O campeonato de 2018
nem começou, mas o clima já anda esquentando nos bastidores da categoria. O
lance agora é a ameaça (mais uma) da Ferrari de pular fora da F-1, caso as
novas diretrizes que o Liberty Media queira impôr à categoria máxima do
automobilismo a desagradem. Ou, trocando em miúdos, mexa em alguns
“privilégios” que a escuderia de Maranello possui, foram implantar algumas
regras às quais ela é terminantemente contra. Não é a primeira vez que o time
italiano faz esse tipo de ameaça, que está mais para birra do que para qualquer
outra coisa. E que já encheu o saco, convenhamos.
Entre os “privilégios”
dados à Ferrari estão um bônus especial que a escuderia recebe,
independentemente de sua colocação no campeonato, por ser a equipe mais antiga
da categoria. Todos os times recebem uma premiação em dinheiro, proporcional à
sua posição alcançada no campeonato de construtores de uma temporada. Com base
nessa classificação, parte dos lucros arrecadados pela FOM sobrea
comercialização dos direitos de transmissão e exploração publicitária das
corridas é distribuído aos times, em quantias devidamente proporcionais às
posições na classificação. Mas a Ferrari, por ser o único time que participou
até hoje de todas as temporadas da história, ganha uma graninha a mais, e não é
pouca coisa. Só em 2016, esse prêmio “adicional” foi de cerca de US$ 70
milhões. Acontece que o Liberty Media quer rever esse direito no novo “Pacto de
Concórdia”, o acordo que rege direitos e deveres de todos os participantes do
campeonato, e que vence em 2020. Para 2021, o acordo deverá ser renovado, mas
os novos donos da F-1 querem rediscutir vários pontos, e essa premiação extra
da Ferrari deve ser abolida.
Daí a choradeira dos
ferraristas, que se consideram no direito mais do que sagrado de receberem esse
bônus, por serem o único time remanescente dos primórdios da F-1. Tudo bem,
este ano temos a volta da Alfa Romeo, mas a marca não tem a representatividade
da Ferrari, e ainda por cima, pertence a ela. A Ferrari se apega ainda à sua
mítica: o time do cavalinho rampante é a única escuderia da categoria que tem
uma torcida própria, e fama pelos quatro cantos do mundo. Possui os fãs mais
ardorosos e é praticamente uma instituição nacional na Itália. Só que o Liberty
Media quer fazer uma distribuição de prêmios mais igualitária entre os times, e
nessa nova visão, o bônus ferrarista não combina. E a Ferrari, claro, não vai
querer largar o osso nem que a vaca tussa, o que é compreensível, pois se trata
de muito dinheiro.
Outro “privilégio” é o
direito de veto da escuderia a itens do regulamento, outro “direito sagrado”
que a Ferrari também não admite perder. Aqui a discussão será com a FIA, uma
vez que Jean Todt é quem defende o fim desse privilégio dado aos italianos, e
que segundo ele, acaba por tornar a categoria refém de um único time.
Time italiano é o maior vencedor da história da categoria e a única escuderia a participar de todos os mundiais desde 1950. Abaixo, os modelos da escuderia até 2010 na F-1. |
Sergio Marchionne,
presidente do Grupo Ferrari, ameaça deixar a F-1 caso as novas regras de
participação na F-1 sejam contrárias ao “interesse da Ferrari”. Em outras
palavras, se a turma que comanda a F-1, seja o Liberty Media, ou a FIA,
impuserem regras que eles desaprovem, eles podem simplesmente deixar a
categoria, ou fundar até outro campeonato para competir. Coincidência ou não, a
Ferrari confirmou, de forma indireta, sua participação nas 500 Milhas de
Indianápolis deste ano, através da Scuderia Corsa, que disputa o endurance, e é
ligada ao Grupo Ferrari. É bom lembrar que nos anos 1980, a Ferrari, desgostosa
com os rumos da F-1, também ameaçou deixar a categoria, e chegou até mesmo a
construir um monoposto com base nas regras da antiga F-Indy, para onde iria de
mala e cuia. Bem, a Ferrari nunca concretizou a ameaça, e o carro construído
hoje está em um museu, como parte das peripécias já aventadas pela escuderia
italiana. Mas será que hoje eles sairiam de fato, concretizando sua ameaça? E o
que fariam depois disso? Como seria o impacto para a F-1?
Bem, competir na
Indycar seria uma possibilidade, mas a Ferrari teria de engolir alguns reveses.
Um deles seria o fato de não poder construir seu próprio carro. Nos anos 1980,
na antiga F-Indy, a participação de chassis era livre, respeitando as regras
técnicas da categoria, o mesmo valendo para os motores. Bem, hoje todos os
chassis são iguais para todos, e um time “Ferrari” na Indy teria que usar um
destes chassi também. No que tange ao motor, a Ferrari poderia até conceber um
propulsor para a categoria, só que não poderia ser de uso exclusivo, pois teria
de ser também fornecedora, para brigar com as marcas já estabelecidas, Honda e
Chevrolet. Outro detalhe que seria incômodo seria o fato de ser “mais um time”
na pista, e não o “astro” por ser a Ferrari, um nome icônico do mundo do
automobilismo. Para o público, até seria, pelo peso do nome Ferrari, mas
internamente, a eventual escuderia estaria longe de ter um cartaz como a Penske
ou a Ganassi. E até conseguir ter esta importância e cartaz, levaria tempo... E
será que Marchionne teria esta paciência e, principalmente, tolerância? Acho
difícil...
