sexta-feira, 29 de julho de 2016

UM LAMPEJO DE ESPERANÇA


Em Silverstone, Nico Rosberg recebeu ajuda para driblar um problema no câmbio de seu carro e acabou punido por isso. Agora, a F-1 libera a comunicação total via rádio, numa rara decisão de bom senso, ou no mínimo, mais racional.

            Hoje, quando os carros entrarem na pista aqui na pista do mutilado circuito de Hockenhein (desculpem-me, mas depois da “amputação” que fizeram nesta pista na década passada, não posso mais considerar este circuito de outra maneira), a F-1 pelo menos terá se livrado, ao menos até a sua próxima besteira, de duas imbecilidades que só ajudaram a fazer a imagem da competição perder adeptos e ficar cada vez mais fresca e sem graça. Numa decisão que quase todo mundo considerou surpreendente, o Grupo de Estratégia decidiu ontem, em reunião em Genebra, acabar com a restrição da comunicação de rádio na categoria, bem como da “tolerância zero” com os limites de pista.
            Nas últimas duas provas, tivemos exemplos de punições baseadas nestas proibições que chegaram a níveis ridículos, para não dizer de critérios inconsistentes, que só ajudou o público a ficar ainda mais decepcionado com o excesso de controle que a F-1 tenta impor a seus participantes. Fernando Alonso, em tom de desabafo, disse que os pilotos “mal tinham permissão para respirar”, tamanho o número de regras de “não pode isso, não pode aquilo”, que infesta a categoria nos últimos anos.
            Como exemplo de como essas regras só complicaram as coisas, basta lembrar que em Silverstone, Nico Rosberg enfrentou problemas com uma de suas marchas. O piloto recebeu instruções do box para evitar usar aquela marcha, o que o permitiu continuar na corrida. Uma das justificativas que a FIA usou para limitar o uso do rádio foi que os pilotos andavam “sob controle remoto” dos engenheiros no box, que os diziam praticamente como pilotar, a rigor. Até aí, eu concordo com a proibição, pois o piloto tem de tomar as decisões de pilotagem por si só, sem instruções específicas do tipo “use marcha x no ponto Y, faça a curva mais apertado no trecho 2”, e por aí vai. Mas comunicações visando evitar problemas no carro, que podem envolver até a segurança do mesmo em relação aos demais competidores na pista nunca deviam ter entrado nessa equação. Ao querer proibir tudo, a FIA se enrolou nos critérios, e isso acabou gerando situações ridículas, com os engenheiros tendo de verificar o que podia e o que não podia ser dito.
            No caso de Nico na Inglaterra, resultou que ele “recebeu ajuda”, o que muita gente considerou equivocada a punição que o fez perder 10s em seu tempo de corrida, e o fez perder a 2ª colocação para Max Verstappen. O avanço de ambos era tanto que o prejuízo de Rosberg até foi pequeno, mas poderia ter sido pior. Como desgraça pouca é bobagem, a entidade que comanda o automobilismo mundial resolveu revisar as regras do uso do rádio, e o que já não era bom, ficou ainda pior, exigindo que o piloto que enfrentasse problemas no carro que pudessem ser solucionados com instruções do rádio fosse imediatamente aos boxes para resolver a pendenga, ou então abandonasse a corrida. E calhou de Jenson Button ser o escolhido para pagar o mico da nova interpretação da regra. Daí que sua corrida, que já estava complicada, foi para o vinagre de vez, o que deixou o campeão de 2009 bem chateado, e não sem razão.
            Mas, e o que dizer dos “limites de pista”. A FIA andou querendo impor tolerância zero para quem abusasse das áreas “extras” dos circuitos, e passou a ficar de olho em quem escorregava demais fora da linha branca. O resultado foi visto na classificação em Silverstone, onde vários pilotos tiveram que correr de volta para a pista para marcar tempo porque suas marcas acabaram anuladas pelos comissários, que resolveram enquadrar quem deixava o carro escapar demais em determinados pontos, e por tabela, violando o espaço em que deveriam conduzir seus carros. Lewis Hamilton foi um deles, e viu o seu tempo da pole-position ir para o brejo com isso. O inglês voltou à pista e, como que em resposta à frescura da regra, marcou um tempo ainda melhor do que a volta que perdera. Na Hungria, só para, mais uma vez, complicar, eis que a FIA resolveu adotar “tolerância zero” com os pilotos que fossem abusados demais no uso de áreas “extras”, implantando sensores para flagrar no ato quem saísse dos trilhos. E novamente, vários pilotos acabaram se enrolando nisso na classificação, pra não dizer que houve várias advertências a pilotos “rebeldes” que estavam andando fora dos limites.
