sexta-feira, 31 de outubro de 2014

3 CARROS: PROBLEMA OU SOLUÇÃO?


Até o fim dos anos 1970, alguns times chegaram a competir com mais de 2 carros na F-1. A BRM, em 1973, por exemplo, competiu regularmente com 3 carros durante todo o campeonato. Outros tempos na categoria...

            Apesar de estar presenciando uma disputa ferrenha pelo título da temporada entre os pilotos da equipe Mercedes, Lewis Hamilton e Nico Rosberg, onde o time praticamente domina a temporada de cabo a rabo, a Fórmula vai terminar o ano com um problema que só tende a se agravar: perda de carros no grid. Caterham e Marussia conseguiram uma dispensa para não participarem das etapas dos Estados Unidos e do Brasil, devido às suas delicadas situações financeiras, o que deixará o grid com apenas 18 carros. Em teoria, devem estar de volta em Abu Dhabi, mas não acredito nisso. E muito menos para 2015. Os torcedores que se acostumem com o menor grid da categoria máxima do automobilismo...
            Em 2005, a equipe BAR foi punida por uma irregularidade em seus carros e suspensa por duas corridas, o que deixou o grid à epoca com apenas 18 carros nestas duas etapas. E ainda posso citar o Grande Prêmio dos Estados Unidos daquela temporada, onde os carros equipados com pneus da Michelin tiveram problemas de durabilidade dos compostos e não participaram da corrida, que teve apenas 6 carros. Foram, contudo, situações excepcionais, o que não é o caso agora. Hoje, quando os carros entrarem na pista, serão apenas 18 pilotos, daqui de Austin, até o fim do ano, em Yas Marina, em Abu Dhabi. E a situação pode se agravar...
            Se a situação dos times "nanicos" nunca foi fácil, agora até os times médios estão em situação financeira complicada. A próxima "vítima" pode ser a Sauber, que vem tendo sua pior temporada desde que estreou na F-1, e não conseguiu sequer pontuar este ano. Com poucos patrocínios, a maior parte deles proveniente da presença do mexicano Esteban Gutiérrez, que é apoiado pelo magnata Carlos Slim, a escuderia suíça pode acabar sendo a próxima a desaparecer, o que deixaria o grid com apenas 16 carros. Outros times que estão no aperto são Lotus e Force India, embora estes afirmem que já estão garantidos no campeonato do próximo ano.
            Com a diminuição para menos de 20 carros, Bernie Ecclestone terá problemas, pois seu contrato da FOM com a FIA e promotores dos GPs garante um mínimo de 20 monopostos regulares no grid. Para este ano, em virtude da excepcionalidade, sem problemas. Mas, se em 2015 apontarem apenas 18 carros, a condição não cumprida poderia dar causa de rescisão de contrato. E isso teria condições catastróficas para o cartola, que poderia perder completamente o controle da F-1. E uma das possibilidades para se voltar a encher o grid seria os times grandes adotarem um terceiro carro no grid. Essa possibilidade, aliás, já consta das condições do atual Pacto de Concórdia, acordo que regula os deveres, direitos e obrigações dos times para com a organização da F-1, que diz que os times "grandes" poderão ser obrigados a alinhar um terceiro carro caso o número de competidores baixe a menos de 20 carros por grid.
            Se, por exemplo, Mercedes, Red Bull, Ferrari e McLaren disponibilizarem um carro extra, voltaríamos a ter 22 carros, número que atenderia à cláusula de participação. Para os torcedores, seria interessante ver os carros dos times maiores competirem com 3 pilotos. Não é uma situação inédita na categoria: a própria Mercedes, quando estreou na F-1 em 1954, já alinhou 3 pilotos no grid em tempo integral. Só a partir dos anos 1980 as escuderias ficaram limitadas a alinhar no máximo 2 carros, e havia times que só alinhavam 1 carro, por suas limitações financeiras. Para os torcedores, mais vale ter 3 carros de uma Mercedes disputando a corrida do que ver times como Marussia e Caterham se arrastando pela pista. Pela mesma ótica de Ecclestone, times menores são um "estorvo" e, em palavras mais fortes, "um bando de aventureiros que só denigre a imagem da categoria". Há tempos Bernie não nutre a menor simpatia pelos times menores, que na sua opinião só estão na F-1 para arrancar dinheiro das cotas de TV que são distribuídas. A situação é mais complexa do que isto.
