sexta-feira, 22 de julho de 2016

CRISE À VISTA?


Com expectativas iniciais de desafiar a Mercedes na luta pelo título, a Ferrari se vê às voltas tendo de disputar a segunda colocação no Mundial de Construtores com a Red Bull. E as cobranças da cúpula do Grupo Ferrari já começam a ameaçar detonar uma crise em Maranello.

            A F-1 inicia hoje os treinos oficiais para o Grande Prêmio da Hungria, e uma das perguntas que mais se ouve aqui no paddock da pista magiar é se Lewis Hamilton vai assumir a liderança do campeonato. Nico Rosberg, depois de duas derrotas consecutivas para o inglês nas últimas duas provas, pode ver a sua liderança da competição ir para o espaço, e ver o favoritismo da luta pelo título pender para seu companheiro de equipe, que foi campeão nas últimas duas temporadas e ensaia enfileirar mais um troféu este ano. Conhecido por ser um piloto mais racional e menos passional que Hamilton, Rosberg já deu mostras de ter sentido o golpe nos dois últimos anos. A história vai se repetir nesta temporada? Todos estão na expectativa, mas sem precipitações, afinal, o campeonato praticamente está na sua metade de um certame de 21 corridas, e muita água vai correr até a prova de encerramento, em Abu Dhabi, em novembro. Tudo ainda pode acontecer no duelo que está sendo travado dentro da equipe Mercedes.
            E, se o clima na escuderia alemã anda quente, a situação não está nem um pouco mais amena justo no box ao lado, o da Ferrari. O time de Maranello, aliás, está vendo uma crise se aproximar no horizonte, e a passos largos. Se ela vai se instalar no time, dependerá da cúpula da Ferrari, que parece estar caminhando para aquelas típicas épocas de instabilidade emocional que tanto marcou a história da escuderia em diversas temporadas, e que também ajudou a equipe a passar praticamente mais de 20 anos sem um título de pilotos. Sergio Marchionne, presidente do Grupo Ferrari, convocou reuniões para cobrar a falta de resultados do time nesta temporada, e a sensação é de que cabeças poderão rolar a qualquer momento, inclusive a do chefe da escuderia, Maurizio Arrivabene, que na minha opinião tem feito um bom trabalho desde que assumiu a direção da equipe, mas que não estaria conseguindo os resultados exigidos pela cúpula.
            Arrivabene conseguiu colocar o time em ordem em 2015, depois de uma temporada atribulada em 2014. Além de contar com Sebastian Vettel, que conseguiu 3 vitórias, a equipe sanou boa parte das deficiências de sua unidade de potência, deixando-a muito próxima da Mercedes. O time foi vice-campeão com todos os méritos, afinal, a Mercedes era, e ainda é a força dominante da F-1. O primeiro objetivo fora cumprido. O passo seguinte, claro, era disputar o título este ano. Exagero? Nem tanto... Faltou combinar com os alemães, entretanto...
            O início da temporada foi animador, com os pilotos da Mercedes tendo alguns percalços, e mesmo com a série de vitórias de Nico Rosberg, a Ferrari estava ali por perto, mais próxima do que em 2015, e pronta para dar o bote. Seria o lance de acertar o passo e fazer marcação cerrada. Em teoria, o raciocínio não estava errado: a dupla de pilotos foi mantida, assim como o staff técnico, coordenado por James Allison, que continuava desenvolvendo um bom trabalho no time italiano. Lembrando que, quando Jean Todt assumiu a direção da Ferrari nos anos 1990, demorou muito mais tempo para o time atingir o patamar onde se encontra atualmente, de 2ª força da competição. Só em 1997, quase quatro anos depois de iniciado os trabalhos, é que a Ferrari entrou firme na luta pelo título da categoria. Infelizmente, a esperada aproximação dos carros vermelhos aos carros prateados não está ocorrendo como esperado. Mesmo com algumas corridas boas, como Vettel fez no Canadá, a paciência de Marchionne parece estar ficando escassa, ainda mais depois das oportunidades perdidas de bons resultados vista na Áustria e em Silverstone, onde os oponentes da Mercedes que mais brilharam foram a Red Bull, com seus dois pilotos a andarem melhor do que a dupla do time italiano, que vem colecionando algumas mancadas e erros de estratégia que em nada estão ajudando neste momento. Duas quebras de câmbio fizeram Vettel perder posições de largada tanto em Zeltweg quanto em Silverstone, e para complicar a situação, um pneu furado acabou com a prova do tetracampeão na Áustria, enquanto na Inglaterra Sebastian cometeu vários erros durante a corrida, tendo de batalhar para conseguir chegar na zona de pontuação, e cruzando a linha de chegada com quase uma volta de atraso.
