sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

COMO ENCHER O GRID DA F-1?



A Force India até agora só apresentou a pintura do carro novo, usando o velho carro do ano passado. As finanças da escuderia estão mais curtas do que todos esperávamos...

            Semana que vem inicia-se a segunda sessão coletiva de testes da pré-temporada da Fórmula 1 deste ano, e assim como aconteceu na primeira sessão, em Jerez de La Fronteira, a pista de Barcelona, que sediará as sessões restantes, corre o risco de ver novamente apenas 8 times presentes na pista. A Force India, que faltou à primeira sessão, deve faltar novamente, o que significa que sua situação financeira realmente está na corda bamba, pois perder praticamente dois terços da pré-temporada não é algo que uma escuderia faça sem ter outras opções. E isso coloca em dúvida até mesmo o estágio de construção do modelo 2015 do time, que se a princípio foi adiada para esta segunda sessão de testes, agora tem se falado que o time não teria recebido dos fornecedores os materiais necessários para finalizar a construção do novo modelo, justamente por falta de pagamento. O que dá uma idéia mais precisa de como a F-1 atual se encontra, no que tange à saúde econômica de seus times.
            Ao mesmo tempo, a Caterham, que ainda tentava sobreviver para retornar à competição, jogou a toalha em definitivo, iniciando a venda de seus ativos para pagar as dívidas e colocando um fim na aventura que começou em 2010 com Tony Fernandes, que de início dava pinta de ser bem profissional e determinada, mas que acabou vencida pela maneira como a categoria atualmente se comporta. Já a Marussia, que alegou ter encontrado um novo investidor, pediu autorização ao Grupo Estratégico da FIA para participar do certame deste ano utilizando o modelo do ano passado com as devidas adaptações necessárias, com o nome Manor, teve sua petição negada. Por mais que fosse desejável ter mais competidores, a Marussia não teria praticamente chances de fazer um bom papel no campeonato, caso pudesse alinhar. O time se desfez de boa parte de seus ativos - vendeu até sua fábrica, e se tendo um carro plenamente projetado e construído conforme o regulamento já andava praticamente atrás de todos, brigando apenas com a Caterham, ela teria praticamente de remendar o carro de 2014, remontar a fábrica, e começar mais atrás do que todo mundo. E o regulamento técnico, infelizmente, proíbe esse tipo de arranjo, atualmente.
            Se a Force India acabar tendo sua participação comprometida, o campeonato pode acabar tendo apenas 16 carros. E como a idéia do terceiro carro dá mais pano para manga em discussão do que em melhoria efetiva para a F-1, o que se pode fazer para que a categoria tenha novamente um grid cheio? Bernie Ecclestone, estes dias, chegou a propor uma "divisão B" dentro da F-1, com a utilização de carros da GP2 com motores da F-1, ou usando chassis da Red Bull de dois anos atrás equipados com os velhos motores V-8 aspirados. Fala-se até que, com o risco de terem apenas 16 carros, a Marussia/Manor deve acabar sendo autorizada a competir, mesmo que o regulamento não permita, o que indica que o desespero está batendo alto. Um alívio mesmo só no ano que vem, quando a Hass deve estrear na F-1, e que por enquanto vem fazendo o seu planejamento direitinho, mas ainda temos um ano pela frente até tudo ficar devidamente preto no branco e andando na pista.
            Há que se culpar a crise econômica pela falência e/ou situação precária dos times participantes da categoria, e não se pode negar que isso tem de fato sido um fator primordial para não vermos mais escuderias brigando por um lugar ao sol na F-1, só que o buraco é mais embaixo, e a própria categoria tem muita culpa pela crise que assola o seu grid. Se fôssemos apenas culpar a crise econômica, como então justificar que o Mundial de Endurance anunciou semana passada que seu campeonato deste ano terá 35 carros inscritos? Ainda mais que sua categoria master, a LMP1, que no ano passado viu o retorno da Porshe ao certame de Esporte-Protótipo de provas de longa duração, este ano está vendo também a estréia da Nissan, para fazer companhia à Toyota, atual campeã, e à Audi, todos com times de fábrica, investindo muito, e com entusiasmo, um ambiente que a F-1 no momento não está conseguindo igualar.
