Hoje, quando os carros
entrarem na pista aqui na pista do mutilado circuito de Hockenhein
(desculpem-me, mas depois da “amputação” que fizeram nesta pista na década
passada, não posso mais considerar este circuito de outra maneira), a F-1 pelo
menos terá se livrado, ao menos até a sua próxima besteira, de duas
imbecilidades que só ajudaram a fazer a imagem da competição perder adeptos e
ficar cada vez mais fresca e sem graça. Numa decisão que quase todo mundo
considerou surpreendente, o Grupo de Estratégia decidiu ontem, em reunião em
Genebra, acabar com a restrição da comunicação de rádio na categoria, bem como
da “tolerância zero” com os limites de pista.
Nas últimas duas
provas, tivemos exemplos de punições baseadas nestas proibições que chegaram a
níveis ridículos, para não dizer de critérios inconsistentes, que só ajudou o
público a ficar ainda mais decepcionado com o excesso de controle que a F-1
tenta impor a seus participantes. Fernando Alonso, em tom de desabafo, disse
que os pilotos “mal tinham permissão para respirar”, tamanho o número de regras
de “não pode isso, não pode aquilo”, que infesta a categoria nos últimos anos.
Como exemplo de como
essas regras só complicaram as coisas, basta lembrar que em Silverstone, Nico
Rosberg enfrentou problemas com uma de suas marchas. O piloto recebeu
instruções do box para evitar usar aquela marcha, o que o permitiu continuar na
corrida. Uma das justificativas que a FIA usou para limitar o uso do rádio foi
que os pilotos andavam “sob controle remoto” dos engenheiros no box, que os
diziam praticamente como pilotar, a rigor. Até aí, eu concordo com a proibição,
pois o piloto tem de tomar as decisões de pilotagem por si só, sem instruções
específicas do tipo “use marcha x no ponto Y, faça a curva mais apertado no
trecho 2”, e por aí vai. Mas comunicações visando evitar problemas no carro,
que podem envolver até a segurança do mesmo em relação aos demais competidores
na pista nunca deviam ter entrado nessa equação. Ao querer proibir tudo, a FIA
se enrolou nos critérios, e isso acabou gerando situações ridículas, com os
engenheiros tendo de verificar o que podia e o que não podia ser dito.
No caso de Nico na
Inglaterra, resultou que ele “recebeu ajuda”, o que muita gente considerou
equivocada a punição que o fez perder 10s em seu tempo de corrida, e o fez
perder a 2ª colocação para Max Verstappen. O avanço de ambos era tanto que o
prejuízo de Rosberg até foi pequeno, mas poderia ter sido pior. Como desgraça
pouca é bobagem, a entidade que comanda o automobilismo mundial resolveu
revisar as regras do uso do rádio, e o que já não era bom, ficou ainda pior,
exigindo que o piloto que enfrentasse problemas no carro que pudessem ser
solucionados com instruções do rádio fosse imediatamente aos boxes para
resolver a pendenga, ou então abandonasse a corrida. E calhou de Jenson Button
ser o escolhido para pagar o mico da nova interpretação da regra. Daí que sua
corrida, que já estava complicada, foi para o vinagre de vez, o que deixou o
campeão de 2009 bem chateado, e não sem razão.
Mas, e o que dizer dos
“limites de pista”. A FIA andou querendo impor tolerância zero para quem
abusasse das áreas “extras” dos circuitos, e passou a ficar de olho em quem
escorregava demais fora da linha branca. O resultado foi visto na classificação
em Silverstone, onde vários pilotos tiveram que correr de volta para a pista
para marcar tempo porque suas marcas acabaram anuladas pelos comissários, que
resolveram enquadrar quem deixava o carro escapar demais em determinados
pontos, e por tabela, violando o espaço em que deveriam conduzir seus carros.