A Ferrari é a escuderia mais idolatrada na F-1, e possui uma base de fãs pelo mundo inteiro. Marchionne usa isso como forma de pressão para exigir a manutenção dos privilégios do time. |
A F-1 perderia com a saída
da Ferrari? Claro que perderia. Mas, e o que a Ferrari perderia ficando de fora
da F-1? Essa é um pouco complicado de dizer. A maior parte da fama que o nome
Ferrari tem hoje no automobilismo veio de sua participação na F-1, e as
competições em outros certames apenas complementam a mítica que o time de
Maranello desfruta hoje. Se a Ferrari pensa em chantagear a F-1 pela sua fama e
influência, além da base imensurável de fãs, que certamente fariam um boicote à
F-1 se Maranello assim decidisse, que poderia causar bons prejuízos à imagem da
categoria, além de perdas financeiras, não se trata de uma ameaça vazia. Mas
fica a dúvida do quanto a marca perderia também por sair fora da competição.
A F-1 sobreviveria?
Sim, não sem cicatrizes, mas estas poderiam ser compensadas pela participação
de novos times que resolvam adentrar o certame. A F-1 já perdeu várias
escuderias, muitas icônicas, e a vida seguiu em frente. É verdade que nomes
como Brabham, Lotus, Tyrrel, entre outros, não tinham o peso do nome Ferrari, e
é baseado nesta premissa que Sergio Marchionne se vale para mostrar sua força.
Tanto que Toto Wolf, manda-chuva da Mercedes, até alertou para que o homem não
fosse provocado, dando a entender que ele pode muito bem, num rompante, tirar a
Ferrari da competição, sem importar-se com as consequências. E isso poderia ser
muito desastroso para a F-1. Mas, não seria também para a Ferrari? Em que outra
categoria ela poderia competir com o mesmo prestígio da F-1? Talvez o Mundial
de Endurance. Na F-E, ela teria de competir com os carros padrão da categoria,
e isso definitivamente não é do seu agrado. A Ferrari sempre foi “puro sangue”,
carro e motor próprios. E, até o início dos anos 1990, seus equipamentos eram
exclusivos. Só naquela década ela passou a se permitir vender seus motores para
times terceiros, começando pela Minardi, pequeno time italiano que hoje é a
Toro Rosso. De lá para cá, forneceu propulsores especialmente para a Sauber,
exceto no tempo em que a escuderia foi controlada pela BMW. Hoje, além da
Sauber, que usa as unidades de potência italianas, sob o logo da Alfa Romeo, a
Hass também conta com os propulsores de Maranello. E isso também pode ser um
fator para impor força em suas ameaças. Debandar da F-1 deixaria a Hass sem
motor e tendo de desenvolver parte do seu carro, que possui sistemas
desenvolvidos em Maranello. No caso da Alfa Romeo/Sauber, elevada quase a time
B de Maranello no ano passado, a perda da parceria poderia resultar até no
fechamento do time suíço. Com isso, o grid da F-1 perderia potencialmente 4
carros, 2 a menos com certeza, e na pior das hipóteses, com uma saída da Hass,
seriam 6 carros a menos na competição, o que seria um baque para a categoria
máxima do automobilismo.
É outro motivo para
Marchionne fazer valer sua posição. Ele sabe que isso seria desastroso para a
F-1. E, causando prejuízos para a Ferrari também, poderia não se importar com
isso, se puder causar um estrago ainda maior naF-1, só para valer sua posição.
Ele sabe o problema que isso causaria, e que ninguém deseja que isso aconteça.
A questão é que o
Liberty Media quer democratizar as chances de competição na F-1. Simplificar
parte das regras, do regulamento técnico, e implantar um teto de gastos, de
forma a conter os altos custos de competição na categoria. Nas discussões em
fóruns e redes sociais, os fãs se dividem sobre a questão: uns acusam o Liberty
Media de querer “indyanizar” a F-1, e acabar com o que faz a F-1 ser o que é;
outros simplesmente defendem a Ferrari pelo seu histórico e valor para o esporte;
outros já falam para Marchionne juntar seus trapos e ir cantar em outra
freguesia, que as implicâncias da Ferrari já encheram o saco, e que a F-1
poderia se virar melhor sem os italianos.
