E a prova da IRL no Brasil este ano dançou... |
Semana
passada, o assunto mais discutido nos meios automobilísticos nacionais foi a
notícia do cancelamento da etapa brasileira da Indy Racing League, que deveria
abrir o campeonato de 2015, e seria realizado no dia 8 de março, no autódromo
Nélson Piquet, em Brasília, no Distrito Federal. Cancelado de forma unilateral
pela Terracap, empresa do governo do Distrito Federal, após denúncias do
Ministério Público do Distrito Federal, das irregularidades do "contrato"
firmado pelo governador Agnelo Queiroz no ano passado com a Rede Bandeirantes,
a situação pegou muita gente de surpresa, uma vez que, mesmo com as denúncias
que já haviam surgido em novembro do ano passado, e que tinham provocado até a
suspensão da licitação, as obras no circuito continuaram com a promessa de
sanar as pendências da licitação, os ingressos começaram a ser vendidos, e a
Bandeirantes começou a mostrar quase que diariamente em seus telejornais
matérias do campeonato, sempre lembrando que no início de março a Indy
aterrissaria no Brasil.
Aos
trancos e barrancos, tudo indicava que a corrida seria mesmo realizada. As
obras, em que pese serem apenas parciais, com a entrega apenas das estruturas
necessárias para a realização da corrida, como recapeamento do traçado e
construção das áreas de escape, entre alguns outros detalhes, seguiam
relativamente firme, e quando da suspensão dos trabalhos, pelo cancelamento
informado pela Terracap, cerca de 60% das obras estavam concluídas. O resto da
reforma do autódromo ficaria para depois. E, além da promoção que a
Bandeirantes fazia do evento, a cervejaria Petrópolis, dona da marca Itaipava,
havia acabado de assinar contrato para ser a patrocinadora master da corrida.
Foi tudo para o brejo.
Até Vitor Meira se empenhou na promoção da corrida em Brasília, mas as irregularidades cometidas colocaram tudo a perder... |
Pegos
de surpresa, Bandeirantes e a Indycar tentaram buscar soluções. Enquanto a
emissora paulista batia cabeça sobre o episódio, a direção da categoria
americana chegou a sondar a pista de Goiânia para receber a etapa, mas o
governo do Estado não topou a empreitada, o que motivou a direção da IRL a
cancelar em definitivo a corrida, depois de cogitar transformar a etapa inicial
em São Petesburgo em rodada dupla, ou até realizar mais uma prova no Estado do
Texas, no Circuito das Américas, em Austin. E o Brasil, de novo, fica com o
filme queimado com esta situação, mostrando que realmente não é um país sério,
como afirmou um grande estadista inglês que até hoje é venerado como um dos
chefes de Estado mais competentes e íntegros dos tempos modernos.
Erros
e impropérios vieram de todas as partes envolvidas no acordo para a realização
da corrida brasileira da Indy Racing League. A começar pela TV Bandeirantes,
que no segundo semestre de 2013, teria resolvido, segundo conversas internas,
desistir de transmitir a competição de monopostos dos Estados Unidos. Claro que
isso nunca foi falado oficialmente, mas a emissora estava mesmo a fim de pular
fora, alegando prejuízos com a operação da Indy em nosso país, que envolvia
também a etapa brasileira da competição, realizada em São Paulo, em um circuito
urbano montado ao redor do Sambódromo, na região do Anhembi. Mas havia
contratos a serem respeitados, que obrigavam a emissora a manter a transmissão
do campeonato, bem como a realização da etapa brasileira até o fim da década. E
contratos firmes e bem feitos. E os americanos gostam de ver seus contratos
serem cumpridos. A emissora paulista bem que tentou dar o "jeitinho
brasileiro" para se safar, mas a direção da Indycar prometeu jogar pesado,
e levar o caso à justiça americana, onde a Bandeirantes certamente se daria mal.