Lewis Hamilton foi um deles, e viu o seu tempo da pole-position ir para o brejo
com isso. O inglês voltou à pista e, como que em resposta à frescura da regra,
marcou um tempo ainda melhor do que a volta que perdera. Na Hungria, só para,
mais uma vez, complicar, eis que a FIA resolveu adotar “tolerância zero” com os
pilotos que fossem abusados demais no uso de áreas “extras”, implantando
sensores para flagrar no ato quem saísse dos trilhos. E novamente, vários
pilotos acabaram se enrolando nisso na classificação, pra não dizer que houve
várias advertências a pilotos “rebeldes” que estavam andando fora dos limites.
Sobre os rádios,
infelizmente, em alguns aspectos, eles são essenciais na F-1 hoje em dia. Por
mais que eu deteste, os engenheiros e a própria categoria transformaram os
carros hoje em monstrengos que são complicados de ajustar. Se antigamente o
felling do piloto podia lhe dizer com clareza quando o carro estava com algum
problema, na era da pura mecânica, hoje em dia essa habilidade de nada vale em
sistemas eletrônicos, muito mais sutis e delicados do que se pensa. Na
impossibilidade de fazerem ajustes via telemetria, recurso que foi banido há tempos
para que o box “não influenciasse” no andamento da corrida de maneira indevida,
sobrou transformarem os volantes dos carros em verdadeiras centrais de ajustes,
com trocentos botões que o piloto deve memorizar para otimizar a performance do
bólido. São comandos demais para os pilotos, que em algumas pistas, como a da
Hungria, nem deixam tempo para o piloto respirar direito, pois tem que estar
atentos a todo tempo às informações da tela do volante informando dados de
consumo, temperatura do motor, pneus, etc. Na Áustria, Sérgio Perez teve
problemas nos freios, mas não pôde receber ajuda dos boxes para pelo menos
mitigar a situação, e como consequência, sofreu um acidente na volta final,
quando perdeu completamente os freios de seu carro, e felizmente, não se
machucou nem envolveu ninguém em sua saída de pista, apesar da batida que
sofreu.
Chegou-se a um
impasse, na opinião de muitos na mídia especializada: ou se proibia por
completo o rádio, ou se liberava tudo. Proibir o rádio seria o ideal, mas a
imagem da categoria não deixaria de passar vergonha, tendo de recorrer às
velhas placas na frente dos boxes para informarem as coisas aos pilotos.
Optou-se, então, pelo menos danoso: hoje, quando os carros já forem para a
pista, as comunicações estão amplamente liberadas. Está mantida a proibição de
comunicação apenas na volta de apresentação, para que os pilotos não tenham
ajuda do box quanto aos procedimentos de largada. Menos mal. É um problema a
menos.
Em outra decisão razoável, a FIA também acabou com a "tolerância zero" para algumas escapadas de pista, mas isso ainda vai ser analisado neste fim de semana em Hockenhein... |
Já com relação a
“exceder” os limites da pista, a parada será um pouco mais complicada. Não
haverá mais o rigor que a FIA tencionava implantar a partir da Hungria. Mas, em
compensação, os pilotos serão observados neste fim de semana para ver como se
comportam. A idéia é que eles não andem fora do traçado para ganhar vantagem,
mas se exagerarem nesse quesito, talvez a entidade continue regulando essa
situação. Já falei na semana retrasada que, para ser desse jeito, que se
acabasse com as áreas externas e colocasse ou grama ou brita logo depois da
linha branca, e quem saísse da “pista” que se virasse com as consequências.
Havia prós e contras em relação a isso, mas minha opinião até acabou validada
por Daniil Kvyat, que disse em tom alto e claro que, se não é pra sair da
pista, que se coloque ali grama e brita a rodo, e pronto, e não aqueles
sensores da FIA. Na opinião do russo, é preferível sair da pista e atolar na
brita, para ver que fez besteira, do que dar o seu máximo e ver seu esforço
jogado fora pela medição de alguma traquitana tecnológica momentos depois.