            O regulamento e o ambiente atuais da F-1 são uma verdadeira camisa de força para a categoria. Na ânsia de tentar buscar uma maior competitividade, foram-se estabelecendo mais e mais restrições. Primeiro, os motores tiveram seu desenvolvimento congelado, na década passada. A idéia não era ruim, a princípio, uma vez que o desenvolvimento desenfreado dos propulsores era uma conta que estava começando a incomodar até mesmo as fábricas envolvidas na categoria, como Honda, BMW, Mercedes, Renault, etc. Os custos até caíram um pouco, mas não tanto como se esperava. Depois, foi se estabelecendo limitação no uso de motores, tentando manter mais baixos os custos. O raciocínio é que quanto mais motores utilizados, mais gastos, e os times médios e pequenos muitas vezes não tinham como arcar com tantos custos. Até que se entende a intenção.
            Só que o congelamento dos motores acabou indo muito longe. Quando até os fabricantes começaram a discordar do excesso do congelamento das unidades, a FIA enfim autorizou a mudança dos propulsores, com a adoção das novas unidades híbridas, e a volta dos turbos. Mas, no seu ano de implantação, o que vimos? Iniciando o uso de uma tecnologia totalmente nova nas unidades de potência, eis que a FIA estabelece a limitação de 5 motores por piloto por ano, contra as 8 unidades utilizadas no ano anterior pelos V-8 aspirados. Limitação essa que fica ainda maior este ano, com cada piloto tendo apenas 4 unidades para usar durante todo o campeonato. E depois disso, alguém ainda vai achar que as coisas não estão sendo mal conduzidas? E olha que nem falei das caixas de marchas, que a exemplo dos motores, também tem que durar um bom tempo, antes que possam ser trocadas sem sofrer punição. Novamente, a idéia era baixar custos, mas...
            E o que dizer da atitude "inteligente" da FIA em abolir qualquer "inovação" relevante que os times acabam criando no projeto de seus carros? Podemos relacionar o difusor duplo, o duto aerodinâmico, o amortecedor de massa, a suspensão "fric", o difusor "soprado", entre outros exemplos. A alegação de que infringiam o regulamento técnico, ou podiam prejudicar a segurança dos pilotos, ou nem todos os times tinham condição de ter os sistemas foram alguns dos motivos para o banimento de várias criações dos projetistas que tentavam obter alguma vantagem para seus times. Com tanto "não pode isso", "isso não é permitido", e tendo de trabalhar em margens de interpretação cada vez mais estreitas, a liberdade de criação dos projetistas foi ficando cada vez mais "presa". Não é por outra razão que o principal nome das pranchetas dos últimos anos, o inglês Adrian Newey, praticamente cansou das restrições do regulamento e foi praticar seus conhecimentos em outras áreas onde possa libertar todo o seu talento criativo.
            A FOM, por sua vez, ainda dá de ombros para a idéia de se abraçar o enorme poderio da internet para se promover o campeonato, preferindo, nas palavras de Bernie Ecclestone, velhos ricos podres de grana para comprar o que a categoria vende do que um punhado de jovens sem dinheiro para tanto. Nem é preciso dizer que as escuderias começam a ficar irritadas com essas atitudes. Alguém aí perguntaria se a Toyota, que é a atual campeã de Endurance, voltaria para a F-1, onde competiu por quase uma década até 2009, sem conseguir resultados expressivos? Do jeito que a categoria máxima anda, muito difícil...
            E até a nova Fórmula-E, o campeonato dos carros elétricos, começa a chamar mais atenção. Suas corridas vem melhorando a cada prova, e a abordagem mais relax, menos pretensiosa, e mais pé-no-chão, com custos mais em conta, começa a atrair o interesse de outros times, pilotos, e até fábricas. Aos poucos, o certame que iniciou seu primeiro campeonato tem tudo para conquistar um público que já anda de saco cheio para a F-1, embora a curto prazo isso pareça meio difícil.
            Para fazer o grid da F-1 voltar a crescer, teriam de ser promovidas várias mudanças. O problema é que estas mudanças teriam de ter o foco voltado para a categoria como um todo, e tomadas com base em se priorizar o que é melhor para a competição em si, o que não se vê exatamente nas decisões que norteiam o certame. Há interesses demais, dinheiro demais, egoísmo demais, guerras de egos demais. Muitos até podem falar abertamente em defender mudanças que tornem a categoria mais atrativa e menos dispendiosa, mas a verdade é que pouco se faz efetivamente neste sentido. Quem já está estabelecido não quer perder sua posição, nem o poder de que desfruta, e as mudanças necessárias exigem que todos percam algo para que a F-1 ganhe como um todo.