            Não nego que gostaria de ver os times terem liberdade para competir com 3 carros. Mas isso deveria ser uma opção deles, não uma imposição para apenas comporem o grid a fim de livrarem a cara da FOM. Por mais que seja interessante para a torcida, sua implantação não é vista com bons olhos pelas próprias escuderias, e tal medida pode também ajudar a complicar a própria imagem da F-1 como um todo, além de poder gerar outros abandonos.
            Há toda uma estrutura dentro das escuderias destinada a garantir o suporte de um carro. Engenheiros, mecânicos, auxiliares, um determinado número de pessoas cuja função é prestar o apoio e desenvolvimento. Os times alegam que o custo de introdução e manutenção do terceiro carro seria superior a 30 milhões de euros, e sua implementação levaria pelo menos 6 meses, para planejar e coordenar todo o empreendimento, de modo que todos os 3 bólidos tivessem condições iguais de performance e suporte. Com o campeonato de 2015 iniciando-se em março de 2015, já teremos menos de 5 meses para tal procedimento. Obrigar os times a alinharem um terceiro carro agora certamente iria complicar todo o seu cronograma. Conseguir colocar um carro a mais eles conseguem, mas nada garante que possam dar de início todo o suporte e desenvolvimento adequado. E isso poderia comprometer também o desenvolvimento dos tradicionais 2 carros. Colocar ainda mais gente para apressar todo o procedimento geraria mais custos, e mesmo quem tem orçamento sem limitações não anda interessado em ver os custos aumentarem ainda mais.
            Outro problema a ser gerado com o terceiro carro é que este novo bólido aumentaria a presença na escuderia na pista, diminuindo a chance de um concorrente. Imaginemos que a Mercedes coloque 3 carros e estes seus pilotos façam uma trinca em uma corrida? Eles praticamente monopolizariam o pódio. Na competição de construtores, teriam 1/3 mais chances de pontuar, e com isso, desnivelar ainda mais a competição. Atualmente, são 10 pilotos a marcarem pontos. Mas por muito tempo, apenas os 6 primeiros marcavam. Se ainda fosse assim, imaginem um time ocupar metade dos lugares pontuáveis, e outro time ocupar os outros 3 restantes. Todos os demais ficariam a ver navios. Nos velho tempos, uma vez que os carros quebravam muito, havia certa alternância em quem pontuava pois sempre haviam quebras. Nos dias atuais, com as regras de durabilidade dos sistemas, corridas onde não há nenhum ou quase nenhum abandono passaram a ser comuns, de modo que carros mais lentos não têm mais chances de conseguirem algum bom resultado apostando na confiabilidade maior de seus carros sobre os mais rápidos.
            Se colocarmos 3 carros para Mercedes, Ferrari, Red Bull, e McLaren, imaginemos a possibilidade deles monopolizarem as 12 primeiras posições ao final de uma corrida. Certo, hoje a Williams está melhor do que a McLaren, mas como suas finanças atuais não são as mesmas destes quatro times citados, eles teriam muito mais dificuldades de alinhar um terceiro carro, mas se o pudessem fazer, as chances de abocanharem as 15 primeiras posições seria imensa. E o que fariam os demais times, impossibilitados de encarar esta competição desnivelada? Pontuar seria impossível, e ainda só levando os times que colocassem 3 carros, Williams inclusa, pelo menos 5 deles estariam fadados a não pontuar. A disputa do campeonato de construtores criaria uma distorção que deixaria os times com apenas 2 carros totalmente sem chances de competir com os demais. E como as premiações que mais interessam aos times é a dada pela sua posição final no campeonato, os times de 3 carros abocanhariam todos os maiores prêmios, deixando a equipes de 2 carros à míngua com os prêmios menores.