A FIA também parece
ter esquecido que sair dos “limites” da pista muitas vezes não é vantagem
propriamente dita. Com menos borracha, e muitas vezes pintada, a área extra não
tem o mesmo grau de aderência, e por consequência, o piloto compromete sua
performance durante alguns momentos, até que consiga limpar seus compostos de
pneus e retome sua faixa ideal de rendimento. Algumas vezes, dependendo do
ângulo, o carro até pode sair um pouco mais veloz pela maneira como contorna a
curva, mas isso nem sempre é garantido. Na Áustria resolveram fazer as zebras
ficarem mais altas para que ninguém as usasse com o propósito de ganhar tempo,
mas, novamente, fizeram besteira, e os dispositivos, mais altos do que deveriam
ser, proporcionaram as quebras das suspensões de alguns carros, levando um
deles a se acidentar até, na tomada para a reta dos boxes.
Esse rigor com relação
aos limites da pista só ajudou a “podar” parte das disputas de posição na
categoria. Não que fosse regra geral, mas antigamente, em disputas mais ferrenhas
de posição, os pilotos chegavam a extrapolar os limites da pista nos duelos.
Mas ninguém fazia escândalo com isso. Há alguns anos atrás, quando a F-1
disputou o GP do Japão na pista de Fuji, assistimos a uma briga espetacular
entre Felipe Massa e Robert Kubica nas voltas finais por posições, com ambos os
pilotos escapando com seus carros para além dos limites do traçado. Nada
exatamente premeditado ou antidesportivo: era apenas o calor da disputa entre
ambos os pilotos, levando seus carros aos limites, em um pisto que estava
molhado. E que empolgou quem estava na arquibancada, bem como quem assistia
pela TV. Hoje, em parte pela dificuldade patente de se ultrapassar um carro na
pista em determinados circuitos, os pilotos também tinham que se policiar para
não excederem a “pista” propriamente dita. E com isso, as disputas não são
levadas a seus extremos, porque os pilotos preferem garantir suas posições a
acabarem exagerando, e depois perderem o esforço sendo punidos.
Então, me veem à mente
a fabulosa ultrapassagem feita por Alessandro Zanardi, na F-Indy original,
sobre Bryan Herta na pista de Laguna Seca, há 20 anos atrás, na última volta,
quando o italiano atacou Herta na curva Saca-rolhas, e fez a ultrapassagem na
curva cega em descida praticamente pela terra do lado de fora da pista. O
público foi ao delírio com a manobra, sinal do arrojo e combatividade de
Zanardi, que pegou Bryan com a guarda baixa na curva, e aproveitou a
oportunidade, escapando da pista, involuntariamente, mas segurando o carro e
conseguindo voltar na frente. Na F-1 de hoje, o italiano seria desclassificado,
poderia levar uma multa, e até ser suspenso da próxima corrida, do jeito que as
coisas estavam. Em Spa-Francorchamps, muitas vezes os pilotos faziam a curva La
Source pelo lado de fora, retomando o traçado. Por ser uma curva fechada,
muitas vezes os pilotos ali escapavam, indo para a área de escape, ou tendo de
fazer a curva por fora para evitar colidir com algum outro carro. Embora os
carros voltassem à pista mais embalados, o fato de terem de fazer um contorno
maior contrabalançava eventuais ganhos de tempo ao descerem mais embalados na
reta rumo à Eau Rouge. Mas isso entrou no rol de “abusos” dos pilotos, nos
últimos tempos, para desgraça do público que anseia por ver os pilotos andarem
a fundo nos circuitos, extrapolando eventualmente os limites da pista, como
qualquer atividade que exige andar no limite extremo.
