sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

QUEIMANDO O FILME...


E a prova da IRL no Brasil este ano dançou...

            Semana passada, o assunto mais discutido nos meios automobilísticos nacionais foi a notícia do cancelamento da etapa brasileira da Indy Racing League, que deveria abrir o campeonato de 2015, e seria realizado no dia 8 de março, no autódromo Nélson Piquet, em Brasília, no Distrito Federal. Cancelado de forma unilateral pela Terracap, empresa do governo do Distrito Federal, após denúncias do Ministério Público do Distrito Federal, das irregularidades do "contrato" firmado pelo governador Agnelo Queiroz no ano passado com a Rede Bandeirantes, a situação pegou muita gente de surpresa, uma vez que, mesmo com as denúncias que já haviam surgido em novembro do ano passado, e que tinham provocado até a suspensão da licitação, as obras no circuito continuaram com a promessa de sanar as pendências da licitação, os ingressos começaram a ser vendidos, e a Bandeirantes começou a mostrar quase que diariamente em seus telejornais matérias do campeonato, sempre lembrando que no início de março a Indy aterrissaria no Brasil.
            Aos trancos e barrancos, tudo indicava que a corrida seria mesmo realizada. As obras, em que pese serem apenas parciais, com a entrega apenas das estruturas necessárias para a realização da corrida, como recapeamento do traçado e construção das áreas de escape, entre alguns outros detalhes, seguiam relativamente firme, e quando da suspensão dos trabalhos, pelo cancelamento informado pela Terracap, cerca de 60% das obras estavam concluídas. O resto da reforma do autódromo ficaria para depois. E, além da promoção que a Bandeirantes fazia do evento, a cervejaria Petrópolis, dona da marca Itaipava, havia acabado de assinar contrato para ser a patrocinadora master da corrida. Foi tudo para o brejo.
Até Vitor Meira se empenhou na promoção da corrida em Brasília, mas as irregularidades cometidas colocaram tudo a perder...
            Pegos de surpresa, Bandeirantes e a Indycar tentaram buscar soluções. Enquanto a emissora paulista batia cabeça sobre o episódio, a direção da categoria americana chegou a sondar a pista de Goiânia para receber a etapa, mas o governo do Estado não topou a empreitada, o que motivou a direção da IRL a cancelar em definitivo a corrida, depois de cogitar transformar a etapa inicial em São Petesburgo em rodada dupla, ou até realizar mais uma prova no Estado do Texas, no Circuito das Américas, em Austin. E o Brasil, de novo, fica com o filme queimado com esta situação, mostrando que realmente não é um país sério, como afirmou um grande estadista inglês que até hoje é venerado como um dos chefes de Estado mais competentes e íntegros dos tempos modernos.
            Erros e impropérios vieram de todas as partes envolvidas no acordo para a realização da corrida brasileira da Indy Racing League. A começar pela TV Bandeirantes, que no segundo semestre de 2013, teria resolvido, segundo conversas internas, desistir de transmitir a competição de monopostos dos Estados Unidos. Claro que isso nunca foi falado oficialmente, mas a emissora estava mesmo a fim de pular fora, alegando prejuízos com a operação da Indy em nosso país, que envolvia também a etapa brasileira da competição, realizada em São Paulo, em um circuito urbano montado ao redor do Sambódromo, na região do Anhembi. Mas havia contratos a serem respeitados, que obrigavam a emissora a manter a transmissão do campeonato, bem como a realização da etapa brasileira até o fim da década. E contratos firmes e bem feitos. E os americanos gostam de ver seus contratos serem cumpridos. A emissora paulista bem que tentou dar o "jeitinho brasileiro" para se safar, mas a direção da Indycar prometeu jogar pesado, e levar o caso à justiça americana, onde a Bandeirantes certamente se daria mal. A emissora teve de voltar atrás: continuou transmitindo a competição, mas até que isso se acertasse, a etapa brasileira já tinha ido para o brejo. Era preciso arrumar uma corrida em outro lugar, mesmo que para 2015. E depois de algumas opções estudadas, eis que surgiu Brasília.
            Teoricamente, nada contra. Uma prova na capital do Brasil, em um circuito que, devidamente reformado, teria todas as condições de sediar a corrida, e fazer nosso país ficar bem na fita novamente. Até aí, vá lá, desde que tudo fosse feito corretamente. Mas, estamos no Brasil, lembram? Aqui parece que fazer tudo fora dos eixos parece ser a norma, especialmente no trato com governos e autoridades públicas. Agnelo Queiroz, governador do Distrito Federal, logo abraçou a idéia, prometendo mundos e fundos para a realização da corrida. Só esqueceu de avisar que na prática, não haviam nem mundos e muito menos fundos para isso: a administração Queiroz no DF literalmente quebrou as finanças públicas, e só para se ter uma idéia do caos financeiro, a grande maioria dos servidores públicos de Brasília está sem receber salários, e muitos serviços essenciais estão funcionando muito mal ou simplesmente parados. Embora essa situação caótica tenha ficado muito mais visível agora, Brasília já andava mal das pernas quando o anúncio da corrida foi feito. Com sua administração levando o DF à bancarrota, e com a popularidade em baixa, certamente Agnelo Queiroz tencionava capitalizar politicamente com a corrida da Indy na capital, uma vez que ele tentava a reeleição, nem que fosse preciso terminar de quebrar o que ainda estivesse de pé. Uma irresponsabilidade total. Mas, do jeito que nossos políticos se comportam ultimamente, qual a novidade nisso? Temos um governo federal que, se não quebrou o país, certamente o conduziu à estagnação e recessão econômica, além de produzir o maior escândalo de um país democrático em todos os tempos em uma companhia de petróleo que deveria ser o orgulho nacional...