A emissora teve de voltar atrás: continuou transmitindo a competição, mas até
que isso se acertasse, a etapa brasileira já tinha ido para o brejo. Era
preciso arrumar uma corrida em outro lugar, mesmo que para 2015. E depois de
algumas opções estudadas, eis que surgiu Brasília.
Teoricamente,
nada contra. Uma prova na capital do Brasil, em um circuito que, devidamente
reformado, teria todas as condições de sediar a corrida, e fazer nosso país
ficar bem na fita novamente. Até aí, vá lá, desde que tudo fosse feito
corretamente. Mas, estamos no Brasil, lembram? Aqui parece que fazer tudo fora
dos eixos parece ser a norma, especialmente no trato com governos e autoridades
públicas. Agnelo Queiroz, governador do Distrito Federal, logo abraçou a idéia,
prometendo mundos e fundos para a realização da corrida. Só esqueceu de avisar
que na prática, não haviam nem mundos e muito menos fundos para isso: a
administração Queiroz no DF literalmente quebrou as finanças públicas, e só para
se ter uma idéia do caos financeiro, a grande maioria dos servidores públicos
de Brasília está sem receber salários, e muitos serviços essenciais estão
funcionando muito mal ou simplesmente parados. Embora essa situação caótica
tenha ficado muito mais visível agora, Brasília já andava mal das pernas quando
o anúncio da corrida foi feito. Com sua administração levando o DF à
bancarrota, e com a popularidade em baixa, certamente Agnelo Queiroz tencionava
capitalizar politicamente com a corrida da Indy na capital, uma vez que ele
tentava a reeleição, nem que fosse preciso terminar de quebrar o que ainda
estivesse de pé. Uma irresponsabilidade total. Mas, do jeito que nossos
políticos se comportam ultimamente, qual a novidade nisso? Temos um governo
federal que, se não quebrou o país, certamente o conduziu à estagnação e
recessão econômica, além de produzir o maior escândalo de um país democrático
em todos os tempos em uma companhia de petróleo que deveria ser o orgulho
nacional...
Para
piorar tudo, no Termo de Compromisso inicial entre o governo do DF e a
Bandeirantes, conforme levantado pelo Ministério Público do Distrito Federal,
descobriu-se que o acordo assinado não obedecia a uma série de requisitos
legais imprescindíveis. Não havia data de publicação, assinatura de
testemunhas, nem publicação em Diário Oficial, como manda o figurino. E depois,
quando surgiu finalmente o contrato, havia até cláusulas aberrantes nele, como
sobre a possibilidade de rescisão do contrato, admitida "até" 365
dias antes da realização da corrida, ou seja, um ano antes, só que em um
contrato firmado SEIS meses antes da realização da corrida, em setembro de
2014, ou seja, meio ano antes da prova. Entre outras esquisitices, também
constava uma outra cláusula onde não se prevê multa nenhuma à Terracap ou ao DF,
no caso de cancelamento da corrida. E olhem só: a Bandeirantes, segundo também
informa o parecer do Ministério Público, foi quem se comprometeu com a direção
da Indycar a ter de pagar uma multa de cerca de 80 milhões de reais no caso da
não realização da prova.
Fosse
um contrato devidamente firmado, com todos os requisitos e formalidades legais
necessárias, poderia ser classificado de uma atitude leviana e sem noção dos
envolvidos, mas com tamanhas atrocidades no texto, chega a ser de uma
irresponsabilidade atroz a Bandeirantes ter firmado um contrato nestas
condições. Será que ninguém na emissora se preocupou com a possibilidade de
tudo ir pelo ralo, ou foram tomados de assalto por um otimismo exacerbado, a
ponto de ignorarem a realidade das coisas? A situação no DF, já extremamente
complicada à época, deveria ser mais um sinal de que estavam embarcando em uma
canoa cheia de furos. Se sabiam de tudo o que acontecia, resolveram pagar para
ver, e agora realmente poderão se arrepender da decisão tomada. As credenciais
de Queiroz não lhe davam credibilidade nenhuma. Ou foi uma burrice tremenda, ou
uma tentativa de ganhar uma boa bolada por fora, e faturar com mais uma obra
"a toque de caixa" da corrupção que permeia construções deste tipo.
