo bruto, não teria como competir com a Ferrari, que de fato era potencialmente mais rápida que a Mercedes. Mas a apatia de Vettel em partir para o ataque desde o início acabou selando a derrocada ferrarista na prova húngara. Tanto Sebastian foi mais lento do que poderia andar que Raikkonen, mesmo fazendo uma segunda parada, contra apenas uma do alemão, conseguiu alcançá-lo na pista, e só não o ultrapassou por causa da política do time. Mas, naquele momento, era muito mais vantajoso para a escuderia rossa se Raikkonen partisse para o duelo contra seu compatriota, de forma a permitir que Vettel viesse no embalo, e conseguisse superar Bottas, ao que Raikkonen, obviamente, cederia sua posição ao parceiro, consumada a ultrapassagem. Mas nem tal tática a Ferrari se deu ao trabalho de tentar. Talvez por receio de que na luta, os dois finlandeses fossem embora, e Vettel terminasse ainda mais atrás na pista, e até fora do pódio.
Faltou mais ousadia e arrojo para Sebastian Vettel (acima) livrar-se de Valtteri Bottas durante a corrida húngara, com Kimi Raikkonen, mais atrás, assistindo a tudo de camarote. Abaixo, Daniel Ricciardo fez sua costumeira corrida de recuperação, largando em 12º para ser o 4º na bandeirada.
            No fim, Bottas se complicou sozinho ao tentar dificultar a ultrapassagem de Vettel, atingindo o pneu traseiro do carro do alemão, e danificando seu bico. Isso o faria perder ritmo, a ponto de ser ultrapassado no final por Daniel Ricciardo, o grande nome da corrida ao lado de Lewis Hamilton. O australiano largou em 12º, vítima da chuva na classificação, e veio do meio do grid em mais uma de suas famosas corridas de recuperação, e ainda por cima usando uma unidade de potência antiga da Renault. E Hamilton, em que pese a tática de usar Bottas como “boi de piranha” na corrida de Hungaroring, tem méritos por ter andado em um ritmo muito forte quando teve pista livre, e mantido o desempenho quando ficou atrás de Vettel na pista, o suficiente para não degradar seus pneus antes da hora, e fazer apenas uma única parada. Algo que certamente seria muito mais complicado de fazer se Vettel não tivesse ficado “preso” ou “acomodado” atrás de Bottas, mas que certamente poderiam ter lhe dado alento em um eventual duelo com o rival por posição na pista. Afinal, se Sebastian demorou a corrida inteira para conseguir superar o finlandês das hostes prateadas, certamente teria sido muito mais complicado o duelo roda a roda com Hamilton na pista, especialmente em um circuito onde é muito difícil de ultrapassar, embora para alguns pilotos, como Daniel Ricciardo, isso não pareça ter sido muito um problema.
            E deu no que deu: Hamilton venceu, e Vettel teve que ver o rival abrir nada menos do que 24 pontos na liderança, praticamente a pontuação de uma vitória. Ainda temos muitas corridas até o fim do campeonato, é fato. E essa vantagem obtida por Lewis pode parecer grande, mas tudo pode mudar em uma corrida apenas. O problema é que agora a Mercedes ganha uma folga onde poderá trabalhar em seu carro e unidade de potência, visando neutralizar a melhor forma atingida pela Ferrari nas últimas etapas. Em teoria, por serem pistas velozes, Spa-Francorchamps e Monza, as próximas pistas do calendário, sedes das etapas da Bélgica e da Itália, já são propensas a favorecer o carro da Mercedes. Mas é bom lembrar que isso também valia no ano passado, e Vettel fez uma prova muito forte na Bélgica, perdendo o rebolado na luta contra Hamilton apenas na Itália. Hoje, em desempenho puro, o modelo SF71-H produzido em Maranello é bem mais eficiente que o modelo W09 construído em Brackley, tanto a nível de chassi quanto à unidade de potência. Portanto, apostar em ares mais tranquilos para a turma dos prateados é menosprezar a força de Maranello. Pode até ser que a Mercedes de fato possa surgir como favorita maior frente aos rivais nestas pistas, como ocorreu por exemplo na França, em Paul Ricard. Só que não há garantia alguma de que a Ferrari não venha tão ou até mais forte. Paul Ricard, assim como Spa e Monza, é um circuito veloz, mas Silverstone também era, e os vermelhos surpreenderam na Inglaterra.