            Para começar, a estrutura que as escuderias montaram nos últimos anos é um assombro. Até os times pequenos possuem hoje instalações monstruosas para os padrões de antigamente. Certo, os tempos atuais não são como antigamente, mas o problema é que manter todo esse aparato gera muita despesa, e nem todo mundo consegue dar conta do recado. Para reduzir essa estrutura, seria preciso diminuir as necessidades básicas de competição, simplificando os procedimentos. Do mesmo modo, hoje se viaja muito mais do que antigamente, e muitas vezes para lugares onde o público mal sabe direito o que é a F-1. Na sua sede de mais dinheiro, Bernie Ecclestone rifou corridas na Europa em favorecimento de provas pelo mundo, onde governos não se importam em pagar o que o velho dirigente pede e exige, além de inflar o calendário para 20 provas anuais. Com isso, o maior mercado de fãs, a Europa, ficou sem várias provas, como França e Portugal. E quanto mais viagens, mais gastos, e nem mesmo a ajuda que a FOM dá aos times cobre todos os custos de tantos deslocamentos.
Paul Ricard, o mais carismático autódromo a sediar o GP da França, foi limado do calendário desde 1991, e hoje, nem a França possui mais seu GP...
            Os custos de competição continuam altos, e os patrocinadores, desde a eclosão da crise econômica de 2008, estão muito mais reticentes em despejar seu dinheiro, seja aonde for. Mesmo aqueles que gostam do automobilismo, conforme já afirmei aqui, passaram a olhar com muito mais cuidado a relação custo/benefício, e os valores necessários para sustentar a F-1 estão ficando fora do alcance de muita gente, enquanto outros preferem investir em campeonatos mais em conta. E é um problema realmente sério a ser levado em consideração: a "seca" de patrocínios já fez duas competições de acesso à F-1 serem canceladas, os certames britânico e alemão da F-3. E se com estes campeonatos, bem menos caros, a situação já ficou feia assim, muito mais difícil na F-1, que mesmo com sua visibilidade espantosa, está mesmo é espantando muita gente com seus custos.
            Impor limites de gastos, como já se falou em 2009, seria uma idéia bem vinda. O problema é que os times não querem este tipo de controle, e para a idéia passar, muita coisa teria de ser "adaptada", ou em outras palavras, agradar a muita gente. Penso o contrário: para salvar a F-1 de engolir a si mesma, a FIA deveria baixar um regulamento e enfiá-lo goela abaixo em todos os participantes, mesmo que chiem à vontade. O problema é que nos últimos tempos, a entidade só tem feito isso com propósitos bestas, como foi a proibição do sistema "fric" de suspensão, e por aí vai. A imposição do teto orçamentário em 2009 fracassou mais pelo valor radical que Max Mosley queria implementar, baixando em quase 85% o que os times de ponta gastavam até então. Talvez, com a adoção de tetos mais aceitáveis, como por exemplo, baixar 10 a 15% do teto limite a cada temporada, seja mais adequado, e daria às escuderias um parâmetro e tempo para irem se ajustando a cada mudança no teto de gastos. E cada uma que se virasse dentro do teto limite.
            O regulamento técnico também precisaria ser simplificado, adotando parâmetros mais claros e definidos. A limitação de motores também deveria ser afrouxada: que se libere por exemplo 12 motores por piloto por temporada, e estabeleçam "janelas" para aplicação dos aperfeiçoamentos, bem como da introdução de novos modelos dos sistemas de potência. Poderia voltar a ser permitido o uso de propulsores diferentes, desde que mantivessem características básicas a todos eles. Em 1989, por exemplo, a categoria viu praticamente 20 times e quase 40 pilotos regulares na competição, e os motores eram V-8, V-10, e V-12. Os propulsores só precisavam rigorosamente ser aspirados, e obedecer à metragem de 3,5 litros de tamanho. Algo assim poderia ser criado para as novas unidades turbo em uso, desde que mantivessem as características fundamentais, como por exemplo a capacidade de 1,6 litros, e os parâmetros de funcionamento dos sistemas do Ers. Cada fabricante teria uma liberdade muito maior de experimentar o que lhe fosse mais conveniente. E, para evitar uma escalada de gastos, poderia se limitar quanto cada fabricante poderia investir em seus projetos, ou elaborar algum tipo de escala de custos para evitar que os times comprometessem demasiado seus orçamentos com os propulsores.
Carlo Chiti apresentou um motor "boxer" de 12 cilindros da Subaru equipando a Coloni no início dos anos 1990: regulamento dos motores era bem mais flexível e menos restritivo, ao contrário dos dias de hoje...
