sexta-feira, 4 de julho de 2014

DANEM-SE OS PEQUENOS TIMES...


Caterham e Marussia estão na mira de Bernie Ecclestone. Dirigente não quer ver times pequenos na F-1.

            "Se eles não têm dinheiro, devem fechar as portas. Estou pronto para ver a F-1 com oito equipes e três carros cada. É melhor ver uma terceira Ferrari ou uma Caterham?" A frase, belicosa, é de Bernie Ecclestone, que disparou novamente contra os times "pequenos" presentes na categoria máxima do automobilismo essa semana, ao afirmar categoricamente que eles são dispensáveis e incômodos para o campeonato. Ao mesmo tempo, Tony Fernandes anunciou que vendeu seu time, a Caterham, para um grupo de investidores cujo nome até agora não foi divulgado. Empresário malaio de sucesso, Fernandes simplesmente ficou de saco cheio e pulou fora. Vai cuidar da vida e de outros negócios que dão mais retorno. De um lado, a postura arrogante do chefão da FOM, de outro, a realidade cada vez mais restrita da F-1 como um buraco negro que engole dinheiro a olhos vistos, e sem garantias, com condições cada vez mais restritas de se obter sucesso na categoria.
            Não é de hoje que Ecclestone dispara contra os times pequenos. Escuderias nanicas sempre existiram na história da F-1, mas a situação ficou particularmente difícil a partir de 1998. Pensando em "valorizar" ou simplesmente "elitizar" a categoria, que atraía várias fábricas, resolveram dourar a pílula: estabeleceram um limite de apenas 12 equipes, e quem quisesse entrar na brincadeira, que adquirisse uma já estabelecida. Não é preciso dizer que isso foi um verdadeiro tiro no próprio pé, e incrédulos, viram o limite de escuderias nunca ser atingido. Ao mesmo tempo, as montadoras que iam entrando na categoria elevaram os gastos a níveis impensáveis. Ford, Renault, Honda, Toyota, e BMW, todo mundo se associou a alguém, e turbinaram os gastos. Em tese, não havia mais "pequenos" na F-1. Corrigindo, QUASE não havia mais pequenos: a pequena Minardi foi o último baluarte de resistência dos times pequenos, mesmo tendo mudado de mãos, quando Giancarlo Minardi passou o time a Paul Sttodart, que mesmo tendo planos ousados, nunca conseguiu fazer a pequena escuderia de Faenza decolar. Por fim, revendeu o time para a Red Bull, que a rebatizou de Toro Rosso, elevando seu status, pelo menos, para condição de time médio para a maioria dos padrões da F-1.
            Alguns anos antes, a FIA já havia decidido acabar com o que chamou de "aventureiros" na F-1. A participação tosca e pouco profissional da equipe Andrea Moda foi o estopim do movimento para "barrar" a entrada de novos times. Em 1992, o time fundado por Andrea Sasseti, foi formado pela recém-finada Coloni. Se a situação de competição do time de Enzo Coloni já era ruim, com o novo proprietário decaiu ainda mais. Empresário do ramo de moda e calçados, pode-se dizer que Sasseti não entendia bulhufas de automobilismo, ainda mais de F-1, onde o buraco sempre costuma ser bem mais embaixo. O time passou toda sorte de vexames, com o carro pifando até na hora de sair dos boxes. Amadorismo total. Nesse ínterim, a classificação para o GP de Mônaco daquele ano foi um feito para o time, creditado unicamente ao talento de Roberto Moreno. Mas a corrida foi breve, com apenas 11 voltas até o carro pifar novamente. Por volta do GP da Itália, o time acabou banido da categoria, por, nas palavras da FIA, "denegrir a imagem da categoria". Nem é preciso dizer que, além da falta de condições demonstrada nas pistas, Sasseti ainda foi preso pelo uso de notas fiscais fraudulentas, então...
            Visando evitar isso, a FIA estipulou uma "caução" de entrada na F-1: quem quisesse disputar o campeonato, além do trabalho óbvio de montar um time, teria de depositar uma garantia de aproximadamente US$ 50 milhões, dinheiro que era devolvido no fim do ano, caso o time cumprisse com todas as obrigações pertinentes. Como competir na categoria, fosse em que época fosse, nunca foi barato, esse "pedágio" simplesmente "matou" as chances de gente pouco qualificada adentrar no circo da F-1. Quem teria esse dinheiro sobrando?
            Não há como negar que, em termos lógicos, a fala de Ecclestone tem todo o sentido: a F-1 não é para qualquer um. Até certo ponto, nunca foi, mas na última década e meia, essa realidade atingiu ares extremos. A entrada de Hispania, Virgin e Lotus em 2010 ilustra bem isso. Todos estes times haviam concordado em entrar com condições de limitação orçamentária e de recursos que Max Mosley prometeu, e que infelizmente não conseguiu implantar, muito em parte pelo fato de o corte de gastos ser radical demais. A situação, infelizmente só ficou pior pelo fato de que os critérios de escolha dos novos times terem sido mais políticos do que técnicos: escolheu-se escuderias que, à lista das opções, nunca foram as melhores em termos de condições de montarem estruturas competitivas. O único ponto positivo, se é que se pode afirmar, é que pelo menos todo mundo estava disposto a fazer algo sério. Mas vontade simplesmente não basta para a F-1 atual. Nos velhos tempos, isso era possível, não mais... Só para se ter uma idéia, haveria ainda um quarto time, a USF1, que essa sim revelou-se uma furada, não tendo sequer conseguido construir nada além do bico do carro...