            Fala-se em que este terceiro carro, caso implantado, não teria direito a contar pontos para o campeonato de construtores. Se é uma medida para equilibrar a competição com quem normalmente só compete com 2 carros, qual o interesse das escuderias então em colocar o 3° carro, se não puderem capitalizar com ele? Os custos continuariam, e sem lucro para pô-los na pista, qual a compensação para o gasto de mantê-los? Outro detalhe interessante a ser levantado: imaginando que os times concordem com o 3° carro contando apenas pontos para o mundial de pilotos, ele seria fixo ou "rotativo"? Se fixo, desde o início, e por todo o campeonato, um piloto já não contaria pontos para o mundial de construtores do time. Mas, e se acaso justamente esse piloto for o que obtiver os melhores resultados do time? Seria um desperdício e tanto para a escuderia. Tentem imaginar a Red Bull deste ano com Daniel Ricciado, Sebastian Vettel, e Mark Webber, e supondo que Daniel tivesse o desempenho que mostrou e, como "novato" do time, ficar de fora da pontuação de construtores? O prejuízo da Red Bull na competição seria grande. E, se o carro de um time a não marcar pontos fosse "rotativo", determinado assim como aquele que terminar na pior colocação em uma corrida? Talvez fosse mais justo, mas depende do ponto de vista. Se ele terminar numa posição pontuável, os pontos de sua posição passam para quem vem a seguir? Ou a colocação fica "sem pontos" de construtores para ninguém, uma espécie de "carro fantasma"? De um jeito ou outro, todos estes detalhes terão de ser regulados explicitamente pelo regulamento, e já posso afirmar de antemão que não vai dar para agradar a todos: sempre alguém irá reclamar da posição adotada, seja ela a mais justa ou não.
            E a disputa na pista? Como ficaria? Imaginemos a Mercedes, como está este ano, disputando o título com seus 3 pilotos? Se com dois, ela já está tendo problemas para gerenciar o ego e os atritos causados pela competição, imaginemos se ainda tivesse outro piloto no mesmo nível, e batalhando também pelo título? Poderia ser o máximo, não? Um massacre generalizado da concorrência, para desespero destes. Para quem acompanha as disputas de fora da pista, seria muito legal, e a chance de se assistir a duelos pra lá de renhidos e emocionantes. Mas também há o reverso da história: com o jogo de equipe liberado, o que impediria um time de ter o seu "eleito", e fazer com que seus outros dois pilotos ficassem na pista apenas "bloqueando" os adversários, como Eddie Irvinne tinha como obrigação primordial fazer quando era parceiro de Michael Schumacher na Ferrari nos anos de 1996 a 1999? Isso seria prejudicial à competição, no sentido de que haveria dois pilotos na pista alijados da luta por melhores posições, mesmo que tivessem talento inferior ao do piloto principal. Imaginem Fernando Alonso na Ferrari tendo como escudeiros Felipe Massa e Rubens Barrichello, só para exemplificar...apenas o espanhol colheria bons resultados, em tese, ficando seus companheiros de equipe com as sobras, mesmo quando tivessem condições plenas de andar à sua frente, pela política tacanha que o time italiano gosta de seguir. E ter dois pilotos na pista apenas para comboiar o principal não ajudaria na imagem de competição da categoria. O público quer é disputa na pista, não conduções burocratas. Saber que em um time dois de seus 3 pilotos correm sob ordens só ajudaria a trazer descrédito. Imaginem se os 5 times citados acima estipulassem tal conduta? Dos 15 pilotos, apenas 5 dariam as cartas, sobrando os restantes 10 para resolver o assunto entre eles.
            Outro detalhe importante a ser considerado: com 3 carros na pista ao invés de 2, o custo dos patrocínios subiria, pela evidente necessidade de se manter um carro a mais. Todos os patrocinadores concordariam com os valores mais altos? Tem quem toparia, outros, entretanto, não aceitariam pagar mais, seja por não poderem, ou, mesmo podendo, não concordarem com a imposição, acreditando já estarem gastando o suficiente. E, com a economia mundial ainda devagar, patrocinadores andam escassos, e quem sentir que a conta está muito alta, vai procurar lugares mais baratos e com melhor relação custo-benefício para investir. E essa relação custo-benefício também pode prejudicar os times da F-1 que continuarem com 2 carros. Com os times grandes concentrando mais pilotos, obviamente a TV vai se concentrar cada vez mais neles, enquanto os demais times, à medida que forem perdendo exposição, tenderão a perder também patrocinadores, ou a não conseguir deles cobrar os mesmos valores de antes.