            Para piorar tudo, no Termo de Compromisso inicial entre o governo do DF e a Bandeirantes, conforme levantado pelo Ministério Público do Distrito Federal, descobriu-se que o acordo assinado não obedecia a uma série de requisitos legais imprescindíveis. Não havia data de publicação, assinatura de testemunhas, nem publicação em Diário Oficial, como manda o figurino. E depois, quando surgiu finalmente o contrato, havia até cláusulas aberrantes nele, como sobre a possibilidade de rescisão do contrato, admitida "até" 365 dias antes da realização da corrida, ou seja, um ano antes, só que em um contrato firmado SEIS meses antes da realização da corrida, em setembro de 2014, ou seja, meio ano antes da prova. Entre outras esquisitices, também constava uma outra cláusula onde não se prevê multa nenhuma à Terracap ou ao DF, no caso de cancelamento da corrida. E olhem só: a Bandeirantes, segundo também informa o parecer do Ministério Público, foi quem se comprometeu com a direção da Indycar a ter de pagar uma multa de cerca de 80 milhões de reais no caso da não realização da prova.
            Fosse um contrato devidamente firmado, com todos os requisitos e formalidades legais necessárias, poderia ser classificado de uma atitude leviana e sem noção dos envolvidos, mas com tamanhas atrocidades no texto, chega a ser de uma irresponsabilidade atroz a Bandeirantes ter firmado um contrato nestas condições. Será que ninguém na emissora se preocupou com a possibilidade de tudo ir pelo ralo, ou foram tomados de assalto por um otimismo exacerbado, a ponto de ignorarem a realidade das coisas? A situação no DF, já extremamente complicada à época, deveria ser mais um sinal de que estavam embarcando em uma canoa cheia de furos. Se sabiam de tudo o que acontecia, resolveram pagar para ver, e agora realmente poderão se arrepender da decisão tomada. As credenciais de Queiroz não lhe davam credibilidade nenhuma. Ou foi uma burrice tremenda, ou uma tentativa de ganhar uma boa bolada por fora, e faturar com mais uma obra "a toque de caixa" da corrupção que permeia construções deste tipo.
            Aliás, qual não foi a surpresa quando se viu também que o custo das obras de reforma do autódromo, previstas em cerca de R$ 98 milhões, de repente "saltaram" para a casa dos mais de R$ 310 milhões. A explicação "oficial" é de que as obras precisaram ser "redimensionadas". Tá, finjo que acredito nisso, porque se for verdade, só quer dizer que outra irregularidade foi cometida: iniciaram uma obra sem um projeto a ser seguido, o que vai contra todos os ditames do bom senso de quem deve zelar pelo uso correto dos recursos disponíveis, ainda mais públicos, além de ser crime. Imagino que é assim mesmo nas várias outras obras em andamento pelo nosso pobre país, em especial das refinarias da Petrobrás, cujos custos multiplicaram-se exponencialmente devido a "ajustes" e outros termos técnicos que costumam surgir como justificativas nestes momentos tentando explicar o que não tem explicação.
            O novo governador do Distrito Federal, Rodrigo Rollemberg, a princípio teria mantido todo o apoio do governo à realização da corrida. Mas isso teria sido antes de tomar conhecimento das reais condições legais do contrato, se não estava realmente a par da situação, ou somente após receber a notificação do Ministério Público, recomendando o cancelamento do mesmo e das obras, sob ameaça de serem tomadas as medidas cabíveis para isso em nível judicial, o que poderia tornar a situação do novo governador mais complicada do que já está. Nem é preciso dizer que, em novembro e dezembro, mais precisamente após a eleição que Rollemberg ganhou para ser o novo governador, a situação do DF piorou a olhos vistos. Comenta-se que, frustrado por não ter conseguido se reeleger, Agnelo Queiroz teria terminado de afundar Brasília ainda mais do que já estava, numa retaliação mesquinha e atroz contra toda a população, a fim de se vingar daqueles que não o reelegeram. Verdade ou não, o fato é que o Ministério Público do DF está movendo ação de improbidade contra o ex-governador, a fim de responsabilizá-lo pela crise orçamentária que o Distrito Federal atravessa. E este contrato da corrida da Indy é apenas mais um dos inúmeros atos irregulares praticados em sua gestão.