E domingo passado,
após cumprir meus afazeres em relação à corrida da Hungria, fui assistir pela
TV ao restante da prova do Mundial de Endurance em Nurburgring, onde vi
diversas ultrapassagens e disputas entre os competidores, inclusive com os
carros escapando na primeira curva após a reta dos boxes, e retornando ao
traçado, em brigas por vezes ferrenhas, levantando o público, e ajudando a
animar a corrida. E ninguém fez nenhuma polêmica em torno disso de saírem da
pista.
Oxalá que a FIA
mantenha o bom senso, raro, visto ontem, e deixe de lado essa frescura do
limite da pista, mas que também promova ajustes nos circuitos, colocando grama
ou brita nos pontos mais indicados para se prevenir que se saia da pista
deliberadamente para ganhar tempo, de forma a punir quem exceder o seu limite,
mas que afetaria indistintamente qualquer um que o fizesse, e não se ficaria dependendo
de sensores ou de comissários, estes por vezes com interpretações divergentes a
respeito dos limites.
É um passo na direção
certa para se acabar com o excesso de regras que empesteiam a F-1 atualmente, e
que em nada ajudam a deixá-la mais agradável e menos complicada de se entender.
É um daqueles raros momentos em que as decisões certas, ou as menos
equivocadas, são tomadas, para felicidades daqueles que anseiam que a
competição possa ser mais livre, mais autêntica, e menos enfadonha. O público paga
caro para ver a F-1 em muitos lugares, e exige que isso possa ser pelo algo
agradável e emocionante, algo que a categoria não está conseguindo ser no atual
momento. Se é verdade que antigamente nem sempre as disputas eram melhores, a
F-1 seduzia por ter menos firulas e frescuras do que nos dias de hoje. Ainda há
muito o que fazer, entretanto, para se deixar a categoria máxima do
automobilismo menos engessada e mais livre tecnicamente, pois o número de
regras excessivamente inúteis que o regulamento contém continua alto, e não
será a eliminação de apenas dois itens que irá transformar a F-1 de hoje em
algo muito mais agradável.
Espera-se que este
seja apenas o primeiro de vários passos que ajudem a conduzir a competição a um
ambiente mais simples e compreensível para o público. Um novo passo deverá ser
dado em 2017, quando deverá cair o limite de desenvolvimento dos motores, bem
como do número de unidades permitidas por piloto por temporada. Mas, a respeito
destes outros itens do regulamento, que nos últimos tempos também só ajudam a
prejudicar a imagem da F-1, ainda é preciso esperar para ver como será no
próximo ano. Mas, depois do “milagre” que vimos esta semana, reacende a
esperança de que a F-1 volte a reencontrar o seu bom senso e se livre de parte
da camisa de força que se autoimpôs nos últimos anos.
Ah, sim: outro ponto
positivo decidido ontem em Genebra foi o adiamento do uso do dispositivo do
Halo como novo instrumento de segurança dos pilotos nos carros da F-1, que era
esperado para 2017. Agora, deve ficar só para 2018. O negócio exige mais
estudos, e outras soluções deveriam ser levantadas, de modo a poder se chegar a
um consenso, e a uma estrutura que seja realmente prática e segura em todos os
aspectos para se conferir uma evolução de fato na proteção que os carros
oferecem aos pilotos. Do jeito como a situação estava, tudo indicava que a F-1
iria ter de adotar o Halo enfiado goela abaixo pela FIA já no próximo ano.
Agora, que se use esse novo tempo de forma inteligente para se descobrir a
melhor forma de se implantar ou não tal coisa nos bólidos. Parece que ainda há
vida inteligente no pessoal que conduz as decisões da F-1. E isso dá sempre
esperança de dias melhores, quem sabe... Só gostaria de ficar mais contente
quando eles tomam as decisões mais corretas em benefício do esporte, porque
pela experiência prévia, sei de antemão o quanto elas andam escassas...
A adoção do Halo também foi postergada, em outra decisão de bom senso. A peça será mais avaliada, antes de ser ou não adotada na F-1 para aumentar a proteção dos pilotos. |
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