Ultrapassar deve ser um desafio bem mais difícil na F-1 de 2017. Felipe Massa andou atrás de Marcus Ericsson e não conseguiu passá-lo na pista, mesmo tendo um carro bem mais veloz. |
Hoje terminam os
testes coletivos da pré-temporada, na pista de Barcelona. Depois destes míseros
oito dias de testes, as escuderias retornam às suas fábricas para tentarem
colocar a mão na massa e tentar obter o maior número de modificações possíveis
antes de embarcarem todos os equipamentos para o outro lado do mundo, onde no
dia 24 já entrarão na pista para os primeiros treinos livres da nova temporada,
no Albert Park, em Melbourne. Dependendo do time, e do que eles puderam avaliar
na pista da Catalunha, poderão haver modificações ou alterações maiores ou
menores nos bólidos. E quem sabe, novas surpresas na relação de forças da
categoria.
Mas, independente
disso, dizer que a F-1 deste ano será melhor que a de 2016 ainda é algo
bastante questionável. Poderemos até ter mais disputas, mas emoção nas
corridas, talvez nem tanto como muitos poderiam esperar. E alguns sinais já
puderam ser vistos nos testes de Barcelona.
Em primeiro lugar, as
ultrapassagens. Muitos criticam o DRS, que é visto como uma forma “artificial”
de se facilitar as ultrapassagens, e afirmarem que o piloto à frente fica em
clara desvantagem neste momento, por não poder defender dignamente sua posição.
Isso é besteira: a asa móvel facilita, mas não tanto como se poderia esperar, dependendo
da pista, e sua função é servir como um substituto do recurso do “vácuo”, que
os carros da F-1 usavam há muito tempo atrás para ajudar em ultrapassagens, e
que igualmente não dava oportunidade de quem ia à frente de responder a esse
recurso, que só era possível quando o carro de trás era “sugado” pelo bólido
que ia à frente. Bom, este ano, o DRS deverá sua eficácia mais limitada do que
em outros anos, dependendo da pista onde for usado. O motivo é que os carros
tiveram um aumento brutal da carga aerodinâmica, e por tabela, isso inclui
também a sensibilidade ao fluxo de ar. Não é mistério para ninguém que segue a
F-1 que os carros ficaram muito sensíveis em termos aerodinâmicos nas últimas
décadas. Hoje, tornou-se muito mais difícil um piloto “embutir” na traseira de
um carro que vai à frente, em virtude do ar “sujo” que o bólido cria atrás de
si. E sem esse fluxo de ar, a aerodinâmica não funciona como deveria.
A intenção de aumentar
a carga aerodinâmica era diminuir a dependência das unidades de potência
híbridas, e com os pneus maiores, dar maior aderência mecânica e aerodinâmica
aos carros. O resultado é que já tivemos os bólidos andando praticamente 3s
mais rápidos em Barcelona se compararmos com as melhores marcas do GP da
Espanha do ano passado. E para aguentar essa aderência maior, além do peso dos
carros também ter aumentado, os pneus atuais da Pirelli para este ano são bem
mais resistentes, e não sofrem mais aquela degradação após poucas voltas. Mais
duros e resistentes, o seu comportamento ficou bem mais uniforme ao longo de
muitas voltas. O ponto positivo é que os novos compostos não superaquecem como
os do ano passado, e isso dá ao carro mais estabilidade, diminuindo a perda de
performance. Por outro lado, juntando as melhorias dos carros num quadro geral,
temos agora bólidos e pneus que permitem aos pilotos frearem muito mais perto
das curvas do que em 2016. E apesar dos novos pneus oferecerem mais aderência,
a dependência da aerodinâmica, com 30% mais downforce, também aumentou. E ela é
concebida para atuar de forma ideal. Simplificando, o carro tem rendimento
máximo com o fluxo de ar “limpo”. Mas, quando fica em um fluxo “sujo”, que é o
ar turbulento que é deixado para trás por outro carro, essa mesma aerodinâmica já
não oferece a mesma sustentação. E sem a sustentação do ar, o carro fica “solto”,
e o piloto pode até perder o controle. Por essa razão, eles deverão ter muito
mais dificuldade para tentar uma ultrapassagem neste ano. E nem mencionei que,
como os carros também são mais largos, eles ocupam mais espaço na pista, sendo
mais “largos”, outro detalhe que também complicará as disputas de posição.
Felipe Massa já deu a
dica, ao afirmar que na terça-feira, andou várias vezes atrás de um dos carros
da Sauber, e mesmo com um carro cerca de 1s5 mais veloz, praticamente não
conseguia ultrapassá-lo. Se isso for o indicativo geral da temporada, podemos
esperar por muitas corridas sem ultrapassagens, o que poderá ser
contraprodutivo para corridas mais emocionantes. Quem largar na frente,
dependendo da situação, não terá como ser ameaçado por quem vier atrás. E não
se trata de uma questão do piloto ser arrojado ou não. Se o carro fica “solto”
na turbulência, ele não consegue se aproximar adequadamente do carro que vai à
frente. E com os espaços de frenagem muito mais curtos, diminui também as
chances de conseguir frear por último e tentar o ataque na tomada da curva. Se
o piloto for aos limites, pode acabar fora da pista, ou falando de forma menos
pessimista, simplesmente não conseguir concretizar sua ultrapassagem.
Poderemos ter uma
idéia de quão difícil será ultrapassar já em Melbourne. O Albert Park nunca foi
uma pista muito favorável às ultrapassagens, mesmo com o uso do DRS, portanto,
veremos se os pilotos conseguirão disputar posições com dificuldade com os
novos bólidos. E a situação pode ser igualmente complicada mesmo em Barcelona,
onde as escuderias terão de rebolar para conseguir isso. Mesmo com o DRS,
ultrapassar na pista da Catalunha tem sido uma via cruccis nos últimos anos. O
conhecimento excessivo da pista pelos times, que aqui testam toda pré-temporada
há anos, só complica ainda mais a situação. Não dá para afirmar ainda o que
haverá nas outras pistas da temporada, mas em todas a situação de ultrapassagem
deverá ser mais difícil do que já é. Com ou sem DRS.
Outro detalhe
interessante é que, com pneus mais duráveis, os pit stops devem rarear mais, em
muitos casos limitando-se ao uso estritamente necessário dos dois compostos
diferentes, conforme manda o regulamento da categoria. E mesmo no ano passado,
quando os times puderam efetuar as provas apenas com uma parada, já vimos que
as disputas na pista ficavam mais monótonas e enfadonhas. Pode acontecer o
mesmo este ano. Outro detalhe a se considerar também é que no ano passado, os 5
compostos diferentes oferecidos pela Pirelli tinham graus de performance mais
pronunciados, de modo que os pilotos podiam ter a opção de variar mais as
estratégias, dependendo da equação performance – desgaste – tempo perdido no
box. Neste ano, ainda não foi observado a fundo as diferenças de performance
entre os diferentes compostos, que continuam sendo os ultramacios, os
supermacios, os macios, os médios, e os duros. Se a diferença de performance
não for pronunciada, os pilotos preferirão permanecer na pista a perderem tempo
no pit stop, que pode não ser recuperável na corrida.
Isso deve implicar
também nas escolhas das estratégias de corrida. Tentar ultrapassar no box ou na
pista? Dependendo dos compostos à mão, da pista, e da situação da prova, isso
pode até resultar em mais disputas. Mas, se vai render ultrapassagens, é outra
história. O tempo gasto nos boxes precisa compensar na maior performance na
pista, mas se o piloto “entalar” atrás de algum carro, mesmo que seja retardatário,
a estratégia pode ir para o vinagre, ainda mais se as ultrapassagens ficarem
realmente mais difíceis. Como as estratégias geralmente são definidas em
virtude da duração dos compostos de pneus, que já mostraram resistir sem perda
de performance por muito mais tempo que no ano passado, ninguém vai querer ir
ao box trocar os compostos, enquanto puder permanecer na pista. Portanto, o
menor número de pit stops deverá se traduzir em menor variedade das
estratégias.
E lembrar que
antigamente, alguns pilotos conseguiam (e podiam, na verdade, porque o
regulamento não tinha essa regra) fazer uma corrida inteira sem precisar parar
no box para trocar pneus. Não era qualquer piloto que conseguia isso. Além de
habilidade do piloto, o carro precisava ser muito equilibrado, de modo que o
desgaste de pneus pudesse ser contornado. Nélson Piquet ganhou as provas do
Japão e da Austrália de 1990 não parando para trocar pneus. Seu ritmo era mais
regular que aqueles que trocavam de compostos, mas era sempre uma aposta: saber
andar rápido o suficiente sem deteriorar os compostos, enquanto outros que efetuavam
trocas de pneus podiam acelerar mais. Seria interessante dar a pilotos e
equipes este tipo de liberdade hoje em dia. Quem sabe em um futuro próximo não
tiram essa regra dos compostos obrigatórios. Claro, desde que ofereçam compostos
com duração bem particular em relação a cada tipo disponível...
Já com relação a quem
vai andar na frente, a Ferrari mais uma vez deu mostras de que deve vir forte
este ano, mas no paddock, tanto o time italiano quanto a Mercedes fizeram
questão de jogar o possível favoritismo para o rival. A Mercedes, através de
Niki Lauda, afirmou que o ano deverá ser mais complicado do que eles imaginam,
e que a Ferrari está à frente. Por sua vez, Sebastian Vettel, que nesta
quinta-feira bateu a marca de Valtteri Bottas, ao fazer quase 1min19s cravados,
falou pouco, mais ainda considera a Mercedes o time a ser batido. Uma tentativa
de jogar a pressão por resultados para o concorrente? Muito possível, mas é
verdade também que o novo SF70H vem conseguindo impressionar nos testes, a
ponto de vários integrantes de outros times perderem seu tempo observando com
muito mais atenção os detalhes do carro, que mostrou resistência e velocidade,
a ponto de todo mundo duvidar sobre quem está realmente escondendo o jogo sobre
a real performance do seu modelo 2017. Mas, como já mencionei na semana
passada, a tranquilidade nos boxes da escuderia de Maranello é um sinal claro
de que o novo carro tem tudo para fazer o time ser um dos destaques positivos
da temporada. A prudência nas declarações é mais uma maneira de não jogarem
pressão sobre si mesmos, depois de prometerem mundos e fundos em 2016 e
quebrarem a cara, sem conseguirem os resultados esperados.
Em um ponto, os dois
times se equivalem: ambos andaram muito nestes poucos dias de testes, e tanto
os italianos como os alemães enfrentaram poucos problemas no carro, o que
significa que ambos os modelos são bem confiáveis. E, apesar da declaração de
Lauda, o ambiente no box do time campeão das últimas três temporadas nunca
ficou tenso ou nervoso, sinal de que tudo andou ocorrendo dentro do esperado,
sem nada que tirasse a tranquilidade. Mas não adianta apenas contabilizar
velocidade e confiabilidade. A constância em ritmo de corrida também será
importante, e Vettel frisou que a Mercedes ainda é o time a ser batido, e que
não é prudente subestimar a força da equipe prateada. Ele tem razão na última
afirmação: não é bom cantar vitória de véspera, como ocorreu em 2016. E quer
evitar o mesmo erro este ano. O que pode ser um claro indicativo da afirmação
de Lauda, ao atribuir favoritismo ao carro vermelho: fazê-los acreditar terem
as melhores chances, não chamando atenção para a força real da Mercedes.