            Tendo ou não mudado de idéia por conveniência política, Rollemberg tomou a atitude mais correta: cancelou as obras, e com isso, a corrida se foi. Claro, ajudou o fato das cláusulas darem chance da Terracap e do Distrito Federal poderem cancelar tudo sem sofrerem consequências por isso também, mas com as finanças públicas arrasadas, há prioridades muito maiores do que a realização da corrida, e com as irregularidades do contrato firmado, foi fácil também se livrar da encrenca. O que ainda seria gasto para viabilizar a corrida agora poderá ser utilizado para tentar sanar a grave crise financeira que o setor público da capital federal enfrenta. O buraco deixado por Queiroz, contudo, é tão grande e amplo que mesmo essa economia advinda do cancelamento da corrida não significará muita coisa. Mas é um começo.
            Infelizmente ficaram as sequelas deste imbroglio: a imagem de nosso país novamente vai a pique no exterior, e nem é preciso dizer que a direção da Indycar ficou extremamente chateada com esta situação. Uma chateação que vai render muita dor de cabeça para a Bandeirantes, que já está tentando chegar a um acordo para se livrar da enorme multa pelo cancelamento da corrida, que cai justamente em seu colo, para não falar da devolução do dinheiro dos ingressos já vendidos, que prometeu para breve. Muitos afirmam que, depois deste episódio, dificilmente nosso país voltará a sediar uma corrida da Indy Racing League. Será? Convenhamos, a direção da Indycar, depois do rolo com a Bandeirantes querendo largar tudo em 2013 e início de 2014, devia ter mantido um acompanhamento muito mais estrito e severo sobre o desenrolar destas negociações para se achar uma nova sede para a etapa brasileira, ou foram também muito ingênuos e otimistas com relação a tudo o que se passou. Só que, se lembrarmos que, nos últimos anos, a direção da Indycar também vem metendo os pés pelas mãos em vários assuntos, tomando decisões meio a torto e a direito, creio que não deveria sentir tanta surpresa com a falta de tato e excesso de confiança demonstrados nesta situação. E ainda temos, além da questão da devolução dos ingressos, o cancelamento de viagens e estadias de todos que já haviam se programado para isso, fossem torcedores, fossem profissionais que viriam para acompanhar e/ou trabalhar na corrida, para não falar dos transportes de todos os times da categoria, com vários materiais já sendo encaminhados para cá. Desfazer tudo agora deve dar uma tremenda satisfação de ter entrado num grande conto do vigário...
            O pior de tudo agora é como fica o autódromo da capital federal. A estrutura já existente foi demolida para as reformas, de modo que agora só restou a pista. Será preciso reconstruir tudo. Só que isso vai custar dinheiro, e o governo do DF no momento não tem idéia praticamente do que fazer primeiro para sanar a situação caótica das finanças. As etapas planejadas da Fórmula Truck e da Stock Car certamente também serão canceladas. Uma saída seria fazer uma parceria com a iniciativa privada para recuperarem o autódromo, e em troca, dar a concessão de explorar o local por um determinado período. Mas precisaria ser uma concessão com total transparência, dando a quem investir na recuperação e manutenção do local todas as garantias para bem desempenhar seus afazeres. Só que isso também pode levar tempo, e isso quer dizer que, pelos próximos meses, podemos esquecer o autódromo de Brasília.
            Resta esperar que uma solução se apresente, e permita a restauração, reforma e reabertura do circuito. O problema é que o histórico brasileiro nesse sentido já não é dos melhores. Temos a Confederação Brasileira de Automobilismo que praticamente nada faz para ajudar a manter e/ou preservar as pistas nacionais, e se formos lembrar o que aconteceu com a pista de Jacarepaguá, no Rio de Janeiro, podemos muito bem começar a rezar para que o mesmo destino não aconteça com a pista de Brasília. Aliás, perder os dois autódromos teria uma coincidência bizarra: ambas as pistas tinham/tem o nome do tricampeão de Fórmula 1 Nélson Piquet. Seria macumba de algum desafeto de nosso primeiro tricampeão?
            Teria sido muito mais produtivo se a Bandeirantes tivesse continuado firme com os compromissos da Indy. Muito provavelmente a corrida em São Paulo continuaria firme (estava melhorando a cada ano, e não apenas em estrutura, mas em público e negócios firmados), e a emissora não precisaria estar nessa saia justa agora, mesmo tendo se metido nela por livre e espontânea vontade. E depois ainda tem gente que questiona a FIM e a Dorna por terem riscado o Brasil do mapa do calendário da MotoGP quando lhes propuseram sediar novamente uma corrida. Os europeus resolveram não cair na conversa de nossas autoridades, no que fizeram muito bem...
            Depois dessa, não dá para reclamar de enfrentar o descrédito que nosso país tem no exterior. Merecemos isso. Estamos queimando o filme mesmo, e com muita categoria... Algo que infelizmente não dá nenhum prazer...
            E a julgar pelos resultados das últimas eleições, parece que dificilmente o brasileiro irá aprender a lição para não se queimar de novo...

Como deveria ficar o autódromo reformado.

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