            Com menos valor de patrocínio, estes times tenderão a perder condições de manterem a estrutura ideal de competição, perdendo profissionais para times maiores, ou sem poderem investir o necessário para desenvolver seus carros. E, com menos performance, a chance de ficarem para trás na classificação de construtores renderá menos premiação ao fim da temporada, com os times grandes de 3 carros monopolizando os melhores prêmios. Poderá chegar um momento onde os patrocinadores, cientes de que os times de dois carros não dão condições de boa exposição de suas marcas, abandonarão estas escuderias, migrando para os times grandes, aumentando ainda mais a concentração de patrocínios em poucas equipes. E, sem patrocínios e condições de competição, estes times tenderão a fechar ou migrar para outros certames. Seria um golpe fatal para a atratividade da F-1.
            Muitos podem dizer que é melhor vários carros de times de ponta do que ver carros pequenos ou médios competindo, mas, conforme já falei acima, isso é muito mais complicado do que se imagina. Se os times que ficarem restritos a 2 carros saírem ou fecharem, imaginemos a F-1 com apenas 5 escuderias: tendo 3 carros cada um, o grid teria apenas 15 carros. O que a categoria faria então para encher o grid novamente? Forçar os times a terem 4 carros? Seria o caminho lógico, mas se competir com 3 carros já será difícil, colocar 4 carros ficará ainda mais complicado. E não vale dizer que há categorias como a Indy Racing League, onde o time da Andretti Autosport compete há anos com 4 carros e 4 pilotos em tempo integral, e onde a Penske correu este ano com 3 pilotos, e em 2015 correrá também com 4 carros e pilotos. As condições dos campeonatos são diferentes. Na IRL todos os times correm com o mesmo tipo de equipamento, chassi Dallara e pneus da Firestone. Há apenas duas opções de motor, Honda e Chevrolet. Cada time desenvolve o seu carro, é verdade, mas os custos são bem menores e há uma série de restrições, visando manter a competitividade da categoria dentro de parâmetros menos desnivelados. Tais condições não se encontram na F-1, infelizmente, para se adotar o mesmo tipo de exigência de competição com tantos carros em uma mesma escuderia.
            Mesmo nos velhos tempos, em que houve times competindo até com 4 carros na F-1, os tempos eram outros. Os custos eram infinitamente menores do que os de hoje, e mesmo assim, não era prática tão corriqueira como se pensa. Apenas um ou outro time, como por exemplo Ferrari, Lotus, BRM, ou outro, chegavam a fazer este tipo de procedimento, e ainda assim, muitos não competiam a tempo integral com tantos carros durante todo o campeonato. E se naquela época, onde as exigências de competição eram mais acessíveis, não faziam isso todo o tempo, nos dias de hoje, com os custos estratosféricos necessários para se manter uma estrutura de ponta, seria praticamente inviável.
            Outro problema adicional ainda seria escolher qual time teria a obrigação de colocar um terceiro carro. A expressão time "grande" poderia ser entendida de mais de uma maneira: se aqueles mais bem colocados no campeonato, ou aqueles dotados de maior estrutura. Mas quem garante que, mesmo tendo condições, as escuderias queiram colocar mais um carro na pista? O fariam a contragosto, certamente, o que só prejudicaria as condições de competição deste terceiro carro. A Williams faz um excelente campeonato, e possui uma excelente estrutura em sua sede, em Grove, mas dispõe de orçamento para bancar mais um carro? O time ainda passou por vários campeonatos de poucos resultados, e seus patrocínios, se são bons neste ano, não podem ser extrapolados apenas para colocar mais um carro. E mesmo a McLaren, que possui uma sede de fazer inveja em Woking, e aparentemente não tem problemas orçamentários com a nova parceria com a Honda, está correndo este ano com seus carros praticamente virgens de patrocínio, que mais cedo ou mais tarde afetariam suas finanças. Dizem que "querer é poder", mas no automobilismo esse ditado não tem força, pois muita gente neste mundo da velocidade "quer", mas "poder" e conseguir, são outros quinhentos...
            A Fórmula 1 tem problemas pela frente, e não a simples exigência de alguns times colocarem um terceiro carro que eles serão resolvidos. Voltarei a esse assunto nas próximas colunas...

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