            Para Bernie, não é apenas o fato dos times não terem recursos para competir de maneira decente: ele também não quer é mais gente dividindo o "bolo" de lucros que a F-1 distribui anualmente a seus participantes. Times maiores e mais fortes, em tese, ganham mais, mas reclamam "menos" do que ganham, ao ponto de que para os times pequenos, os prêmios distribuídos são imprescindíveis para sua sobrevivência, e sempre são vozes recorrentes quando as escuderias reclamam uma divisão "mais justa" dos lucros da FOM. E, pelo simples raciocínio matemático, é mais fácil dividir prêmios entre 8 times do que em 11. Para ele, os times pequenos estão na F-1 apenas para abocanhar uma fatia dos lucros da categoria, e não para contribuir para a competição. E a chiadeira que eles causam é inoportuna e incômoda.
Para o chefão da FOM, os times pequenos não tem dinheiro para disputar a F-1 e deveriam simplesmente fechar as portas.
            Para validar o chefão da FOM, a infeliz e dura realidade prevalece. Dos times pequenos, a Hispania foi a que teve o nascimento mais traumático, quando o ex-piloto Adrian Campos precisou "vender" o time que nem havia estreado porque os recursos não existiam. E mesmo com nova administração, o time sempre teve um desempenho capenga. A Manor viraria Virgin antes de sua estréia, e o que era um time de competição egresso de categorias inferiores acabou tendo como sócio um empresário milionário dono de um selo musical e outros negócios. Tony Fernandes, quem tinha muito mais empenho e seriedade na empreitada, tendo até o esforço de ressuscitar o nome "Lotus", acabou envolvido numa disputa picareta movida pela Proton, pelo nome Lotus. Resolveu mudar o nome do time e diversificou suas operações, apostando em outras áreas. Perdeu a paciência com a F-1, cujos gastos não diminuem, e com resultados inglórios. A Virgin virou Marussia, e mesmo tendo conseguido pontuar este ano, ainda vive na corda bamba. A Hispania já faliu, e apesar de contar com um novo proprietário, nada garante que a Caterham, seja lá que nome adotar em 2015, ainda permaneça na categoria. E da mesma maneira, a Marussia também não pode se dar por garantida.
            Pior de tudo isso é a postura de alguns times e pilotos que volta e meia reclamam da presença destes times nanicos na pista, alegando que eles atrapalham seus pilotos por andarem muito lentos. Reclamação anotada. Mas eles se esquecem de que eles também já foram pequenos. E, se fossem seguidos os critérios exigidos atualmente, a grande maioria deles nem conseguiria seguir adiante e existir atualmente. Das escuderias "eleitas" por Bernie na F-1, a mais recente é a Red Bull, que nasceu como Stewart em 1997, sonho do tricampeão Jackie Stewart de competir como time na categoria onde foi um dos maiores vencedores de sua história. Ao fim de 1999, Jackie vendeu o time para a Ford, sua parceira, que a rebatizou de Jaguar. E, em 2004, cansada da falta de resultados, vendeu o time para Diretrich Mateschitz, que a rebatizou de Red Bull. Mas, se a Red Bull é hoje um time de ponta, no nascimento, como Stewart, era um time médio, que teve a chance de se firmar e crescer, até porque naqueles tempos houve oportunidade para isso, oportunidades que atualmente são muito mais escassas e débeis.
            Da mesma maneira, Bruce McLaren e Frank Williams, quando iniciaram suas competições, eram com estruturas pequenas, em outros tempos, é verdade, mas pequenas mesmo para suas épocas. Mas as condições um pouco menos beligerantes daquele tempo permitiu que tivessem chance de seguirem adiante, e se tornarem gigantes da história da F-1. Naquela época, era possível correr com poucos recursos, e com boa administração, gerenciamento, pilotos hábeis, dava para se aproveitar as oportunidades que surgiam para se tornar mais competitivos e maiores. Não era fácil, claro. Aliás, a F-1 nunca foi fácil. Para se ter sucesso, era preciso combinar todos os fatores citados acima, e torcer para dar certo. Hoje em dia, infelizmente, a fórmula, embora seja basicamente a mesma, com exceção do requisito "recursos", parece muito mais difícil de ser cumprida a contento. Sem recursos, não há como progredir, por mais competência que se tenha nas demais áreas. Por outro lado, mesmo quando há recursos, o sucesso não é garantido.
