Fernando Alonso confirmou que não estará na Fórmula 1 em 2019. |
Este período de
“férias” de meio de temporada na Fórmula 1 está sendo mesmo interessante este
ano. Depois de sabermos que Daniel Ricciardo resolveu pular fora da Red Bull,
indo para a equipe oficial da Renault no próximo ano, surpreendendo todo mundo,
na semana passada, esta semana foi a vez de Fernando Alonso confirmar que não
estará no grid da categoria máxima do automobilismo em 2019, outra bomba nos
bastidores da F-1. Qual será a próxima que virá antes do Grande Prêmio da
Bélgica, no fim de semana que vem?
A saída de Alonso da
F-1 já nem surpreende tanto assim, o que não a faz menos impactante. E cria uma
brecha na categoria, que nos últimos anos teve no piloto asturiano, em Lewis
Hamilton, e em Sebastian Vettel, a “trinca de ouro” da F-1 na última década,
sendo os três os maiores pilotos do grid. Aliás, Alonso ainda é considerado o
mais completo de todos no grid da categoria, talvez até mais do que Hamilton e
Vettel. Sua saída deixa uma decepção de não podermos ver ele novamente ao
volante de um carro competitivo, medindo forças à altura com seus rivais
tetracampeões. Se é verdade que a F-1 já elegeu vários pilotos como verdadeiros
heróis da velocidade, não é menos verdade que muitos pilotos passaram pela
categoria sem conquistar todas as glórias que mereciam.
Que o diga, por
exemplo, Stirling Moss, quatro vezes vice-campeão, sem nunca conquistar um
título, merecidíssimo, porque tinha pela frente ninguém menos do que Juan
Manuel Fangio. Ou Émerson Fittipaldi, que poderia ter ido muito além de suas
marcas e apenas dois títulos na F-1, não tivesse trocado a competitiva McLaren
pelo projeto arrojado, mas pouco frutífero, da equipe Copersucar. Fernando
Alonso, também bicampeão como Émerson, sai pela porta dos fundos da categoria
máxima do automobilismo. Ainda muito respeitado, mas sem lugar melhor para
competir nela. E por culpa própria, apesar de todo o respeito e reverência que
muitos possam ter por ele.
Quando começou a
ganhar corridas com a equipe oficial da Renault, ainda na primeira metade da
década passada, e ao chegar ao primeiro título, também pela Renault, em 2005,
Fernando Alonso tinha tudo para ser o grande nome da F-1 na era pós-Schumacher.
Uma acirrada disputa entre o asturiano e o alemão na temporada de 2006, com
novo triunfo de Alonso, derrotando o heptacampeão, que anunciara sua despedida
das pistas, parecia sacramentar a passagem do título de maior piloto da F-1
para os anos que viriam. E, com sua contratação para 2007 pela McLaren, um time
competitivo, tinha tudo para realmente conquistar uma penca de títulos, no que
dependesse dele. E porque não seria? Afinal, era tido como um talento tão
grande quanto Schumacher, em que pese Briatore, em opinião suspeita, afirmar
que o espanhol já era mais talentoso do que o alemão. Sabia acelerar, e acima
de tudo, enxergar a corrida como poucos, sabendo definir estratégias e modular
sua pilotagem de acordo com a necessidade. Já era um piloto completo, por assim
dizer, mesmo tão jovem. Só poderia subir cada vez mais, e quem sabe, extrapolar
as marcas incríveis estabelecidas por Michael Schumacher, e deixar o alemão
para trás nas estatísticas.
Mas pilotos campeões
da F-1 costumam ter um problema em particular: eles são egoístas, egocêntricos,
e quase sempre gostam de monopolizar o time só para si, geralmente tornando a
vida dos companheiros de equipe um inferno. Isso ocorre em maior ou menor grau,
apesar de não ser regra geral. E geralmente conseguem forjar contratos
reservando para si mesmos todas as prioridades do time, se não a maior parte
delas. Quando confrontados com concorrência interna, aí as reações variam.
Alguns encaram a luta à altura, e mostram do que são capazes; outros contam com
a parcimônia do time para que o companheiro de equipe “não dê problemas”; e tem
aqueles que perdem as estribeiras quando seus companheiros de time resolvem ter
idéias próprias na pista. Alonso acabou se enquadrando neste último caso.
Foi em 2007 na
McLaren. Alonso chegava ao time como bicampeão reinante. A seu lado, um novato
chamado Lewis Hamilton, considerado uma grande aposta bancada pela McLaren há
vários anos. A opinião geral era de que Alonso comandaria o time, e Hamilton
aprenderia com o espanhol para, quem sabe a partir de 2008, poder brilhar com
tudo também. Era o que pensava Fernando também. Só que Hamilton tinha outras
idéias...
