sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

COMEÇO COMPLICADO


Até os treinos de ontem, a retomada parceria McLaren/Honda não mostrou a que veio. Quebras sucessivas na unidade de potência japonesa frustraram todo o planejamento da pré-temporada.

            Anunciado há quase dois anos, o acordo do retorno da Honda à F-1, de onde havia saído ao fim de 2008, por causa da crise econômica mundial, e ainda por cima, voltando a firmar parceria com a McLaren para fornecimento de motores, foi muito festejado pelos fãs e pela imprensa especializada. Depois de ficar reduzida a apenas 3 fornecedores de motores com a saída da Cosworth, era um sinal de que a categoria máxima do automobilismo voltava a ser atrativa para outros grupos, apesar da recusa, à época, da Audi em participar do certame, preferindo manter suas atenções no Mundial de Endurance.
            Há mais de 20 anos atrás, McLaren e Honda firmaram uma parceria extremamente bem-sucedida e vitoriosa. A marca japonesa forneceu motores para a escuderia inglesa nas temporadas de 1988 a 1992, e só não conquistou o título justamente no último ano, quando foi batida pela Renault, que havia usurpado dos japoneses o título de melhor motor da categoria, e no mesmo ano, o modelo MP4/7 produzido pela McLaren não esteve à altura do esplendoroso chassi FW14 do time de Frank Williams, campeão naquele ano. Foram 4 títulos consecutivos tanto de pilotos quanto de construtores: Ayrton Senna em 1988, 1990, e 1991; e Alain Prost (1989). Os títulos de 1988 e 1989 foram de grande supremacia, a ponto de em 1988 só terem perdido uma corrida por Ayrton Senna ter sido abalroado em Monza pelo retardatário Jean-Louis Schlesser quando ia tomar uma volta do piloto da McLaren, vencendo 15 de 16 provas no ano. Em 1989, a supremacia foi menor, mas ainda tremendamente dominante, com 10 vitórias em 16 corridas. Nos anos seguintes, a conquista foi mais difícil: foram 6 vitórias de Senna contra 5 de Prost, agora correndo pela Ferrari; em 1991, Senna venceu de novo, conquistando 7 vitórias, e a McLaren faturando 8 corridas, com mais um triunfo de Gerhard Berger, frente a uma Williams que já assustava a concorrência com seu potencial de crescimento. Em 1992, foram apenas 5 vitórias, 3 de Senna e 2 de Berger, incapazes de enfrentar os rivais da Williams.
Em 1986 a Honda iniciaria seu domínio esmagador na F-1 até 1991. Mas a Williams acabou perdendo o título de 86 para Alain Prost.
            Isso eclipsou o período áureo da parceria da Honda com a Williams, para quem os japoneses forneceram motores de 1984 a 1987, mas que apenas nos anos de 1986 e 1987 mostrou realmente a que veio, com a Williams a ser quase imbatível com seu excelente modelo FW11 e sua dupla de pilotos Nigel Mansell e Nélson Piquet. Se a briga entre os pilotos permitiu a Prost roubar-lhes o título de pilotos em 86, no ano seguinte Piquet não deu chances para o azar, conquistando o seu tricampeonato. A aura de vencedora da Honda suplantava amplamente os períodos, poucos, de insucessos obtidos até então. Mesmo assim, a saída da fábrica, em 1992, dava um nítido ar de quem tinha perdido a parada e não queria correr para perder de adversários mais fortes, no caso, a Renault.
            A expectativa pela retomada da parceria McLaren/Honda começou a ser vista por muitos como o "renascimento" da McLaren, que passou os dois últimos anos sem disputar vitórias ou poles, e muito menos títulos. E, entrando um ano depois de todos os outros fabricantes, não foram poucas as vozes que afirmaram que os japoneses iriam se beneficiar das conquistas desenvolvidas pelos concorrentes, aplicando os conhecimentos obtidos em seu projeto para o time inglês. Não é segredo que, desde que o novo acordo foi firmado, Mercedes e McLaren começaram a não falar mais a mesma língua, e no ano passado, todas as vezes que era necessário mexer na nova unidade de potência alemã instalada nos carros de Ron Dennis, os técnicos da Mercedes tentavam sempre evitar "intromissões" não apenas dos mecânicos da McLaren, mas de todos os outros presentes nos boxes, para evitar que estes "espiassem" os detalhes de seu equipamento. O clima que um dia imperou na escuderia, que desde 1995 utilizava os motores alemães, já não era mais o mesmo de antigamente.
No seu primeiro ano de parceria com a McLaren, a concorrência foi destroçada sem dó nem piedade, com o time inglês a vencer 15 das 16 corridas da temporada.
            Mas os japoneses iriam enfrentar várias dificuldades no desenvolvimento das novas tecnologias híbridas de força que compõe as novas unidades de potência usadas atualmente pela F-1. E no ano passado mesmo já surgiram os primeiros indícios de que os nipônicos estavam bem atrasados em seu cronograma. Mas, diante do retrospecto da marca na categoria, todos imaginavam que, se não retornasse já com potencial de vencer corridas, poderia pelo menos levar a McLaren a disputar novamente o pódio. Poucos acreditavam que os problemas no cronograma de desenvolvimento dos motores e sistemas ERS pudessem transformar o retorno da Honda em um pesadelo, mesmo que inicialmente. Mas o risco existia, e fica mais gritante quando se vê que o primeiro teste de pista do novo propulsor foi apenas em Abu Dhabi, no fim do ano passado, logo após o encerramento do campeonato, equipando o modelo MP4/29 da temporada passada.
            O teste foi um fiasco, com o carro mal conseguindo sair dos boxes. Mas prometiam que os problemas eram esperados, e seriam sanados para a pré-temporada. Bem, já estamos no meio da última sessão coletiva de testes da pré-temporada, e a praticamente 14 dias da entrada oficial dos carros na pista de Melbourne, na Austrália, para o início do campeonato de 2015, e até agora, a McLaren foi o carro que menos andou até aqui, não tendo enfrentado problemas de monta em nenhum dia. Nesta quinta-feira, no reinício dos testes em Barcelona, Jenson Button deu apenas poucas voltas, houve um problema, mais um, na unidade de potência, e o time perdeu todo o resto do dia. Por mais que a escuderia viva afirmando que a natureza dos problemas é conhecida e que está sendo resolvida, é preciso encarar a realidade: a retomada parceria McLaren/Honda está tendo um começo conturbado. Vai ser preciso muita paciência e trabalho para colocar as coisas no eixo.