            Sobre os rádios, infelizmente, em alguns aspectos, eles são essenciais na F-1 hoje em dia. Por mais que eu deteste, os engenheiros e a própria categoria transformaram os carros hoje em monstrengos que são complicados de ajustar. Se antigamente o felling do piloto podia lhe dizer com clareza quando o carro estava com algum problema, na era da pura mecânica, hoje em dia essa habilidade de nada vale em sistemas eletrônicos, muito mais sutis e delicados do que se pensa. Na impossibilidade de fazerem ajustes via telemetria, recurso que foi banido há tempos para que o box “não influenciasse” no andamento da corrida de maneira indevida, sobrou transformarem os volantes dos carros em verdadeiras centrais de ajustes, com trocentos botões que o piloto deve memorizar para otimizar a performance do bólido. São comandos demais para os pilotos, que em algumas pistas, como a da Hungria, nem deixam tempo para o piloto respirar direito, pois tem que estar atentos a todo tempo às informações da tela do volante informando dados de consumo, temperatura do motor, pneus, etc. Na Áustria, Sérgio Perez teve problemas nos freios, mas não pôde receber ajuda dos boxes para pelo menos mitigar a situação, e como consequência, sofreu um acidente na volta final, quando perdeu completamente os freios de seu carro, e felizmente, não se machucou nem envolveu ninguém em sua saída de pista, apesar da batida que sofreu.
            Chegou-se a um impasse, na opinião de muitos na mídia especializada: ou se proibia por completo o rádio, ou se liberava tudo. Proibir o rádio seria o ideal, mas a imagem da categoria não deixaria de passar vergonha, tendo de recorrer às velhas placas na frente dos boxes para informarem as coisas aos pilotos. Optou-se, então, pelo menos danoso: hoje, quando os carros já forem para a pista, as comunicações estão amplamente liberadas. Está mantida a proibição de comunicação apenas na volta de apresentação, para que os pilotos não tenham ajuda do box quanto aos procedimentos de largada. Menos mal. É um problema a menos.
Em outra decisão razoável, a FIA também acabou com a "tolerância zero" para algumas escapadas de pista, mas isso ainda vai ser analisado neste fim de semana em Hockenhein...
            Já com relação a “exceder” os limites da pista, a parada será um pouco mais complicada. Não haverá mais o rigor que a FIA tencionava implantar a partir da Hungria. Mas, em compensação, os pilotos serão observados neste fim de semana para ver como se comportam. A idéia é que eles não andem fora do traçado para ganhar vantagem, mas se exagerarem nesse quesito, talvez a entidade continue regulando essa situação. Já falei na semana retrasada que, para ser desse jeito, que se acabasse com as áreas externas e colocasse ou grama ou brita logo depois da linha branca, e quem saísse da “pista” que se virasse com as consequências. Havia prós e contras em relação a isso, mas minha opinião até acabou validada por Daniil Kvyat, que disse em tom alto e claro que, se não é pra sair da pista, que se coloque ali grama e brita a rodo, e pronto, e não aqueles sensores da FIA. Na opinião do russo, é preferível sair da pista e atolar na brita, para ver que fez besteira, do que dar o seu máximo e ver seu esforço jogado fora pela medição de alguma traquitana tecnológica momentos depois.
            A FIA também parece ter esquecido que sair dos “limites” da pista muitas vezes não é vantagem propriamente dita. Com menos borracha, e muitas vezes pintada, a área extra não tem o mesmo grau de aderência, e por consequência, o piloto compromete sua performance durante alguns momentos, até que consiga limpar seus compostos de pneus e retome sua faixa ideal de rendimento. Algumas vezes, dependendo do ângulo, o carro até pode sair um pouco mais veloz pela maneira como contorna a curva, mas isso nem sempre é garantido. Na Áustria resolveram fazer as zebras ficarem mais altas para que ninguém as usasse com o propósito de ganhar tempo, mas, novamente, fizeram besteira, e os dispositivos, mais altos do que deveriam ser, proporcionaram as quebras das suspensões de alguns carros, levando um deles a se acidentar até, na tomada para a reta dos boxes.
            Esse rigor com relação aos limites da pista só ajudou a “podar” parte das disputas de posição na categoria. Não que fosse regra geral, mas antigamente, em disputas mais ferrenhas de posição, os pilotos chegavam a extrapolar os limites da pista nos duelos. Mas ninguém fazia escândalo com isso. Há alguns anos atrás, quando a F-1 disputou o GP do Japão na pista de Fuji, assistimos a uma briga espetacular entre Felipe Massa e Robert Kubica nas voltas finais por posições, com ambos os pilotos escapando com seus carros para além dos limites do traçado. Nada exatamente premeditado ou antidesportivo: era apenas o calor da disputa entre ambos os pilotos, levando seus carros aos limites, em um pisto que estava molhado. E que empolgou quem estava na arquibancada, bem como quem assistia pela TV. Hoje, em parte pela dificuldade patente de se ultrapassar um carro na pista em determinados circuitos, os pilotos também tinham que se policiar para não excederem a “pista” propriamente dita. E com isso, as disputas não são levadas a seus extremos, porque os pilotos preferem garantir suas posições a acabarem exagerando, e depois perderem o esforço sendo punidos.
