sexta-feira, 17 de agosto de 2018

HASTA LA VISTA, FERNANDO

Fernando Alonso confirmou que não estará na Fórmula 1 em 2019.

            Este período de “férias” de meio de temporada na Fórmula 1 está sendo mesmo interessante este ano. Depois de sabermos que Daniel Ricciardo resolveu pular fora da Red Bull, indo para a equipe oficial da Renault no próximo ano, surpreendendo todo mundo, na semana passada, esta semana foi a vez de Fernando Alonso confirmar que não estará no grid da categoria máxima do automobilismo em 2019, outra bomba nos bastidores da F-1. Qual será a próxima que virá antes do Grande Prêmio da Bélgica, no fim de semana que vem?
            A saída de Alonso da F-1 já nem surpreende tanto assim, o que não a faz menos impactante. E cria uma brecha na categoria, que nos últimos anos teve no piloto asturiano, em Lewis Hamilton, e em Sebastian Vettel, a “trinca de ouro” da F-1 na última década, sendo os três os maiores pilotos do grid. Aliás, Alonso ainda é considerado o mais completo de todos no grid da categoria, talvez até mais do que Hamilton e Vettel. Sua saída deixa uma decepção de não podermos ver ele novamente ao volante de um carro competitivo, medindo forças à altura com seus rivais tetracampeões. Se é verdade que a F-1 já elegeu vários pilotos como verdadeiros heróis da velocidade, não é menos verdade que muitos pilotos passaram pela categoria sem conquistar todas as glórias que mereciam.
            Que o diga, por exemplo, Stirling Moss, quatro vezes vice-campeão, sem nunca conquistar um título, merecidíssimo, porque tinha pela frente ninguém menos do que Juan Manuel Fangio. Ou Émerson Fittipaldi, que poderia ter ido muito além de suas marcas e apenas dois títulos na F-1, não tivesse trocado a competitiva McLaren pelo projeto arrojado, mas pouco frutífero, da equipe Copersucar. Fernando Alonso, também bicampeão como Émerson, sai pela porta dos fundos da categoria máxima do automobilismo. Ainda muito respeitado, mas sem lugar melhor para competir nela. E por culpa própria, apesar de todo o respeito e reverência que muitos possam ter por ele.
Alonso estreou em 2001 na F-1, competindo pela equipe Minardi (acima). Nos anos seguintes, ele se tornaria o mais jovem campeão de F-1, e sendo bicampeão em cima de ninguém menos do que Michael Schumacher, com o qual travou duelo na temporada de 2006 (abaixo).
            Quando começou a ganhar corridas com a equipe oficial da Renault, ainda na primeira metade da década passada, e ao chegar ao primeiro título, também pela Renault, em 2005, Fernando Alonso tinha tudo para ser o grande nome da F-1 na era pós-Schumacher. Uma acirrada disputa entre o asturiano e o alemão na temporada de 2006, com novo triunfo de Alonso, derrotando o heptacampeão, que anunciara sua despedida das pistas, parecia sacramentar a passagem do título de maior piloto da F-1 para os anos que viriam. E, com sua contratação para 2007 pela McLaren, um time competitivo, tinha tudo para realmente conquistar uma penca de títulos, no que dependesse dele. E porque não seria? Afinal, era tido como um talento tão grande quanto Schumacher, em que pese Briatore, em opinião suspeita, afirmar que o espanhol já era mais talentoso do que o alemão. Sabia acelerar, e acima de tudo, enxergar a corrida como poucos, sabendo definir estratégias e modular sua pilotagem de acordo com a necessidade. Já era um piloto completo, por assim dizer, mesmo tão jovem. Só poderia subir cada vez mais, e quem sabe, extrapolar as marcas incríveis estabelecidas por Michael Schumacher, e deixar o alemão para trás nas estatísticas.
            Mas pilotos campeões da F-1 costumam ter um problema em particular: eles são egoístas, egocêntricos, e quase sempre gostam de monopolizar o time só para si, geralmente tornando a vida dos companheiros de equipe um inferno. Isso ocorre em maior ou menor grau, apesar de não ser regra geral. E geralmente conseguem forjar contratos reservando para si mesmos todas as prioridades do time, se não a maior parte delas. Quando confrontados com concorrência interna, aí as reações variam. Alguns encaram a luta à altura, e mostram do que são capazes; outros contam com a parcimônia do time para que o companheiro de equipe “não dê problemas”; e tem aqueles que perdem as estribeiras quando seus companheiros de time resolvem ter idéias próprias na pista. Alonso acabou se enquadrando neste último caso.