Lewis Hamilton desafiou abertamente o espanhol na McLaren em 2007, e Alonso não engoliu o atrevimento do novato inglês. |
Desde cedo, o novato
mostrou que estava ali para acelerar, e logo o time viu que Lewis mostrava-se
tão rápido quanto Alonso. Até mais, dependendo da pista. E em Montreal, no
Canadá, o piloto inglês marcou sua primeira pole, superando o espanhol, que
obviamente não digeriu aquilo muito bem. E isso se viu claramente na corrida:
enquanto Hamilton liderava de ponta a ponta, vencendo sua primeira corrida,
Alonso fez uma prova errática, terminando em 7º lugar. Mais uma pole e vitória
na corrida seguinte, nos Estados Unidos, com Lewis superando de novo o
espanhol, deixaram Fernando com os nervos meio abalados. A liberdade de
competição dada pela McLaren a seus pilotos era um ambiente com o qual Alonso,
acostumado a ser paparicado, e ser sempre o centro das atenções do time inteiro
quando corria pela Renault, não se sentia à vontade, pois permitia que sua
hierarquia na escuderia não fosse respeitada. Flavio Briatore, que comandava o
time francês, tinha o hábito de eleger seu preferido, e dar-lhe tudo, inclusive
praticamente defenestrando o outro piloto do time para que ele não
“incomodasse” a estrela da equipe, Alonso. Um estilo que Briatore já tinha
feito com Michael Schumacher, que não apenas gostou como sempre exigiu em
contrato ser sempre o centro do time, o que impediu que o alemão tivesse de
fato colegas que pudessem comprometer sua posição preferencial na escuderia,
que primava sempre por atende-lo em tudo e mais alguma coisa, não oferecendo
atenção igual aos companheiros de time.
Alonso entrou em
parafuso com aquilo, e chegou ao cúmulo de chantagear o time quando descobriu o
esquema de espionagem dos projetos da Ferrari em mãos do projetista da McLaren.
Ou o time de Woking colocava Hamilton em seu devido lugar, que era de ser
submisso ao espanhol na pista e no time, ou ele denunciaria a escuderia à FIA.
Ron Dennis, que nunca foi de levar desaforo pra casa, pagou para ver, e o
resultado foi a McLaren ser excluída do campeonato de construtores, pagar uma
multa milionária, e Alonso sair pela porta dos fundos da escuderia, prometendo,
ele e Ron Dennis, que nunca voltariam a trabalhar juntos. E, pior, o campeonato
acabou caindo nas mãos de Kimi Raikkonen, enquanto Alonso e Hamilton empataram
em pontos no campeonato, e o inglês acabou vice-campeão pelos critérios de
desempate. Um desaforo que abalou o piloto espanhol. De volta à Renault, ele
marcou passo nos dois anos seguintes, chegando até mesmo a desprezar um convite
da Red Bull, que estava se estruturando para ser uma grande força na F-1.
Preferiu ir para a Ferrari, que precisava de um piloto com suas credenciais
para voltar a ser campeã. E lá foi o espanhol, que não demorou a mostrar
novamente o seu espírito pouco apaziguador, quando algo fugia ao script que ele
achava o correto.
Na Ferrari, três vice-campeonatos não bastaram para afagar o ego de Alonso, que entrou em atrito com a direção da escuderia. |
Foi o lance da prova
da Alemanha, onde o asturiano começou a ter chilique pelo rádio, irritado por
não consegui superar o então companheiro Felipe Massa na pista, o que obrigou o
time a dar a famosa ordem ao brasileiro, iniciando um período em que Massa
passou por maus momentos dentro do time, devido ao egocentrismo do colega
espanhol. Os planos de Fernando não deram certo por causa da Red Bull, que se
tornava o principal time da F-1, enfileirando quatro títulos consecutivos com
Sebastian Vettel. Mesmo sem um carro tão competitivo, Alonso ainda foi três
vezes vice-campeão pelo time italiano. Mas mesmo com toda a escuderia voltada
para si, seu estilo centralizador e seu egocentrismo começaram a criar atritos
dentro do time, a quem acusava de não lhe permitir ser campeão novamente. Não
era a melhor das atitudes que alguém esperaria de um piloto para com sua
escuderia.