            Alguém em Brackley vai querer apostar para ver nova surpresa? Acredito que não. Por isso mesmo, apesar das “férias” de verão, muita gente que marca ponto em Brackley e Maranello estará trabalhando em regime quase integral em algum outro lugar, a fim de retomar e/ou manter a supremacia de seu time. No ano passado, todo mundo apostava em um duelo renhido entre Mercedes e Ferrari na parte final do campeonato, mas reveses e azares inesperados acabaram fazendo com que Vettel e a Ferrari ficassem com poucas hipóteses, e assistissem quase de camarote a Hamilton e a Mercedes faturarem mais um título, o mais difícil para os prateados desde o início da nova era turbo da F-1 em 2014. A Ferrari deve estar tendo calafrios com a possibilidade de perder novamente o campeonato, ainda mais agora que estão mais fortes que o concorrente, mas não tão mais eficientes do que propriamente deveriam estar. Já foram duas corridas onde Vettel e o próprio time ficaram devendo em alguns detalhes, que já fizeram uma grande diferença.
            Errar de agora em diante poderá ser fatal. Mas, erros acontecerão, podem ter certeza. E quem conseguir errar menos, muito provavelmente será campeão. Mas, neste momento, é impossível afirmar quem de fato está com a faca e o queijo na mão. Em uma temporada onde a liderança já mudou de mãos várias vezes, nada impede que essa alternância tenha parado por aqui. Podemos ter muitas surpresas pelo meio do caminho. E isso será muito bom para a competição em si, em um ano onde as corridas poderiam ter sido muito melhores do que realmente foram...


A Red Bull voltou a terminar uma corrida com apenas um de seus carros. Se na Alemanha foi Daniel Ricciardo que abandonou, desta vez o “sortudo” acabou sendo Max Verstappen, que não poupou palavrões a respeito da quebra sofrida em seu carro, que o fez ficar sem potência, levando-o ao abandono, ainda no início da corrida húngara. Christian Horner endossou as críticas de seu piloto à Renault, acusando o fabricante de não entregar as peças exigidas em contrato, e de estar repassando material “de baixa qualidade”, em represália por terem sido substituídos pela Honda para 2019. Não demorou para a fabricante francesa refutar as acusações, inclusive lembrando que a escuderia austríaca tem uma série de exigências “excêntricas” no projeto do RB14 que não são as mais recomendadas para sua unidade de potência. Nesse tiroteio verbal, a Renault já levou muito desaforo por parte da Red Bull, que até tem certa razão em cobrar melhorias na performance, ainda atrás das unidades concebidas por Mercedes e Ferrari. Mas, curiosamente, performance à parte, é curioso ver que as unidades de potência francesa têm sofrido muito menos quebras em seu time oficial de fábrica, e até mesmo a McLaren, que possui um carro menos competitivo, e que teve vários percalços na adaptação ao propulsor no início do ano, que obrigaram o time de Woking a retrabalhar a refrigeração da unidade para evitar problemas. Que a Honda vá se preparando para o fim de seus dias de tranquilidade, pois em 2019, se suas unidades não renderem o que o time dos energéticos espera, as cobranças e impropérios que outrora recebiam da McLaren pelo desempenho deficiente de seu equipamento poderão voltar com tudo, e com juros e correção, por parte de seu novo time oficial de fábrica. Até o momento, a Honda melhorou sua confiabilidade em relação a seus anos anteriores. Já em relação à performance, ainda é uma incógnita: pode dar conta das expectativas da Toro Rosso, que é o time “B” dos energéticos, mas e quanto às exigências que o time “matriz” terá? É bom os nipônicos capricharem para o próximo ano, do contrário...
Max Verstappen ficou bem enfezado com a falha da usina de força da Renault de seu carro. Em 2019, se a Honda não mostrar ser melhor, que os nipônicos se preparem para uma saraivada de críticas. Neste ano, os japoneses ainda estão conseguindo trabalhar em paz na Toro Rosso (abaixo), mas na Red Bull, o buraco será muito mais embaixo, e podendo ser recheado a areia movediça...

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