sexta-feira, 10 de outubro de 2014

PONTOS A SE CONSIDERAR



Suzuka: O violento impacto a mais de 200 Km/h na traseira do trator arrancou toda a parte superior da Marussia de Jules Bianchi. Estado do piloto é grave, com possibilidade de recuperação nula, de acordo com o estado apresentado.

            "O show tem de continuar", diz o popular ditado. Por isso, a Fórmula 1 inicia hoje os treinos livres no mais novo Grande Prêmio do seu calendário, o da Rússia. Um velho sonho acalentado há pelo menos 25 anos, que agora se torna realidade, em um momento particularmente complicado em termos políticos, dada a ingerência que Vladimir Putin, o mais novo candidato a czar da história, vem promovendo nos últimos meses, tumultuando a vida do país vizinho, a Ucrânia. E, novamente, para calar quem discorda, Bernie Ecclestone volta a afirmar, do alto de sua prepotência, que a F-1 está em Sochi para correr, não para discutir política... Para quem não se compadeceu da África do Sul em pleno regime do apartheid a pleno, oprimindo a imensa maioria negra de sua população, isso não chega a ser novidade...
            Mas isso não é o pior. Ainda estamos sofrendo os efeitos de Suzuka. O violento acidente que vitimou Jules Bianchi, da pequena equipe Marussia, deixou todo mundo transtornado. Não fossem os compromissos de se dirigir para a próxima etapa, muitos teriam ficado ainda no Japão. Mas não seria prático. Quem poderia fazer algo mais por Bianchi do que os médicos do hospital para onde foi levado? Para as escuderias, já estava sendo complicado a logística de embalar todos os equipamentos e vir para a Rússia, GP marcado apenas uma semana depois da etapa japonesa. E ninguém estava muito animado para dar andamento aos serviços depois do fim da prova nipônica. Mas o mundo tem de continuar girando...e cá estamos em Sochi, para dar continuidade ao campeonato.
            As conversas durante a semana sobre o ocorrido em Suzuka me lembraram a comoção da morte de Ayrton Senna. Todos tentando achar uma razão para o ocorrido, achar falhas, e principalmente, culpados. Alguns falam em fatalidade, uma vez que o esporte a motor é, por essência, uma atividade perigosa, onde nunca é possível eliminar todos os riscos que podem ocorrer. Fico um pouco com ambos: fatalidade, e erros que se juntaram para causar o acidente.
            No que tange a erros, vi muitos condenando a corrida sob chuva. Impraticável, insegura, irresponsável. Estava errado disputar a corrida naquelas condições? Deveria ter sido antecipada? Na minha opinião, corrida na chuva não é nenhum bicho de sete cabeças. Corre-se e pronto. Mas, claro, certas precauções devem ser tomadas. Para quem está do lado de fora, e principalmente assistindo pela TV, é o máximo acompanhar uma corrida debaixo da chuva. Para quem está lá dentro, pilotando os carros, é outra história.
            Começar a corrida mais cedo no domingo seria praticamente trocar o seis pelo meia dúzia. As condições climáticas em Suzuka nunca estiveram ideais durante todo o dia, e há de se lembrar que quando a corrida foi recomeçada, após meia hora de atraso, as condições de pista melhoraram bastante, a ponto de os pilotos trocarem os pneus de chuva pelos compostos intermediários. Isso não aconteceria se as condições continuassem ruins. Da mesma forma, condenar a direção da prova por não interromper a corrida ou colocar o safety car quando a chuva voltou com força é exagerar um pouco. A decisão é tomada com base no panorama da corrida, e embora a chuva de fato tenha ficado mais forte, poucos pilotos trocaram seus pneus intermediários para os de chuva forte. Assim, como a maioria dos pilotos não havia trocado seus pneus, a direção de prova avaliava que as condições de corrida ainda eram viáveis naquelas condições. Acuso os pilotos? Depende. Se eles, que estão conduzindo seus carros, sentem que não há necessidade premente de trocar os pneus, é porque a pista ainda oferece condições. Os pilotos são profissionais altamente qualificados, e não jogariam a sua prova pelo ralo competindo com os pneus errados. Ou então todo mundo teria de avaliar equivocadamente as condições da pista, e aí as opiniões se dividem. Felipe Massa chegou a declarar que a prova nipônica foi a pior de sua vida e que as últimas voltas já eram "impraticáveis". Já Lewis Hamilton afirmava que as condições ainda eram favoráveis à disputa. Massa nunca foi entusiasmado por correr no molhado, e Hamilton nunca se intimida na pista, então...
Boa parte da corrida japonesa ocorreu com chuva moderada: pilotos usaram os pneus intermediários na maior parte do tempo.