Aliás,
qual não foi a surpresa quando se viu também que o custo das obras de reforma
do autódromo, previstas em cerca de R$ 98 milhões, de repente
"saltaram" para a casa dos mais de R$ 310 milhões. A explicação
"oficial" é de que as obras precisaram ser
"redimensionadas". Tá, finjo que acredito nisso, porque se for
verdade, só quer dizer que outra irregularidade foi cometida: iniciaram uma
obra sem um projeto a ser seguido, o que vai contra todos os ditames do bom
senso de quem deve zelar pelo uso correto dos recursos disponíveis, ainda mais
públicos, além de ser crime. Imagino que é assim mesmo nas várias outras obras
em andamento pelo nosso pobre país, em especial das refinarias da Petrobrás,
cujos custos multiplicaram-se exponencialmente devido a "ajustes" e
outros termos técnicos que costumam surgir como justificativas nestes momentos
tentando explicar o que não tem explicação.
O
novo governador do Distrito Federal, Rodrigo Rollemberg, a princípio teria
mantido todo o apoio do governo à realização da corrida. Mas isso teria sido
antes de tomar conhecimento das reais condições legais do contrato, se não
estava realmente a par da situação, ou somente após receber a notificação do
Ministério Público, recomendando o cancelamento do mesmo e das obras, sob
ameaça de serem tomadas as medidas cabíveis para isso em nível judicial, o que
poderia tornar a situação do novo governador mais complicada do que já está.
Nem é preciso dizer que, em novembro e dezembro, mais precisamente após a
eleição que Rollemberg ganhou para ser o novo governador, a situação do DF
piorou a olhos vistos. Comenta-se que, frustrado por não ter conseguido se
reeleger, Agnelo Queiroz teria terminado de afundar Brasília ainda mais do que
já estava, numa retaliação mesquinha e atroz contra toda a população, a fim de
se vingar daqueles que não o reelegeram. Verdade ou não, o fato é que o
Ministério Público do DF está movendo ação de improbidade contra o
ex-governador, a fim de responsabilizá-lo pela crise orçamentária que o
Distrito Federal atravessa. E este contrato da corrida da Indy é apenas mais um
dos inúmeros atos irregulares praticados em sua gestão.
Tendo
ou não mudado de idéia por conveniência política, Rollemberg tomou a atitude
mais correta: cancelou as obras, e com isso, a corrida se foi. Claro, ajudou o
fato das cláusulas darem chance da Terracap e do Distrito Federal poderem
cancelar tudo sem sofrerem consequências por isso também, mas com as finanças
públicas arrasadas, há prioridades muito maiores do que a realização da corrida,
e com as irregularidades do contrato firmado, foi fácil também se livrar da
encrenca. O que ainda seria gasto para viabilizar a corrida agora poderá ser
utilizado para tentar sanar a grave crise financeira que o setor público da
capital federal enfrenta. O buraco deixado por Queiroz, contudo, é tão grande e
amplo que mesmo essa economia advinda do cancelamento da corrida não
significará muita coisa. Mas é um começo.
Infelizmente
ficaram as sequelas deste imbroglio: a imagem de nosso país novamente vai a
pique no exterior, e nem é preciso dizer que a direção da Indycar ficou
extremamente chateada com esta situação. Uma chateação que vai render muita dor
de cabeça para a Bandeirantes, que já está tentando chegar a um acordo para se
livrar da enorme multa pelo cancelamento da corrida, que cai justamente em seu
colo, para não falar da devolução do dinheiro dos ingressos já vendidos, que
prometeu para breve. Muitos afirmam que, depois deste episódio, dificilmente
nosso país voltará a sediar uma corrida da Indy Racing League. Será?