            Antes das nanicas atuais, o último time pequeno havia sido a Super Aguri, time criado pelo ex-piloto Aguri Suzuki para competir na categoria. Estreou em 2006, e enfrentou todo tipo de dificuldades. Chegou até a criar a expectativa de evoluir, tornar-se parte do pelotão intermediário, marcou alguns pontos. Mas, ao final, acabou sucumbindo, especialmente depois de perder o apoio da Honda, com o qual contou nos dois primeiros anos. Havia potencial e seriedade no empenho por parte de seus integrantes. Não bastou para a escuderia sobreviver. A margem de sobrevivência de uma escuderia ficou muito mais restrita do que era antigamente.
            Não é de hoje que Bernie não gosta dos times pequenos. Há vários anos atrás já havia esbravejado que quem não tivesse condições que saísse da F-1, alegando que havia a F-3000 e a F-3 para isso. A dizer que prefere ver apenas 8 times, é óbvio afirmar que, se Caterham e Marussia passarem desta para melhor, ele não irá perder o sono nem por um momento. Em outras palavras, danem-se os pequenos times...
            Isso traz um futuro preocupante para a F-1, pois certamente que Marussia e Caterham podem ter vida curta na  categoria. E a estréia do novo time americano da Hass para 2016 ainda é apenas uma promessa, que pode até nem vingar ainda. E se ficarem apenas 8 times, é preciso lembrar que alguns deles não andam com boa saúde financeira. E se ficarem apenas 7 times, ou 6? A idéia de colocar um terceiro carro é interessante, mas impraticável para certos times. E nem mesmo os times de ponta acham isso interessante, pelo aumento de custos que sofreriam para manter estes 3 carros em condições de competição.
A BAR pretendia competir com duas pinturas diferentes em seus carros. Foi proibida pela FIA. Se permitida, isso ajudaria os times em dificuldades financeiras, mas...
            Soluções que poderiam ajudar a F-1 a ter mais participantes, e melhorar suas condições de apresentarem performances mais satisfatórias seriam a adoção de pinturas e patrocínios diferentes para os carros de um time, a possibilidade de venda de chassis, e a possibilidade de times correrem com apenas 1 carro. Mas nas tratativas feitas até hoje, quando estas idéias eram postas na mesa, sempre foram rechaçadas. Curioso é que a categoria já permitiu isso no passado, mas hoje em dia, é praticamente proibido pelo regulamento. Em 1999, antes de estrear no campeonato, tentou viabilizar a idéia de competir com carros com patrocínio de marcas diferentes da BAT, uma das sócias, mas foi barrada pela FIA. E, na época, em conversas de bastidores, teria sido mencionado que se fosse liberado os patrocínios diferentes, isso realmente ajudaria os times menores a se manterem na competição, de onde se vê que não é de hoje o esforço da FOM e da FIA para "limpar" o grid da F-1, querendo ter apenas gente recheada de grana. Na época, o principal argumento contra a liberação era manter a identidade visual dos times... Argumentos sempre existem. No caso das vendas de chassis, o problema é obter unanimidade das escuderias: quem está mal no campeonato não quer nem saber de ver um rival equipado com um equipamento melhor comprado no mercado: imagine Peter Sauber vendo seu time superado na pista por uma Caterham que tivesse comprado chassis da Mercedes, por exemplo? No ano passado isso poderia ser aplicado à Williams, e assim por diante. E nos anos 1970, haviam times que corriam com carros fabricados por outros times, prática que foi abandonada a partir dos anos 1980.
Em suas primeiras temporadas, a pequena AGS corria apenas com um carro, o que ajudava a cortar custos. Na foto, Ivan Capelli no GP de Portugal de 1986.
            Até o início dos anos 1990, ainda haviam times que alinhavam apenas 1 carro, justamente por causa dos poucos recursos de que dispunham. Claro que, na disputa do campeonato de construtores, isso era desvantajoso, mas era muito útil para manter os custos em ordem. Hoje, isso não é permitido: todo time tem que alinhar dois carros, e ponto final.
            A F-1 precisa encontrar um meio de combinar as chances de competição entre os participantes, de modo a diminuir, ou pelo menos dar mais chance de escuderias pequenas melhorarem sua performance. Este ano, visando tornar a competição mais justa, a MotoGP estabeleceu regulamento com distinção entre seus times, separando-os em "fábricas" e "abertas", sendo estes últimos times privados que não contam a mesma estrutura dos times oficiais das fábricas. Seria uma idéia interessante de se adotar na F-1, mas vão tentar convencer os times disso, e ainda mais Bernie Ecclestone... Enquanto este mantiver sua mentalidade do jeito que está, podem esquecer. E a FIA, infelizmente, dá de ombros para o problema. Os pequenos que se virem...

Nélson Piquet na McLaren em 1978? Quase: era um time particular que havia comprado um chassi da escuderia inglesa. Prática hoje não permitida na F-1.

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