            Começar a corrida mais cedo, entretanto, daria aos pilotos mais luz natural para poderem enxergar melhor naquelas condições, e neste ponto, o erro é da FIA e da FOM, em colocar as corridas do Oriente mais tarde, a fim de oferecer um horário de exibição mais atrativo na Europa pela TV. Assim, as corridas da Austrália, Malásia e Japão passaram a ter realizadas mais próximas do fim da tarde. No caso da Malásia, então, erro dos mais crassos, pois o clima equatorial de Sepang torna as chuvas mais previsíveis do que marcar cesta em jogos da NBA. Mas, em alguns aspectos, Bernie Ecclestone simplesmente não aceita negativas. Ou você concorda com ele, ou está fora... Começar as corridas nos velhos horários de antigamente, sempre às 14 horas locais, não é garantia de solução, mas um problema a menos para se lidar. E quanto menos problemas, melhor...
            A atitude da FOM, simplesmente não mostrando o vídeo da batida de Bianchi foi uma atitude cretina na minha opinião. Todo mundo precisava saber que algo acontecera. Quando o carro de segurança e uma ambulância entraram na pista, ninguém entendeu direito a razão. Tínhamos visto Adrian Sutil bater na curva Dunlop, mas estaria o alemão tão machucado com uma pancada leve como aquela exibida? Depois, uma nova imagem, mostrando os estragos no carro de Bianchi, e todo mundo alvoroçado. As posições e ângulos de imagem exibidos deixavam todo mundo perdido: "que diabos aconteceu para o carro de Bianchi se enfiar ali daquele jeito?" era o pensamento de todos no paddock e sala de imprensa, além do público telespectador. Só sabia-se que a coisa tinha sido feia. Apenas no dia seguinte, e graças ao vídeo de um expectador, já que a FOM até agora disse que não libera as suas imagens, pudemos entender o que ocorrera, e verificar melhor a gravidade do acidente. A imagem do carro com o santantônio totalmente arrancado já dava idéia da gravidade, mas as imagens da batida esclareceram sua dinâmica. E pode-se considerar que pela velocidade do impacto, foi sorte ninguém mais ter sido ferido ou morto naquele local.
            Aliás, o impacto do santantônio na traseira do trator foi o que impediu Bianchi de bater no guard-rail interno, que separa aquele ponto do outro trecho do circuito, logo após a veloz curva 130R. Seria outro impacto fortíssimo, uma vez que o bólido estava a pouco mais de 200 Km/h. Talvez ele sofresse menos ferimentos, por ser uma colisão diferente, mesmo quase frontal. Não dá para saber com certeza.
            O trator não deveria estar ali? Pode ser. As condições de fato eram ruins, mas como o pessoal continuava em sua maioria com pneus intermediários, se presumia que a pista não estava tão ruim quanto se afirma. Mesmo assim, os fiscais foram ágeis em retirar o carro acidentado de Sutil. Estavam recolhendo-se para trás do guard-rail quando o trator foi atingido por Bianchi. Eles sabiam que era arriscado estar ali, e não estavam perdendo tempo. E, se as condições de pista no trecho estavam ruins, cabia uma sinalização adequada, bem como a atitude prudente por parte do piloto.
            Neste caso, a situação é complicada. No ponto antes da curva Dunlop, os fiscais deveriam exibir bandeiras amarelas duplas, sinal de problema sério à frente. É um procedimento padrão, e os pilotos sabem que no trecho à frente precisam tomar cuidado sério. Pode-se ver nas imagens da batida um fiscal agitando uma bandeira verde. Ele está situado depois do local, e a bandeira, embora próxima da operação de retirada, refere-se ao trecho seguinte da pista, onde de fato nada havia de errado, e os pilotos podiam ficar mais tranquilos. Nestes trechos sob bandeira amarela, os pilotos devem reduzir a velocidade, por precaução, mas como a redução não é um dado fixo (tipo, metade da velocidade normal), essa desaceleração fica por conta de cada piloto. E aí, a culpa pode recair sobre a própria vítima, no caso, Jules. Alertado pelas bandeiras amarelas, ele teria ignorado o aviso e mantido a aceleração quase sem aliviar, naquelas condições? Se o fez, acabou se dando mal. É apenas uma hipótese. Em caso negativo, alguma porção de água na pista, em volume anormal no trecho, pode ter provocado a aquaplanagem que vitimou tanto Sutil quanto o piloto da Marussia. Mas eles tiveram o azar que todos os demais pilotos na prova não tiveram, pois foram os únicos a rodar naquele trecho. Mesmo assim, a redução de velocidade no trecho sinalizado, dadas as condições, se fazia maior do que o habitual.
            O que fazer para se tentar evitar este tipo de situação, então? Alguns defendem a entrada firme do Safety Car se um trator tiver de entrar para remover algum carro. Dependendo do ponto, é uma idéia que não pode ser ignorada. Por outro lado, a FIA faria um bom favor se tivesse uma postura mais homogênea de seus procedimentos de segurança, sendo em alguns momentos zelosa ao extremo, enquanto em outros é praticamente inerte. Na Alemanha, deveria ter entrado o Safety Car para dar segurança à remoção do carro do mesmo Adrian Sutil em plena reta dos boxes, ainda que fora da trajetória ideal dos carros. Em outros momentos, qualquer encostadinha que os pilotos dão nos outros na prova já é motivo para punições... Eles precisam se decidir de uma vez. Charlie Whiting tem experiência de sobra para avaliar as situações, ou pelo menos, a grande maioria, e determinar de forma ágil e rápida o que deve ser feito, ou seus subordinados devem saber.
