sexta-feira, 17 de outubro de 2014

E A ESTRELA BRILHA...



Com a dobradinha no GP da Rússia, a equipe Mercedes garantiu o título de construtores da Fórmula 1 de 2014. Agora é ver qual de seus pilotos, Lewis Hamilton ou Nico Rosberg, será o campeão...

            Fim de papo! O que todo mundo já sabia desde a primeira corrida da Fórmula 1 este ano, na Austrália, aconteceu domingo passado, em Sochi, onde foi realizado o primeiro GP russo da categoria: a Mercedes é a campeã de construtores de 2014. Desde o passeio que se imaginava que os carros prateados iriam dar, com o monopólio da primeira fila do grid no Albert Park, em Melbourne, todo mundo sabia que o título deste ano já tinha dono certo. Só não se sabia em que ponto da temporada a fatura seria encerrada. A conta foi fechada matematicamente com 3 corridas de antecedência, sendo que a última ainda tem a malfadada pontuação dobrada.
            A grosso modo, até que demorou para acontecer. Pelo ritmo que o modelo W05 mostrou nas mãos de Nico Rosberg e Lewis Hamilton, todo mundo achava que o título estaria garantido ainda na fase européia. Mas alguns abandonos e problemas, ainda que ocasionais, ajudaram a levar a disputa alguns GPs adiante. Pontos importantes foram perdidos com os abandonos de Hamilton em Melbourne, no Canadá, e em Spa-Francorchamps. Da mesma maneira, Rosberg ter ficado a pé em Silverstone e Cingapura também contribuiu para prolongar a disputa. E por problemas próprios ou alheios, deixaram de ganhar 3 corridas, todas vencidas pela Red Bull, time que, pelo andar de seu carro na pré-temporada, ninguém apostaria que chegaria a tanto. Mas até que foi bom para dar algum alento à temporada, e não permitir que apenas o duelo renhido entre Rosberg e Hamilton ficasse como único chamariz do campeonato.
            Hamilton resumiu tudo ao vencer domingo passado, em Sochi: "Estamos fazendo história!" E é uma história mais longa do que muita gente imagina. Uma história que, só contando a F-1, teve início em 1954, no GP da França, disputado naquele ano em Reims-Gueux. O time alemão, que impressionava pela aparência prateada de seus carros, estreava na categoria máxima do automobilismo tendo a maior estrela da época ao volante de seus carros: Juan Manuel Fangio. O argentino, campeão do mundo em 1951, só perdia em prestígio para Alberto Ascari, bicampeão em 1952 e 1953. Fangio começou o campeonato competindo pela italiana Maserati, mas mudou-se para o estreante time alemão, depois de apenas 2 provas naquele ano, ambas vencidas por ele (Indianápolis é listada como a segunda corrida do campeonato, mas isso era para "inglês ver", já que ninguém realmente disputava a Indy500, apenas os americanos). E a estrela argentina mostrou a que veio, vencendo logo na sua estréia pelo time alemão, depois de largar na pole-position. A excelência do modelo W196 produzido pelos alemães não deixou dúvidas quando Fangio venceu ainda 3 corridas consecutivas, na Alemanha, Suíça, e Itália. Foi o seu primeiro título de pilotos, e Fangio chegava ao bicampeonato. Como o campeonato tinha 9 corridas (8 de fato, tirando Indianápolis), a estreante alemã venceu praticamente metade das corridas do seu ano de estréia. A Mercedes só não foi campeã de construtores porque este campeonato só seria instituído a partir de 1958 na categoria.
A estréia da Mercedes na F-1: GP da França de 1954, em Reims. Fangio (18) largava na pole, seguido de seu companheiro Karl Kling (20). O terceiro carro da Mercedes estava na segunda fila (22), com Hans Herrmann. Dobradinha logo na primeira corrida.
            Assim, da mesma maneira, em 1955, apesar de ser novamente campeã com Juan Manuel Fangio, a marca das "flechas de prata" não conheceu o título de equipe. Mas exerceu um domínio ainda mais forte do que o do ano anterior: das 7 corridas do campeonato (6 tirando Indy500), a esquadra germânica venceu 5 provas, sendo 4 vitórias de Fangio, e 1 de Stirling Moss. O resultado era o tricampeonato do piloto argentino, e Moss conquistaria o seu primeiro vice-campeonato. Tudo parecia indicar que o caminho da Mercedes seria de glórias sem fim, mas um violento acidente ocorrido nas 24 Horas de Le Mans daquele ano, onde morreram vários expectadores, provocaria reações que afetariam o mundo do automobilismo.
            Pierre Levegh competia pela Mercedes na prova daquele ano, e após ser atingido pelo carro de Lance Macklin, que por sua vez precisou desviar-se rapidamente do carro de Mike Hawthorn, acabou tendo seu carro catapultado por sobre uma barreira, colidindo com um impacto fortíssimo, onde pedaços de seu carro voaram na direção da multidão, causando não só sua morte mas também a de mais de 80 expectadores. Transtornada com o ocorrido, a Mercedes resolveu abandonar as competições, e assim, ao fim da temporada de 1955, as flechas de prata entrariam para a história da F-1, teoricamente para nunca mais voltar. Outra consequência do violento acidente foi a Suíça ter decretado uma lei proibindo corridas automobilísticas em seu território, que vale até hoje. Nunca mais houve um GP na Suíça, seja de F-1, ou de qualquer outra categoria.
Em 1993, o retorno à F-1, com a Sauber. O motor, contudo, ainda usava o nome da Ilmor. Mas já no ano seguinte, em 1994, o nome Mercedes estava oficialmente de volta à categoria, com seus motores equipando a escuderia do parceiro Peter Sauber (abaixo).
            Mas, décadas depois, houve o retorno. Ocorreu em 1993, quando o parceiro da marca alemã no Mundial de Sporte-Protótipos, Peter Sauber, resolveu competir na F-1. A temporada daquele ano não mostrou o logo da estrela de três pontas, e o motor usava o nome da empresa que fabricava os propulsores, a Ilmor Engineering. Em 1994, porém, a Mercedes estava de volta à categoria, oficialmente, como fornecedora de motores, equipando os carros de Peter Sauber. A parceria durou até 1995.
            Em 1996, a Mercedes iniciaria sua longa parceria com a McLaren, e os primeiros resultados viriam no ano seguinte, com David Couthard a obter a primeira vitória da marca alemã no GP da Austrália, agora como fornecedora de motores. Ao fim da temporada, a parceria renderia mais duas vitórias. Mas o melhor ainda estava por vir: em 1998, os carros de Ron Dennis, que desde 1997 já ostentavam as cores prateadas que no passado identificavam os carros alemães, seriam campeões, e a Mercedes voltaria a ter um título de pilotos, e seu primeiro de construtores. Mas, é bom frisar, como fornecedora de motores, parceira da McLaren. Um novo título viria em 1999, de pilotos, com Mika Hakkinem, que conquistou o bicampeonato, mas a Ferrari levaria o título de construtores. A partir dali, o sucesso dos motores germânicos teria mais baixos do que altos.
Em 1998, com seus motores equipando a McLaren, primeiro título de pilotos e construtores.
            Em parte, devido ao período de supremacia da Ferrari, que ganhou quase tudo de 2000 a 2004. Em 2005, quem brilhou foi a Renault, repetindo a dose em 2006. A Mercedes, em sua parceria com a McLaren, seria apenas vice em 2003 e 2005. Quando tudo parecia se encaixar para uma nova conquista, em 2007, a guerra fraticida entre os pilotos da McLaren, Lewis Hamilton e Fernando Alonso, acabou por entregar o título de pilotos à Ferrari, e o mundial de construtores da McLaren acabou arruinado pelo escândalo de espionagem dos projetos da Ferrari copiados pelo time inglês. Em 2008, a McLaren/Mercedes seria novamente campeã de pilotos, com Lewis Hamilton, mas o título de construtores ficou com a Ferrari.
            Em 2009, aconteceu o assombro da Brawn GP. Montada sobre o time da Honda, abandonado pela fábrica japonesa ao fim de 2008 devido à crise econômica mundial, e conduzido com maestria por Ross Brawn, o carro foi adaptado ao motor Mercedes, e o que era inacreditável acabou acontecendo: foram campeões de pilotos e construtores. O feito chamou a atenção da Mercedes, que indo na direção contrária das demais montadoras - BMW e Toyota abandonariam a F-1, seguindo o exemplo da Honda, resolveu adquirir o time de Ross Brawn, e iniciar um longo projeto de reestruturação para ser campeã novamente com uma equipe própria. O sinal estava dado, e os alemães mostravam que a iniciativa era séria.
Brawn GP: Utilizando motores Mercedes, seria campeã em 2009. Ao fim da temporada, time foi comprado e transformado no time oficial da fábrica alemã.
            Michael Schumacher, que teve seu início de carreira bancado pela fábrica da estrela de três pontas, retornou de sua aposentadoria, para ajudar a montar o novo time campeão. É verdade que as primeiras temporadas, de 2010 a 2012, foram mais complicadas do que muitos imaginavam, com resultados apenas medianos, e com o time parecendo não conseguir evoluir além de certo ponto. Mas, nos bastidores, a montagem de uma nova estrutura técnica seguia adiante, num trabalho lento e progressivo. Era preciso ter apenas paciência, e apesar de alguns momentos turbulentos, a direção da fábrica deu o crédito que a equipe precisava para encaixar todas as suas peças em seus devidos lugares.
            No ano passado, era hora de dar vôos mais altos. Schumacher partira para sua aposentadoria definitiva, e para seu lugar veio Lewis Hamilton. Com a chegada também de novos profissionais, como Aldo Costa, e Paddy Lowe, a equipe pareceu finalmente encontrar o caminho do sucesso, obtendo enfim vitórias mais frequentes, ao contrário do triunfo isolado de Nico Rosberg em 2012 no GP da China, visto mais como algo fortuito, apesar de também ter conquistado naquela prova a pole-position. Foram as primeiras pole e vitória da Mercedes como equipe desde o triunfo de Juan Manuel Fangio na prova da Itália de 1955, em Monza. O ano de 2012 ainda seria de reinado da Red Bull, mas a chegada de Hamilton, a partir de 2013, todos sabiam, era uma aposta alta. Até mesmo eu achava que Lewis estava indo para o time errado, afinal, nos 3 anos anteriores, o melhor time da Mercedes ainda era a McLaren, e com larga vantagem sobre a própria equipe oficial da Mercedes. Como o panorama iria se inverter?
            Logicamente, eu estava errado, assim como muitos outros. A Mercedes enfim cresceu, e foi a McLaren que também decaiu. Enfim, a Mercedes estava brilhando com seu time de fábrica, e não com os parceiros aos quais fornecia motores. Era um novo panorama. O modelo W04 era muito rápido, mas sofria de um problema: desgastava demais os pneus, de modo que ao longo das corridas, perdia performance frente a carros mais equilibrados e que penalizavam menos seus compostos de borracha. Desse modo, apesar de conquistarem nada menos do que 8 pole-positions, foram apenas 3 vitórias - duas de Nico Rosberg, e 1 de Lewis Hamilton. Só não foi possível fazer mais porque Sebastian Vettel e a Red Bull massacraram a concorrência nas 9 provas finais do campeonato, deixando todos na sobra. Mesmo assim, a Mercedes encerrou o ano com o vice-campeonato de construtores. Para 2014, com novos regulamentos técnicos tanto na concepção dos carros como nos motores a serem utilizados pela F-1, uma nova era se iniciaria.
            Depois dos últimos anos utilizando motores V-8 com desenvolvimento congelado, a categoria passaria a utilizar unidades turbo, como nos velhos tempos, aliadas a novos sistemas de recuperação de energia muito mais sofisticados e avançados do que os utilizados nos anos anteriores, a ponto de os motores agora serem definidos como unidades de força. E foi justamente a Mercedes quem fez o melhor trabalho de todos, apresentando um conjunto que é, disparado, o melhor de todo o grid, suplantando com folga as unidades apresentadas pelas rivais Ferrari e Renault. Nem é preciso dizer que os concorrentes perdem não apenas em potência bruta no propulsor turbo, mas também tiveram seus problemas de confiabilidade nos sistemas do novo ERS. Não que a Mercedes também não tinha tido alguns problemas, mas no caso das unidades alemãs, estes percalços foram poucos, o que não se pode dizer das outras marcas, em especial da Renault, que foi a que teve mais problemas entre todos os fabricantes, e ainda pena com o déficit de potência à disposição para seus usuários.