            Abolir as absurdas taxas que são cobradas de qualquer time iniciante também seria bom. Implantadas para evitar "aventureiros" na categoria que denegrissem sua imagem, bastaria a FIA fazer uma boa inspeção no currículo dos pretendentes para conceder e/ou negar autorização para competir, e estabelecer algumas condições para que a entrada de novos participantes obedecesse a critérios objetivos de capacidade e profissionalismo, como por exemplo, fiscalizar os preparativos de cada escuderia pretendente a estrear na F-1 após sua autorização ser concedida. Se o time não mostrasse um mínimo de seriedade, poderia ter sua licença revogada antes mesmo de estrear, e ainda pagar uma multa em caso disso acontecer, como forma de os candidatos mostrarem comprometimento com o projeto. Só a liberação da taxa da FIA já daria a qualquer candidato atualmente um orçamento para fazer boa parte da temporada, para se ter uma idéia.
            A venda de chassis poderia ser liberada, com ajustes no regulamento de construtores para os times que constroem seus carros, e para os times que adquirem chassis prontos. Ou mudar o campeonato de construtores para campeonato de equipes. Uma idéia que poderia ser implantada seria a venda de chassis "básicos", com os times compradores tendo a tarefa de completar o monoposto por conta própria, personalizando-o. A F-Indy original tinha seus fabricantes de chassis, mas nada impedia que os times clientes criassem personalizações nos carros, visando obter maior vantagem, adaptando-o aos motores disponíveis, ou criando peças aerodinâmicas próprias. Só isso já facilitaria a entrada de muitos times, que teriam muito mais condições de competição. E, uma vez estabelecidos, poderia haver uma regra impondo a construção de um carro próprio após algumas temporadas acima de determinada colocação, para evitar que usassem indefinidamente chassis de terceiros.
Nélson Piquet ao volante de uma McLaren? Sim, mas era um carro da equipe BS Fabrications, que comprara o carro da equipe inglesa para competir na F-1.
            Um aumento no tamanho dos pneus seria bem-vindo, e poderia aumentar bastante as disputas, uma vez que, com maior tração e apoio ao chão, os carros poderiam andar mais próximos uns dos outros, desde que se faça alguns ajustes para cortar os exageros da aerodinâmica, e proporcionar aos bólidos mais possibilidades de manter sua estabilidade através da mecânica. Voltar a ter sessões de classificação às sextas-feiras, com o melhor tempo valendo para o grid, também seria bom.
            E, principalmente, acabar com o excesso de punições aos pilotos pelos toques que ocorrem na pista. O exagero de punições nos últimos tempos afastou muitos fãs, que pegaram ojeriza pelo excesso de zelo da FIA, o que também não significa fazer da categoria um derby de demolição. Não é preciso liberar geral o comportamento dos pilotos, apenas ser mais condescendente e justos com certas atitudes. E promover também uma maior aproximação dos pilotos com os fãs, acabando com aquele ambiente "hermético" onde o público tem acesso quase zero a seus ídolos e escuderias, que ganhariam muito com uma maior intimidade dos torcedores, promovendo melhor suas marcas e ídolos.
            Agora, os times e a FIA/FOM vão tomar medidas que sigam nesses sentidos? Dificilmente, e se o fizerem, muito provavelmente será em caso extremo, para salvarem-se a todos, e ainda assim, para manterem tudo como está atualmente. Urge agir o quanto antes, mas para a cartolagem, as prioridades, mesmo que sejam iguais, ainda continuam com mentalidades muito diferentes, o que não ajuda em nada a todos se entenderem. E quando vão cair na real e se mexerem de fato?
            Não sei, e eles, certamente, menos ainda...

Um comentário:

Gustavo Lucena disse...

Olá Adriano,

Em primeiro lugar, parabéns pelo texto, cheio de ideias.

Em segundo lugar, você menciona a temporada de 1989, que foi uma temporada "marco zero", com 20 equipes e 40 carros, todos aspirados. Acho que naquele momento se desperdiçou uma oportunidade de manter a categoria com um grid cheio e atrair mais gente para investir na categoria.

Ao estipular que apenas 26 carros largariam, a F-1 já condenou a morte de muitos garageiros. Melhor seria que todos largassem, ou então que se criasse uma sub-categoria envolvendo a turma da pré-classificação, para que ninguém ficasse parado. Essas 2 medidas certamente garantiria a sobrevivência das nanicas Coloni, Zakspeed, Osella, Eurobrun, etc., bem como poderia impedir que Brabham, Lotus, March e Ligier/Prost fechassem as portas.