            Com a unidade de potência sofrendo problemas crônicos quase o tempo todo, não dá nem para avaliar se o novo MP4/30 é um bom carro. Só houve um dia em que se pode andar direito, e nele Fernando Alonso até fez um tempo competitivo, dando a entender que o carro pode mesmo apresentar bom potencial, até porque naquele dia a unidade de potência, por falta de uma peça, estava com sua força limitada, o que ajudava a criar mais expectativa. Mas os problemas voltaram a jogar todo o planejamento pela janela, com a escuderia não conseguindo treinar o mínimo necessário para fazer uma avaliação correta do que tem à mão. Há quem diga que o time inglês vai se arrastar pela pista neste início de temporada.
            Eu seria mais otimista: no ano passado, a Red Bull encrencou durante praticamente toda a pré-temporada, pelos problemas tanto no carro quanto na nova unidade de potência da Renault. Mas não é que, na etapa de abertura, na Austrália, o carro andou bem, e Daniel Ricciardo até subiu ao pódio, antes de ser desclassificado? E a Red Bull ainda foi a única equipe a vencer corridas em 2014 além da Mercedes. Podem ter sido vitórias circunstanciais, em virtude da supremacia da Mercedes, mas o time foi o vice-campeão do ano passado, o que não é exatamente algo a ser desconsiderado. Isso não quer dizer que a McLaren vai repetir o feito, mas que pode muito bem começar o ano melhor do que os testes até aqui indicam. Mas a base da Red Bull, que vinha de 4 campeonatos consecutivos, indicava que a base do modelo RB11 não era ruim, e o time conseguiu trabalhar adequadamente para desenvolvê-la, e é nesse ponto que as dúvidas pairam sobre a capacidade da McLaren de reagir tão rapidamente: o time de Ron Dennis vem de dois campeonatos abaixo das expectativas, e o novo modelo MP4/30 praticamente radicalizou nas soluções utilizadas, o que deve dar ainda mais trabalho para ser acertado.
            Mas, conforme já falei acima, os inúmeros percalços na unidade de força da Honda não estão permitindo que a escuderia consiga trabalhar no carro adequadamente, e como sua base é nova, sem aproveitar quase nada dos modelos anteriores, não dá para garantir se o carro realmente é bom ou não, pelo menos no que se viu até aqui. E a Honda ainda perdeu a chance de fazer o desenvolvimento de seu novo propulsor na pista. O regulamento permitia que a Honda testasse sem problemas, desde que usasse um chassi de 2012. Isso não foi feito, e pode-se dizer que a marca nipônica cometeu um erro crasso de planejamento ao não usar essa permissão do regulamento. É claro que podem não ter usado pelo atraso no desenvolvimento do projeto, que só finalizou os motores no fim do ano passado, mas a regra já era conhecida em 2013, estipulando que os testes teriam de ser feitos em um modelo com dois anos de defasagem em relação os carros atuais. Mesmo com as diferenças técnicas em relação ao resto do carro, poderiam ser feitos inúmeros treinos que certamente dariam boa quilometragem ao sistema e evitariam o vexame que Honda e McLaren estão passando neste momento. Como esta coluna foi fechada nesta quinta-feira, quando Jenson Button mais uma vez ficou mais tempo nos boxes do que na pista, devido a mais um problema na unidade de potência, resta a esperança de que nestes últimos 3 dias de testes que restam a coisa engrene, e a McLaren possa enfim mostrar um pouco do que será mesmo capaz se o equipamento não quebrar. Todos mantêm firme a esperança.
Em 2008, último ano de participação na F-1, a Honda foi um fiasco: o carro era ruim, e o motor não ajudava em nada.
            É preciso lembrar também que a Honda não teve uma participação relevante em seus últimos anos na F-1. De 2006 a 2008, quando atuou com equipe completa, construindo carro e motor, só em 2006 teve resultados mais satisfatórios, inclusive com uma vitória, de Jenson Button, na Hungria. O motor V-8 2,4 litros concebido e utilizado naquelas temporadas também não era um representante à altura dos excelentes motores desenvolvidos pela marca entre 1986 e 1991. O planejamento da Honda também não era mais o mesmo quanto ao desenvolvimento de seus motores. Em 1988, por exemplo, enquanto o campeonato se desenrolava no último ano dos motores turbo, a Honda produziu e testou sua nova unidade V-10 aspirada, que seria usada a partir de 1989, usando um chassi MP4/4 adaptado ao novo propulsor, durante vários meses, em testes conduzidos pelo italiano Emanuelle Pirro na pista de Suzuka, no Japão. E no ano seguinte, fez miséria em cima da concorrência. Eles podiam ter repetido a tática no ano passado com um carro McLaren de 2012...
            Deixando os problemas da Honda um pouco de lado, a McLaren também teve seus problemas mais particulares: Fernando Alonso sofreu um estranho acidente no último domingo, nos testes de Barcelona, tendo que ficar internado no hospital por alguns dias, e embora já tenha recebido alta e ido para casa, o time preferiu poupá-lo da última sessão coletiva de testes, escalando o reserva Kevin Magnussem. O acidente do espanhol ficou mal explicado, e começaram a surgir todo tipo de teorias, mencionando inclusive que o piloto teria desmaiado por causa de um choque do sistema ERS. A McLaren, claro, tratou de desmentir todas as histórias imaginadas, atribuindo o acidente a um vento que teria desequilibrado o carro... Seja lá o que aconteceu, é mais sarna para o time se coçar, lembrando que a escuderia de Woking continua quase sem patrocinadores até aqui, mostrando que a situação anda feia no que tange a obter interessados em investir no grupo, por mais que Ron Dennis afirme que dinheiro não é problema...no momento. É certo que a Honda está dando um bom aporte financeiro pela parceria de time oficial, mas não deixa de ser um sinal preocupante que ainda não tenha novos patrocinadores na área.
            O que se espera é que esse seja um ano de rearrumação da casa em Woking, sem maiores pretensões tanto para a escuderia quanto para seus pilotos, e para a própria Honda, que vai ter de suar muito para honrar a memória de seu passado vitorioso da parceria McLren/Honda na F-1. Se Alonso já imaginava que 2015 seria um ano complicado, pelo que andou até aqui, é bom esquecer quaisquer chances de sucesso nesta temporada. A prioridade agora é não fazer feio este ano. Não é impossível que o time dê a volta por cima, mas bons resultados só devem ser esperados a partir do ano que vem. Se surgirem já neste ano, será um tremendo lucro, e algo muito bem-vindo para a categoria.
            Aguardemos, pois...e nunca uma grande dose da tão famosa paciência oriental foi tão necessária...resta saber se o lado europeu vai ter a mesma disciplina, se os resultados não aparecerem...