Bom, em primeiro
lugar, tentar conter os custos é uma medida válida. A F-1 virou um monstrengo
insustentável, com os custos nas alturas, e mesmo escuderias como Mercedes e
Ferrari poderiam se beneficiar de gastar menos para competir. Na verdade,
custos menores poderiam atrair outros fabricantes, que cansaram de gastar rios
de dinheiro sem obter resultados de seus investimentos, como BMW, Toyota, ou
novos que poderiam se aventurar na competição, como Audi ou Volkswagen. E até
fornecedores independentes também poderia tentar a sorte, ou retornar, como a
Cosworth, que só não está presente pelos altos custos de competição atuais que
envolvem o desenvolvimento das unidades híbridas. E uma distribuição mais
igualitária dos prêmios da F-1 não significa que todo mundo ganhará igual.
Embora os critérios para o novo acordo ainda não tenham sido definidos, ninguém
falou que os times deixarão de ganhar conforme sua posição na competição. O que
se defende é apenas diminuir as discrepâncias dos valores. Quanto à imposição
de um teto de gastos, é um assunto complicado, e que demandará muitas propostas
e acordos.
Fala-se em padronizar
muitos sistemas e equipamentos, e isso vem desagradando não apenas à Ferrari,
mas também a outras escuderias, que também são contrárias a tal medida. Mas a
meu ver, isso não seria o único meio de baixar custos. Por mim, se
estabeleceria um valor de teto, com algumas exceções, e que dentro desse teto
os times tivessem liberdade para desenvolver o que quisessem, respeitados as
normas do regulamento técnico. Mas o valor desse teto teria que ser
inicialmente alto, e ir sendo reduzido aos poucos, para que todos os times
pudessem se adequar a ele sem problemas. O teto proposto por Max Mosley na
década passada fracassou justamente por ser muito radical, por impor um valor
que representava apenas 10 a 15% dos orçamentos dos times de ponta, de modo que
todos os times não teriam como reduzir deforma tão brutal seus custos de
competição dessa maneira. O Liberty Media precisará estudar devidamente a
situação, para achar uma combinação que dê aos times liberdade para construir
seus carros e adquirir/fabricar seus propulsores, e baixar os custos.
Estabelecer um teto
máximo razoável, e deixando as escuderias com maior liberdade técnica para
desenvolver seus projetos seria uma boa maneira de garantir que a F-1 mantenha
suas características tradicionais, sem padronizar o equipamento, que é o que
times e fãs mais rejeitam para ser implantado, uma vez que isso vai contra o
espírito de criação e competitividade que rege a categoria.
Mas fica a dúvida se a
Ferrari manterá sua postura egoísta, pensando apenas em si mesma, ao chantagear
a F-1 com sua saída, sabendo que ninguém deseja isso, ou terá um pouco mais de
bom senso e menos birra para pensar no que pode fazer para ajudar a F-1 a ser
maior e melhor do que é atualmente, colaborando para uma categoria mais
disputada e emocionante onde muitos poderiam ganhar, e ela principalmente,
continuando a mostrar sua classe e competência. Só que acho que aí eu estaria
sendo por demais otimista, porque infelizmente o egoísmo, a prepotência e a arrogância
hoje são características marcantes das atitudes das escuderias, em maior ou
menor grau. E, lamentavelmente, a Ferrari ganha com louvor o troféu de time
mais cretino do paddock da F-1. Uma má fama que já não é de hoje, infelizmente,
e que eles não se envergonham nem um pouco de cultivar...
Aguardemos os futuros
capítulos desse embate, que promete muito, e não exatamente no melhor sentido
da palavra...
Hora de fazer as malas e pegar a
estrada. Neste fim de semana, todos os times e o pessoal da F-1 embarcam rumo
ao outro lado do mundo, onde no próximo final de semana será disputado o Grande
Prêmio da Austrália, prova inaugural do campeonato de Fórmula1 de 2018. Depois
de uma pré-temporada das mais mixurucas em termos de atividades na pista, já que
na prática só tivemos mesmo 4 dias de testes pra valer, chegou a hora de vermos
de fato quem é quem na disputa pelo título da temporada. E, pela primeira vez
desde 1970, o ano começa sem a presença de nenhum brasileiro na pista. Mas,
felizmente para Felipe Massa, que acabou dispensado pela Williams, o time
inglês tem tudo para fazer uma temporada das mais sofríveis pelo que se viu nos
testes, e Felipe não merecia pagar este mico, em respeito ao seu currículo e
amor próprio. Veremos como a escuderia irá se sair na competição esse ano, onde
a disputa, em especial no pelotão intermediário promete ser das boas. E é hora
também do pessoal da imprensa especializada retomar a cansativa rotina de
viagens mundo afora, que só terminará no fim de novembro, com a etapa final, em
Abu Dhabi. Vai ser um ano bem longo, já que teremos 21 provas na competição...
A F-E acelera mais uma vez neste
final de semana, no balneário de Punta Del Este, no Uruguai, prova que entrou
no lugar da corrida que seria disputada em São Paulo, até as atitudes recentes
da prefeitura paulistana tornarem a corrida sem garantias, enterrando as
esperanças dos fãs brasileiros de termos uma prova por aqui. O canal pago Fox
Sports 2 transmitirá a corrida ao vivo, a partir das 16 horas, neste sábado, pelo
horário de Brasília, com narração de Téo Jose, com participação de Flávio Gomes
e Thiago Alves.
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