            Então, me veem à mente a fabulosa ultrapassagem feita por Alessandro Zanardi, na F-Indy original, sobre Bryan Herta na pista de Laguna Seca, há 20 anos atrás, na última volta, quando o italiano atacou Herta na curva Saca-rolhas, e fez a ultrapassagem na curva cega em descida praticamente pela terra do lado de fora da pista. O público foi ao delírio com a manobra, sinal do arrojo e combatividade de Zanardi, que pegou Bryan com a guarda baixa na curva, e aproveitou a oportunidade, escapando da pista, involuntariamente, mas segurando o carro e conseguindo voltar na frente. Na F-1 de hoje, o italiano seria desclassificado, poderia levar uma multa, e até ser suspenso da próxima corrida, do jeito que as coisas estavam. Em Spa-Francorchamps, muitas vezes os pilotos faziam a curva La Source pelo lado de fora, retomando o traçado. Por ser uma curva fechada, muitas vezes os pilotos ali escapavam, indo para a área de escape, ou tendo de fazer a curva por fora para evitar colidir com algum outro carro. Embora os carros voltassem à pista mais embalados, o fato de terem de fazer um contorno maior contrabalançava eventuais ganhos de tempo ao descerem mais embalados na reta rumo à Eau Rouge. Mas isso entrou no rol de “abusos” dos pilotos, nos últimos tempos, para desgraça do público que anseia por ver os pilotos andarem a fundo nos circuitos, extrapolando eventualmente os limites da pista, como qualquer atividade que exige andar no limite extremo.
            E domingo passado, após cumprir meus afazeres em relação à corrida da Hungria, fui assistir pela TV ao restante da prova do Mundial de Endurance em Nurburgring, onde vi diversas ultrapassagens e disputas entre os competidores, inclusive com os carros escapando na primeira curva após a reta dos boxes, e retornando ao traçado, em brigas por vezes ferrenhas, levantando o público, e ajudando a animar a corrida. E ninguém fez nenhuma polêmica em torno disso de saírem da pista.
            Oxalá que a FIA mantenha o bom senso, raro, visto ontem, e deixe de lado essa frescura do limite da pista, mas que também promova ajustes nos circuitos, colocando grama ou brita nos pontos mais indicados para se prevenir que se saia da pista deliberadamente para ganhar tempo, de forma a punir quem exceder o seu limite, mas que afetaria indistintamente qualquer um que o fizesse, e não se ficaria dependendo de sensores ou de comissários, estes por vezes com interpretações divergentes a respeito dos limites.
            É um passo na direção certa para se acabar com o excesso de regras que empesteiam a F-1 atualmente, e que em nada ajudam a deixá-la mais agradável e menos complicada de se entender. É um daqueles raros momentos em que as decisões certas, ou as menos equivocadas, são tomadas, para felicidades daqueles que anseiam que a competição possa ser mais livre, mais autêntica, e menos enfadonha. O público paga caro para ver a F-1 em muitos lugares, e exige que isso possa ser pelo algo agradável e emocionante, algo que a categoria não está conseguindo ser no atual momento. Se é verdade que antigamente nem sempre as disputas eram melhores, a F-1 seduzia por ter menos firulas e frescuras do que nos dias de hoje. Ainda há muito o que fazer, entretanto, para se deixar a categoria máxima do automobilismo menos engessada e mais livre tecnicamente, pois o número de regras excessivamente inúteis que o regulamento contém continua alto, e não será a eliminação de apenas dois itens que irá transformar a F-1 de hoje em algo muito mais agradável.
            Espera-se que este seja apenas o primeiro de vários passos que ajudem a conduzir a competição a um ambiente mais simples e compreensível para o público. Um novo passo deverá ser dado em 2017, quando deverá cair o limite de desenvolvimento dos motores, bem como do número de unidades permitidas por piloto por temporada. Mas, a respeito destes outros itens do regulamento, que nos últimos tempos também só ajudam a prejudicar a imagem da F-1, ainda é preciso esperar para ver como será no próximo ano. Mas, depois do “milagre” que vimos esta semana, reacende a esperança de que a F-1 volte a reencontrar o seu bom senso e se livre de parte da camisa de força que se autoimpôs nos últimos anos.
            Ah, sim: outro ponto positivo decidido ontem em Genebra foi o adiamento do uso do dispositivo do Halo como novo instrumento de segurança dos pilotos nos carros da F-1, que era esperado para 2017. Agora, deve ficar só para 2018. O negócio exige mais estudos, e outras soluções deveriam ser levantadas, de modo a poder se chegar a um consenso, e a uma estrutura que seja realmente prática e segura em todos os aspectos para se conferir uma evolução de fato na proteção que os carros oferecem aos pilotos. Do jeito como a situação estava, tudo indicava que a F-1 iria ter de adotar o Halo enfiado goela abaixo pela FIA já no próximo ano. Agora, que se use esse novo tempo de forma inteligente para se descobrir a melhor forma de se implantar ou não tal coisa nos bólidos. Parece que ainda há vida inteligente no pessoal que conduz as decisões da F-1. E isso dá sempre esperança de dias melhores, quem sabe... Só gostaria de ficar mais contente quando eles tomam as decisões mais corretas em benefício do esporte, porque pela experiência prévia, sei de antemão o quanto elas andam escassas...
A adoção do Halo também foi postergada, em outra decisão de bom senso. A peça será mais avaliada, antes de ser ou não adotada na F-1 para aumentar a proteção dos pilotos.

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