            Enquanto isso, na única corrida onde ambas as Mercedes ficaram pelo caminho, quem aproveitou a oportunidade para vencer foi Max Verstappen, da Red Bull, em Barcelona. Kimi Raikkonen e Sebastian Vettel ocuparam o restante do pódio, mas pegou mal a derrota do time justamente para um garoto que nem bem chegou na Red Bull e já venceu uma corrida, em que pese sua brilhante performance na pista. E a situação piorou nas últimas corridas, quando a Renault disponibilizou nova atualização de sua unidade de potência, que aliada ao desenvolvimento do chassi RB12, deixou o time dos energéticos praticamente a par dos italianos na pista. O resultado é que embora a Ferrari ainda seja a vice-líder do campeonato de construtores, com 204 ponto, a Red Bull vem chegando rápido, estando no momento com 198 pontos, e com tendência a ser a favorita para terminar o ano como vice-campeã. E tudo indica que aqui em Hungaroring será travada mais uma disputa fraticida entre os dois times. Está incomodando também ver os pilotos da Red Bull encostando na dupla ferrarista: Raikkonen é o 3° colocado na classificação, com 106 pontos, mas Daniel Ricciardo está logo atrás, com 100 pontos; Vettel é o 5° colocado, com 98 pontos, e vê Max Verstappen crescer a olhos vistos na 6ª posição, com 90 pontos. E se a performance pífia vista na Inglaterra se repetir, a tendência é que ambos sejam superados até com folga já neste final de semana, tanto na classificação de pilotos como na de construtores. E o bicho deve pegar feio.
            Vale lembrar que nas duas últimas temporadas, a vitória neste circuito não foi da Mercedes. Em 2014, Daniel Ricciardo aproveitou os problemas enfrentados por Lewis Hamilton e contou com a ajuda da chuva para obter com méritos sua segunda vitória na F-1. No ano passado, foi a Ferrari que chegou na frente aqui, e nada menos do que esse resultado será admitido pelo time italiano, que ainda diz ser possível lutar pelo título com a Mercedes, reconhecendo o progresso feito pelo time dos energéticos, mas não dando o braço a torcer de que eles é que serão sua maior preocupação, e não o time prateado. Mas o retrospecto dos italianos no ano não está sendo muito bom para se fazer boas perspectivas para este fim de semana.
            Hungaroring é o circuito mais travado da F-1, depois de Mônaco. Arrivabene declarou que a Ferrari corrigiu seus problemas na unidade de potência, e que ela agora é seu ponto forte. Pois motor, infelizmente, é um fator secundário nesta pista. Os carros atingem altas velocidades apenas na reta dos boxes, em tese o único ponto favorável para ultrapassagens. Aqui é necessário um carro ágil e bem equilibrado, e estes são pontos fortes demonstrados pelo carro da Red Bull, que andou muito bem com Daniel Ricciardo em Monte Carlo, perdendo a vitória apenas por um pit stop atrapalhado que fez o australiano perder a liderança para Hamilton, que venceu a corrida.
            Arrivabene foi incisivo: “Não podemos mais errar”. E ele está certo. Vettel vem cometendo erros acima de sua média este ano, e o time andou se perdendo em algumas estratégias arriscadas em demasia, como na Áustria, onde muitos concordam que o estouro de pneu no carro do alemão decorreu de mantê-lo tempo demais na pista antes de efetuar a troca. Mas o próprio modelo SF-16H tem de ser corrigido em alguns pontos. O carro não está economizando os compostos de pneus como era de se esperar, e seu equilíbrio também não está como o esperado. E o sistema do câmbio também exigiu uma análise criteriosa para apurar os motivos que levaram à quebra em dois finais de semana consecutivos de GPs.
Depois de um bom ano de 2015 quando colocou a casa em ordem, Maurizio Arrivabene pode estar na alça de mira se não apresentar os resultados que Sergio Marchionne espera. E pode não ser o único a dançar na escuderia pela impaciência por melhores resultados na pista...
            O problema é Marchionne perder a paciência de vez e começar a trocar o pessoal da escuderia em busca de resultados mais imediatos. Esta semana se aventou que o time tentou conseguir os serviços de Ross Brawn como consultor, muito provavelmente indicando que a escuderia precisa mais do que nunca de um líder. Mas Brawn recusou, e afirmou que a Ferrari precisa mais do que nunca manter a calma e ter um foco e programa precisos para serem seguidos. E eu concordo. Maranello tem muitos bons profissionais, e se a típica mentalidade italiana voltar a dar as cartas no time, é bom que os tiffosi se preparem para outro jejum longo de títulos. Se é verdade que Jean Todt colocou o time em ordem na década de 1990, isso só foi possível porque Luca de Montezemolo, presidente do Grupo Ferrari na época, teve a paciência de esperar pelos resultados, que não viriam da noite para o dia. Com essa tranquilidade proporcionada por Montezemolo, Todt teve tempo para estabelecer um cronograma e metas de evolução para o time, que alguns anos depois conquistaria não só cinco títulos com Michael Schumacher, entre 2000 e 2004, mas ainda levaria o título de Kimi Raikkonem, em 2007, e por muito pouco não conquistou também um com Felipe Massa em 2008, além do vice-campeonato de Schumacher em 2006.