Reginaldo Leme e toda a equipe de criação do Anuário Automotor Esporte.
E acaba de ser lançado a mais nova edição do AUTOMOTOR ESPORTE, o anuário editado por Reginaldo Leme, cobrindo praticamente tudo o que de mais relevante ocorreu no mundo do automobilismo em 2014. A edição 2014/2015 foi lançada oficialmente nesta última terça-feira, em um encontro com os fãs e sessão de autógrafos no Shopping JK, mais precisamente na Livraria da Vila, no segundo andar, onde Reginaldo recebeu todos com um grande sorriso e simpatia, ao lado dos profissionais que participaram da concepção do livro, como Flávio Gomes, que escreve os textos da principal sessão do livro, sobre a F-1, e com direito a visitas ilustres como Bird Clemente e Luciano Burti. É a 23ª edição do anuário, que começou a ser lançado no fim de 1992, cobrindo a temporada automobilística daquele ano. E de lá para cá o livro só veio crescendo, tanto em vendas quanto no número de categorias abordadas. E esta edição é mais uma vitória para Reginaldo, que praticamente concluiu a obra durante seu período de internação hospitalar em dezembro do ano passado, quando teve um problema de saúde que o obrigou a passar muitos dias internado se tratando, mas nunca deixando de trabalhar, mesmo na cama, com seu notebook. Felizmente, Reginaldo se recuperou e está mais do que pronto para encarar mais uma temporada acompanhando não apenas a Fórmula 1, mas a Stock Car e outros certames do mundo do esporte a motor.

Nenhum comentário: