sexta-feira, 24 de março de 2017

HORA DA VERDADE


A Fórmula 1 inicia a temporada 2017 com muita expectativa.

            Chegou a hora da verdade. Depois de apenas ridículos oito dias de testes de uma pré-temporada que deveria ser maior do que realmente foi, em virtude das mudanças técnicas implantadas para esta temporada, os carros enfim entraram na pista para iniciarem as atividades do primeiro Grande Prêmio da temporada da Fórmula 1, que será disputado neste domingo. No paddock do Albert Park, a expectativa é se esta temporada será de fato melhor do que as últimas, e se as mudanças técnicas implantadas realmente devolverão a emoção às corridas. Como esta coluna foi fechada antes do início dos treinos oficiais, quando ela estiver sendo lida no Brasil, é provável que parte das dúvidas do que é discutido a seguir já tenha tido algumas respostas, durante os dois treinos oficiais desta sexta-feira. Ou talvez não...
            O clima aqui no paddock é sempre otimista em um início de temporada, mas receio que o circuito de Melbourne talvez não nos dê uma idéia muito exata do que será a competição. Mas permitirá bons indícios. O primeiro deles é praticamente já uma certeza: os carros estão muito mais velozes, e com pneus mais duráveis, e uma carga de combustível um pouco mais generosa, os pilotos estão livres para acelerarem com muito mais vontade do que nos últimos três anos. O aumento da carga aerodinâmica permitirá contornar as curvas com muito mais agressividade, e o aumento de potência dos motores certamente jogará muito mais lenha na fogueira nestes trechos de pista. Paralelamente, os novos carros também exigem muito mais fisicamente dos pilotos, de modo que muitos deles tiveram que caprichar na preparação física para não ficarem esgotados com os novos aumentos de força G laterais que os novos bólidos proporcionam. E vários competidores confirmaram que os novos carros exigem muito mais do piloto na condução, não apenas no aspecto físico, mas também em relação ao comportamento das reações do bólido.
            Com relação à disputa pela vitória, todo mundo quer ver se a Ferrari realmente virá com a força que deu a entender possuir nos testes de Barcelona. O novo modelo SF70H despertou a curiosidade de todo mundo no paddock, e quando isso acontece, é porque algo realmente efetivo está em curso. Mas a equipe rossa preferiu sempre desconversar a respeito de um possível favoritismo, e embora tenha exagerado um pouco no silêncio com a imprensa, o comedimento fez bem: a expectativa de torcedores e da imprensa especializada está em alta pelo que Sebastian Vettel e Kimi Raikkonen poderão render na pista, mas a escuderia, oficialmente, não promete nada. Portanto, cuidado com o excesso de otimismo para com os carros vermelhos. É claro que, depois de três anos vendo os carros prateados da Mercedes ditarem os rumos do campeonato, a esperança de haver finalmente uma disputa de posição pelo campeonato de forma efetiva é o que todos esperam, para não termos de ficar novamente reféns de uma disputa interna dos pilotos do time alemão. O problema é que até o presente momento ninguém faz uma idéia exata do potencial do novo modelo W08 da Mercedes, que tem tudo para ser tão ou até mais forte que seus antecessores. Um carro ruim certamente não é. Vai brigar por poles e vitórias? Certamente. Só não sabemos se estará sozinho na brincadeira ou irá ganhar companhia nessa hora.
A Ferrari mostrou força e deu indícios de que não mostrou tudo do que é capaz nos testes de Barcelona. Mas qual é o verdadeiro potencial do novo carro do time italiano? Hora de sabermos a verdade.
            Em termos de cavalaria, a nova unidade de potência da Mercedes já estaria efetivamente rendendo mil HPs de potência, com previsão de subir ainda mais de acordo com as evoluções que serão implantadas durante a temporada. E com uma integração das mais azeitadas entre motor e chassi, Lewis Hamilton e Valtteri Bottas são os favoritos para a vitória na Austrália. Claro, falta combinar com os concorrentes, em especial a Ferrari, que se mostrar que está realmente na briga, virá com tudo para cima. Em termos de motor, os italianos já mostraram que podem estar atrás das unidades da Mercedes, mas a diferença não é tão gritante. Já a Red Bull, de quem se esperava mais na pré-temporada, também não pode ser subestimada. Lembro-me da pré-temporada problemática vivida pelo time dos energéticos em 2014, mas aqui no Albert Park, ao iniciar a temporada, Daniel Ricciardo fez uma corrida estupenda, subindo ao pódio em 2° lugar, com uma performance sólida e eficaz, que se não ameaçou o então vencedor Nico Rosberg, por outro lado não deu chances ao resto dos competidores. O piloto australiano só não levou o troféu para casa porque acabou desclassificado por um consumo irregular de combustível no sensor, mas isso dá uma idéia da capacidade de recuperação da Red Bull. Afinal, quem tem Adrian Newey na prancheta não pode ser considerada carta fora do baralho, ainda mais em um momento onde as novas regras técnicas reforçaram a área da aerodinâmica, o ponto forte de Newey. Mas essa reação também passa por um esforço da Renault, que reprojetou o seu propulsor para este ano, e garante ter tido um incremento de performance considerável, com o objetivo de diminuir sua diferença de performance em relação aos rivais. O novo motor ficou devendo um pouco em Barcelona, com alguns problemas técnicos, além de um pouco a menos de potência do que todos esperavam, mas a fábrica francesa garante que tudo já foi devidamente resolvido, faltando apenas desenvolver melhor a unidade para que ela possa ganhar toda a cavalaria necessária para ajudar nesta disputa. A confiança da Renault é grande, a ponto de ter dispensado a consultoria de Mario Illen, que no ano passado permitiu aos franceses darem um salto de performance que ajudou a Red Bull a se recuperar na competição, permitindo-a ser a vice-campeã. Confiança total no seu novo projeto, ou tentativa de se mostrar autossuficiente u melhor do que realmente está? Torço para ser a primeira opção, pela melhoria da competição. Mas espero que os franceses saibam o que estão fazendo...
            Infelizmente, o aumento da carga aerodinâmica nos carros também os tornou muito mais difíceis de serem ultrapassados. Apesar das novas dimensões da asa dianteira, com o objetivo de darem mais sustentação aerodinâmica à frente do carro, os efeitos práticos não pareceram tão eficazes assim. Os bólidos estão muito mais sensíveis ao fluxo de ar “sujo” gerado pelo carro que vai à frente, de modo que nem mesmo os novos e maiores pneus parecem conseguir contrabalançar. Felipe Massa disse não ter conseguido ultrapassar um carro da Sauber em Barcelona, mesmo tendo um carro 1s5 mais veloz. Se isso e confirmar, as disputas de posição tenderão a ser mais acirradas, mas sem garantias de maior número de ultrapassagens, talvez muito pelo contrário.
            E este circuito vai ser particularmente complicado neste quesito. Mesmo sendo uma pista de rua, o traçado do Albert Park tem mais cara de autódromo, e as freadas aqui são bem fortes, pois a grande maioria das curvas é de baixa, alguma em ângulos de 90°. Ultrapassar aqui, mesmo com o uso da asa móvel, o DRS, tem sido complicado nos últimos anos, e desta vez, tende a ser ainda mais complicado. Os novos pneus, bem mais duráveis e consistentes, não degradam-se com a mesma velocidade dos compostos do ano passado, e mantém sua faixa de performance ideal por muito mais tempo. Se ambos os pilotos estiverem com o mesmo tipo de composto, não haverá diferença de performance significativa entre eles, o que será um complicador a mais para as tentativas de ultrapassagens. Mas não é só isso: a maior carga aerodinâmica, aliada à maior durabilidade dos compostos, permite aos pilotos frearem muito mais dentro da curva do que antes, e aqui nesta pista, isso reduzirá significativamente as zonas de freadas. Tentar dividir a freada em uma curva tenderá a ser bem complicado.
            Por isso mesmo, muitos esperam que o treino de classificação seja muito disputado, pois quem largar na frente terá a pista livre para ir embora como puder, enquanto quem estiver mais para trás terá de arriscar bem mais para superar um adversário na pista. A questão é o grau de dificuldade que os novos carros terão para esse propósito. Dependendo da situação, não vai bastar apenas o braço e a determinação e arrojo do piloto para arrancar uma ultrapassagem. Talvez apenas na etapa da China possamos ver qual será a real dificuldade que os novos carros apresentarão, por ser um autódromo muito mais característico do que a pista da metrópole australiana, cujas características são mais particulares.
A McLaren pode ser a grande decepção da temporada.
            Para os brasileiros, o que interessa é ver quais as possibilidades de Felipe Massa com a nova Williams FW40, que nas suas mãos, mostrou um excelente rendimento em Barcelona, mostrando ser um carro fiável, e veloz, pelo menos a ponto de estar logo atrás de Mercedes e Ferrari, e à frente dos demais times, Red Bull inclusa. Mas, mesmo que a Williams tenha de fato recuperado sua competividade frente aos concorrentes, é a nova configuração técnica dos carros que irá ajudar Massa a render o seu melhor. Os carros voltaram a permitir aceleração mais plena do piloto, com a ajuda de pneus muito mais constantes e duráveis, características que vigoravam nos primeiros anos de Felipe na Ferrari, onde ele mostrou a sua melhor forma na F-1, com o ápice em 2008, quando quase foi campeão. Massa nunca foi um piloto genial em administrar o desgaste dos pneus e tendo de moderar a aceleração para economizar equipamento. Isso ajuda a explicar em parte sua queda de performance a partir de 2009, quando os carros tiveram outras características que envolviam mais a habilidade do piloto de conservar o seu equipamento. Livre destas amarras, Felipe poderá voltar a mostrar a sua melhor forma na condução de um bólido de F-1. E com o bônus de mais uma década de experiência, que certamente o ajudará muito neste ano.
            E mais do que tudo, Massa está empolgado com as possibilidades, além do fato de que será efetivamente o líder da Williams na pista, já que seu companheiro de time é um estreante de 18 anos. Nas últimas temporadas, Massa tinha tratamento igualitário com Valtteri Bottas dentro do time, e embora sua opinião fosse de grande valia, agora a sua importância é muito mais crucial, já que o novato Lance Stroll não poderá dar o timming e o felling que os engenheiros necessitam do comportamento do carro. Por se sentir muito mais valorizado e importante para a escuderia, Felipe está extremamente motivado, e nada melhor do que isso para um piloto render tudo o que pode e mais um pouco.
            A briga pelo pelotão intermediário tem tudo para ser das melhores. E seria ainda mais se pelo menos duas escuderias estivessem em condições de se manterem nesta briga. Infelizmente, a Sauber deverá ser a equipe mais lenta do grid, e nem mesmo a fiabilidade técnica do carro poderá contar muito. E utilizar o motor Ferrari do ano passado, em um carro mais pesado, e com muito mais downforce, já indica que a unidade de potência não renderá como o esperado. E, claro, temos a McLaren, que deveria estar subindo de produção, e não descendo. Aliás, a piada corrente no paddock é o rol de apostas sobre em qual volta os carros de Woking irão pifar, já que em Barcelona eles mal conseguiam dar mais de 10 voltas seguidas, com a unidade de potência em “modo de segurança”, para evitar danos ao propulsor. Mas aqui a parada é pra valer, e pelo que vejo nos integrantes da equipe, sejam os ingleses ou os japoneses da Honda, por mais otimismo que queiram passar, o que parece é que ninguém sabe exatamente o que o equipamento pode render. O clima de incerteza diante dos acontecimentos, visto durante os testes de Barcelona, ainda não se dissipou, e dependendo do que os carros mostrarem na pista, pode melhorar ou piorar. Pelo sim, pelo não, Fernando Alonso não tem expectativa alguma para este fim de semana. O que vier poderá ser considerado lucro. E é a opinião de muita gente no paddock, ciente de que realmente não há muito o que se esperar da equipe de Woking.
O novo visual da pintura da Force India.
            A Force India vem com sua nova pintura rosa, em virtude de seu novo patrocinador, e é uma das atrações no pit line, em que pese algumas piadinhas na rede mundial pela cor rosa dos carros de Vijay Mallya. Mas o time do bilionário indiano (não tão bilionário assim, pelas dívidas que tem) quer manter a excelente forma exibida no final do ano passado, quando terminou o campeonato na 4ª posição de construtores, uma parada que certamente será bem difícil, já que normalmente seria complicado medir forças com Mercedes e Ferrari, e até a Red Bull, mas com a Williams a confirmar a sua melhora, Sergio Pérez e Esteban Ocon terão de se preocupar mesmo é com os outros times. Renault e Hass, além da Toro Rosso, tem confiança em melhorar seus desempenhos, e a briga no meio do grid deverá ser bem aguerrida.
            Portanto, hora de vermos quem é quem de fato nesta nova Fórmula 1 muito mais veloz que inicia 2017. E que possamos apreciar um bom campeonato, com muitas disputas e emoções. Que venha o sinal verde!


Adelaide, cidade australiana que sediou o GP da Austrália de 1985 a 1995, iniciou estudos para analisar as possibilidades de voltar a sediar a etapa de F-1. O traçado urbano ainda é usado como circuito em disputas da V-8 Supercars, campeonato de turismo australiano, e boa parte da estrutura que um dia serviu para o GP de F-1 ainda está lá. Seria interessante rever a competição da F-1 naquele circuito, onde Ayrton Senna venceu pela última vez na categoria máxima do automobilismo, em sua prova de despedida da McLaren, em 1993. Mas são apenas estudos, não há nada garantido que indique que o GP saia de Melbourne a curto prazo. É verdade que os organizadores tiveram algumas rusgas com Bernie Ecclestone nos últimos tempos, devido a algumas desavenças, mas nada que tivesse colocado a prova em risco efetivo. E agora com o Liberty Media comandando a categoria, é de se esperar que tudo seja conduzido de maneira diferente, e quem sabe, mais flexível e acessível. E, claro, o mais importante: Melbourne não tem intenção alguma de perder a corrida de F-1. O contrato atual vai até 2023.

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