            Sergio Marchionne precisa deixar a escuderia trabalhar em paz. Ninguém lá está fazendo corpo mole, e Maurizio Arrivabene sabe o que precisa ser trabalhado, e conseguiu, no ano passado, criar um clima positivo na escuderia raras vezes visto, dando a todos tranquilidade e calma para se esforçarem todos juntos no objetivo de reerguer a escuderia, no que foram mais do que bem-sucedidos. Está certo que a cobrança este ano é maior, mas ao mesmo tempo, conforme Ross Brawn levantou, se o time começar a se desesperar pela pressão por resultados, pode colocar tudo a perder. Ninguém divulgou nada a respeito do que foi dito ou determinado nas tais reuniões convocadas por Marchionne para avaliar a situação, nem mesmo quantas reuniões foram feitas, ou se é que já foram realizadas, ou se estão esperando pelo período de férias da F-1, que começa depois da próxima corrida, semana que vem em Hockenhein, para realizá-las. Mas é preciso dar tempo ao tempo, e deixar que seu corpo de profissionais possa mostrar a que veio. Se começarem a bagunçar o time, logo na primeira entressafra de resultados, este vai perder sua estabilidade, e obviamente, ninguém conseguirá ter paz para render o que pode. E desprezar esses profissionais pode ser um tiro no próprio pé. Nem preciso mencionar que alguns profissionais que ajudaram a conceber o eficiente modelo W07 da Mercedes, bem como os dos dois anos anteriores, como Aldo Costa, trabalhavam em Maranello, antes de serem demitidos pela “falta de resultados”, situação em parte motivada também pela politicagem na condução do time rosso. Não que cobrar resultados seja errado. A F-1 vive disso, e quanto antes eles forem obtidos, melhor. Mas é preciso não perder a cabeça nos momentos ruins. Na década de 1980 e início dos anos 1990, o time fazia uma troca louca de profissionais a cada momento ruim que vivia, e isso em nenhum momento trouxe os resultados que se esperava. Havia alguns bons momentos, mas logo no primeiro tropeço, tudo ia pelos ares, com profissionais sendo trocados em busca de “mais resultados”. Trocava-se piloto, diretor técnico, etc. Resultados eram cobrados para ontem, e programas de desenvolvimento eram interrompidos e reiniciados, muitas vezes com novo corpo técnico ou novas chefias, recomençando do zero alguns projetos, e descartando outros em desenvolvimento. Um samba do italiano doido, diga-se de passagem. E olha que a Ferrari teve oportunidade de contar com nomes de peso na época, tanto na área técnica quanto em pilotos, como John Barnard, Alain Prost, Cesare Fiorio, etc. Mas sem paciência da direção, cobranças a torto e a direito, e desrespeito ao trabalho desenvolvido, nada entrava nos eixos, e a situação degringolava em pouco tempo.
            Que a Ferrari tem problemas e não está onde esperava, paciência... Mesmo os melhores planejamentos podem dar errado. Mas a escuderia sabe onde precisa melhorar, e tem de ter a chance de corrigir suas falhas. Ainda por cima, trata-se de um momento complicado para o time italiano, aliás, para todos os times da categoria, em virtude das novas regras técnicas que irão vigorar a partir do ano que vem, que deverão dividir as atenções dos engenheiros em período integral daqui para frente, juntamente com o desenvolvimento dos carros da atual temporada.
            O time italiano entra hoje na pista precisando mostrar serviço mais do que nunca. Mas, se acabar tendo outro fim de semana ruim, o clima pode azedar de vez, e semana que vem, já temos nova corrida, na Alemanha. O sinal vermelho acendeu em Maranello, e se eles não conseguirem colocar os nervos da chefia do grupo sob controle, todo o bom trabalho desenvolvido na reformulação do time do fim de 2014 até aqui pode ir literalmente para a cucuia, o que seria muito ruim para os ávidos torcedores da equipe rossa, mas para a própria F-1, que poderia ver o seu time mais tradicional novamente incapaz de lutar pelas vitórias nas corridas e pelo título da categoria, piorando o espetáculo da competição...


Depois da disputa das 24 Horas de Le Mans, o Mundial de Endurance (WEC) volta às pistas neste final de semana, com a prova das 6 Horas de Nurburgring, na Alemanha. Vencedora em Le Mans, a Porsche pretende manter o seu domínio na atual temporada, onde lidera com o trio Marc Lieb, Romain Dumas e Neel Jani, com 94 pontos. Na vice-liderança da competição vem um dos carros da Audi, com Lucas Di Grassi, Loic Duval e Oliver Jarvis, com 55 pontos. E encostado neles, com 54 pontos, vem um dos times da Toyota, com Kamui Kobayshi, Mike Conway, e Stéphane Sarrazin. Na classificação de construtores da LMP1, a Porsche lidera com 127 pontos, com a Audi em 2° com 95, e a Toyota com 79 pontos. O canal pago Fox Sports 2 transmite a corrida na íntegra neste domingo a partir das 8 horas da manhã, pelo horário de Brasília, com Rodrigo Mattar, Sergio Lago e Hamilton Rodrigues comandando a transmissão da prova.

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