A situação só piorou
em 2014, com a nova era turbo híbrida, onde a Ferrari teve um primeiro ano
abaixo da expectativa, o que fez o clima azedar de vez. Com a reestruturação
promovida por Sergio Marchionne, veio o golpe final: Alonso seguiria no time,
mas teria de parar com suas firulas e maus modos de se dirigir ao time e
trabalhar com todos, não exigindo atenção exclusiva para si. Foi demais para
Alonso, que se viu “reduzido” e sem poder no time. Marchionne, obviamente, se
precaveu contra o espanhol, e para evitar que a escuderia acabasse prejudicada,
simplesmente o despediu após contratar Sebastian Vettel, outro piloto de
primeiro nível. Alonso poderia ter ficado, confiado no seu taco e talento, e mostrado
sua classe na pista, mas seu jeito de pensar não admitiria ter de trabalhar em
igualdade de condições com o parceiro de equipe. E, logicamente, ter se
oferecido para a Red Bull sem consentimento da cúpula da Ferrari pegou mal
também. Alonso parecia não ter escrúpulos em ficar contra seu próprio time
quando as coisas não corressem bem, e ainda por cima, fazendo isso chegar aos
olhos do público. Michael Schumacher, apesar de ter atitudes similares, ao
menos era discreto, e procurava resolver tudo longe dos olhos do público, sem
promover celeumas que criassem desgaste público para ele e para seu time. E que
time gostaria que seu piloto se mostrasse indisciplinado e até mau agradecido desse
jeito, e ainda espalhando a público questões que deveriam ser tratadas apenas
internamente? Tirando um carro superior, a Ferrari deu a Alonso tudo o que ele
pediu, e até mais um pouco. Não custava o espanhol reconhecer o esforço do time
em proporcionar-lhe o melhor equipamento, e por tabela, mostrar-se solidário
com todos nos momentos de dificuldade, e não simplesmente atirando críticas a
torto e a direito só porque não conseguia ser novamente campeão...?
Não é de admirar que
ele passou a ser malvisto pelos times que poderiam contar com seu enorme
talento e capacidade. Os contras passavam a ser mais significativos do que os
prós. Trocando em miúdos: ou tudo funcionava a contento, ou o asturiano não
tinha pudores em detonar o próprio time. Não é de surpreender que a Ferrari o
tenha dispensado, afinal, em 1991, o time rosso despediu sumariamente Alain
Prost depois que ele classificou seu carro de “caminhão” por não ser
competitivo, mesmo com o piloto francês ainda tendo contrato com a escuderia...
Na McLaren, o renascimento que não houve com a volta da Honda. |
Sem opções, acabou
vejam só, na McLaren. O time, iniciando uma nova parceria com a Honda,
precisava de um piloto de quilate, e assim, tanto Alonso quando Ron Dennis
engoliram seus orgulhos, e anunciaram o acordo entre ambos. A idéia era reviver
a era de sucesso que a parceria McLaren/Honda havia tido décadas antes. Deu
tudo errado: não apenas a Honda nunca conseguiu produzir uma unidade motriz
decente, quanto a McLaren também não projetava um carro competitivo. Não
demorou para Alonso de novo estrebuchar, ainda que de forma um pouco mais
discreta, mas suficiente para perceber, nas alfinetadas que dava, que o
ambiente não era tão tranquilo. Acabou forçando o time a romper com a Honda, o
que não foi tão difícil, e arrumar pelo menos um motor mais decente, o Renault.
Mas os resultados da nova união McLaren/Renault também não frutificaram como se
imaginava. E nisso, já se vai que a última vitória de Alonso foi justamente o
GP da Espanha de 2013, há mais de cinco anos. Foi a derradeira 32ª vitória do
asturiano na F-1, bem à frente de seu público. Já a última pole, foi no GP da
Alemanha de 2012. O último pódio, um 2º lugar na prova da Hungria, em 2014.
A participação nas 500
Milhas de Indianápolis do ano passado confirmaram que Alonso ainda mantém seu
grande e imenso talento, comprovando que lhe faltava apenas equipamento à
altura. O ambiente de Indy, completamente diferente daquele clima sério,
asséptico, e isolado da F-1, também o conquistou. Atrevo-me a dizer que, como
piloto, tendo de andar com um carro pouco competitivo, Alonso refinou ainda
mais sua capacidade de pilotagem, tendo de evoluir para conseguir tirar ainda
mais velocidade de um carro lento como foi a McLaren. Como pessoa, ele ainda
desperta muita desconfiança, e não sem razão, em virtude de todos os atritos
que promoveu nos times por onde passou, devido a seu ego e caráter
centralizador. Isso acabou por lhe fechar quaisquer outras portas em times
competitivos na F-1, uma vez que sua relação custo x benefício não era
vantajosa como poderia ser. E, com cada time tendo pilotos que davam para suas
necessidades, e não tumultuavam o ambiente nos boxes, porque trazer o espanhol,
que poderia até trazer mais resultados, mas também poderia desencadear uma
guerra no pit line? Ninguém estava disposto a arriscar tanto. E ainda agora,
tem também outro problema, em se tratando das poderosas Ferrari e Mercedes:
seus principais pilotos não querem Alonso ao seu lado, pois sabem que o
espanhol é encrenca, mais pelo fato de Fernando poder destrona-los na pista, do
que propriamente por desavenças internas. Tanto Hamilton quanto Vettel estão
protegendo seus feudos, como Alonso também faria no lugar deles.