            Mas de nada adiantaria ter o melhor conjunto motor/Ers do grid se não tivesse um bom carro. O exemplo da McLaren está aí para quem quiser ver. Mesmo dispondo dos melhores motores do grid, o time de Ron Dennis ainda corria o risco, até o GP russo, de ser o pior time da marca alemã no campeonato em termos de resultados, numa disputa direta com a Force India. E a Williams, que tem um dos melhores carros da temporada, ocupa a 3ª colocação, mas com menos da metade da pontuação acumulada até o momento pelo time de fábrica de Stuttgart. Não, o modelo W05 é disparado o melhor carro do grid, tendo sido corrigido todos os pontos deficientes do modelo W04, e mantido sua grande velocidade, e ainda aliado a uma dupla de pilotos extremamente forte. Se ninguém duvidava do talento de Lewis Hamilton, Nico Rosberg enfim deu uma prova cabal de sua capacidade como piloto, evoluindo para um nível onde pouco se podia perceber nos últimos anos, devido às comparações com seus companheiros de equipe não serem consideradas confiáveis a pleno.
            Com um conjunto chassi/motor/Ers plenamente testado e desenvolvido, o modelo W05 praticamente dominou em todos os tipos de circuitos da temporada, e não fossem alguns problemas pontuais, seus pilotos teriam facilmente feito dobradinhas em todas as corridas do campeonato, algumas com mais folga do que em outras. Sochi foi um exemplo: apesar de uma ameaça momentânea de Valtteri Bottas na classificação e na parte final da corrida, e do erro crasso de Nico na primeira volta, que o fez cair para último após precisar trocar seus pneus ainda na 2ª volta, ambos os pilotos fizeram mais uma dobradinha sem maiores percalços. Por mais que a concorrência se esforçasse, as atuais flechas de prata estavam inalcansáveis, e poderiam forçar ainda mais o ritmo, se necessário.
Este ano, após 4 anos de espera, o sucesso: domínio do time foi arrasador na F-1.
            Tudo isso culminando no primeiro título de construtores da F-1 como equipe própria. A Mercedes alcançou a primeira meta de seu projeto de vencer na categoria, e está seguindo firme para marcar também o campeonato de pilotos. Não fosse a pontuação dobrada da etapa final, em Abu Dhabi, e o campeonato já estaria restrito unicamente a Hamilton e Rosberg, uma vez que Daniel Ricciardo, da Red Bull, 3° colocado no campeonato, já está 75 pontos atrás de Rosberg, e este, 17 pontos atrás de Hamilton. Mesmo assim, com os 100 pontos em jogo, só um milagre astronômico tirará o título de pilotos da esquadra alemã, o que duvido que aconteça. O ano de 2014 coroa todo o longo processo iniciado em 2010 pela Mercedes para se tornar a rainha da F-1, e ela está fazendo por merecer todo o sucesso que colhe nesta temporada, por ter mantido firme sua persistência em seus objetivos, quando outros simplesmente desistiram da competição. Seu triunfo é mais do que bem-vindo, mesmo com o domínio arrasador no campeonato, e ainda tem seus méritos por deixar a disputa entre seus pilotos livre na pista, ao contrário do que aconteceu com outros times que exerceram domínio na F-1, e tornaram a competição uma lástima, proibindo um de seus pilotos de disputar abertamente as vitórias e o título, fosse essa proibição aberta ou velada, ainda que um deles não fosse exatamente tão talentoso e capaz quanto o companheiro de equipe.
            Eles certamente teriam muito a aprender com o time alemão, que mesmo tendo enfrentado alguns problemas com os atritos que surgiram entre sua dupla de pilotos, conseguiram solucionar a situação, ainda que de forma apenas aparente, como se pode ver pela falta de cumprimentos ou troca de olhares entre Nico e Lewis nos últimos tempos.
            A estrela de três pontas da Mercedes está mais radiante do que nunca, e brilhando como é de seu direito. E este brilho tem tudo para durar por muito e muito tempo...

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