            Estabelecer regras mais objetivas para a atitude dos pilotos em trechos sob bandeira amarela viriam a calhar. Se os carros passam por ali a 200 Km/h, em caso de haver bandeira amarela, determine-se que atinjam no máximo a metade da velocidade usual, com uma pequena margem de tolerância. E quem não obedecer, que estabeleçam a punição mais recomendável. Adaptar os tratores com estruturas antiimpacto é algo a ser estudado, bem como suas substituições por gruas, onde for plenamente viável e possível. Tudo precisa ser analisado.
            Sobre as corridas disputadas na chuva, há um outro ponto que defendo que obrigatoriamente deveria ser adotado: mudança nas regras do parque fechado. Hoje, após o final da classificação, todos os carros vão para um recinto onde não podem mais sofrer mudanças em seu ajuste para a corrida. Assim, caso as condições mudem, os times e pilotos terão de contar com o carro por vezes em comportamento não ideal. Tentando se precaver, os acertos tentam atender todos os parâmetros, em um meio-termo que, dependendo da situação, pode nunca ser ideal. Se os carros sofrem alguma violação ou mudança, seus pilotos sofrem punições, desde perda de posições no grid ou até mesmo ter de largar dos boxes. Em caso de corrida na chuva, quando os treinos e ajustes tiverem sido feitos no seco, isso precisa mudar.
            Antigamente, e isso quando a FIA não era tão zelosa com a segurança quanto é hoje, em caso dos treinos do fim de semana terem sido feitos unicamente com tempo seco, e a corrida ser em pista molhada, havia um treino extra de 15 minutos após o warm-up, se este também tivesse sido em piso seco, onde os times podiam mudar os ajustes de seus carros para condições de chuva. O warm-up era o treino final, realizado nas manhãs dos GPs, onde os times faziam os acertos definitivos para a corrida. Com a regra do parque fechado, ele deixou de existir, pela proibição de se mudar o ajuste dos carros. Hoje, a única coisa que os times podem fazer é simplesmente adotarem os pneus de chuva, mas dependendo do ajuste praticado na qualificação, o carro pode não ter o  desempenho ou estabilidade mais adequadas. O ajuste para molhado envolve amolecer as suspensões, elevar o nível do assoalho, aumentar a angulação das asas dianteiras e traseiras, alongar a relação de marchas, e redistribuir os pesos e equilíbrio dos freios, entre outros ajustes.
            Para permitir que os carros possam fazer a mudança dos acertos de seco para molhado, deveria voltar a velha regra que autorizava o treino extra de 15 minutos, e deixar os times modificarem seus bólidos. É verdade que, com os ajustes otimizados para a pista molhada, os carros poderiam ser até mais velozes na chuva, mas ao mesmo tempo, tendo mais equilíbrio e estabilidade, poderiam oferecer aos pilotos melhores condições de controle do bólido do que os ajustes "de compromisso" que são forçados a adotar hoje em dia. Não os impediria de rodar, mas as condições de pista precisariam ser piores para forçar a perda do controle do carro.
            Quanto à "carenar" os cockpits dos bólidos, é uma idéia que embora desperte defensores por sua perspectiva óbvia de oferecer maior segurança ao piloto, isso não é algo garantido. Pode proteger contra alguns tipos de acidentes, mas pode ser inútil em muitos outros, senão até piorar a situação. No caso do acidente de Bianchi, este tipo de proteção muito provavelmente poderia tornar o acidente ainda mais grave, com possibilidade até de arrancar a cabeça do piloto. E, dependendo de como se dá o impacto, dependendo do tipo de acidente, o piloto poderia ficar preso dentro do carro, ou nos destroços da proteção, colocando sua vida em risco ao invés de protegê-la. Isso também leva a outro ponto que muitos podem achar polêmico, que seria a "perda" da identidade visual da F-1. Quem quiser ver provas de carros cobertos tem a opção da Endurance, cujos protótipos da categoria LMP1 são praticamente F-1 com coberturas. Existe também a questão da exposição ao risco, e muitos argumentam que, se os pilotos tiverem proteção em excesso, o que os faria serem "especiais"? Nélson Piquet já dizia que o automobilismo é um esporte perigoso, e que "se você não quiser correr riscos, que fique em casa".
            Este assunto ainda vai dar muito o que falar e discutir. Por hora, é desejar que Bianchi possa se recuperar para no mínimo ter um vida "normal", o que seria a maior vitória de sua vida no momento. O "piloto" Bianchi já "morreu". Torçamos por sua recuperação. Força, Jules!
Toyota TS040 do Mundial de Endurance: protótipo da classe LMP1 é praticamente um monoposto com cobertura. Abaixo, perspectiva artística de como ficaria um carro de F-1 com cockpit coberto.
 

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