Essa é uma dúvida que
só será realmente dirimida, e ainda parcialmente, em Melbourne. Mas, se tem algo
que já se pode afirmar, antes mesmo do campeonato estrear, é que a McLaren deve
ser a decepção do ano. A segunda sessão de testes em Barcelona foi novamente
complicada para o time de Woking, e tanto Fernando Alonso quanto Stoffel Vandoorne,
além de não terem conseguido andar novamente o que esperavam, ainda tiveram que
usar as unidades de potência da Honda em ritmo “controlado”, leia-se moderado,
ou lento, para ser franco e direto, para não quebrarem novamente. Quando os
japoneses enfim tiveram a oportunidade de redesenharem sua unidade de potência,
todo mundo esperava pelo menos um incremento de performance que permitisse à
McLaren voltar a lutar regularmente pelos pontos, talvez até conquistar algum
pódio. Vencer já seria mais complicado, e lutar pelo título, um milagre. Mas
pelo histórico da Honda, era de se esperar melhorias, mas o que estamos vendo
até agora parece um retrocesso frustrante e sem perspectivas a curto prazo.
Terem precisado mexer
no motor quando surgiu um problema logo na primeira saída de pista foi
preocupante, mas pior ainda foi ver a unidade apresentar um problema, pouco
tempo depois, que não conseguiram descobrir onde é que a coisa deu errado. Como
ter tranquilidade quando o motor apresenta um defeito, e não se consegue
descobrir o que é? Fernando Alonso deu uma alfinetada direta nos japoneses esta
semana, ao afirmar que a McLaren estaria pronta, mas não dava para dizer o
mesmo dos japoneses. Se confirmarem uma temporada desastrosa, como estão dando
a entender, melhor a Honda começar a se preocupar em cometer haraquiri, o
ritual de suicídio da cultura nipônica. E com Alonso se candidatando a descer a
espada nos japoneses...
McLaren-Honda: vai ou racha em 2017? Até o momento, está rachando, e feio... |
Depois de dois anos de
experiência prática no Mundial, é inconcebível a situação enfrentada pela
Honda. Recursos não faltam, e justamente quando não há mais a limitação de
desenvolvimento nos motores, o que limitou as possibilidades de evolução em
2015 e 2016, tudo parece ter andado para trás, ao invés de evoluir. Não fosse
ter uma vida inteiramente dedicada ao esporte a motor, e quase 40 anos de
vivência na McLaren, Ron Dennis, “expulso” da direção do time no final do ano
passado, poderia estar rindo à toa com essa situação, vendo que o time não está
indo melhor sem ele, como esperavam os demais acionistas do Grupo McLaren.
Poderemos ver Alonso e Vandoorne disputando posições no grid com a Sauber, ao
invés dos outros times? Exagero ou não, o fato da escuderia inglesa já ter afirmado
que deverão usar os treinos livres de sexta-feira nas primeiras corridas como
sessões de testes para recuperarem o tempo perdido indica que a situação anda feia
na garagem do time inglês. Na quarta-feira, aliás, o clima estava tão “bom” que
as coletivas tanto da Honda quanto da McLaren foram canceladas. Está ficando
difícil para eles responderem às constantes e embaraçosas perguntas sobre o que
farão para reverter a situação, a ponto de a imprensa espanhola já começar a
antecipar a saída de Alonso, e do próprio divórcio entre McLaren e Honda. Definitivamente,
o clima nos boxes da escuderia foi tenso durante estas duas semanas na
Catalunha.
Em compensação, o meio
do grid parece que vai ser bastante embolado este ano. A disputa promete ser interessante.
Vamos ver quem vai corresponder às expectativas...
Felipe Massa fez tempos promissores com a Williams, que deverá ter um ano bem mais competitivo do que em 2016. Mas Ferrari e Mercedes estão bem mais à frente do que a escuderia de Frank Williams. |
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