Convenhamos, a direção da Indycar, depois do rolo com a Bandeirantes querendo
largar tudo em 2013 e início de 2014, devia ter mantido um acompanhamento muito
mais estrito e severo sobre o desenrolar destas negociações para se achar uma
nova sede para a etapa brasileira, ou foram também muito ingênuos e otimistas
com relação a tudo o que se passou. Só que, se lembrarmos que, nos últimos
anos, a direção da Indycar também vem metendo os pés pelas mãos em vários
assuntos, tomando decisões meio a torto e a direito, creio que não deveria
sentir tanta surpresa com a falta de tato e excesso de confiança demonstrados
nesta situação. E ainda temos, além da questão da devolução dos ingressos, o
cancelamento de viagens e estadias de todos que já haviam se programado para
isso, fossem torcedores, fossem profissionais que viriam para acompanhar e/ou
trabalhar na corrida, para não falar dos transportes de todos os times da
categoria, com vários materiais já sendo encaminhados para cá. Desfazer tudo agora
deve dar uma tremenda satisfação de ter entrado num grande conto do vigário...
O
pior de tudo agora é como fica o autódromo da capital federal. A estrutura já
existente foi demolida para as reformas, de modo que agora só restou a pista.
Será preciso reconstruir tudo. Só que isso vai custar dinheiro, e o governo do
DF no momento não tem idéia praticamente do que fazer primeiro para sanar a
situação caótica das finanças. As etapas planejadas da Fórmula Truck e da Stock
Car certamente também serão canceladas. Uma saída seria fazer uma parceria com
a iniciativa privada para recuperarem o autódromo, e em troca, dar a concessão
de explorar o local por um determinado período. Mas precisaria ser uma
concessão com total transparência, dando a quem investir na recuperação e
manutenção do local todas as garantias para bem desempenhar seus afazeres. Só
que isso também pode levar tempo, e isso quer dizer que, pelos próximos meses,
podemos esquecer o autódromo de Brasília.
Resta
esperar que uma solução se apresente, e permita a restauração, reforma e
reabertura do circuito. O problema é que o histórico brasileiro nesse sentido
já não é dos melhores. Temos a Confederação Brasileira de Automobilismo que
praticamente nada faz para ajudar a manter e/ou preservar as pistas nacionais,
e se formos lembrar o que aconteceu com a pista de Jacarepaguá, no Rio de
Janeiro, podemos muito bem começar a rezar para que o mesmo destino não
aconteça com a pista de Brasília. Aliás, perder os dois autódromos teria uma
coincidência bizarra: ambas as pistas tinham/tem o nome do tricampeão de
Fórmula 1 Nélson Piquet. Seria macumba de algum desafeto de nosso primeiro
tricampeão?
Teria
sido muito mais produtivo se a Bandeirantes tivesse continuado firme com os
compromissos da Indy. Muito provavelmente a corrida em São Paulo continuaria
firme (estava melhorando a cada ano, e não apenas em estrutura, mas em público
e negócios firmados), e a emissora não precisaria estar nessa saia justa agora,
mesmo tendo se metido nela por livre e espontânea vontade. E depois ainda tem
gente que questiona a FIM e a Dorna por terem riscado o Brasil do mapa do
calendário da MotoGP quando lhes propuseram sediar novamente uma corrida. Os
europeus resolveram não cair na conversa de nossas autoridades, no que fizeram muito
bem...
Depois
dessa, não dá para reclamar de enfrentar o descrédito que nosso país tem no
exterior. Merecemos isso. Estamos queimando o filme mesmo, e com muita
categoria... Algo que infelizmente não dá nenhum prazer...
E
a julgar pelos resultados das últimas eleições, parece que dificilmente o
brasileiro irá aprender a lição para não se queimar de novo...
Como deveria ficar o autódromo reformado. |
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