            Foi em 2007 na McLaren. Alonso chegava ao time como bicampeão reinante. A seu lado, um novato chamado Lewis Hamilton, considerado uma grande aposta bancada pela McLaren há vários anos. A opinião geral era de que Alonso comandaria o time, e Hamilton aprenderia com o espanhol para, quem sabe a partir de 2008, poder brilhar com tudo também. Era o que pensava Fernando também. Só que Hamilton tinha outras idéias...
Lewis Hamilton desafiou abertamente o espanhol na McLaren em 2007, e Alonso não engoliu o atrevimento do novato inglês.
            Desde cedo, o novato mostrou que estava ali para acelerar, e logo o time viu que Lewis mostrava-se tão rápido quanto Alonso. Até mais, dependendo da pista. E em Montreal, no Canadá, o piloto inglês marcou sua primeira pole, superando o espanhol, que obviamente não digeriu aquilo muito bem. E isso se viu claramente na corrida: enquanto Hamilton liderava de ponta a ponta, vencendo sua primeira corrida, Alonso fez uma prova errática, terminando em 7º lugar. Mais uma pole e vitória na corrida seguinte, nos Estados Unidos, com Lewis superando de novo o espanhol, deixaram Fernando com os nervos meio abalados. A liberdade de competição dada pela McLaren a seus pilotos era um ambiente com o qual Alonso, acostumado a ser paparicado, e ser sempre o centro das atenções do time inteiro quando corria pela Renault, não se sentia à vontade, pois permitia que sua hierarquia na escuderia não fosse respeitada. Flavio Briatore, que comandava o time francês, tinha o hábito de eleger seu preferido, e dar-lhe tudo, inclusive praticamente defenestrando o outro piloto do time para que ele não “incomodasse” a estrela da equipe, Alonso. Um estilo que Briatore já tinha feito com Michael Schumacher, que não apenas gostou como sempre exigiu em contrato ser sempre o centro do time, o que impediu que o alemão tivesse de fato colegas que pudessem comprometer sua posição preferencial na escuderia, que primava sempre por atende-lo em tudo e mais alguma coisa, não oferecendo atenção igual aos companheiros de time.
            Alonso entrou em parafuso com aquilo, e chegou ao cúmulo de chantagear o time quando descobriu o esquema de espionagem dos projetos da Ferrari em mãos do projetista da McLaren. Ou o time de Woking colocava Hamilton em seu devido lugar, que era de ser submisso ao espanhol na pista e no time, ou ele denunciaria a escuderia à FIA. Ron Dennis, que nunca foi de levar desaforo pra casa, pagou para ver, e o resultado foi a McLaren ser excluída do campeonato de construtores, pagar uma multa milionária, e Alonso sair pela porta dos fundos da escuderia, prometendo, ele e Ron Dennis, que nunca voltariam a trabalhar juntos. E, pior, o campeonato acabou caindo nas mãos de Kimi Raikkonen, enquanto Alonso e Hamilton empataram em pontos no campeonato, e o inglês acabou vice-campeão pelos critérios de desempate. Um desaforo que abalou o piloto espanhol. De volta à Renault, ele marcou passo nos dois anos seguintes, chegando até mesmo a desprezar um convite da Red Bull, que estava se estruturando para ser uma grande força na F-1. Preferiu ir para a Ferrari, que precisava de um piloto com suas credenciais para voltar a ser campeã. E lá foi o espanhol, que não demorou a mostrar novamente o seu espírito pouco apaziguador, quando algo fugia ao script que ele achava o correto.
Na Ferrari, três vice-campeonatos não bastaram para afagar o ego de Alonso, que entrou em atrito com a direção da escuderia.
            Foi o lance da prova da Alemanha, onde o asturiano começou a ter chilique pelo rádio, irritado por não consegui superar o então companheiro Felipe Massa na pista, o que obrigou o time a dar a famosa ordem ao brasileiro, iniciando um período em que Massa passou por maus momentos dentro do time, devido ao egocentrismo do colega espanhol. Os planos de Fernando não deram certo por causa da Red Bull, que se tornava o principal time da F-1, enfileirando quatro títulos consecutivos com Sebastian Vettel. Mesmo sem um carro tão competitivo, Alonso ainda foi três vezes vice-campeão pelo time italiano. Mas mesmo com toda a escuderia voltada para si, seu estilo centralizador e seu egocentrismo começaram a criar atritos dentro do time, a quem acusava de não lhe permitir ser campeão novamente. Não era a melhor das atitudes que alguém esperaria de um piloto para com sua escuderia.