Alonso foi o grande destaque nas 500 Milhas de Indianápolis de 2017, e ele deve voltar lá em 2019, para tentar novamente a vitória. |
Nessa briga para ver
quem é o principal galo do terreiro da F-1, Fernando cavou sua própria cova.
Fosse menos centralizador, egocêntrico e tivesse mais paciência e comedimento,
o que parece demonstrar um pouco atualmente, ele ainda poderia estar na
Ferrari, e quem sabe, lutando por novos títulos, como Vettel fez no ano
passado, e vem fazendo nesse. Poderia ter sido como Nélson Piquet e Alain
Prost, que confrontados respectivamente por Nigel Mansell e Ayrton Senna, deram
resposta à altura equilibrando a competição dentro dos times em que competiam,
ainda que ambos nunca mais desejassem compartilhar boxes novamente. Alonso
perdeu o título de 2007 para si mesmo, naquela corrida no Canadá, quando ficou
abalado com a competitividade de Hamilton. Dali em diante, até colocou a cabeça
mais no lugar, pelo menos dentro da pista, mas continuou perdendo ela nos
boxes. E se não tivesse chiliques, permaneceria na McLaren, certo de poder
derrotar Lewis na pista, o que tinha plenas condições de fazer. Preferiu a
saída mais fácil, pulando fora da escuderia.
Este tipo de
comportamento, exaltando a si próprio, e defenestrando o time quando as coisas
não saíam a contento, infelizmente cobrou o seu preço. Alonso pode até ser uma
pessoa mais sociável e aberta hoje, menos egoísta e mais solidária, depois
destes anos de parcos resultados na McLaren, mas já é tarde demais para
corrigir os erros de tantos anos. E sem ter certeza de a McLaren conseguir
produzir um carro decente para 2019, resolveu sair. Ela já acertou sua posição
no Mundial de Endurance, onde compete pela Toyota na classe LMP1, tendo
inclusive vencido as 24 Horas de Le Mans deste ano, e tendo contrato até a
próxima edição da corrida, no ano que vem. Não se sabe exatamente o que ele
fará além do WEC em 2019, mas já se fala em sua participação na Indycar, em um
acordo envolvendo a equipe Harding, Michael Andretti, e a Chevrolet. Alonso não
esconde que pretende vencer as 500 Milhas de Indianápolis, e com isso se tornar
o segundo piloto a conquistar a “Tríplice Coroa do Automobilismo”, ao lado de
Graham Hill. Ele já triunfou duas vezes em Mônaco na F-1, e este ano venceu Le
Mans. Falta a Indy500, o que muito provavelmente tentará de novo em 2019.
E até mesmo um retorno
à F-1 não pode ser descartado. Mas, será que ele voltaria em 2020, depois de um
ano fora? Não é impossível, mas certamente será difícil. Mesmo que a McLaren
enfim volte a brilhar, será que o chamaria de volta? Ou será que haveria lugar
em outros times vencedores, como Ferrari ou Mercedes, ou até mesmo outras
escuderias? Ou ele pode até continuar competindo no WEC. Há até quem fale que
ele poderia até tentar a Formula-E, embora isso seja apenas especulação sem
fundamento.
A verdade é que Alonso
definiu seu futuro próximo, em 2019, fora da F-1. Ele tem outros horizontes
para tentar conquistar, e tem todo o direito de fazer isso. Que possa continuar
mostrando o seu imenso talento e capacidade, e mostre também ser uma pessoa que
aprendeu a ser melhor do que era, pavimentando o que resta de sua carreira como
piloto com sucesso e um brilho que até agora ele próprio negou a si mesmo fora
da pista pelos modos pouco harmoniosos que cultivava no seio das escuderias que
defendeu, e que o fizeram ser renegado por muitos no meio. Fernando mostrou ser
capaz de se reinventar. E, nessas novas empreitadas em que tomou parte, não tem
tido medo de ousar, e até de assumir posições que antigamente não assumiria.
Ainda mostra ter um pouco de ego, mas aparentemente, muito menos do que nos
velhos tempos.
Que seja feliz e bem-sucedido,
onde quer que vá competir, mostrando por que é um dos pilotos mais completos e
capazes do mundo da velocidade nos últimos tempos...
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