            A situação só piorou em 2014, com a nova era turbo híbrida, onde a Ferrari teve um primeiro ano abaixo da expectativa, o que fez o clima azedar de vez. Com a reestruturação promovida por Sergio Marchionne, veio o golpe final: Alonso seguiria no time, mas teria de parar com suas firulas e maus modos de se dirigir ao time e trabalhar com todos, não exigindo atenção exclusiva para si. Foi demais para Alonso, que se viu “reduzido” e sem poder no time. Marchionne, obviamente, se precaveu contra o espanhol, e para evitar que a escuderia acabasse prejudicada, simplesmente o despediu após contratar Sebastian Vettel, outro piloto de primeiro nível. Alonso poderia ter ficado, confiado no seu taco e talento, e mostrado sua classe na pista, mas seu jeito de pensar não admitiria ter de trabalhar em igualdade de condições com o parceiro de equipe. E, logicamente, ter se oferecido para a Red Bull sem consentimento da cúpula da Ferrari pegou mal também. Alonso parecia não ter escrúpulos em ficar contra seu próprio time quando as coisas não corressem bem, e ainda por cima, fazendo isso chegar aos olhos do público. Michael Schumacher, apesar de ter atitudes similares, ao menos era discreto, e procurava resolver tudo longe dos olhos do público, sem promover celeumas que criassem desgaste público para ele e para seu time. E que time gostaria que seu piloto se mostrasse indisciplinado e até mau agradecido desse jeito, e ainda espalhando a público questões que deveriam ser tratadas apenas internamente? Tirando um carro superior, a Ferrari deu a Alonso tudo o que ele pediu, e até mais um pouco. Não custava o espanhol reconhecer o esforço do time em proporcionar-lhe o melhor equipamento, e por tabela, mostrar-se solidário com todos nos momentos de dificuldade, e não simplesmente atirando críticas a torto e a direito só porque não conseguia ser novamente campeão...?
            Não é de admirar que ele passou a ser malvisto pelos times que poderiam contar com seu enorme talento e capacidade. Os contras passavam a ser mais significativos do que os prós. Trocando em miúdos: ou tudo funcionava a contento, ou o asturiano não tinha pudores em detonar o próprio time. Não é de surpreender que a Ferrari o tenha dispensado, afinal, em 1991, o time rosso despediu sumariamente Alain Prost depois que ele classificou seu carro de “caminhão” por não ser competitivo, mesmo com o piloto francês ainda tendo contrato com a escuderia...
Na McLaren, o renascimento que não houve com a volta da Honda.
            Sem opções, acabou vejam só, na McLaren. O time, iniciando uma nova parceria com a Honda, precisava de um piloto de quilate, e assim, tanto Alonso quando Ron Dennis engoliram seus orgulhos, e anunciaram o acordo entre ambos. A idéia era reviver a era de sucesso que a parceria McLaren/Honda havia tido décadas antes. Deu tudo errado: não apenas a Honda nunca conseguiu produzir uma unidade motriz decente, quanto a McLaren também não projetava um carro competitivo. Não demorou para Alonso de novo estrebuchar, ainda que de forma um pouco mais discreta, mas suficiente para perceber, nas alfinetadas que dava, que o ambiente não era tão tranquilo. Acabou forçando o time a romper com a Honda, o que não foi tão difícil, e arrumar pelo menos um motor mais decente, o Renault. Mas os resultados da nova união McLaren/Renault também não frutificaram como se imaginava. E nisso, já se vai que a última vitória de Alonso foi justamente o GP da Espanha de 2013, há mais de cinco anos. Foi a derradeira 32ª vitória do asturiano na F-1, bem à frente de seu público. Já a última pole, foi no GP da Alemanha de 2012. O último pódio, um 2º lugar na prova da Hungria, em 2014.
            A participação nas 500 Milhas de Indianápolis do ano passado confirmaram que Alonso ainda mantém seu grande e imenso talento, comprovando que lhe faltava apenas equipamento à altura. O ambiente de Indy, completamente diferente daquele clima sério, asséptico, e isolado da F-1, também o conquistou. Atrevo-me a dizer que, como piloto, tendo de andar com um carro pouco competitivo, Alonso refinou ainda mais sua capacidade de pilotagem, tendo de evoluir para conseguir tirar ainda mais velocidade de um carro lento como foi a McLaren. Como pessoa, ele ainda desperta muita desconfiança, e não sem razão, em virtude de todos os atritos que promoveu nos times por onde passou, devido a seu ego e caráter centralizador. Isso acabou por lhe fechar quaisquer outras portas em times competitivos na F-1, uma vez que sua relação custo x benefício não era vantajosa como poderia ser. E, com cada time tendo pilotos que davam para suas necessidades, e não tumultuavam o ambiente nos boxes, porque trazer o espanhol, que poderia até trazer mais resultados, mas também poderia desencadear uma guerra no pit line? Ninguém estava disposto a arriscar tanto. E ainda agora, tem também outro problema, em se tratando das poderosas Ferrari e Mercedes: seus principais pilotos não querem Alonso ao seu lado, pois sabem que o espanhol é encrenca, mais pelo fato de Fernando poder destrona-los na pista, do que propriamente por desavenças internas. Tanto Hamilton quanto Vettel estão protegendo seus feudos, como Alonso também faria no lugar deles.
Alonso foi o grande destaque nas 500 Milhas de Indianápolis de 2017, e ele deve voltar lá em 2019, para tentar novamente a vitória.
            Nessa briga para ver quem é o principal galo do terreiro da F-1, Fernando cavou sua própria cova. Fosse menos centralizador, egocêntrico e tivesse mais paciência e comedimento, o que parece demonstrar um pouco atualmente, ele ainda poderia estar na Ferrari, e quem sabe, lutando por novos títulos, como Vettel fez no ano passado, e vem fazendo nesse. Poderia ter sido como Nélson Piquet e Alain Prost, que confrontados respectivamente por Nigel Mansell e Ayrton Senna, deram resposta à altura equilibrando a competição dentro dos times em que competiam, ainda que ambos nunca mais desejassem compartilhar boxes novamente. Alonso perdeu o título de 2007 para si mesmo, naquela corrida no Canadá, quando ficou abalado com a competitividade de Hamilton. Dali em diante, até colocou a cabeça mais no lugar, pelo menos dentro da pista, mas continuou perdendo ela nos boxes. E se não tivesse chiliques, permaneceria na McLaren, certo de poder derrotar Lewis na pista, o que tinha plenas condições de fazer. Preferiu a saída mais fácil, pulando fora da escuderia.
            Este tipo de comportamento, exaltando a si próprio, e defenestrando o time quando as coisas não saíam a contento, infelizmente cobrou o seu preço. Alonso pode até ser uma pessoa mais sociável e aberta hoje, menos egoísta e mais solidária, depois destes anos de parcos resultados na McLaren, mas já é tarde demais para corrigir os erros de tantos anos. E sem ter certeza de a McLaren conseguir produzir um carro decente para 2019, resolveu sair. Ela já acertou sua posição no Mundial de Endurance, onde compete pela Toyota na classe LMP1, tendo inclusive vencido as 24 Horas de Le Mans deste ano, e tendo contrato até a próxima edição da corrida, no ano que vem. Não se sabe exatamente o que ele fará além do WEC em 2019, mas já se fala em sua participação na Indycar, em um acordo envolvendo a equipe Harding, Michael Andretti, e a Chevrolet. Alonso não esconde que pretende vencer as 500 Milhas de Indianápolis, e com isso se tornar o segundo piloto a conquistar a “Tríplice Coroa do Automobilismo”, ao lado de Graham Hill. Ele já triunfou duas vezes em Mônaco na F-1, e este ano venceu Le Mans. Falta a Indy500, o que muito provavelmente tentará de novo em 2019.
            E até mesmo um retorno à F-1 não pode ser descartado. Mas, será que ele voltaria em 2020, depois de um ano fora? Não é impossível, mas certamente será difícil. Mesmo que a McLaren enfim volte a brilhar, será que o chamaria de volta? Ou será que haveria lugar em outros times vencedores, como Ferrari ou Mercedes, ou até mesmo outras escuderias? Ou ele pode até continuar competindo no WEC. Há até quem fale que ele poderia até tentar a Formula-E, embora isso seja apenas especulação sem fundamento.
            A verdade é que Alonso definiu seu futuro próximo, em 2019, fora da F-1. Ele tem outros horizontes para tentar conquistar, e tem todo o direito de fazer isso. Que possa continuar mostrando o seu imenso talento e capacidade, e mostre também ser uma pessoa que aprendeu a ser melhor do que era, pavimentando o que resta de sua carreira como piloto com sucesso e um brilho que até agora ele próprio negou a si mesmo fora da pista pelos modos pouco harmoniosos que cultivava no seio das escuderias que defendeu, e que o fizeram ser renegado por muitos no meio. Fernando mostrou ser capaz de se reinventar. E, nessas novas empreitadas em que tomou parte, não tem tido medo de ousar, e até de assumir posições que antigamente não assumiria. Ainda mostra ter um pouco de ego, mas aparentemente, muito menos do que nos velhos tempos.
            Que seja feliz e bem-sucedido, onde quer que vá competir, mostrando por que é um dos pilotos mais completos e capazes do mundo da velocidade nos últimos tempos...

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